OS
PROTETORES
série de
FELIPE LIMA BORGES
Temporada 1, Episódio 07
“O Mundo de Sofia”
escrito por
FELIPE LIMA BORGES
O.S.: Indica que o personagem falando está no cenário, mas fora do alcance da câmera.
V.O.: Indica que o personagem falando não está no cenário, soando como uma narração.
FLASHBACK: Ação que ocorre no passado.
FLASHFORWARD: Ação que ocorre no futuro.
Tela preta.
A terra é insultada e oferece suas
flores como resposta.
Rabindranath Tagore
FADE IN:
CENA 1: FLASHBACK:
INT. CASA DE CLARA – QUARTO DE SOFIA - DIA
Um quarto de menina decorado caprichosamente.
Sentada no berço, a bebê SOFIA (1
ano) se distrai com alguns brinquedos. Som de vozes conversando. Ao fundo, pela
porta aberta, vulto de duas pessoas em outro cômodo.
PAULO
(O.S.)
Fique
tranquila, Clara, já fiz esse percurso muitas vezes.
CLARA
(O.S.)
Eu sei que
sim, meu amor, mas você precisa tomar cuidado. Me prometa que não vai se
arriscar sem necessidade.
PAULO
(O.S.)
Não se
preocupe, eu prometo. Vou estar com as duas pessoas mais importantes da minha
vida na minha mente. Louco pra voltar pros braços delas.
Sofia então se segura nas grades e
fica de pé. PAULO (30 anos) e CLARA (26 anos) entram no quarto e ele pega a
filha no colo.
PAULO
Minha filha
amada, meu tesouro... Papai vai viajar, mas logo volta pra você, tá bom? Não
vai dar trabalho pra mamãe...
Atenta, Sofia encara Paulo, que
sorri e beija suas bochechas.
PAULO
(para
Clara) Vem aqui, deixa eu aproveitar os minutinhos que ainda tenho...
Paulo abraça Clara e Sofia
transbordando afeto.
PAULO
Vou sentir
muita saudade...
CORTA PARA:
CENA 2:
FLASHBACK: EXT. PENHASCO DO QUINTAL DE CLARA – DIA
De pé à beira do abismo, Clara com
Sofia em seu colo dá tchau com a mão para algo que passa no céu e incentiva a
filha a fazer o mesmo. Em seguida vemos que é um bimotor, que acabou de
decolar, com Paulo pilotando-o. Finalmente a pequena Sofia, alegre, dá tchau
para o avião junto à sua mãe.
CORTA PARA:
CENA 3:
FLASHBACK: UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – CAMPUS – ENTARDECER
Em tom de comemoração, um grupo de
seis ou sete acadêmicos, entre eles Sofia (18 anos), se cumprimentam com high
five e se abraçam alegres.
ACADÊMICA 1
Qual a
melhor panelinha do 1°A?!
Eles gritam.
ACADÊMICA 2
Todo mundo
acima de oitô!!!
Mais gritos de comemoração.
ACADÊMICA 3
Queria só
ver a cara da Luana e aquele grupinho dela!
SOFIA
Estão
dizendo que ela e a Vanessa pegaram exame de Botânica e Embriologia...
ACADÊMICO 1
Ué, não é
ela que vive pagando de sabichona?
ACADÊMICA 1
Ah, gente,
eles tentam, mas nosso grupo é o nosso grupo.
Eles concordam alegres.
ACADÊMICA 2
E sabem o
que isso significa?! Bora pro bar galera!!!
Eles gritam concordando, menos
Sofia.
SOFIA
Ah,
gente... Eu não quero ser estraga-prazeres de ninguém, mas eu vou nessa... Preciso
mesmo pegar o beco...
ACADÊMICA 3
Ué, Sofia,
que que tá rolando?
ACADÊMICO 2
Pô, uma das
melhores da sala...
SOFIA
Não, é
sério, eu tô de boa. Podem ir vocês, a gente marca depois alguma coisa nas
férias.
ACADÊMICA 1
Mana, minha
linda, abre o jogo. Fala qual é o lance.
SOFIA
Tá, tá... É
que eu tô de carro, galera, não dá pra eu beber e--
Sofia é interrompida pelo grito de
reprovação deles.
ACADÊMICA 1
Não te
preocupe, mana, a gente dá um jeito depois. Alguém liga pra sua mãe ou a gente
faz uma vaquinha pra chamar um táxi pra você, não é galera?!
Eles respondem concordando.
ACADÊMICA 1
O
importante é que você não falte! Bora! Bora, galera! Bora beber!!!
Persuadida, Sofia se deixa levar e
os acadêmicos partem.
CORTA PARA:
CENA 4:
FLASHBACK: INT. BAR – NOITE
Show de luzes e música alta!
Dezenas de jovens dançam e pulam muito, a maioria concentrada na pista de
dança. Sofia, próxima ao balcão do barman, vira uma caneca de cerveja. A acadêmica
1 se aproxima vindo da pista.
ACADÊMICA 1
Se preferir
a gente te deixa num posto de gasolina! Pra quem não queria beber porque tava
de carro...
Sofia olha para a garota e limpa os
beiços com a mão.
SOFIA
(cínica) Que carro?
A acadêmica 1 ri e pega Sofia pelo
braço.
ACADÊMICA 1
Vem, bora
dançar antes que troquem de música!
As duas vão para o meio dos outros
e começam a dançar irradiantes. Por uma rápida montagem vemos Sofia e os
colegas dançando por muito tempo...
FADE OUT:
FADE IN:
CENA 5:
FLASHBACK: INT. BAR – NOITE – HORAS DEPOIS
Debruçada sobre o balcão, Sofia
acorda subitamente. Franze o cenho e olha ao redor. Está sentada. A música,
baixinha e distante. O salão, quase totalmente vazio. Uma ou outra pessoa
cambaleia bêbada para a saída.
SOFIA
Pessoal?...
Sofia leva a mão à cabeça, parece
tonta. Olha mais uma vez ao redor. Então tenta ficar em pé... mas tropeça e se
segura no balcão para não cair.
SOFIA
(olhando ao
redor) Galera? Cadê vocês?...
Sofia então tenta andar, mas alguns
passos depois ela desmonta no chão.
SOFIA
Socorro...
Um FUNCIONÁRIO se aproxima e a levanta.
FUNCIONÁRIO
Só posso te
levar até a saída.
O funcionário deixa Sofia na saída.
SOFIA
Obrigada...
FUNCIONÁRIO
Já tô
acostumado...
SOFIA
Escuta,
você... não viu um pessoal aqui? Da minha idade, eu vim com eles e eles me
disseram que me levariam embora...
FUNCIONÁRIO
Desculpe,
pela sua descrição poderia ser qualquer um... Eu tenho que ir.
O funcionário volta e Sofia,
escorada na entrada, pega seu celular. Mas ele está sem bateria. Ela o guarda e
respira fundo.
SOFIA
Bora, mana.
Você consegue.
CORTA PARA:
CENA 6: FLASHBACK:
EXT. RUA – NOITE
Apoiando-se no muro para não cair,
Sofia se aproxima de seu carro. Pega a chave e o abre. Faz uma pausa antes de
entrar.
SOFIA
Não pode
ser tão difícil...
Ela finalmente entra e fecha a
porta. Com dificuldade coloca a chave na ignição e liga o veículo. Olha para os
lados e sai.
CORTA PARA:
CENA 7: FLASHBACK:
INT. RUA – CARRO – NOITE
Sofia dirige. O carro está indo
bem, sem problemas. Então ela sorri... Suas piscadas, porém, são demoradas
demais.
SOFIA
Eu não
disse?...
Sofia começa a cantar a música do
bar enquanto dirige, dirige, dirige... BAHN!!! O carro solavanca e ela freia
bruscamente.
Assustada e com os olhos
arregalados, ela olha para os lados e depois pelos retrovisores, mas dado seu
estado de embriaguez, franze o cenho não conseguindo discernir o que está lá
trás.
SOFIA
(preocupada) Que
isso?...
Ela
então abre a porta e sai do carro.
CENA 8:
FLASHBACK: EXT. RUA – NOITE
A rua está deserta e nenhuma alma
percorre as calçadas. Sofia para ao lado da roda traseira do carro e observa o
que ficou para trás. De repente leva as mãos à boca, horrorizada.
Transtornada e mancando, ela começa
a se aproximar do vulto jogado no meio da rua; está entrando em desespero. A
poucos metros do corpo, Sofia cai de joelhos... e vemos que o corpo atropelado
é de uma cadela vira-lata. Uma pequena poça de sangue se formou sob o animal.
De joelhos no asfalto e com as mãos
ainda tapando a boca, Sofia se desespera e começa a chorar compulsivamente.
SOFIA
Não, não,
não, não, não, não, não, não, não, não, não... Que foi que eu fiz, que foi que
eu fiz, que foi que eu fiz... Não...
Sofia se aproxima da fêmea e a toca
tremendo, como se houvesse algo que ela possa fazer para reverter a situação...
Lágrimas espessas jorram de seus olhos e se misturam ao sangue e aos pelos...
De repente, de um terreno baldio
ali do lado, um barulho e... cinco filhotes de vira-lata atravessam a calçada e
se aproximam inocentemente da cadela. Sofia os observa confusa e ainda
transtornada. Os filhotes localizam a mãe pelo faro e se acomodam
confortavelmente na região da barriga. E então começam a mamar no corpo morto
do animal.
Uma sombra de pânico e horror toma
o semblante já transtornado de Sofia, e seu choro se funde a um acesso de
tremedeira e soluços...
FADE OUT:
FADE IN:
CENA 9:
FLASHBACK: EXT. RUA – NOITE – ALGUM TEMPO DEPOIS
Encarando o nada com os olhos
vermelhos e inchados e balançando o corpo suavemente para frente e para trás,
Sofia cantarola bem baixinho alguma canção, algo como o tema de "O
Labirinto do Fauno". Seus braços e pernas cercam o espaço onde estão os
filhotes ainda tranquilos com a presença da mãe. Sofia continua a cantarolar
mantendo sua expressão vazia...
De repente uma luz surge por detrás
da figura de Sofia e se intensifica... Em seguida vemos que é um carro. Alguém
desce e o vulto do MOTORISTA se aproxima hesitante.
MOTORISTA
Oi! Tá tudo
bem, moça?!
Sofia continua alheia ao mundo ao
seu redor. O motorista se aproxima mais e toca o ombro da garota com cuidado.
MOTORISTA
Moça?
Sofia vira o rosto bem devagar para
o homem confuso.
MOTORISTA
O que você
tá fazendo aí? Precisa de ajuda?!
Sofia leva o dedo aos lábios...
SOFIA
(baixinho) Shhh...
O motorista a observa totalmente
confuso e sem saber o que fazer enquanto ela volta a encarar o nada à sua
frente, cantarolando tristemente...
CORTA PARA:
CORTA PARA:
CENA 10: INT.
BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ESCRITÓRIO DE OSVALDO – DIA
Sentado à mesa do chefe, ADRIEL
reflete sobre o que acabou de ouvir de OSVALDO, que está sentado na lateral de
sua própria mesa.
ADRIEL
Jamais eu
poderia imaginar que algo assim foi o que a motivou.
OSVALDO
O amor pela
natureza sempre existiu dentro dela, mas a força protetora que a tirou da zona
de conforto pra agir e fazer a diferença, essa despertou naquela noite.
ADRIEL
É uma
pena... Uma pessoa que ama tanto os animais ter que passar por isso...
OSVALDO
Para alguns
traumas, o tempo é de fato o melhor remédio. Mas outros necessitam de algo
maior. Uma ação como resposta. (pequena pausa) Adriel, é verdade que Sofia
não costuma contar sobre aquela noite para as pessoas, mas já que o senhor está
de volta para nos ajudar na investigação, é necessário que tenha uma ideia mais
clara do tamanho do catalisador que move aquela mulher todos os dias.
ADRIEL
E... o que
aconteceu, afinal? O que já se sabe? Eu só sei que ela está—
OSVALDO
(interrompendo) Desaparecida.
Há quase 4 dias. Bom, acredito que o senhor tenha notado nela um certo ar de
frustração nos últimos dias.
ADRIEL
Sim, é
verdade...
OSVALDO
E eu a
compreendo. O motivo disso são as resoluções de alguns casos do tempo em que
seu parceiro ainda era o sargento Marcos, o qual o senhor substituiu. Em um
desses casos eles desmantelaram uma operação de tráfico de animais silvestres.
CORTA PARA:
CENA 11: FLASHBACK:
EXT. PÁTIO DE DESCARGA – DIA
Três viaturas da polícia ambiental
freiam bruscamente na entrada e Sofia e MARCOS, não fardados, descem armados e
se aproximam correndo do portão seguidos por vários policiais ambientais
fardados e armados.
SOFIA
Polícia!
Polícia! Todo mundo no chão!
MARCOS
Parados,
polícia! No chão, no chão!
Alguns homens no pátio correm
assustados. Vários policiais forçam o portão, invadem o local cheio de
caminhões de frete e começam a capturar os fugitivos.
Sofia, Marcos e uns dois policiais
abrem a carroceria de um dos caminhões, e dentro descobrem gaiolas com pássaros
empilhadas de baixo a cima.
MARCOS
(para Sofia) São todos
seus.
CORTA PARA:
CENA 12:
INT. BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ESCRITÓRIO DE OSVALDO – DIA
OSVALDO
Todos os envolvidos
foram presos. Em outra época foi um segurança de uma rede de hipermercados que
espancou até à morte um cachorro que entrou no estabelecimento atrás de comida.
Sofia travou uma verdadeira batalha burocrática até conseguir, em cima da hora,
um mandado de prisão. O tal segurança planejava fugir para Belém.
CORTA PARA:
CENA 13:
FLASHBACK: EXT. RODOVIÁRIA DE MANAUS – ENTRADA – DIA
Um ônibus de viagem manobra saindo
da rodoviária. Mas ao entrar na rua o carro de Sofia o bloqueia e ela e Marcos
descem segurando uma arma e mostrando ao motorista lá dentro seus distintivos.
CENA 14:
FLASHBACK: INT. ÔNIBUS – DIA
Sofia e Marcos sobem, mostram
novamente os distintivos para o motorista e entram onde estão os passageiros
confusos. A dupla passa pelo corredor observando cada rosto à procura do
segurança. Finalmente Sofia localiza o SEGURANÇA, e ele, percebendo que foi
pego, levanta os braços em rendição. Ela se aproxima e o levanta.
SOFIA
Garoto
esperto.
CORTA PARA:
CENA 15:
INT. BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ESCRITÓRIO DE OSVALDO – DIA
OSVALDO
Em outra
ocasião Sofia não teve a mesma paciência de esperar um mandado, e invadiu a
casa de uma empregada denunciada anonimamente por extremos maus-tratos ao
cachorro e ao bebê dos patrões.
CORTA PARA:
CENA 16:
FLASHBACK: EXT. CASA DA EMPREGADA – QUINTAL – DIA
A EMPREGADA estende suas roupas nos
varais quando ouve-se um barulho.
EMPREGADA
(olhando
para um lado) Amor? Chegou mais cedo, foi?
Ela vira para o lado oposto e é
surpreendida por Sofia, apontando a arma, surgindo por entre as roupas penduradas.
SOFIA
Encosta na
parede.
EMPREGADA
Quê?...
SOFIA
Agora!
Sofia empurra a mulher contra o
muro e puxa seus braços para trás.
SOFIA
Você tá
presa! (baixinho) Covarde...
CORTA PARA:
CENA 17:
INT. BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ESCRITÓRIO DE OSVALDO – DIA
ADRIEL
Interessante.
Mas qual é mesma a relação entre todos esses casos?
OSVALDO
Todos eles
encontraram um desfecho na Justiça nas últimas semanas. O responsável pelos
animais do tráfico foi solto por falta de provas, tendo apenas que pagar uma
multa por uma infração ou outra. O segurança do hipermercado pagou sua fiança,
provavelmente bancado pela rede, e vai responder em liberdade. E, por fim,
Sofia ainda foi notificada no início da semana passada pela invasão à casa da empregada
sem um mandado e sem flagrante. E só foi uma notificação porque eu fiz o que
pude para amenizar sua situação.
ADRIEL
Ela deve
ter comentado sobre uns casos antigos, mas... tudo bem superficialmente. Mas a
frustração dela era bem evidente.
CORTA PARA:
CENA 18:
FLASHBACK: INT. BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ESCRITÓRIO DA DICAM – DIA
Sofia e Adriel atentos, cada um, ao
seu próprio computador. Sofia expira, aperta as têmporas, mexe o pescoço e olha
para Adriel.
SOFIA
Eu preciso
tomar um ar. Já volto...
Adriel
a olha enquanto ela atravessa a sala e sai pela porta.
CENA 19:
FLASHBACK: CONT. – INT. TÉRREO – DIA
Sofia sai pelo elevador e nota
DIOGO.
SOFIA
Ei, Diogo!
O tenente Osvaldo quer falar com você. Está te esperando na sala dele.
DIOGO
O tenente?
O que ele quer comigo?
Sofia o olha levemente irônica e
continua a andar para a saída. Lá, ela encontra um CARTEIRO entrando e o
intercepta.
SOFIA
Ahn, dá
licença, eu vou ter que dar uma volta agora e gostaria de saber se tem algo pra
mim aí.
CARTEIRO
Nome?
SOFIA
Sofia
Medeiros.
CARTEIRO
Certo, um
momento...
O carteiro revira sua bolsa e a
entrega alguns envelopes.
SOFIA
Obrigada.
O carteiro entra e ela, parada na
porta, olha as coisas que recebeu. Entre os envelopes de todo tipo, um se
destaca pela cor amarelada. Sofia o pega e vê que só tem destinatário. Franze o
cenho, o abre e desdobra a carta que encontra. "Cara Sofia. Venha por meio
dessa carta contatar a única pessoa capaz de ser nossa mão direita em um
infortúnio. Um grande mal que julgávamos extinto ressurgiu das cinzas, mas,
dessa vez, os guerreiros de outrora não poderão combatê-lo a sós. Estou usando
esse meio ultrapassado de comunicação em razão da grande probabilidade de
estarmos sendo vigiados pelo mal de que falei. Por ora, evite comentários sobre
isso com qualquer um, até mesmo com seu parceiro Adriel. E aguarde. Muito em
breve outra carta com novas instruções chegará à senhorita. Assinado, E.".
Sofia totalmente confusa.
SOFIA
Bárbara?
Bárbara, pode vir aqui um minuto?
BÁRBARA levanta de sua mesa e vem.
Quando está se aproximando de Sofia, essa parece mudar de ideia e esconde a
carta e o envelope amarelado entre as outras correspondências.
BÁRBARA
Pois não,
Sô?
SOFIA
Ahn, eu...
É que... Desculpe incomodar, Bá. Desculpa.
Sofia sai pela calçada, deixando
para trás uma Bárbara tão confusa quanto ela.
CORTA PARA:
CENA 20:
FLASHBACK: INT. CAFETERIA – DIA
Em uma das mesas, Sofia e FÁBIO
lancham.
FÁBIO
E então,
não é tão bom quanto o do Britinho?
SOFIA
É muito bom
sim, mas nenhum bolo se compara ao do Britinho. Principalmente agora que ele
deu um up na receita, você tem que ver.
FÁBIO
Dia desses
passo por lá...
Fábio come e Sofia o observa com
carinho.
SOFIA
Sabe,
amor... Depois de todos os problemas que a gente teve, eu estou mais feliz que
nunca com a nossa relação, com o nosso noivado... Sem briguinhas bestas, sem
ciúmes em excesso... (sorrindo apaixonada) Só nosso amor.
Fábio pega as mãos de Sofia na mesa
e as acaricia. Em seguida as leva até seus lábios e beija com carinho.
FÁBIO
Meu amor.
Também estou muito feliz com nós dois, mas eu acho que não foi pra isso que
você me chamou aqui.
SOFIA
É
verdade... Hoje eu recebi isso.
Sofia apresenta a carta para Fábio,
que pega intrigado e lê. Enquanto isso ela bebe café.
FÁBIO
Sem remetente?
SOFIA
Nada.
Contou sobre isso pra alguém? Pro
seu parceiro?...
SOFIA
Não,
ninguém. Só você sabe.
FÁBIO
E você já
investigou, de alguma forma?
SOFIA
(um tanto
cansada) Não, acho que eu vou esperar pela outra carta. Depois vejo o
que faço.
FÁBIO
Amor, você
tá bem?
SOFIA
(sorrindo
levemente) Tô sim, meu amor. É só um pouco de cansaço mesmo...
FÁBIO
Bom, então
eu vou tentar ajudar aproveitando que estamos aqui pra te contar a surpresa que
planejei pra nós dois.
SOFIA
Surpresa?
Hum, conta.
FÁBIO
Já ouviu
falar no restaurante Paradise?
SOFIA
(animada) Hummm, acho
que já ouvi algo por aí...
FÁBIO
Pois sábado
à noite ele será nosso. Apenas nosso.
SOFIA
O quê?! Do
que você tá falando, Fábio?
FÁBIO
Eu fiz
reservas e nós seremos os únicos clientes da noite.
SOFIA
Uau! Fico
impressionada, mas... não precisava, Fábio!... Deve ter custado o olho da cara!
FÁBIO
Pra te
agradar, nada é bom o suficiente.
SOFIA
Fábio...
Mas você tem dinheiro pra pagar? Eu posso te ajudar--
FÁBIO
(interrompendo) Não se
preocupe com isso, amor. Eu tinha um dinheiro ajuntado, e com o bônus que
ganhei pela viagem da empresa e mais um adiantamento que o patrão me deu, foi
tranquilo. Agora esquece isso e pense apenas na roupa que você vai usar.
Fábio começa a se ajeitar para
sair.
SOFIA
Você já
vai?
FÁBIO
(levantando) Tenho que
ir, afinal preciso compensar o adiantamento do chefe. Tudo pela noite com a
mulher mais linda da Amazônia.
SOFIA
Você é um
doce...
Fábio a beija.
FÁBIO
Te mando
mensagem assim que tiver em casa. Te amo.
SOFIA
Te amo
também.
Eles trocam sorrisos e Fábio sai.
Sofia, contente, bebe seu café. Seu celular toca, é Bárbara.
SOFIA
Bá?
BÁRBARA
(V.O.)
Sofia... Tô
te ligando só pra saber se você tá bem...
SOFIA
Ah, desculpe
por aquilo, Bá... Eu estava meio--
BÁRBARA
(V.O.)
(interrompendo) Não, Sô, não
é por aquilo... Você não ficou sabendo?
SOFIA
Sabendo?
Sabendo do quê?
BÁRBARA
(V.O.)
Aquele
segurança que matou o cachorro no mercado... Ele foi inocentado e liberado
hoje. A internet está em polvorosa...
Na revolta de Sofia,
CORTA PARA:
CENA 21:
INT. BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ESCRITÓRIO DE OSVALDO – DIA
ADRIEL
O senhor
acha que a notícia que Bárbara passou pra ela tem algo a ver com o
desaparecimento?
OSVALDO
Pode ter
sim, são muitas as possibilidades. Mas se ela ficou arrasada com a impunidade,
talvez não fosse tão necessário assim. Um ativista extremista condenou o
segurança em 2° instância.
CORTA PARA:
CENA 22:
FLASHBACK: EXT. RUA RESIDENCIAL – CALÇADA – DIA
O SEGURANÇA poda uma árvore em
frente à sua casa quando o ATIVISTA, usando um moletom preto com toca, se
aproxima com a mão no bolso. Antes que o segurança possa fazer algo, o ativista
agarra a nuca do homem como se fosse lhe dar um abraço e descarrega o revólver
em seu peito, até ele cair no chão ensanguentado. O ativista corre.
CORTA PARA:
CENA 23:
INT. BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ESCRITÓRIO DE OSVALDO – DIA
ADRIEL
Então isso
existe... Versões sombrias de Sofia...
OSVALDO
Você se
surpreenderia com o que há no universo da luta ambiental. (pequena pausa)
Na mesma tarde que Bárbara deu a notícia à sua parceira, eu chamei o Diogo pra
falar comigo sobre o que vocês dois me relataram.
CORTA PARA:
CENA 24:
FLASHBACK: INT. BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ESCRITÓRIO DE OSVALDO – DIA
DIOGO
(murmurando) Bando de
X-9...
OSVALDO
O que
disse, sargento?
DIOGO
Ahn, nada,
senhor. Só estava pensando alto.
OSVALDO
Senhor
Diogo, o senhor sabe porque está aqui?
DIOGO
Não, senhor.
OSVALDO
Não faz a
mínima ideia?
DIOGO
(levemente
nervoso) Não, senhor... Desculpe.
OSVALDO
Sofia e
Adriel, dois dos meus melhores guerreiros e colegas seus, vieram até mim
relatar comportamentos duvidosos da parte do senhor, com cujas descrições nem
vou perder meu tempo.
DIOGO
Eu--
OSVALDO
(interrompendo) Visto que
eu sei que essa história deles é conhecida pelo senhor, e que ela procede, não
é mesmo? Essa história não procede, sargento? Me diga se ela não procede.
DIOGO
Sim...
senhor... ela procede.
OSVALDO
Ótimo! Já
que o senhor tem ciência de que ela é real, e nós todos concordamos com isso,
eu não vou nem mesmo querer ouvir a sua versão dos fatos. Vou simplesmente
designar o senhor para trabalhar junto com os dois sargentos por um breve
tempo, como medida disciplinar. Estamos entendidos, sargento?
DIOGO
Sim,
senhor.
ADRIEL
(V.O.)
Sofia
realmente passou uma tarde com Diogo, mas eu não pude estar com eles. O tenente
Roberto havia me chamado pra falar com ele.
CORTA PARA:
CENA 25:
FLASHBACK: INT. LAN HOUSE – DIA
Em um dos computadores, usando um
headset e de braços cruzados, Adriel conversa com ROBERTO por Skype.
ROBERTO
(V.O.)
Que parte
você não entendeu, Adriel?
ADRIEL
Eu não
entendo parte nenhuma dessa merda.
ROBERTO
(V.O.)
Então tenha
em mente apenas que você deve voltar pra São Paulo no próximo sábado à noite.
Pra prestar esclarecimentos pessoalmente. Tá simples agora?
ADRIEL
Que seja.
ROBERTO
(V.O.)
Abre seu
e-mail que as passagens serão enviadas pra lá. Ahn, que diabos de lugar é esse
que você tá, hein?
CORTA PARA:
CENA 26:
FLASHABCK: INT. BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ESCRITÓRIO DA DICAM – DIA
Sofia abre a porta de seu
escritório e é surpreendida por Diogo sentado na cadeira de Adriel. Ela para na
entrada.
SOFIA
O que você
tá fazendo aqui?
DIOGO
Diga oi ao
seu mais novo parceiro.
SOFIA
(olhando
confusa para fora) Mas que merda é--
DIOGO
(interrompendo
e se levantando) Não se preocupe, ó sargento Sofia. O tenente
Osvaldo acredita que a solução para os males que você, Adriel e eu temos em comum
é trabalharmos juntos. (sorrindo cinicamente) E se ele mandou, assim
faremos.
SOFIA
Ah...
Talvez fosse melhor não ter te denunciado.
DIOGO
Agora
aguente, parceira. E se isso ajuda, também não tenho o menor prazer de ver
vocês por mais de 1 minuto. E então, bora?
SOFIA
"Bora"?
Bora o quê?
DIOGO
(indo até à
mesa de Sofia e pegando uma folha) Eu aproveitei enquanto você estava
no almoço pra procurar um caso, e encontrei isso. Uma tartaruga de estimação
desapareceu da casa dos donos no Japiim. Veja se esse não é mais um caso para a
implacável DICAM resolver e salvar o dia.
SOFIA
Nem preciso
me aproximar mais pra saber que se trata de um jabuti, e não de uma tartaruga.
E esse é um caso leve. Leve até demais. Não me surpreende ele ter sido
encontrado – senão escolhido – por você. Mas nós vamos averiguar sim,
sem dúvidas.
Diogo sorri cinicamente.
CORTA PARA:
CENA 27:
FLASHBACK: EXT. RUA – DIA
Na calçada em frente a um portão
aberto, Sofia e Diogo conversam com um casal preocupado.
MULHER
Sim, sim,
tá tudo legalizado, nós temos todos os documentos que pedem, autorização do
IBAMA e tudo. Não tinha nada de errado com ele.
SOFIA
OK. Agora
peço que vocês não se preocupem, nós vamos checar o entorno e--
HOMEM
(interrompendo) Já fizemos
isso! Eu já olhei em tudo, nos vizinhos, nos nossos parentes que moram em
volta!
DIOGO
Acontece
que existe uma pequena diferença aqui, cidadão. Nós somos policiais (Sofia
incomodada). Agora se recolha ao seu lar e aguarde nosso contato.
SOFIA
Bora,
sargento.
MULHER
Nos deem
notícias o mais rápido possível... Por favor.
DIOGO
Façam como
instruiu minha parceira: não se preocupem. E além do mais essa tartaruga não deve
ter ido longe, não é mesmo? Afinal, é uma tartaruga...
SOFIA
Bora,
Diogo! Até mais, senhores.
DIOGO
Até mais.
O homem e a mulher fazem que sim
com a cabeça e se entreolham preocupados. Sofia e Diogo caminham pela calçada.
SOFIA
Não me
interessa se você está aqui por obrigação, por livre e espontânea vontade, por
castigo ou o que for, o que interessa é que você está aqui. E se é
assim, trate de compreender e colocar em prática o que eu te ensinar. Existem
diferenças muito significativas entre uma tartaruga, um jabuti e um cágado. São
todos quelônios, mas o que estamos procurando é um jabuti, quelônio terrestre.
Entendeu, Diogo? Um jabuti.
DIOGO
Tanto faz.
Não devem ter mais bichos com pescoção e carapaça perdidos por aí. Quando acharmos
ele, vamos saber que encontramos e pronto.
Sofia revira os olhos.
DIOGO
Sabe,
Sofia, é uma pena que o Adriel não tenha vindo. Só imagino como isso poderia
ser ainda mais divertido.
SOFIA
Qual é o
seu prazer em ser um tremendo babaca com a gente, hein Diogo? Não só comigo e o
Adriel, mas a Bárbara--
DIOGO
(interrompendo) Que que
tem a Bárbara?
SOFIA
Todo mundo
no batalhão presenciou a cena patética que você provocou.
DIOGO
(incomodado) Por que
aquilo teria algo a ver com a Bárbara?
SOFIA
Diogo, eu
sei que você não quer falar sobre isso--
DIOGO
(interrompendo) Verdade,
não quero.
SOFIA
Tá, mas eu
não tenho nada com a Bárbara. Nada mesmo. Somos apenas amigas e
boas colegas de trabalho. Se você quer algo com ela, então vai à luta e a conquiste.
Mas para de me perturbar e perturbar o meu parceiro!
DIOGO
Bárbara...
tão bela, tão... única... É uma pena que seja uma... aberração.
SOFIA
Você se
refere à suspeita dela ser lésbica, não é?
DIOGO
Não é
suspeita, tá na cara que ela é amarradona em você. Por que as coisas tem que
ser assim?... Um anjo como aquele descer tão baixo...
SOFIA
Eu não
tenho nenhum motivo pra morrer de amores pelos gays, mas você tem muito menos
pra ser um babaca preconceituoso.
DIOGO
Se for pra
vir com papo de vitimismo, chega desse assunto! Acabou. Onde estamos indo,
afinal?
SOFIA
Eu conheço
esse bairro, uma amiga da época da escola morava com a vó por aqui, talvez
naquela rua...
DIOGO
Ela ainda
está por aqui? Acha que pode nos ajudar?
SOFIA
Não, ela
voltou pra casa dos pais em Boa Vista. Perdi uma grande amizade, apesar dela
ser mais velha, de outra sala... Enfim, hoje ela tá lá pro Centro-Oeste, pelo
que eu soube, então não poderá nos ajudar.
DIOGO
E então,
por onde começaremos a olhar?
SOFIA
Já devia
ter começado desde que saímos da presença do casal. Mas num bairro aqui perto
tem o boteco do Britinho, e um andarilho, o Pompeo, vive por lá. Talvez ele
possa nos ser útil.
CORTA PARA:
CENA 28: FLASHBACK:
INT. BOTECO DE BRITINHO – DIA
Em uma das mesas, Sofia e POMPEO
sentados; Diogo de pé, ao lado. BRITINHO trabalhando no outro lado do balcão.
POMPEO
Jabuti?
Então acho que eu vi. Aliás, eu que peguei ele, visse...
SOFIA
O quê? Como
assim, Pompeo?
POMPEO
Olha, dona
Sofia, eu sei que a senhora ama usanimais e trabalha na polícia protegendo
osubichos, a natureza, e pra limpar pro meu lado já vou explicando que no meu
entender tudo que aconteceu tinha sido um sonho. Só agora com a senhora
e esse senhor relatando que eu cheguei à conclusão que foi de verdade.
DIOGO
Fale de uma
vez, cidadão.
POMPEO
Essa noite
eu levantei pra tirar água do joelho e depois fui dar umas volta pela rua pra
tomar um ar fresco e apreciar o céu cheinho de estrelas. Foi quando--
SOFIA
(interrompendo) Um
momento, Pompeo. Você foi realmente só tomar ar fresco e ver as estrelas?
POMPEO
Tudo bem,
dona Sofia, não vou mentir pra senhora que eu tomei uns goles... Tá, uma
garrafa e meia só. Nem uma gota a mais.
DIOGO
Você tomou
o suficiente pra se embriagar, por isso estava achando que fosse tudo sonho.
POMPEO
É, só pode
ser, né... Sei que eu tava andando pela calçada quando vim um chapéu bem no pé
dum portão, só que do lado de dentro do quintal. E ele tava andando, daí
eu pensei que o vento que tinha tocado ele pela rua até cair dentro daquela
casa. Então eu resolvi pegar pra mim, pra ficar um pouco mais apresentado e
quem sabe fazer uma pitanguinha olhar pra mim...
SOFIA
Você pulou
o portão?
DIOGO
Sabe que
invasão de domicílio é crime, não sabe?
POMPEO
Mas não foi
uma invasão invasão, assim como o jeito que o senhor tá falando deixa a
entender. Eu mal plantei meu pé naquele quintal, visse. Só peguei o chapéu sem
dono e tomei meu rumo.
SOFIA
Mas não era
um chapéu...
POMPEO
Pra mim que
era, só não me servia. Mal aquela joça parava na minha cabeça. Sem falar que
era bem pesado. Mas quando eu vi uma placa grande de propaganda, com o
desenho dum boneco desses de criança, pensei que o chapéu esquisitão fosse uma
parte da propaganda que tinha quebrado, desprendido... Porque eita boneco feio
da porra aquele lá sem nada na cabeça.
SOFIA
Você...
você fez o que com o ja/ com o chapéu?
POMPEO
Subi até no
topo da placa e deixei ele lá, bem em cima da cabeça do boneco feio.
DIOGO
Como você
subiu lá, criatura?
POMPEO
E eu sei
lá... O árcol deve ter dado uma força, não lembro... Já falei que no meu
conhecimento isso tinha sido um sonho.
SOFIA
Tá mais pra
pesadelo, Pompeo. Bora, nos leve até lá.
CORTA PARA:
CENA 29:
FLASHBACK: EXT. RUA – DIA
Sofia, Diogo e Pompeo olham para o
outdoor cuja propaganda apresenta o desenho de um boneco. Sobre o topo da
cabeça desse, depositado sobre a aresta superior da placa, está o jabuti.
POMPEO
Olhando
daqui, a essa hora do dia... até que parece um jabuti mesmo.
SOFIA
Pompeo...
você não existe.
DIOGO
Como vamos
tirar aquele bicho de lá? Devo ligar chamando--
SOFIA
(interrompendo) Eu vou
subir.
DIOGO
Quê? Você
ficou maluca, mulher?
SOFIA
Pompeo
subiu no escuro e bêbado, então eu consigo. (para Pompeo) Você me dá
pezinho pra subir nessa mureta?
POMPEO
Claro, dona
Sofia.
DIOGO
Se ele
conseguiu então tem que ir de novo! Ele que arrumou esse problema.
SOFIA
Sargento
Diogo, nós não ganhamos salário pros civis fazerem nosso trabalho. Se não quer
ir, fica aqui embaixo. E quieto, de preferência. Bora, Pompeo.
Diogo balança a cabeça desaprovando
e Pompeo ajuda Sofia a subir uma mureta. Diogo cruza os braços e a observa.
Sofia sobe, caminha alguns passos,
sobe outro obstáculo, dependura, sobe mais...
DIOGO
Na
faculdade você imaginou que faria isso quando se formasse?
SOFIA
Já falei
pra ficar quieto se não for ajudar.
POMPEO
(para
Diogo) O senhor não fica constrangido de deixar a moça subir e ficar
aqui de braços cruzados?
DIOGO
(baixinho) Bico
calado ou te prendo por desacato à autoridade.
Sofia então caminha sobre uma
estreita platibanda. De um lado, uma dolorosa queda até a calçada lá embaixo. Do
outro, o frágil e sujo telhado de uma casa. Ela se equilibra, concentrada, até
alcançar o local no outdoor onde está o jabuti.
SOFIA
Te achei,
amiguinho.
Finalmente Sofia estende os braços
e pega o animal. Mas, numa fração de segundo, ela se desequilibra, solta o
jabuti acidentalmente e cai sobre o telhado, que se parte e desaba sobre
móveis. Diogo corre e apanha o jabuti no ar antes de atingir a calçada.
DIOGO
Merda, Sofia!
Eu avisei! (entregando o jabuti para Pompeo) Pegue isso.
CORTA PARA:
CENA 30: FLASHBACK:
INT. BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ESCRITÓRIO DE OSVALDO – DIA
Desconcertados, Sofia e Diogo à
mesa de Osvaldo, de frente para ele. Ela com uma das mãos enfaixada.
Um silêncio constrangedor domina a
sala enquanto o tenente analisa alguns papeis. Sofia não se aguenta e quebra o
silêncio.
SOFIA
Senhor, eu
não podia deixar o animalzinho nem mais 1 minuto lá, com risco de cair--
OSVALDO
(interrompendo) Sofia.
Tudo bem.
Sofia respira fundo, um tanto
inquieta.
OSVALDO
A senhora
sabe que danificou gravemente a casa dos moradores, não sabe?
SOFIA
(mostrando a
mão enfaixada) Mais do que ninguém, senhor. Mas eu posso pagar ou
então que descontem do meu salário...
OSVALDO
Não se
preocupe, sargento, a corregedoria já está averiguando isso.
SOFIA
A
corregedoria?
Osvaldo faz que sim.
SOFIA
Isso não é
bom...
DIOGO
Senhor, eu
só gostaria de observar que eu fui contra a ação de Sofia.
SOFIA
Mas foi
você quem deu o caso!
DIOGO
Mas eu não
tive a ideia--
OSVALDO
(interrompendo)
Ei,
ei... Só aguardem, tudo bem? Voltem para seus postos de trabalho e aguardem.
SOFIA
Tudo bem,
senhor.
DIOGO
Entendido. (levantando)
Permissão para se retirar.
OSVALDO
Permissão
concedida, sargento. Vá.
Diogo vai saindo e Sofia ainda vira
para o tenente.
SOFIA
Desculpe,
senhor...
OSVALDO
Tudo bem, Sofia.
Quando eu tiver atualizações te aviso. Agora vá.
Sofia faz que sim e sai. Na
preocupação de Osvaldo,
CORTA PARA:
CENA 31:
FLASHBACK: INT. CASA DE SOFIA – QUARTO – NOITE
Aparentando cansaço, Sofia entra em
seu quarto passando nas mãos as coisas que recebeu. Envelopes de banco, uma
caixinha de produtos naturais e... outro envelope amarelo. Ela rapidamente o
rasga e desdobra a carta de dentro. Lê: "Cara Sofia. Como prometido, mais
uma vez venho até você com ânsia por ajuda. Sei que as chances de não confiar
em mim são grandes, mas esteja certa de que os autores intelectuais da ideia de
contatá-la tem pela natureza o mesmo respeito e admiração que você."
SOFIA
Que diabos!...
"Insisto nesse meio em função
do perigo cada vez maior que ameaça nossas vidas. Dessa vez venho lhe fazer um
convite para se encontrar comigo no próximo domingo, às 20:30, a fim de
esclarecermos toda essa inconveniente trama e, se eu afortunadamente puder lhe
convencer, lutar ao seu lado contra o mal de que tanto falo. Esteja livre para
vir armada até os dentes, se preferir. É até ideal que seja assim, para que não
percamos muito tempo e encerremos essa batalha antes que outras vidas sejam
ceifadas no processo. No verso dessa folha há uma mapa para que me encontre.
Por favor, a fim de preservarmos nossa segurança e não colocarmos tudo a
perder, não se atrase e não venha antes do combinado. Até lá. Assinado,
E."
Sofia vira a folha e vê um mapa
desenhado à mão, representando uma placa na estrada e alguns rabiscos
adentrando a floresta e atravessando um lago até um X vermelho. Sofia franze o
cenho, passa os olhos novamente pelo texto e reflete. Nisso, som de vibração, é
seu celular. Mensagem de Adriel: "Oi! Vamos tomar um açaí amanhã às 10?
:)".
CORTA PARA:
CENA 32:
FLASHBACK: EXT. PARQUE – DIA
Sofia, ainda com a mão enfaixada, e
Adriel sentados à mesa de um vendedor ambulante de gelados.
SOFIA
Então quer
dizer que você finalmente aceitou que isso é açaí de verdade...
ADRIEL
Aquelas
melecas que fazem em São Paulo me dão dor de cabeça.
SOFIA
Pra não ser
injusta, tenho que confessar que com um pouco de leite em pó é até que
agradável.
ADRIEL
Hummm,
ora... "Até que agradável"...
SOFIA
Só é pena
que seja um produto tão agressivo quimicamente.
ADRIEL
Estava
demorando... Senão não seria Sofia.
Sofia sorri.
ADRIEL
Falando em
São Paulo... eu te chamei aqui pra me despedir, Sô. Me convocaram pra voltar
pra lá. Parece que eles querem que eu me apresente pra que seja interrogado
pessoalmente.
SOFIA
(atingida) Ahn,
sério?...
Adriel respira fundo.
ADRIEL
É... É
sério.
Semblante de Sofia entre a decepção
e a tristeza.
SOFIA
Eu sinto
muito...
ADRIEL
Apesar de
tudo, eu vou sentir falta...
SOFIA
(leve sorriso) Manaus é
assim mesmo.
ADRIEL
Esse lugar
é todo esquisito e vou sempre me lembrar dele, mas eu não estou me referindo à
cidade.
Sofia percebe o que ele quis dizer
e fica um tanto desconcertada. Eles se encaram... sorriem com suavidade e
carinho... Até que, ainda sentados, abraçam um ao outro. Um longo abraço...
Depois se soltam e põe-se de pé.
Adriel pega as mãos dela.
ADRIEL
Eu vou
torcer por você, pra que encontre logo um parceiro definitivo nesse trabalho
que tanto te realiza. Um parceiro à altura da sua inteligência e competência.
Quem sabe assim seu outro braço seja preservado.
SOFIA
(terna) Obrigada...
Pra você eu desejo toda a sorte do mundo. Em tudo que for fazer, e de
toda enrascada que tiver que sair.
ADRIEL
No que
depender de mim, ainda haverá muitas.
Eles sorriem e se abraçam
novamente. Adriel beija a cabeça de Sofia. Eles se soltam e Adriel pega a mão
dela mais uma vez e beija com carinho. Ela sorri um tanto triste.
SOFIA
Também vou
sentir sua falta...
Adriel a encara carinhosamente.
SOFIA
De todos os
paulistas que conheci, você é o que eu mais fui com a cara...
Adriel sorri.
ADRIEL
Adeus,
Sofia. Até um dia desses...
SOFIA
Adeus, Adriel...
Adriel começa a se afastar puxando
a mão dela, parada em pé. As mãos de ambos se descolam e ele parte. Sofia o
observa se afastar até que uma discreta lágrima surge em seu olho e escorre
pelo rosto. Ela a limpa e continua observando Adriel se distanciar pelo
parque...
CORTA PARA:
CENA 33:
INT. BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ESCRITÓRIO DE OSVALDO – DIA
OSVALDO
Eu odeio
que Sofia teve que passar por isso de novo. Coitada...
Adriel, sentado, faz que sim.
OSVALDO
Essa foi a
última vez que você a viu?
ADRIEL
Sim. Foi
nosso último contato.
Osvaldo faz que sim e encara a
paisagem pela janela.
OSVALDO
Eu lamento
tanto não ter tido tempo de falar com ela sobre isso...
CORTA PARA:
CENA 34:
FLASHBACK: INT. CASA DE SOFIA – QUARTO – NOITE
Já com vestido de sair, Sofia
arruma o cabelo em frente ao espelho. Há uma tristeza aparente em sua face.
Atrás de seu reflexo, em cima de
uma cômoda, ela nota seu celular ligado. Para de se arrumar, vai até ele e abre
a galera de fotos. As mais recentes são dela, Adriel e Clara visitando o
Encontro das Águas. Sorri discretamente. Depois passa centenas de fotos de uma
vez até chegar às do tempo de faculdade, onde nenhum de seus colegas são
aqueles do início do episódio. Mais sorrisos... Depois vê sua versão de 18 anos
posando encostada ao carro que dirigia na noite do acidente, porém anteriormente
ao ocorrido. Ela encara especificamente a região do para-choque, onde a cadela
foi atingida... Leve tensão em seu rosto...
E ela muda de foto. Avança mais,
até ver ela e Fábio nos mais diversos lugares. Sua expressão fica mais serena.
CORTA PARA:
CENA 35:
FLASHBACK: INT. PARADISE – NOITE
O restaurante Paradise está
completamente vazio, porém conserva o mesmo cuidado de sempre com a decoração e
iluminação. Uma suave música parece vir de todos os cantos.
Sofia, tímida, chega à entrada e é
recebida por funcionários bem vestidos.
CONDUTOR
Por aqui,
senhora.
Ela é conduzida até uma mesa
posicionada estrategicamente, com vista privilegiada de fora e do salão. O
condutor puxa a cadeira para que ela sente.
SOFIA
Obrigada.
Outro funcionário se aproxima,
coloca uma taça na mesa e a enche de vinho. Ela sorri agradecida e eles se
afastam. Sofia se ajeita na cadeira e sorri, feliz, à espera de Fábio.
CORTA PARA:
CENA 36:
FLASHBACK: AEROPORTO INTERNACIONAL DE MANAUS – SAGUÃO – NOITE
No guichê da companhia aérea,
Adriel entrega seus documentos à FUNCIONÁRIA.
CORTA PARA:
CENA 37: FLASHBACK:
INT. PARADISE – NOITE
Já se passou um tempo considerável
desde que Sofia chegou. Sua taça está quase vazia e ela um tanto inquieta e
incomodada. Confere as horas, olha para os funcionários... Talvez eles também estejam
achando esquisito, mas mantém a compostura.
O celular de Sofia toca e ela olha
imediatamente. Mas se decepciona, é Clara. Ela atende.
SOFIA
Oi, mãe...
CLARA (V.O.)
Oi,
filha... Tudo bem?
SOFIA
Tudo, mãe.
Eu tô no Paradise agora. A senhora acredita que o Fábio reservou o restaurante
inteiro apenas pra nós dois?
CLARA
(V.O.)
O Paradise
todo?! Uau, agora o Fábio me surpreendeu... Que chique... Então desculpe
incomodar vocês.
SOFIA
Não, não
incomoda, mãe, até porque o Fábio não tá aqui. Estou há quase meia hora
esperando por ele...
CLARA
(V.O.)
Mesmo? Que
estranho... Bom, mas pode ser só um simples atraso, ou parte de alguma
surpresa... Não se preocupe, Sô, logo ele chega aí. Vou desligar e deixar você
à espera do seu noivo, tá? Tenham uma boa noite, aproveitem o jantar. Estou
feliz por você.
SOFIA
(leve sorriso) Tá bom,
mãe, obrigada. Tchau.
Sofia desliga e olha lá para
fora...
CORTA PARA:
CENA 38:
FLASHBACK: INT. AEROPORTO INTERNACIONAL DE MANAUS – SAGUÃO – NOITE
Escorado no balcão, Adriel aguarda.
Então a funcionária digita algo e faz que sim, sorrindo.
ADRIEL
(V.O.)
"Finalmente
rumo à São Paulo", pensei.
A funcionária lhe devolve seus
documentos pessoais e os bilhetes de viagem.
FUNCIONÁRIA
(sorrindo) Aqui,
senhor, embarque na plataforma 8. Boa viagem!
ADRIEL
Obrigado.
ADRIEL
(V.O.)
Rum, ledo
engano...
Adriel sai.
CORTA PARA:
CENA 39:
FLASHBACK: INT. PARADISE – NOITE
Sofia mexe em seu celular, já está
tarde. Ela procura Fábio em seus contatos e liga. Os funcionários, um pouco
distante, se entreolham confusos e preocupados. A ligação chama, chama, mas
Fábio não atende. Ela desliga e entra no WhatsApp, mas ele foi visto por último
há várias horas. Digita "Oi, cadê você???!!!" seguido de um emoji
chorando e envia, mas a mensagem nem mesmo é entregue. Frustrada, ela se
levanta, chama os funcionários e pega algo na bolsa. O condutor e outros se
aproximam.
SOFIA
Por favor,
fique com meu cartão pro caso dele também der o bolo em vocês e não pagar o
restante disso aqui tudo.
CONDUTOR
Senhora,
queira aguardar, por favor. Acredito que logo seu noivo chega.
SOFIA
Não,
obrigada. Já esperei mais do que o suficiente.
Sofia fecha sua bolsa e caminha
decidida até a saída. Lá para e vira para os funcionários.
SOFIA
Obrigada a
todos vocês. Fizeram um ótimo trabalho.
Sofia abre a porta e sai.
CORTA PARA:
CENA 40:
FLASHBACK: EXT. CASA DA VIZINHA DE FÁBIO – CALÇADA – NOITE
A VIZINHA (60 anos) de Fábio fala
com Sofia, que encara a casa do noivo de braços cruzados e visivelmente
decepcionada. As duas estão um pouco afastadas dos parentes da vizinha,
sentados na calçada conversando.
VIZINHA
Olha, dona
Sofia, eu não gosto de ficar falando das pessoas, principalmente dos meus
vizinhos, mas eu vi o seu Fábio saindo de tardezinha com aquele Diguinho e mais
um pessoal bem animado. Tinha mulher no meio, só digo isso, foi o que eu vi...
E o seu noivo me parecia já meio bêbado, bem alegrão...
SOFIA
Diguinho...
Eu conheço.
Sofia tira os olhos da casa de
Fábio e olha para a senhora.
SOFIA
A senhora
ouviu alguma coisa sobre o lugar pra onde eles estavam indo?
VIZINHA
Não que eu
tentei prestar atenção, dona Sofia, mas eu ouvi alguma coisa sobre Ponta Negra...
Sofia faz que sim devagar.
CORTA PARA:
CENA 41:
FLASHBACK: EXT. PRAIA DA PONTA NEGRA – PROXIMIDADES – RUA – CARRO DE SOFIA –
NOITE
Sofia
dirige. A Praia da Ponta Negra logo à frente. Seus olhos estão marejados... Ela
estaciona e desce.
CENA 42: FLASHBACK:
EXT. MIRANTE PRAIA DA PONTA NEGRA – NOITE
Sofia vem da calçada e vai até a
grade protetora do mirante. Olha todo o entorno lá embaixo, da orla à praia.
Não
encontra nada.
CENA 43:
FLASHBACK: EXT. PRAIA DA PONTA NEGRA – NOITE
Sofia caminha indo da areia ao
calçadão da orla e vice-versa. Observa todos os grupos de pessoas sentadas,
caminhando, festejando... Mas nenhum sinal de Fábio. Alguns a reparam, por
estar com roupa de sair em um local como aquele.
Ela
limpa uma lágrima.
CENA 44:
FLASHBACK: EXT. PRAIA DA PONTA NEGRA – PROXIMIDADES – NOITE
Fungando e limpando mais lágrimas,
Sofia caminha de volta para seu carro quando... vê, na direção contrária da
avenida, uma caminhonete que ela reconhece franzindo o cenho. Então começa a
caminhar naquela direção a passos rápidos e firmes. A decepção e a raiva
estampadas em seu rosto.
Algumas pessoas que passam por ela
percebem seu estado caótico e viram a cabeça cochichando.
Na carroceria da caminhonete e em
volta da mesma, homens e mulheres bebem, conversam e riem... E, sentado, está
Fábio com uma mulher no colo e outra no braço da cadeira.
SOFIA
FÁBIO!!!
Assustado, Fábio se levanta jogando
no chão a mulher em seu colo. Os amigos, confusos, param o que estão fazendo e
começam a observar a movimentação. Parada, Sofia desaba a chorar sem emitir
som. Os amigos se entreolham e olham para Fábio, atônito.
FÁBIO
Sofia,
amor!...
Fábio corre até Sofia e tenta
tocá-la, mas ela o afasta.
SOFIA
Por quê,
Fábio???!!! Por quê???!!!
FÁBIO
Amor, meu
amorzinho, amor, me escuta, eu posso explicar, eu posso te explicar tudo,
amor!...
SOFIA
Eu te
esperei!!! Eu te esperei no Paradise, seu desgraçado!!! E você aqui, com
essas... com essas aí!!! (batendo no peito de Fábio) Canalha!!! Canalha
desgraçado!!!
FÁBIO
Me
desculpa, amor! Por favor, me perdoa, me entenda, eu te amo, eu te amo muito!
Elas são só amigas, amor! Eu--
Slap! Fábio vira o rosto com o tapa
que leva de Sofia.
SOFIA
Por quê,
Fábio?! O que elas tem que eu não?! Ou o que eu te fiz pra ter que passar por
essa humilhação?! Quando foi que te dei motivos pra isso?! Sempre te dei todo o
meu amor, minha atenção, minha dedicação, Fábio! E é assim que você me
retribui!
FÁBIO
Por favor,
Sofia, meu amor, por favor, me perdoe! Eu não queria fazer isso, eles me
forçaram! Você sabe como esses caras são fodas!
SOFIA
Você acha
que eu sou uma idiota, Fábio?! Tá vendo alguma estúpida aqui?! Você pegava no
meu pé só por eu trabalhar com o Marcos, com o Adriel, e vem me dizer que
agarrou duas sirigaitas à força?!
GAROTA
Ei, me
respeita, viu!
SOFIA
(sem olhar
para ela) Não estou falando com você, garota!
FÁBIO
Sofia, meu
amor, eu confesso que eu errei! Eu fui mesmo um tremendo babaca, um canalha, e
por isso eu te peço perdão! Eu te peço perdão por tudo que é mais sagrado,
Sofia! Eu sou louco por você, amor! Você é a mulher da minha vida! Eu quero
casar com você, quero ter uma vida com você, meu amor! (se ajoelha) Me
perdoa, por favor, eu juro pra você que eu vou mudar! Eu juro pela alma de meu
pai, Sofia! Eu nunca mais vou questionar nada sobre sua vida, vou ser outra
pessoa, você vai ver! Por favor, meu amor! Por favor, me perdoa!
SOFIA
Levanta!
Levanta, seu idiota!
Fábio se levanta.
SOFIA
Não tem
perdão, Fábio. Não tem perdão coisa nenhuma!
FÁBIO
(começando
a chorar) Por favor...
SOFIA
Eu confiei
em você! Sempre o mais ciumento, o que queria controlar tudo! (pequena
pausa) Você não vale nada. É menos que um verme! Canalha é elogio pra você!
Sofia arranca o anel em seu dedo.
SOFIA
Me esquece,
Fábio! Me esquece pra sempre!
Sofia joga o anel no rosto de Fábio
e vai embora transtornada. Fábio chora.
CORTA PARA:
CENA 45:
FLASHBACK: INT. AVIÃO – NOITE
O reflexo do rosto pensativo de
Adriel sobrepõe as luzes noturnas de Manaus ficando cada vez mais para baixo e
para trás.
Largado na poltrona e escorado na
parede do avião, ele encara o vazio lá fora, perdido em pensamentos...
CORTA PARA:
CENA 46:
FLASHBACK: INT. RUA – CARRO – NOITE
Sofia chora enquanto dirige...
OSVALDO
(V.O.)
Dona Clara
contou que a filha passou a noite em sua casa.
CORTA PARA:
CENA 47: FLASHBACK:
INT. CASA DE CLARA – SALA – NOITE
Deitada no sofá com a cabeça no
colo da mãe, Sofia ainda chora amargamente. Clara, preocupada, acaricia a
cabeça da filha e seca suas lágrimas.
ADRIEL (V.O.)
Enquanto
isso eu chegava em Brasília apenas pra descobrir que não poderia seguir viagem.
CORTA PARA:
CENA 48: FLASHBACK:
INT. AEROPORTO INTERNACIONAL DE BRASÍLIA – NOITE
Adriel observa uma TV.
JORNALISTA
...as
fortes chuvas que atingem a região metropolitana de São Paulo. E pelo que
parece, não tem previsão para passar tão cedo, é isso mesmo, Gioconda?
Adriel olha um painel ao lado com
as atualizações dos voos. Todos com destino a São Paulo ganham status de
"CANCELADO".
ADRIEL (V.O.)
O pessoal
de São Paulo não teve outra escolha a não ser aceitar que eu não estaria lá na
data que eles estipularam. Como não havia previsão alguma de melhora e eu com
certeza não me hospedaria em um hotel, voltei pra Manaus.
CORTA PARA:
CENA 49:
INT. BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ESCRITÓRIO DE OSVALDO – DIA
ADRIEL
O dia
seguinte foi domingo. Foi o último dia em que ela foi vista?
OSVALDO
(pensativo) Sim.
CORTA PARA:
CENA 50:
FLASHBACK: EXT. PENHASCO DO QUINTAL DE CLARA – MANHÃ
Sofia está sentada na ponta da
rocha que se destaca do penhasco avançando sobre o abismo. Com os olhos inchados
e vermelhos, ela soluça encarando o sol nascente. Uma leve brisa balança seus
cabelos.
Ao fundo, Clara chega na beira do
penhasco segurando uma vasilha e observando a filha.
CLARA
Sofia...
Você precisa comer, filha.
SOFIA
Não quero,
mãe.
CLARA
Desse jeito
você vai ficar fraca. Vem aqui pegar um bolo que eu fiz pra você.
SOFIA
Não, mãe.
Não quero nada.
CLARA
Não me faça
ir até aí, Sofia. Odeio que você fique nesse lugar, a um passo de sumir nesse
abismo. Mas eu também vou se for pra você se alimentar.
Sofia olha para trás, onde está
Clara.
SOFIA
Desculpa,
mãe... Mas não vai dar...
Decidida, Clara pisa na formação
rochosa e para. Faz o sinal da cruz. E então caminha cuidadosamente até Sofia.
CLARA
Eu avisei.
Sofia a olha. Clara ajoelha atrás
da filha e acaricia seus ombros.
CLARA
Minha filha
amada... Você não pode se entregar assim por causa de pessoas, por causa de
alguém que te traiu. Você é muito maior que isso, Sofia.
SOFIA
(chorando) Eu amo
ele, mãe...
CLARA
Oh, minha
filha... Até parece que você nunca se decepcionou antes. Eu sei que você
pensava que o Fábio era o amor da sua vida, mas se somarmos o que aconteceu com
tudo que ele fazia antes, dá pra dizer, com boas chances de acerto, que o
casamento de vocês não daria certo. Se é pra se decepcionar, que seja agora.
Dói, eu sei... Mas poderia ser impensavelmente pior.
SOFIA
Eu ainda
amo ele sim, mas não existe a mínima chance de reatarmos!
CLARA
Eu vou
ficar aqui com você. Até que coma.
Atrás de Sofia, Clara senta meio de
lado.
SOFIA
Não, mãe,
eu sei que a senhora não gosta de altura. Me espera lá no fundo.
CLARA
De forma
alguma. Não saio daqui enquanto você não comer. (pequena pausa) A visão
daqui é realmente bela... E meu medo me fazendo perder uma beleza como essa bem
na porta da minha casa... Ainda bem que você é como seu pai. Foi por causa
disso aqui tudo que ele construiu a casa nesse monte.
Sofia olha para a mãe e sorri com o
rosto riscado pelas lágrimas.
CLARA
(oferecendo
a vasilha com bolo) Vamos, pegue. Pegue um pedaço pelo menos.
Sofia pega um pedaço do bolo de
laranja e experimenta. Olha para Clara, parece apreciar. Chorosa e mastigando,
ela esboça um sorriso contente. Clara sorri satisfeita e a acaricia.
CORTA PARA:
CENA 51:
FLASHBACK: EXT. CASA DE CLARA – DIA
Horas se passaram. Sofia, sentada
em um banco no quintal e acariciando CHICO em seu colo, relê as duas cartas dos
envelopes amarelados. Parece estar refletindo sobre o que fazer...
CORTA PARA:
CENA 52:
FASHBACK: INT. CASA DE CLARA – SALA – NOITE
Um tanto apressada, Sofia ajunta
suas coisas em uma mochila.
CLARA
Mas minha
filha, aonde é que você vai a essa hora?
SOFIA
(sem parar) Mãe, já
falei pra senhora... Não se preocupe comigo. Eu sei o que eu tô fazendo. E olha
só.
Sofia mostra para Clara sua arma,
que coloca na cintura.
CLARA
Mas é isso
que me preocupa. Nem tem relação com o trabalho... Filha, isso não tem a ver
com--
SOFIA
(interrompendo) Isso não
tem nada a ver com o Fábio, mãe. Nada. Ele bem que merece umas azeitonas, mas
não serei eu a fazer isso.
CLARA
Então por
que não me conta, Sofia?!
Sofia vai até Clara e a segura
pelos braços.
SOFIA
Eu não
posso, mãe, me desculpa. Mas por favor, não insista. Por uma questão de
segurança. (pequena pausa) E até porque também eu não compreendo
completamente...
CLARA
Ah, meu
Deus, só fico mais preocupada assim...
Sofia beija o rosto da mãe e a
abraça alguns segundos; se soltam. Sofia pega sua mochila e a coloca nos
ombros.
SOFIA
Até mais,
mãe. Mesmo que eu demore alguns dias, não se preocupe. Entro em contato assim
que puder.
CLARA
(acompanhando
Sofia até à porta) Sofia, minha filha, por favor... Não vai assim tão
repentinamente...
Com a porta já aberta, Sofia vira
para ela e beija sua mão. Sorri e sai.
CLARA
(parada na
porta) Sofia...
OSVALDO
(V.O.)
Essa foi a
última vez que Sofia foi vista por alguém.
FUSÃO PARA:
CENA 53:
INT. BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ESCRITÓRIO DE OSVALDO – DIA
Osvaldo escorado em sua própria
mesa e Adriel ainda sentado, pensativo.
ADRIEL
Então ela
tinha alguma ideia de pra onde estava indo. Levou suas coisas--
OSVALDO
(interrompendo) Sabia de
algo mas não contou pra ninguém. Quase 4 dias sem dar nenhum sinal... Apesar de
estar abaixo de mim na hierarquia, Sofia sempre foi a pessoa por quem eu mais
nutri algum afeto nesse batalhão.
ADRIEL
E os
familiares? Como estão a dona Clara, o Fábio?...
OSVALDO
Esse está
se corroendo de remorso. Acha que tem culpa pelo sumiço dela. E a dona Clara...
é mãe. Isso diz tudo.
Pequena pausa.
ADRIEL
E quanto a
nós, tenente? A polícia já não está investigando? O que faremos?
Osvaldo desencosta da mesa e olha
para Adriel.
OSVALDO
Faremos
nossa própria investigação. Afinal, somos os mais próximos a ela. Posso contar
com você, sargento?
Adriel olha confiante para Osvaldo.
ADRIEL
Conta comigo,
tenente.
Osvaldo satisfeito.
CORTA PARA:
CENA 54:
FLASHBACK: INT. ESTRADA – CARRO – NOITE
Sofia
dirige por uma estrada asfaltada e escura. Legenda: "4 DIAS ANTES".
Ela passa pela placa correspondente ao desenho do mapa, confere o mesmo e
estaciona no acostamento, na orla da floresta. Desliga o veículo. Pega o mapa,
sua mochila, uma lanterna e desce.
CENA 55:
FLASHBACK: EXT. ESTRADA – NOITE
Sofia
ilumina o entorno. Então observa a floresta e respira fundo. E finalmente a
adentra.
CENA 56:
FLASHBACK: EXT. FLORESTA – NOITE
Com a mochila nas costas, a
lanterna em uma mão e o mapa em outra, Sofia caminha pela floresta durante
muito tempo.
Em determinado momento, um barulho
no alto e ela ilumina nessa direção. Vê o vulto de um pássaro passando e sorri
encantada.
Continua sua caminhada...
Mais à frente o terreno sofre um
declínio, e a lanterna de Sofia ilumina um calmo lago cercado pelas árvores. Um
barco com remo descansa na margem.
Sofia confere o barco, o empurra
para a água e sobe em seguida.
Ela rema calma e silenciosamente pelo
lago. A iluminação da lanterna confere um ar soturno ao local.
Na margem oposta, Sofia desce do
barco e continua a caminhar.
Após mais algum tempo, Sofia
finalmente avista um vulto logo à frente. Ao se aproximar, percebe que se trata
de uma construção, um barraco... uma casinha de madeira erguida em uma
clareira.
Ela saca o revólver e o alinha com
a lanterna. Adentra a clareira olhando para todos os cantos. Uma fogueira
apagada com uma panela pendurada, uma mesa com migalhas de comida, um ou outro
facão...
VOZ (O.S.)
Ora, no
tempo combinado!...
Sofia se assusta e aponta a arma e
a lanterna para todos os lados à procura do dono da voz.
SOFIA
Quem é
você?! Onde está?!
VOZ (O.S.)
Aqui em
cima, oras...
Sofia ilumina as copas das árvores,
até que nota uma escada fixa em um tronco. Sua lanterna e seu revólver
acompanham a subida da escada até o topo, onde há uma plataforma coberta toda
feita de madeira. Uma figura masculina está lá em cima. Ele tampa o rosto com a
luz da lanterna de Sofia.
VOZ
Eu
agradeceria se tirasse isso do meu olho...
Sofia abaixa um pouco e se aproxima
da árvore.
SOFIA
Quem é
você?
VOZ
Prazer,
Sofia. Meu nome é Edgar, fui eu quem lhe escreveu.
Sofia observa o homem lá em cima.
EDGAR (55 anos, cabelos lisos, brancos e penteados) sorri para ela.
EDGAR
Por favor,
suba até aqui. Tenho muito para te contar.
Sofia o encara.
CORTA PARA:
CENA 57:
FLASHBACK: EXT. FLORESTA – MANHÃ
Enquanto Edgar mexe no conteúdo de
uma panela sobre uma fogueira, Sofia o observa escorada em uma árvore. Ele pega
um bule e uma caneca e se aproxima dela.
EDGAR
Café?
SOFIA
Por favor.
Edgar serve o café e entrega. Sofia
bebe.
EDGAR
E então,
dormiu bem?
SOFIA
Não dormi.
Passei a noite toda pensando em tudo que você me contou.
Edgar serve seu café e coloca o
bule na mesa. Observa-a esperando pela resposta.
EDGAR
Mesmo?
Sofia faz que sim.
SOFIA
E... já
tenho minha decisão. Eu aceito ir com você.
Edgar sorri contente.
EDGAR
Perfeito!
Partimos em 20 minutos!
Sofia dá um leve sorriso.
CORTA PARA:
CENA 58:
FLASHBACK: EXT. FLORESTA – MANHÃ – MINUTOS DEPOIS
Sofia e Edgar estão prontos para
partir. Ele pega suas últimas coisas.
EDGAR
Tudo
pronto, minha cara? Não esqueça de nada, não podemos perder tempo!
SOFIA
Tudo
prontíssimo!
EDGAR
Ótimo!
Então bora, chegou a hora!
SOFIA
A sua
animosidade não combina nem um pouco com o teor do que enfrentaremos.
EDGAR
É porque
finalmente tenho esperanças concretas de acabar com isso de uma vez por todas!
Você trouxe bom ânimo pra esse velho coração, Sofia.
Sofia sorri.
EDGAR
Agora chega
de papo, e vamos colocar o pé na estrada porque temos muito o que fazer.
SOFIA
E para onde
vamos? Até agora você não disse...
EDGAR
Você verá,
minha cara. Você verá. Pronta?
SOFIA
(animada) Sim.
EDGAR
Então
avante! Pé na estrada!
Sofia e Edgar deixam a clareira e
adentram a floresta. A câmera, porém, permanece ali, observando-os sumir por
entre as árvores. Gradativamente começa a subir, subir... até vermos o mar de
copas de árvores.
A floresta infinita...
Começam os créditos.
FIM
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Outras obras do autor:
Débora
A Promessa
Obrigado pelo seu comentário!