CENA 01: PETRÓPOLIS/BAR/INT./MANHÃ
Os homens jogando sinuca. Alzirão sentada numa mesa, meio pensativa.
ALZIRÃO – (P/SI) Iza, minha filha… que saudades eu tô de você. Espero que esteja bem. E espero que você me entenda.
Alzirão chama um garçom, que se aproxima, solícito.
ALZIRÃO – Me vê aí uma cerveja!
Ele concorda e se afasta, indo buscar o pedido.
ALZIRÃO – (P/SI) Enquanto o Pereira estiver solto, eu não posso sair daqui.
CENA 02: COLÉGIO/QUADRA/INT./MANHÃ
Local vazio. Adson e Edu chegam, segurando seus lanches embalados. Edu se senta e ajuda Adson a se sentar ao seu lado. Educado, Edu abre a embalagem do lanche de Adson.
ADSON – Obrigado, professor.
EDU – Não há de quê.
Os dois começam a comer.
EDU – E então, Adson… como é a sua vida?
ADSON – Ah, professor. Parece que o senhor tá me interrogando.
Os dois riem. A conversa segue descontraída.
EDU – Senhor está no céu, Adson. E eu nem sou tão velho assim, ainda nem cheguei aos 30.
ADSON – É hábito de chamar os mais velhos de “senhor”.
EDU – Entendo. Mas às vezes as pessoas me confundem com um aluno, sabe? Se você pudesse enxergar, entenderia.
Os dois ficam em silêncio.
EDU – Desculpa. Falei besteira, né?
ADSON – Imagina. (SORRI) Posso não poder enxergar, mas eu posso sentir.
Timidamente, Adson leva as mãos ao rosto de Edu, buscando os detalhes com os dedos. Edu fecha os olhos, envolvido com a situação.
Trilha sonora: True Colors – Cyndi Lauper
ADSON – Seu rosto parece de um menino…
EDU – Sua mão parece de um menino também.
ADSON – É porque eu ainda sou, na verdade. Tenho só 16.
Os dois logo voltam a comer. Adson acaba sujando o canto da boca com mostarda. Prontamente, Edu pega um guardanapo.
EDU – Com licença.
Ele limpa a boca de Adson. O jovem se assusta com o toque, mas relaxa imediatamente.
Edu para, e observa Adson. Ele passa alguns segundos apenas observando.
ADSON – O que houve?
Edu sai do transe.
EDU – Não, nada.
ADSON – Certeza?
Edu, nervoso, respira fundo.
EDU – Já teve a sensação de ter visto um rosto, mas não consegue identificar?
ADSON – (RI) Não, professor.
Edu ri, encabulado, e passa a mão na cabeça.
EDU – Foi mal.
ADSON – Relaxa, professor.
Eles terminam de comer.
ADSON – Acho que já deu a hora de voltarmos.
EDU – Sim. Vamos?
Adson se levanta, com a ajuda de Edu.
ADSON – Vamos.
Edu guia Adson em direção ao pátio.
CENA 03: MANSÃO FORTUNA/QUARTO DE CONRADO/INT./MANHÃ
Conrado tenta se arrumar diante do espelho. Ele encontra dificuldades em pôr a gravata.
Eis que Palmira entra e se depara com a cena.
PALMIRA – (RI) Os costumes da cidade grande não combinam mesmo contigo, Charles Bento.
CONRADO – Essa abobrinha de engomar não é comigo.
PALMIRA – Meu querido, pra casar tem que ficar na beca fina. Hoje é um dia muito que importante em sua vida.
CONRADO – Falando assim, parece até que tá contente com minha desgraça.
PALMIRA – Eu também não tô feliz com essa situação. Mas acontece que há males que vêm para o bem. Pelo menos esse casamento vai expulsar de uma vez por todas das nossas vidas essa meretriz com quem tu vive se esfregando.
CONRADO – Mainha, não fale assim de Penélope, respeite o sofrimento dela!
PALMIRA – Sofrimento, sei! É uma grande de uma interesseira, isso sim.
CONRADO – A senhora não pode julgá-la, mainha. A senhora também veio pra cá por interesse.
PALMIRA – Como é que é, Charles Bento? Tá me comparando com aquelazinha?
CONRADO – Ai, mainha, chega! Não quero discutir. Agora me fale, como está Penélope?
PALMIRA – Num sei. Desde ontem que num vejo ela. Tá trancada naquele quarto, não sai de lá pra nada.
CONRADO – Coitadinha. Deve tá super triste.
PALMIRA – Olhe só, Charles Bento, pare de drama! Depois tu pensa no que fazer com Penélope. Hoje é teu casamento! Ânimo, homem! Alegria!
Conrado para por um instante.
CONRADO – (PENSATIVO) Será que ela é prosuda?
PALMIRA – Prosuda ou não, vai ser tua mulher. Senão, a gente vai pra debaixo da ponte.
CENA 04: COLÉGIO/SALA DOS PROFESSORES/INT./MANHÃ
Edu sentado na mesa, concentrado escrevendo num caderno. Lica entra silenciosamente e vai ao encontro dele.
LICA – Oi, professor.
Edu pula de susto, fazendo Lica rir.
LICA – Nossa, parece até que viu o diabo.
EDU – Não, é que você me pegou de surpresa. Mas enfim, o que houve? Em que eu posso te ajudar?
Bem devagar, Lica se agacha diante do professor.
LICA – (PROVOCANTE) Sabe, professor… é que eu tô tendo muita dificuldade com sua matéria e eu gostaria de saber se tem como o senhor me dar umas aulas extras hoje à tarde…
Desconfortável, Edu se levanta e se afasta um pouco.
EDU – Eu teria o maior prazer em lhe ajudar, mas infelizmente hoje eu não posso. Eu combinei com seu irmão de saírmos hoje. Está tendo uma exposição num museu no Centro e eu acho que ele gostaria muito de ir.
LICA – (ESPANTADA) Você vai levar o cego pra sair?
EDU – (ESTRANHANDO) Oi?
Imediatamente, Lica se corrige e muda o tom.
LICA – Perdão, eu me expressei mal.
Lica abre um sorriso amarelo para Edu. O professor volta a se aproximar, encarando a aluna com um olhar repreensivo.
EDU – É, pode ter sido uma frase mal expressada. Afinal, ele é seu irmão e você o ama muito, não é mesmo?
LICA – (TENSA) Sim. Meu irmão…
Nisso, Edu volta a se afastar.
EDU – Se era só isso que você queria falar comigo, então você já pode se retirar. Eu estou ocupado, tenho muito trabalho a fazer.
Lica respira fundo, tenta se controlar. Ela sorri forçada para o professor e vai embora, saindo da sala. Edu volta a se sentar na mesa, pensativo.
CENA 05: COLÉGIO/CORREDOR/INT./MANHÃ
Lica fecha a porta e extravasa sua raiva, com um grito abafado.
LICA – Cego maldito! Sempre me atrapalhando em tudo! Mas eu juro que você vai se arrepender! Eu juro!
Detalhe no olhar odioso de Lica.
CENA 06: PETRÓPOLIS/CASA DE FERNANDA/SALA/INT./TARDE
Fernanda servindo a mesa do almoço. Ela se surpreende ao ver Alzirão chegando, meio alterada.
FERNANDA – Onde diabos você se meteu?
ALZIRÃO – Foi mal, Fernanda. Nem vi a hora passar.
FERNANDA – Alzira, você tá desde ontem na rua. Já tava morrendo de preocupação! Por um instante achei que tinham te encontrado.
ALZIRÃO – Sem paranoia, Fernanda.
FERNANDA – Como sem paranoia, Alzira? Imagina se aquele homem te acha e tenta te matar de novo?
ALZIRÃO – (EXPLODE) Por que você acha que eu vim pra Petrópolis? Praquele homem não me achar!
Fernanda encara Alzirão, perplexa. Alzirão respira fundo.
ALZIRÃO – Desculpa. Não quis ser ignorante.
FERNANDA – É assim que você me trata depois de tudo o que eu fiz por você, Alzira? Se você tá aqui, é por minha causa. Eu te ajudei a forjar sua morte e te escondi aqui na minha casa. Passei por cima do profissional e dos meus princípios, botei minha carreira de médica em jogo por sua causa.
ALZIRÃO – Eu…
FERNANDA – (INTERROMPE) Eu pensei como um ser humano. Eu te vi naquele estado, te vi pedir ajuda e eu nem pensei duas vezes. Te coloquei acima da minha carreira e até da minha própria vida. Porque eu sei o que você passa. Eu sou igual a você, eu sei o quanto isso dói!
ALZIRÃO – (EMOCIONADA) Me perdoa! Tudo isso que tá acontecendo me machuca muito. Eu deixei muita coisa pra trás, praticamente abandonei minha filha à própria sorte. Tudo o que eu mais quero é que aquele nojento volte pra cadeia pra eu poder voltar a falar com a minha filha.
FERNANDA – Pelo menos sua filha tá viva, né, Alzira? Ela não foi espancada até à morte por um bando de animais porque achavam que ela era tua namorada. Pois é, isso aconteceu comigo. Minha filha morreu por causa disso, e eu só sobrevivi por sorte.
Fernanda explode em choro. Alzirão a abraça.
FERNANDA – Se eu tô fazendo o que eu faço, é pra evitar que mais gente como eu sofra o que eu sofri. Por favor, não deixe meu esforço ser em vão! Eu imploro!
As duas choram abraçadas.
CENA 07: MANSÃO FORTUNA/SALA DE ESTAR/INT./TARDE
A mansão toda ornamentada. Vários convidados já presentes. Todos na expectativa do casamento. No meio do burburinho, frases como: “Quem será a noiva?“, “Esse vai ser o casamento do ano!“, e por aí vai.
Conrado, já arrumado, e Palmira se aproximam do juiz de paz.
PALMIRA – Já tá mais que na hora dessa mulher dar as caras. Será que ela desistiu?
CONRADO – Deus te ouça, mainha. Quero abandonar minha Penélope não.
Eis que a porta principal se abre.
Todos se viram para a porta e se assustam com o que vêem.
É IZA, num vestido vermelho. Ela passa pelos convidados, altiva e poderosa, até chegar na frente de Conrado.
PALMIRA – (IRRITADA) O que é que essa sapironga tá fazendo aqui?
CONRADO – (NERVOSA) Pode sumindo de nossa frente. Tu já causou muita confusão!
IZA – (DEBOCHADA) Isso são modos de tratar sua noiva? (GARGALHA) Olha que você vai perder a lua de mel, neném.
PALMIRA – Mas do que é que essa desvairada tá falando?
IZA – Não entenderam ainda?
CONRADO – N-n-não, eu não entendo!
IZA – Eu sou a mulher com quem você vai se casar.
PALMIRA – Isso não pode ser verdade! Não é verdade, é mentira! Essa interesseira quer dar um golpe na gente!
Penélope observa tudo do alto da escada, abatida.
IZA – Mas o que é isso, sogrinha? Isso são modos de falar com sua futura nora?
PALMIRA – (DISSIMULADA) Ai… eu acho… que a minha pressão…
Palmira finge desmaiar, caindo estirada no chão. Desesperados, os convidados tentam acudi-la.
Trilha sonora: Feels – Calvin Harris
CONRADO – (NERVOSO) Tá vendo o que tu fez? Tombou com mainha! E agora?
Iza sorri com a situação.
Ela encontra Saulo no meio da multidão, e joga um beijo no ar para o advogado.
CENA 08: CASA DE DURVALINA/QUARTO DE ADSON/INT./TARDE
Lica entra batendo a porta. Aos gritos, ela começa a quebrar tudo o que vê pela frente.
LICA – Cego desgraçado! Por que tem que ficar sempre no meu caminho?
Ela rasga o travesseiro até não dar mais.
LICA – Eu é que devia estar com o Edu agora e não você! Eu te odeio, Adson! Eu sempre te odiei!
Ela só para ao ver Durvalina entrando no quarto. A garota tenta se recompor, enquanto Durvalina a encara, séria.
LICA – Se a senhora me permitir explicar…
DURVALINA – (INTERROMPE) Não há nada o que explicar. Eu ouvi tudo.
As duas se encaram.
CENA 09: MANSÃO FORTUNA/SALA DE ESTAR/INT./TARDE
Palmira sentada no sofá, ainda fingindo passar mal, com alguns convidados a amparando. Iza chega por atrás, próximo ao ouvido de Palmira.
IZA – Querida, acho melhor parar com a palhaçada. Enquanto a minha parte na herança estiver bloqueada, a do seu filho também vai ficar bloqueada.
Imediatamente, Palmira se levanta.
PALMIRA – Pronto, estou melhor!
IZA – (SARCÁSTICA) Olhem só! Isso é o que podemos chamar de milagre!
CONRADO – Não se preocupe, mainha. Não haverá mais casamento.
PALMIRA – Nada disso! Vocês vão se casar e é agora!
Apressada, Palmira vai empurrando Iza e Conrado até o juiz de paz.
FADE OUT.
FADE IN:
Conrado e Iza diante do juiz de paz. A cerimônia já começou. Todos os convidados fazem uma meia-lua cercando os três.
JUIZ DE PAZ – Maria Izabel de Mendonça, aceita Charles Bento da Silva como seu legítimo esposo?
CONRADO – Charles Bento é o escambau! Meu nome é Conrado!
Iza dá uma cotovelada em Conrado.
IZA – Aceito.
Os dois se encaram, com raiva.
JUIZ – Charles… digo, Conrado Fortuna, aceita Maria Izabel de Mendonça como sua legítima esposa?
Conrado olha para a mãe. Olha para Iza. E depois para o juiz.
PENÉLOPE – (CHORANDO) SÓ POR CIMA DO MEU CADÁVER!
Todos encaram Penélope, assustados.
Ela, por sua vez, olha para a escada e sorri, maliciosa.
PENÉLOPE – Hora de acabar com essa palhaçada!
Penélope se vira para descer a escada e se joga, rolando os degraus com tudo.
Todos se chocam com a cena.
Penélope chega ao chão desacordada.
CONTINUA…
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