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Débora - Capítulo 35 (Últimas Semanas)


Débora
CAPÍTULO 35
Últimas Semanas

uma novela de
FELIPE LIMA BORGES

escrita por
FELIPE LIMA BORGES

baseada nos capítulos 3 a 5 do livro de Juízes

 CENA 1: INT. FORTALEZA – SALÃO – DIA
Desolada, Débora encara as crianças que comem sentadas às mesas.
SAMA
(para elas) Parem! Param de comer! Larguem a comida! Parem de comer, parem!
As crianças largam a comida.
DÉBORA
(para Sama) Está mesmo envenenada?!
Receosa, Sama faz que sim. Outra mulher vem da cozinha trazendo o frasco e o entrega a Débora; está aberto e vazio.
MULHER
O veneno estava aqui.
Débora dá uma olhada no frasco e o devolve à mulher. Então vira para as mesas e se joga ao chão ajoelhada, para surpresa das mulheres e dos hebreus. Lapidote a observa. Ela encosta a testa no chão e fecha os olhos.
DÉBORA
Senhor! Por favor, livre essas crianças! Não deixe que o veneno faça efeito! Que seja em seus corpos como é a água cristalina dos ribeiros! Por favor, meu Senhor, por favor! Eu lhe rogo! Eu lhe imploro, Senhor, que não deixe que o mal dos nossos inimigos prevaleça sobre a vida de nossos filhos!
As outras mulheres a imitam e também se jogam ajoelhadas e com o rosto sobre o chão; clamam em silêncio.
DÉBORA
Que o futuro da nossa nação, que parte das estrelinhas no céu de Abraão não se apaguem dessa forma!
Ela abre os olhos marejados e olha para as crianças. Essas continuam paradas e sentadas da mesma forma. Débora fecha os olhos e abaixa o rosto novamente.
DÉBORA
Senhor!... Se alguém tiver que morrer, que seja eu!
Os hebreus franzem a testa.
DÉBORA
Passe o efeito do veneno dessas crianças para mim! Que o Senhor me leve, me recolha ao Seu reino, mas salve os pequenos! Minha vida pelas delas! Menor será o choro por uma... do que por muitos!
Débora chora...



CENA 2: EXT. BETEL – ENTRADA – DIA
Jaziel, caminhando com dificuldade, chega à entrada da cidade. Passa pelos pedaços do portão destruído com olhar de estranheza e preocupação.
Entra em Betel.

CENA 3: EXT. BETEL – PRAÇA – DIA
Ele chega à praça. Há alguns hebreus por ali, que conversam animados.
Éder passa por perto.
ÉDER
Ah, aí está você novamente.
JAZIEL
Éder...
ÉDER
E essa ferida, Jaziel? O que aconteceu, homem?
JAZIEL
Éder... Me fale do mascarado... Sei que ele veio aqui. E Débora... Ela veio, não veio? Onde eles estão? Cadê ela?
ÉDER
Como sabe de Débora?
Jaziel, impaciente, desvia de Éder e segue seu caminho. Éder, arrependido, o alcança.
ÉDER
Espere! Débora esteve aqui, sim, e...
Jaziel para e olha para Éder.
JAZIEL
E???
ÉDER
Fez algo que nem sei se foi o que acho que foi... Ou um delírio... Ou um sonho coletivo...
JAZIEL
Fale de uma vez!
ÉDER
Débora... Ela lutou com Bogotai, o tal mascarado... e o venceu.
Jaziel sorri maravilhado...
ÉDER
Nem faz sentido isso que está saindo da minha boca. Não é possível... que a Débora... minha ex-noiva, aquela mesma... derrotou esse homem invencível.
JAZIEL
Onde eles estão?!
ÉDER
Foram a um lugar chamado Fortaleza... atrás das tais crianças desaparecidas. Débora expulsou os soldados e ficaram com seus cavalos.
Jaziel está completamente maravilhado. No impulso vira e sai. Éder, atordoado, observa as barracas quebradas e desmontadas.
Depois vai até a parede e passa a mão na rachadura proveniente do soco de Bogotai. Ele olha para o lado e vê, logo ali, pedaços de máscara jogados pelo chão.
Éder se agacha, pega um dos pedaços e, passando-o pelos dedos, fica pensativo...

CENA 4: INT. CASA DE TAMAR – SALA – DIA
Sentada no meio da escada, Tamar, com um sorrisinho, observa o apático Elian andando um tanto constrangido para lá e para cá, pegando coisas sem necessidade e logo soltando-as.
Então ele para de andar.
ELIAN
(sem olhá-la) Pare de ficar me olhando desse jeito!
Tamar ri e se levanta.
TAMAR
(descendo os degraus) É muito difícil negar quando se presencia com os próprios olhos, não é? E ainda mais quando todo o povo está presente.
Tamar desce do último degrau. Elian senta à mesa e, carrancudo, encara a parede do outro lado.
ELIAN
Você fala como se por acaso em algum dia eu tivesse dito que--
TAMAR
(interrompendo) Disse sim. A vida toda você desprezou e menosprezou sua filha. Brigou com ela e a repreendeu duramente por treinar. Por ser uma menina diferente, especial, uma menina de muito valor. (de boca cheia) E hoje ela é uma mulher de Deus.
Tamar vai se aproximando devagar de Elian.
TAMAR
E tudo que você tentou impedir, lutando contra, hoje serviu para salvar não só a nós, mas toda a cidade. Aquele homem não era pouca coisa não, Elian. Além daqueles músculos, ele era o Primeiro Oficial do exército de Hazor. Se você está vivo agora, é por causa de Débora. Deve sua vida à sua filha. (inclina-se para ele) Conviva com isso.
Elian olha com raiva para a esposa, olha para frente novamente... Pisca várias vezes...
ELIAN
Devo minha vida só a Deus.
TAMAR
Deus está com ela.
Tamar então sai; em seu rosto um sorriso. Elian fica ali na mesa, encarando o vazio, pensativo...

CENA 5: INT. FORTALEZA – SALÃO – DIA
Um pouco de tempo se passa...
Débora, ainda com o rosto no chão, continua a chorar. Então ela se levanta devagar, mas ainda ajoelhada. Olha as crianças: cada uma delas continua sentada em seus lugares. Algumas observando Débora e as mulheres com curiosidade, outras conversando entre si... Nada de ruim aconteceu.
SAMA
Acho que já era pra ter dado efeito...
MULHER
Com certeza. Esse frasco mata pelo menos 10 cavalos!...
Sama, pela primeira vez em muito tempo, sorri...
SAMA
Deus ouviu sua oração, Débora... e os livrou.
Percebendo que é verdade, Débora põe-se de pé. Sorrindo, se aproxima das crianças de braços abertos. Rapidamente elas saem de seus lugares, se aproximam dela e a abraçam. Débora abraça e beija cada uma que a aperta de todos os lados.
DÉBORA
(para o alto) Obrigada, Senhor!
Logo as mulheres também se aproximam. Débora olha para Sama... sorri... e as duas primas se abraçam.
SAMA
Débora... O que vocês todos estão fazendo aqui? Onde estão os soldados?
DÉBORA
É uma longa história... Ainda a contarei por completo. Mas, em suma... vocês estão livres.
Os olhos de Sama se arregalam. Débora vira para todos.
DÉBORA
Vamos. Precisamos leva-los para Betel. Será anunciado a toda Israel para que venham buscar suas crianças. Ou que digam que são os seus filhos, que nossos homens os levarão de volta para casa.
Todos eles então saem contentes dali.

CENA 6: EXT. BETEL – DIA
Lá fora, o povo se organiza para voltar.
DÉBORA
Queimem tudo. Não deixem que sobre nada.
Alguns homens saem para queimarem. Nisso, Débora nota Lapidote olhando-a com um olhar de admiração. Ela sorri e ele se aproxima... Estão parados, um de frente para o outro. Trocam sorrisos e se abraçam!
Um abraço longo... rico em sentimento...
Por fim, se soltam e ficam com as mãos juntas.
DÉBORA
Que saudade...
LAPIDOTE
(fazendo que sim) Que saudade...
Então eles se aproximam e se beijam brevemente...
LAPIDOTE
Eu mal acredito em tudo que aconteceu... E você está aqui, viva...
DÉBORA
Sim... Graças a Deus. Só pode ser a Ele. Sem o Senhor, não haveria como.
LAPIDOTE
Sabe... Meu peito não cabe de orgulho.
Ele então a puxa, encosta a cabeça dela em seu peito e a abraça. Acaricia o cabelo dela e a beija.
Por fim Lapidote a solta.
DÉBORA
Vamos... Vamos partir.
Pouco depois, todos estão prontos para irem embora. À frente, Débora e uma menina montadas em Pérola; Lapidote vai andando ao lado. Logo atrás os dois cavalos de suporte a Bogotai e, por fim, todos os outros. Os homens que vieram nos cavalos vão à pé, deram seus lugares às crianças menores. As maiores vão andando.
Eles partem, e a imensa Fortaleza, completamente em chamas, fica para trás.

CENA 7: INT. PALÁCIO – SALA DO TRONO – DIA
O dia avança...
Na sala do trono, Sísera está parado diante de Jabim.
SÍSERA
Tenho... uma péssima notícia, senhor.
Jabim fecha os olhos e respira fundo. Abre-os.
JABIM
Outra.
SÍSERA
Bogotai... Nós o perdemos.
Jabim se levanta do trono como se esse tivesse se esquentado de um momento para o outro.
JABIM
O quê?!
SÍSERA
Foi o que disse um grupo de soldados que chegou há pouco no palácio. Eles eram responsáveis pela Fortaleza. Ao que parece, Débora e um grupo de homens foi até lá para libertar as crianças. Os hebreus estavam em posse de Bogotai, que certamente os guiou.
JABIM
Pelos deuses!... O meu projeto... E as crianças?!
SÍSERA
Os soldados disseram que já haviam envenenado as crianças. A viagem de Débora, portanto, foi perdida.
JABIM
Perdido está Bogotai! Como foi que essa maldita conseguiu dominar esse homem?! Me diz!
Sísera fica em silêncio.
JABIM
Sísera, mate cada um desses soldados que vieram da Fortaleza. Cada um!
SÍSERA
Mas senhor, se fizermos--
JABIM
(interrompendo) Não quero saber!!! Execute a ordem, Capitão!
Sísera abaixa a cabeça.
SÍSERA
Assim será feito... senhor.
Jabim, com raiva, volta para o trono e se senta. Bebe de um vinho ao lado e parece pensar... Pensa por alguns segundos.
Por fim...
JABIM
Quero todos os soldados que estão em Israel de volta pra cá. Cada homem, cada capataz. Sem exceção.
SÍSERA
Todos?!
JABIM
Sim, é isso que significa “todos”, Sísera! Todos!
SÍSERA
De todas as tribos?!
Impaciente, Jabim apenas faz que sim.
SÍSERA
Meu senhor... Por que isso?!
JABIM
Trata-se de um movimento estratégico. Entre os seus, Débora só ganhou prestígio e poder nos últimos tempos. Entre os nossos, se tornou uma figura cada vez mais assustadora, e já com traços lendários nas descrições das narrativas.
SÍSERA
E o que pretende o soberano trazendo todos os soldados de volta? Acabou a escravidão em Israel?! E a produção que vem para nós?! Os impostos!...
JABIM
Eu me cansei da escravidão. Chega. Está na hora de Israel ser também Hazor. Matarei todos os hebreus, cada um deles. Homens, mulheres, crianças, velhos... E, sobre seus cadáveres, expandirei o meu império. Nossos homens e nosso povo trabalhará em Israel como se fosse Hazor, assim como praticam em diversos reinos de Canaã que estão em nosso domínio.
Sísera ainda parece confuso.
SÍSERA
E como o rei pretende matar todos os hebreus trazendo o exército para cá?
JABIM
Dando a Débora a sensação de liberdade. Com isso, ela vai se encorajar e vai querer vingança contra nós. E já esteve aqui, sente que conhece o local. O próximo passo de qualquer líder seria avançar em guerra. Aniquilar de vez a ameaça. E é isso que ela fará. Ao menos tentará. Reunirá homens que marcharão até aqui. E aí que os pegaremos e os destruiremos. E tomaremos Israel.
SÍSERA
Senhor... Se me permite, por que não ir logo de uma vez com os 900 carros até lá, invadir tudo e matar a todos?
JABIM
Sísera, onde mora Débora?
SÍSERA
Na cidade de Betel... Tribo de Efraim.
JABIM
Como é o terreno daquela região?
SÍSERA
Montanhoso.
JABIM
A nossa desvantagem com os carros. Mas aqui ao redor de Harosete, não. É plano. Perfeito para os carros. E, daqui do alto, avistaremos os hebreus quando ainda estiverem longe. É quando avançaremos e acabaremos com eles. Fazer isso em Israel poderia acabar destruindo os carros.
SÍSERA
Meu rei tem toda a razão.
JABIM
Isso tudo está acabando, Sísera. Está pra acabar. E aí vai ficar tudo bem em nossa nação. Com Israel em nossa posse e Débora e os seus, mortos... não teremos mais problema algum. A paz há de reinar no reino mais poderoso da Terra.
Sísera faz que sim...

CENA 8: EXT. BETEL – ENTRADA – DIA
O resto dia se passa e, depois do meio da tarde, a lenta comitiva dos hebreus chega a Betel. Um moço vem correndo do meio das árvores, de outra direção, também chegando ali.
DÉBORA (NAR.)
Assim que retornamos a Betel, um mensageiro nos avisou que os soldados abandonaram todos os vilarejos e cidadezinhas ao redor. Quando a noite caísse, já não haveria um soldado sequer em Israel. Saíram de seus postos de uma hora para a outra. O povo comemoraria aquela debandada e até a atribuiria a mim, que de nada sabia. Também quando a noite caísse, pessoas de todos os lugares de Israel, aproveitando o trânsito livre pelas tribos, chegariam em Betel atrás de seus filhos desaparecidos. E, enquanto isso, alguns homens da cidade se ofereceriam para levarem embora as crianças que sabiam exatamente onde moravam. Mas tudo isso ainda viria a acontecer, naquela noite. O que eu não podia esperar acontecer naquele final de tarde em que chegamos era o meu descanso.
Débora se despede de Lapidote e sai para os campos ao redor.
DÉBORA (NAR.)
Ainda era muito para a minha mente. Eu precisava absorver tudo o que havia acontecido.

CENA 9: EXT. CAMPO – PALMEIRA – ENTARDECER
Débora chega na palmeira e para. Dá uma olhada para ela... Mas, por fim, vira e continua sua caminhada rumo às árvores.

CENA 10: EXT. FLORESTA – ENTARDECER
Breve é a caminhada de Débora pela floresta. Logo para, senta ao pé de uma árvore frutífera e se escora.
Ocasionalmente Débora nota uma abelha voando ao redor de uma flor logo ali. Ela sorri de leve e estica o dedo. A abelha então se aproxima e, devagar, pousa em seu dedo. Débora leva o mesmo até perto de seus olhos... A abelha nada faz, fica apenas parada.
Débora então mexe o dedo e a abelha voa. Com um sorrisinho satisfeito, ela se ajeita escorada na árvore e, cansada, fecha os olhos.

CENA 11: EXT. FORTALEZA – NOITE
A noite cai.
Escoltados, Jabim e Sísera observam o incêndio na Fortaleza. Nos olhos do rei, um ódio contido, mas sem igual.

CENA 12: EXT. FLORESTA – NOITE
Escorada na árvore e na mesma posição de quando chegou, Débora dorme profundamente. Contrariando o curso natural, a abelha de antes ainda está voando ali ao redor.
Então ela vai até uma folha perto de Débora, sobrevoa... começa a descer... e finalmente pousa na folha.
FADE OUT:
Escuridão.
Escuridão.
Escuridão...
Um som. Um suave som, como que de um riacho...
VOZ
Débora...
Escuridão... O som suave...
VOZ
Débora... Desperta...
O som suave... Escuridão...
VOZ
Desperta, Débora.
FADE IN:
Débora abre os olhos, que brilham. Todo o seu rosto brilha, pois à sua frente está um homem, um homem de luz vestido de branco. Não é possível ver os traços de seu rosto com exatidão, mas dá para notar que ele sorri para ela.
HOMEM
Débora.
Assustada, ela se afasta subitamente e se encosta toda na árvore.
HOMEM
Não tenha medo, Débora.
Ela olha para os lados. É então que percebe que, apesar de estar no mesmo lugar, na mesma floresta, tudo está diferente. É noite, mas o céu está arroxeado e ainda mais forrado de estrelas. Ali em volta, uma luz parece vir de trás de todas as árvores.
Impressionada, Débora põe-se de pé e olha para o céu. Galáxias, planetas com anéis, astros e diversas formas de luz em movimento dividem espaço com as incontáveis estrelas. Ela presta ainda mais atenção às formas de luz voando muito lá em cima...
DÉBORA
Que lindo...
Ela olha para o homem.
DÉBORA
Você... é um anjo?
Sorrindo, ele faz que sim. É quando ela parece temer e leva as mãos à boca.
DÉBORA
O que está acontecendo?!
ANJO
Alguém quer falar com você.
O anjo vira e sai caminhando por entre as árvores. Ela, ainda impressionada, decide segui-lo.
Depois de uma breve caminhada, eles saem da floresta e chegam no limite daquele terreno, pois então vem uma descida e, lá embaixo, estende-se a planície rodeada de montes e morros. Porém, o que Débora olha ali com admiração é o céu à frente. Com a visão limpa, ela para e admira as luzes em tons de roxo e azul, os astros, as galáxias, as estrelas, e as formas de luz passeando...
O anjo fica perto de Débora, mais para o lado e atrás. E, para ela, o tempo parece não passar, muito menos sua admiração por aquele céu de beleza incomparável.
De repente, em meio a tanta coisa, uma estrela surge de um momento para o outro. Brilha mais que todas as outras e se destaca no céu. Ao vê-la nascer, Débora sorri.
DÉBORA
É linda...
Então um suave vento bate de encontro a ela e balança seus cabelos.
VOZ
Débora.
Ela arregala os olhos! Olha para o anjo, que apenas sorri... e olha de volta para a estrela.
DÉBORA
Sou eu...
A estrela continua a brilhar com vitalidade.
DÉBORA
Quem é você?
VOZ
Eu sou o Deus dos seus antepassados: Abraão, Isaque e Jacó. A Quem você continuamente serve.
A respiração de Débora aumenta e ela fica ofegante. Então se joga ao chão, ajoelhada e com o rosto no gramado. Finalmente sentiu que essa voz é a mesma voz calma e doce de seus sonhos.
DÉBORA
(os olhos fechados) Não fale comigo, Senhor!... Não sou digna de ouvi-Lo!...
DEUS
(calmamente) Débora.
Ainda ofegante, ela chora.
DÉBORA
Eu falhei!... Falhei na fé!... Duvidei do Senhor! Não sou digna de ver e presenciar as suas maravilhas!
DEUS
Débora.
Débora chora copiosamente e suas lágrimas se derramam sobre a terra.
DEUS
Levante-se.
Ela não quer... Suas mãos apertam a grama e parece querer afundar seu rosto na terra.
DEUS
Levante-se, Débora.
Então sua respiração fica menos ofegante, o choro diminui, ela engole em seco e, devagar, arrisca olhar. A estrela continua a brilhar.
Tremendo e lacrimejando, ela se põe de pé. Os olhos, molhados e vermelhos, olham com temor para a estrela.
DÉBORA
O que quer de mim... Senhor?
DEUS
Eu ouvi o clamor do meu povo, e atentei-Me para a sua opressão.
Débora faz que sim...
DÉBORA
Há muito o povo sofre... nas mãos dos hazoritas. Mas agora... eles se voltaram... ao Senhor.
DEUS
Você os trouxe de volta à luz, Débora. E o socorro chegou.
De boca aberta, ela continua a ouvir impressionada.
DEUS
E escolhi você para os julgar, os liderar e os livrar da opressão. Para que habitem em paz na terra que prometi aos seus pais, terra que mana leite e mel.
Os olhos de Débora continuam a fitar a estrela.
DÉBORA
Senhor?!... Quem sou eu para tal missão? Senhor... os soldados... estão partindo de Israel. Não há mais opressão.
DEUS
Há maldade, astúcia e um plano por trás desse ato. O rei de Hazor quer a morte de todos os filhos de Israel. Vá, Débora. Porque Eu te unjo hoje juíza sobre a terra de Israel, e te levanto como mãe de todo o povo.
DÉBORA
Não... Senhor... Eles me aceitam porque uso de um dom, um dom Seu... Mas não aceitarão uma mulher sobre eles.
Nada se ouve... mas a estrela continua a brilhar. É quando Débora nota, mais abaixo, uma massa gigantesca de luz se levantando por trás dos morros e se aproximando a grande velocidade. Ela franze a testa... Parece um mar invadindo... E de fato se assemelha. Ela se assusta. As ondas do oceano de luz se agigantam ainda mais e vêm de frente para ela.
DEUS
Quem fez o mar?
Débora tampa o rosto com os braços e a onda gigante de luz finalmente a atinge, mas tudo que ela sente é um vendaval... Um vendaval que logo passa e ela então se vê em outro lugar da floresta, diante de um campo de flores. Uma das flores sobe mais do que as outras até chegar à altura de seus olhos. Ela se aproxima da flor com curiosidade, e nota que uma brisa passa por ela e carrega um pozinho fino e claro, o pólen.
DEUS
E quem fez a brisa?
O pólen então aumenta e aumenta até se encorpar como trigo, se transformar em luz e passar por ela. Outro vento, luzes para todos os lados e Débora se vê no alto de um monte. À frente estão todos os tipos de animais, que passeiam e convivem em harmonia. Animais da terra e do ar. Abaixo, em um lago, os bichos aquáticos passeiam sob e sobre a água.
Em uma pedra ao lado de seu braço, Débora nota uma abelha. Ela presta atenção no bater de asas... PÁH! Com o susto Débora cai para trás! À sua frente, uma gigantesca baleia sobe vinda lá de baixo do precipício, do lago, e ascende às alturas.
DEUS
Os animais, grandes e pequenos.
Admirada e assustada, Débora observa o grande animal subir até parar e começar a cair. Porém, está vindo na sua direção. Ela tampa o rosto quando a baleia a atinge e se transforma em uma rajada de luz e vento.
Imediatamente Débora se vê estando de volta ao mesmo lugar de antes, à frente da planície e da estrela no céu do outro lado.
DEUS
Não fui Eu que os fiz? E não são todos reconhecidos pelo homem como Minhas criaturas, Minha obra?
Débora está impressionada, respira levemente ofegante. Engole em seco.
DÉBORA
Senhor... A Sua glória, o Seu poder... Não sou digna. (abaixa a cabeça) Não sou nada.
DEUS
Você será a Minha palavra e a Minha vontade na Terra. De sua boca sairá a doçura do céu e por ela será cumprida a Minha lei. Por você curarei enfermos, restituirei os injustiçados e exaltarei os humilhados. Por você virá o alimento ao faminto e a proteção ao órfão e à viúva. Todo o povo olhará para você... e verá a Mim.
DÉBORA
Mas Senhor...
Débora então cai sentada, a cabeça abaixada. Parece soluçar enquanto lágrimas riscam seu rosto.
DÉBORA
Eu não tenho essa capacidade... Mesmo tendo o Seu dom, falhei... falhei em entender qual era a missão que queria para mim...
DEUS
Eu te revestirei com o dom da divina interpretação. Você liderará e libertará o povo da opressão, mas a sua espada não será feita do metal da terra, mas do Meu poder. Você não lutará contra a carne e o sangue, mas será a guia para aqueles que lutarão.
Ela continua a chorar...
DÉBORA
É pesado demais...
Nesse instante, lá dos longínquos morros um pássaro canta, um belo canto. Voando, ele se aproxima...
Então chega ali e, por cima, circula Débora... até que desce e, quando parece que vai pousar sobre a cabeça dela, o pássaro se transforma em uma bola de luz azulada, da qual saem faixas de luz que se aproximam de Débora e a envolvem, como se a acolhesse, a aquecesse em um abraço carinhoso.
Débora, com o rosto e os olhos completamente molhados, olha impressionada para aquilo e percebe que está sendo levantada e colocada de pé sem fazer esforço algum. Porém ela não fica apenas em pé. As faixas de luz da bola de luz a levantam mais e mais alto. Ela olha admirada para a paisagem ao redor.
DEUS
Débora... Minha filha.
Lá no alto, emocionada, ela olha para a estrela.
DEUS
Você nunca estará sozinha.
Ela é levada ainda mais para o alto. Percebe que as faixas que a envolvem lhe dão calor e força, e seus olhos não mais choram. Em uma altura imponente, ela para de subir. Consegue ver todas as paisagens ao redor. Luz e formas de luz passeiam por entre as florestas e os morros. Acima de sua cabeça, uma nuvem de astros gira vagarosamente para ela. E, à frente, a estrela “olhando-a”.
DEUS
Eu estarei com você, Débora. Sempre.
Débora abre os olhos.
Está escorada na árvore. Assustada, ela se ajeita e senta. Olha para todos os lados. É noite, e não há nada de incomum ali. Um grilo canta rotineiramente em algum canto ali perto.
Ainda muito impressionada, ela fica de pé e dá uma volta rápida por ali, conferindo todos os lados da floresta. Apenas silêncio e o escuro da tranquila noite. Então ela olha para o céu, para a mesma direção em que havia visto: a estrela, a mesmíssima estrela está lá. Quando Débora a nota, ela se apaga e some, ficando apenas as estrelas comuns.
Débora tampa a boca abismada. Sem que ela perceba, a abelha que havia pousado na folha antes do “sonho” levanta voo e some na noite.

CENA 12: INT. CASA DE DÉBORA – SALA – DIA
A porta se abre e Débora entra.
LAPIDOTE
Meu amor! Graças a Deus! Estava preocupado.
Lapidote se aproxima e a beija, mas ela está quieta e com os olhos fixos. Estranhando, Lapidote fecha a porta e a olha.
LAPIDOTE
Onde esteve, Débora? O que aconteceu?
Não reagindo, ela vai devagar até a mesa, mas não se senta; ele a acompanha.
LAPIDOTE
Você está me deixando preocupado, Débora. Por que está assim?
Ela pisca, umedece os lábios e engole em seco; continua a encarar o nada.
DÉBORA
Eu mal sei se aconteceu...
Lapidote franze a testa.
LAPIDOTE
O quê?!
DÉBORA
Não... Aconteceu sim... A estrela... estava lá... e era o sinal.
Preocupado, Lapidote se mexe e espera por uma explicação. É quando Débora parece voltar à si, e cai na cadeira. Olha para o marido.
DÉBORA
Lapidote, Deus falou comigo!
Lapidote leva alguns segundos até compreender aquilo... E quando o faz, seus olhos se arregalam.

CENA 13: INT. CASA DE DÉBORA – SALA – DIA
A noite se vai, vem a manhã e passa mais da metade da tarde.
Betel está arrodeada e abarrotada de hebreus.
Jaziel, já barbeado, abre a porta e vem da rua. Enquanto entra, ouve-se o barulho de muitas pessoas lá fora. Ele fecha e olha para Débora e Lapidote, sentados à mesa.
JAZIEL
O povo veio durante a noite toda, manhã e dia. Toda Israel está aqui!
DÉBORA
Toda?!
JAZIEL
Sim. Gente de todas as tribos vieram pra Betel. Estarmos no centro de Israel ajudou.
DÉBORA
Por que eles vieram, se nem todos tem filhos?...
JAZIEL
Débora, não finja. Você sabe que eles estão aqui por sua causa. Alguns por saberem que voltou de sua missão contra os soldados. Outros querem resolver seus problemas, pois sua fama chegou a eles. Outros ainda querem simplesmente agradecê-la por tudo o que fez. E outros... querem apenas vê-la. Sabe o que une todos eles? Todos estão clamando você como juíza.
LAPIDOTE
Faz sentido... Há anos o povo não via uma figura que se destacava dessa forma, e que lhes trazia esperança. E há tempos esperam por um juiz...
JAZIEL
E eles merecem. Se voltaram para Deus e clamaram.
LAPIDOTE
Jaziel, você não sabe, mas Deus, Deus falou com ela, e Ele próprio a levantou juíza.
JAZIEL
O quê?!
Maravilhado, Jaziel pula, ri e abraça os dois ao mesmo tempo.
LAPIDOTE
Ontem à noite.
JAZIEL
O que você está esperando, Débora?! Vamos! Saia dessa casa e vá de encontro ao seu povo!
Débora parece pensar... Então olha para eles.
DÉBORA
O morro. Aquele atrás do vale... É um lugar grande e mais plano. Mande o povo para lá.
JAZIEL
Certo!
LAPIDOTE
Avisarei a todos agora mesmo!
JAZIEL
Eu também! E você, Débora? O que fará?
Ela então põe-se de pé.
DÉBORA
Me levantarei diante deles. É a vontade de Deus...
JAZIEL
E do povo.
Ela faz que sim.
JAZIEL
Eu a estarei esperando lá!
Jaziel sai apressado. Lapidote a beija, dá uma última olhada nela, faz um carinho em seu rosto e também sai. Débora, se preparando mentalmente, respira fundo.

CENA 14: EXT. CAMPO – MORRO – DIA
Mediante os anúncios de Lapidote e Jaziel, todo o povo então sai de Betel e arredores e se encaminha para o morro.
São milhares de pessoas de todos os cantos de Israel que se ajuntam ali, ansiosas por aquela que se tornou conhecida em todos os lares hebreus.
Adélia e Laila estão ansiosas.
ADÉLIA
Ai, que orgulho da senhora Débora! Já estão falando de ela ser juíza, já pensou, Laila?! Ai, e é minha cliente! Não me caibo de orgulho! Sente o meu coração, Laila, veja! Tu-tum! Tu-tum! Tu-tum! Ai, preciso de uma receita pra essas ocasiões senão meu coração sai pela boca!
Perto dali, Isabel não para de falar sobre isso com o marido Éder.
ISABEL
Além disso você ouviu o que o povo está querendo?! Querem a minha prima como juíza! Uma mulher, Éder! Isso... é totalmente novo! Nunca pensei que uma mulher poderia ser a voz de Deus!
ÉDER
São só boatos, Isabel! O povo é que está querendo! Ela ser já é outra história.
Isabel sorri empolgada com a possibilidade.
Lapidote, Tamar e Elian passam pelo povo. Enquanto caminha, Elian vê o povo gritando por Débora.
TAMAR
Estão quase desesperados. Querem ver logo sua juíza.
Lapidote ri. Elian cruza a multidão quieto, até chegarem ao pé do monte, na parte da frente da multidão.
Do outro lado...
Inversamente proporcional ao lado onde está a multidão, vazio está o lado oposto do morro relvado. Está ali apenas Jaziel, que sorri ao ver a amiga chegar com um vestido branco e uma capa vermelha saindo de um ombro, cobrindo um braço e descendo pelo corpo na diagonal. Sua cabeça está descoberta, e seus cabelos soltos. Ela parece estar tentando se concentrar.
Para e olha para ele.
DÉBORA
Jaziel...
Ela balança a cabeça fazendo que não.
DÉBORA
Éramos só duas crianças fazendo peraltices pelas ruas e irritando os adultos... Como chegamos até aqui?
Jaziel ri.
JAZIEL
Pela fé, minha amiga! Pela fé!
Débora sorri.
JAZIEL
Feche os olhos. Ouça. Ouça o povo.
Débora então fecha os olhos, e o som, ao invés de aumentar, diminui.
FADE OUT:
Escuridão.
Sons distantes... São vozes. Muitas vozes bradando incansavelmente, mas o que dizem é incompreensível.
FADE IN:
Os olhos castanho-claros estão bem abertos, e parecem fazer a função dos ouvidos de absorver o que dizem as vozes. Agora conseguimos compreender o que dizem, e trata-se de uma única palavra.
MULTIDÃO (O.S.)
Débora! Débora! Débora! Débora! Débora!
Débora, apreensiva, parece não acreditar que a multidão invisível repete incessantemente seu nome, como se a invocassem. Jaziel, sorrindo, a encoraja a subir até o topo do morro.
JAZIEL
O que você está esperando, Débora?! Suba! Vá, minha amiga! Todo o povo de Israel está do outro lado te esperando!
DÉBORA
(nervosa) Mas...
JAZIEL
Débora! Não vê que a clamam como juíza?! Vá, mostre-se a todos e tome o cargo que é teu por direito!
Por um momento ela parece falhar na coragem.
DÉBORA
Não sei se consigo!
JAZIEL
Débora, escute... Você tem o dom da profecia, Deus falou com você, foi escolhida por Deus! Como ainda pode ter dúvidas?!
Débora, nervosa, encara o morro à sua frente e respira fundo. Toma coragem... e finalmente começa a subi-lo.
DÉBORA (NAR.)
Ao longo da história do meu povo, grandes homens estiveram à nossa frente. Homens valentes, homens de Deus... Homens.
O som da multidão aumenta conforme Débora se aproxima do topo do morro.
DÉBORA (NAR.)
Por um instante, ouvindo o meu nome repetido incessantemente na boca do povo...
A silhueta de Débora finalmente surge no alto do morro e a multidão vibra! Recebem-na com palmas e gritos de aclamação!
DÉBORA (NAR.)
...eu quase me esqueço de tudo pelo que passei para chegar até aqui. Quase, apenas... Pois jamais poderia esquecer.
Os olhos de Débora, contemplando os milhares de hebreus homens, mulheres e crianças espalhados pela planície, imediatamente marejam, transbordam e riscam o seu rosto com lágrimas cristalinas. Nas fileiras mais próximas, Tamar e Lapidote lhe sorriem orgulhosos. Em outros pontos, Adélia, Laila, Isabel, Mireu, Sama e o senhor Aliã com os anciães. Involuntariamente seu sorriso de retribuição se alarga para os amigos e parentes.
DÉBORA (NAR.)
Obediente. Reservada. Quieta. São as qualidades que uma boa mulher deve ter. São as qualidades que eu não tive... para me levantar como líder de minha nação... e mãe do meu povo.
Débora, emocionada, continua a encarar com carinho os milhares de rostos exultantes.
DÉBORA (NAR.)
Esse é o meu destino. É a vontade de Deus.
Jaziel chega ali por trás correndo.
JAZIEL
Viva Débora, juíza de Israel!!!
MULTIDÃO
Viva!!!
JAZIEL
Viva Débora, a escolhida do Senhor!!!
MULTIDÃO
Viva!!!
Então muitas das pessoas começam a se ajoelhar diante dela.
DÉBORA
Não!
Eles param e a olham.
DÉBORA
Não se prostrem diante de homem ou mulher! Só Deus é digno de nossa adoração! E, com vocês, espero que juntos... caminhemos em direção à luz e à glória de Deus! Todos nós temos em nossas cabeças uma promessa e somos coerdeiros dessa terra, prometida a Abraão, e desfrutada por nós. Vamos mostrar ao Senhor a nossa gratidão! E O servir e O adorar pelos restos dos nossos dias, ensinando aos nossos filhos, e aos filhos dos filhos dos nossos filhos que só há um Deus, único, poderoso e Criador dos Céus e da Terra! Ajoelhemo-nos todos pois diante do Senhor!
O povo então se ajoelha e fecha os olhos. Débora observa-os com orgulho. Limpa as lágrimas e sorri. Ajoelha-se também... Dá uma última olhada na multidão... E vira o rosto para o céu.
DÉBORA (NAR.)
Não sei o que será de nós daqui para frente. Mas de uma coisa eu sei: não estou sozinha. Não mesmo.
Débora sorri para o céu e fecha os olhos. Nisso, IMAGEM CONGELA
CONTINUA...
FADE OUT:
Nas últimas semanas: Agora como juíza de Israel, Débora tenta se conciliar com seu pai Elian. Sísera e Jabim aguardam por sinais de guerra. Darda dá início à sua vingança contra Najara e Sísera. Hanna tenta fazer parte do exército como feiticeira. Coisas estranhas começam a acontecer com Gadi e Laís envolvendo sua filha adotada Micaela. Jaziel e Sama se reencontram. Adélia e Laila se metem em confusão ao tentar criar a receita do amor. Cresce a tensão entre Éder e Josafe pelo pedaço de terra. Héber e Jael, queneus, tornam-se próximos de Sísera. Elói, chefe da cidade hebreia chamada Meroz, faz uma aliança com Jabim e se torna seu informante. As fortes emoções da reta final de DÉBORA.

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