OS
PROTETORES
série de
FELIPE LIMA BORGES
Temporada 1, Episódio 06
“Rex, o Cão Justiceiro”
escrito por
FELIPE LIMA BORGES
O.S.: Indica que o personagem falando está no cenário, mas fora do alcance da câmera.
V.O.: Indica que o personagem falando não está no cenário, soando como uma narração.
FLASHBACK: Ação que ocorre no passado.
FLASHFORWARD: Ação que ocorre no futuro.
Tela preta.
O mundo tornou-se perigoso, porque
os homens aprenderam a dominar a natureza antes de se dominarem a si mesmos.
Albert Schweitzer
CENA 1: EXT.
RUA COMERCIAL - NOITE
Um par de pés calçados caminha
tranquilamente por uma calçada. A câmera sobe e vemos que é EDU (30 anos, alto,
barbudo e corpulento). À sua direita, lojas já fechadas. À esquerda, carros
estacionados. A rua está deserta.
Edu finalmente acha seu carro, se
aproxima e coloca a mão na maçaneta para abrir. Nesse instante alguém chega ali
correndo: o FLANELINHA (40 anos e magro).
FLANELINHA
Opa
maninho, tem como dá uma ajuda pro cafézinho aí, com todo respeito? Três reais?
Edu para.
EDU
Quanto?
FLANELINHA
Três reais,
pra ajudar no cafézinho.
Com a mão ainda na maçaneta, Edu
encara o flanelinha.
EDU
Três reais?
Mas isso aí é o que, três reais?
FLANELUNHA
Ahn?
EDU
Três reais
do quê?
FLANELINHA
É que eu
tava olhando aí...
EDU
Quer três
reais porque tu olhou o carro?
FLANELINHA
Pra ajudar
no cafézinho...
Edu larga a maçaneta.
EDU
Tem 10
minutos que eu parei aqui. 10 minutos, pô.
FLANELINHA
É que eu
tomo conta de tudo aqui, maninho.
EDU
Ué, como
assim toma conta de tudo? Essa merda aqui é uma área pública.
FLANELINHA
Eu cuido
tudo aqui, pra não suceder nada de mal com os carros...
EDU
Tu é da
prefeitura?
FLANELINHA
(gaguejando) É...
EDU
Cadê o
crachá?
FLANELINHA
Não é da
prefeitura... Eu fico aqui cuidando, só...
EDU
Porra,
vocês são foda. Aonde eu paro aparece um pra me extorquir.
FLANELINHA
Só uma
moralzinha pro café...
Edu caminha para o porta-malas.
EDU
Tem trocado
aí?
O flanelinha passa as mãos no
bolso.
FLANELINHA
Ô, não vou
ter, maninho...
EDU
Tem
problema, não. Vou pegar aqui pra você.
FLANELINHA
Valeu,
maninho.
EDU
Pega seu
troco aqui.
Edu abre o porta-malas e então
vemos REX (rottweiler, forte e pelos escuros), pronto para sair. O flanelinha
arregala os olhos e sai tropeçando. Rex pula para fora do carro.
EDU
Pega, Rex!
Pega ele!
O flanelinha dispara pela calçada e
Rex o persegue a toda velocidade.
EDU
Pega, Rex!
Pega!
FLANELINHA
Socorro!!!
Edu observa a perseguição
satisfeito. Quando Rex está alcançando o flanelinha, esse dobra uma esquina.
Edu finalmente vai atrás deles, calmamente.
Caído na calçada, o flanelinha
grita enquanto tenta livrar sua perna já ensanguentada da poderosa boca do
rottweiler. Ao fundo, Edu dobra a esquina caminhando e se aproxima. O
flanelinha o vê.
FLANELINHA
Por favor! Aaii,
por favor!...
Edu chega ali e para, observando-o.
EDU
Qual é a
sua profissão?
O flanelinha se arrasta pelo chão,
mas Rex não dá sinais de querer soltá-lo.
EDU
Qual é a
sua profissão?!
FLANELINHA
Eu lhe falei...
Ah!!! Eu cuido... dos carros aqui, ah!!! Por favor, me ajuda!... Eu sou
flanelinha! Me ajuda, por favor!...
Então Edu dá um assovio agudo e Rex
é ainda mais agressivo com a perna do flanelinha, que berra. Edu se aproxima
mais e agacha bem perto do homem.
EDU
Eu vou
perguntar de novo. Qual é sua profissão?
FLANELINHA
Nada! Não
sou nada, não trabalho aqui... Ahhh! Não sou nada!...
Edu faz que sim, olha para Rex e
emite um assovio diferente, ao que o cão finalmente solta a perna do
flanelinha, que permanece agonizando na calçada.
EDU
Mulheres,
idosos, qualquer um... Eu passei o dia te flagrando, vi como intimida as
pessoas pra que te deem dinheiro. E elas, coitadas... acabam dando por medo.
Sem querer acabam financiando aquela merda que você fuma.
FLANELINHA
Eu não
fumo, senhor...
EDU
Cala a
boca, seu imbecil! Se eu sequer ouvir falar de você outra vez na rua, cobrando
as pessoas por um serviço que elas não te pediram, eu vou voltar. (tocando o
dedo no rosto do flanelinha) E aí vai ser bem aqui nessa tua cara feia, seu
ladrãozinho de merda. O mesmo vale pros teus colegas. Avisa eles, que sumam das
ruas. Porque se não fizerem isso, com eles eu vou ser ainda mais cruel
O flanelinha permanece olhando-o.
Então Edu se levanta e assobia para Rex.
EDU
Bora!
Edu e Rex voltam pela calçada.
Caído e ensanguentado, o flanelinha os observa temeroso e confuso.
Edu abre o seu carro e Rex entra se
acomodando no banco da carona. Em seguida ele entra e fecha a porta.
EDU
(para Rex) Um
pouquinho mais perto do dia em que essa cidade vai brilhar.
Rex encara Edu, que sorri, faz um
afago no animal e liga o carro.
CORTA PARA:
CORTA PARA:
CENA 2:
EXT. MERCADO MUNICIPAL DE MANAUS – DIA
O rio Negro.
Por uma panorâmica vemos que
estamos na orla asfaltada do rio, em frente à uma das entradas principais do
Mercado Municipal. Diversas pessoas, entre turistas, compradores e vendedores,
circulam por ali; um típico dia no local.
Um grupo de pessoas se destaca na
movimentação. 10 a 15 homens e mulheres seguem uma GUIA, que os leva, pelo
asfalto, à entrada do Mercado. Entre os turistas estão SOFIA e ADRIEL.
GUIA
Um misto de
cores, cheiros e sabores. Essa é a menor mas ao mesmo tempo a melhor descrição
que alguém já fez desse local tão marcante de Manaus. Sejam todos bem-vindos ao
Mercado Municipal Adolpho Lisboa, ou apenas Mercadão, como é popularmente
conhecido. Uma herança do período áureo do ciclo da borracha, o prédio foi
erguido caprichosamente no estilo arquitetônico Art Nouveau, com inspiração no
Mercado de Paris, e sua construção se deu de 1880 a 1883 com materiais trazidos
da Europa. Em 1987 foi tombado como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
graças à sua ímpar arquitetura de ferro, que pode ser vista nessa entrada, a
mais antiga. Já a entrada principal, que fica do outro lado, na rua dos Barés,
e pela qual sairemos, foi levantada em alvenaria.
O grupo para na calçada, em frente
à entrada.
GUIA
Estamos
prestes a visitar mais que um ponto turístico de Manaus. Levarei vocês em uma
viagem pela cultura amazônica e sua história, seus costumes, suas artes e suas
fascinantes peculiaridades. O lugar ideal para que turistas - a maioria de
vocês, tenho certeza - deixem suas listas de experiências amazônicas quase
completas.
Sofia faz um sinal com as
sobrancelhas para Adriel. A guia continua a discursar.
ADRIEL
(baixinho;
para Sofia) Tem certeza que preciso conhecer as cores, os
cheiros e os sabores de Manaus pra salvar animais?
SOFIA
Não pelos
animais, mas se vai investigar seus algozes, precisa estar familiarizado com o
habitat deles. Qual é, Adriel?... Não é tão ruim assim.
ADRIEL
Não, não é,
mas já fomos em tantos lugares... Conheço pontos de Manaus que nem os
manauenses conhecem.
SOFIA
Manauaras;
é mais usado. E já falei pra você parar de bancar o cara prático. Então, por
favor, aprecie o passeio.
GUIA
Eu os
convido agora a adentrar o Mercado. Sintam-se à vontade para se espalharem
pelos pavilhões e, claro, mover nossa economia também.
As pessoas do grupo sorriem e
começam a entrar no Mercado. O celular de Sofia toca e ela para um instante para
atender.
SOFIA
(para
Adriel) É o tenente. (para o tenente) Alô, tenente? (pausa)
Tudo bem, já estamos a caminho.
Sofia desliga.
ADRIEL
O que o
tenente queria?
SOFIA
Tem um caso
pra nós. Bora.
ADRIEL
(referenciando
o grupo) E as cores, os ch/
SOFIA
(interrompendo) Tem um
caso pra nós. Bora.
CENA 3:
INT. MERCADO MUNICIPAL DE MANAUS – DIA
Sofia e Adriel acompanham o grupo e
entram no Mercado. Tal qual seus companheiros turistas, eles tomam seu próprio
rumo: seguem reto, atravessando o pavilhão, rumo à entrada principal, do outro
lado. A câmera sobe e podemos ver toda a movimentação nas barracas e
corredores.
Os dois chegam no outro lado e saem
para a rua. A câmera então vira para uma das barracas onde há uma TV.
JORNALISTA
(V.O.)
Quem também
confirmou presença no evento foi o vice-prefeito de Tucupi, Júlio Cabral. Por
meio de assessoria foi informado que Cabral estará acompanhado da família e de
amigos, e deve chegar a Manaus nessa sexta.
CORTA PARA:
CENA 4:
INT. PRÉDIO BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – TÉRREO – DIA
Sofia e Adriel caminham rumo ao elevador.
Conversam qualquer coisa entre si. Ao vê-los, DIOGO comenta alguma coisa
inaudível ao seu COLEGA. Ouve-se apenas o final.
DIOGO
...paulista
preguiçoso.
Adriel para.
ADRIEL
(para
Diogo) Você falou alguma coisa?
DIOGO
Quê?
ADRIEL
Eu pensei
ter ouvido algo, um zumbido vindo daqui...
Os outros policiais, em suas mesas,
olham para os dois.
SOFIA
Adriel, o
que eu já falei sobre isso? Bora!
ADRIEL
Não, Sofia.
(se aproximando de Diogo, olhando-o nos olhos) Desde que eu cheguei
parece que minha presença incomoda demais um sujeito em específico. Não tem uma
única vez que passo por aqui e o clima não pese, ou que não ouço murmúrios
cheios de reclamações e ofensas.
Adriel para na frente de Diogo,
olho no olho. Apreensão entre os colegas ao redor.
ADRIEL
Qual é o
seu problema comigo? Vamos, esclareça. Tá na hora de colocar as cartas na mesa.
Fala o que tá te incomodando.
DIOGO
O que tá me
incomodando e sempre me incomodou é alguns aqui passarem mais tempo na rua que
no local de trabalho.
SOFIA
(se
aproximando firme por trás de Adriel) A rua é local de trabalho! Por que
você finge que não sabe disso e fica perturbando meu parceiro?!
Diogo olha para Sofia com rancor.
ADRIEL
(provocativo) Trabalhos
externos, trabalhos internos... Nós ficamos com os primeiros e você com os
últimos. Se tá insatisfeito é problema seu, só não se faz de burro.
De repente Diogo se enfurece,
agarra a camisa de Adriel e os dois se atracam em um confronto em que um tenta
derrubar o outro.
SOFIA
CHEGA!!!
COLEGA
Diogo!
Diogo e Adriel se soltam e se
afastam; aquele para mais perto do colega e Adriel para perto de Sofia.
DIOGO
Tá pensando
que tá na tua terra, irmão?! Aqui o ritmo da dança é outro!
ADRIEL
Vem me
ensinar a dançar então!
SOFIA
Calados os
dois! Que absurdo, que baixaria! Dois policiais adultos parecendo meninos na
quinta série!
COLEGA
(para
Diogo; mais alto do que pretendia) Arreda do pé deles, Diogo! Ela não
tem culpa se quem você gosta gosta dela!
Todos ouvem e olham confusos para o
colega e Diogo. Esse, furioso, vira a cabeça para o colega.
DIOGO
Isso... não
tem nada a ver com ela!
COLEGA
Não?
Enraivecido e constrangido, Diogo
sai pisando duro, passa esbarrando em Sofia e some. Confusa, ela olha para o
colega.
SOFIA
Quem?
COLEGA
(arrependido) Ninguém...
Porém ele olha para alguém perto
dali. Sofia olha nessa direção e vê BÁRBARA de pé, que se assusta e,
constrangida, sai. Sofia olha confusa para o colega, para Adriel e vai atrás de
Bárbara. Adriel permanece ali, recebendo os olhares espantados dos colegas.
ADRIEL
Desculpem...
Desculpem...
Constrangido, ele circula sem
direção enquanto passa a mão no rosto, e escora em um pilar. Então Sofia volta,
um tanto aflita.
SOFIA
Ela não quis
falar comigo...
Adriel franze o cenho.
ADRIEL
(desencostando
do pilar) Deixa que eu vou lá.
SOFIA
Seja gentil,
tá...
ADRIEL
Não se
preocupe, vai indo ver o tenente. Já chego lá.
Adriel passa por Sofia e segue na
direção em que Bárbara foi. Sofia permanece ali, preocupada. Olha para o colega
e para a mesa vazia de Diogo.
SOFIA
Babaca.
Sofia sai.
CENA 5:
CONT. – INT. COPA – DIA
Adriel entra na copa. Ao lado de um
purificador de água onde um copo é servido, Bárbara, melancólica, encara a
janela. Ela nota o reflexo de Adriel.
ADRIEL
Oi,
Bárbara. Tá tudo bem?
O copo se enche e a água
transborda. Tentando esconder sua tristeza, Bárbara arruma a postura, ajeita o
cabelo e limpa o que parece ser uma lágrima. Então vira para Adriel.
BÁRBARA
(forçando
um sorriso) Sim, tudo bem.
Adriel olha dela para o copo
transbordando e Bárbara finalmente percebe; desliga o purificador, pega o copo
molhado, dá um gole meio sem jeito e o coloca na bancada.
BÁRBARA
Isso não
foi nada... Tá tudo bem sim, Adriel.
ADRIEL
Eu vi/ Todo
mundo viu, Bá.
Bárbara parece não gostar do que
ouve e vira para outro lado.
ADRIEL
Só quero
que saiba que... estou aqui, se você precisar. Tem o meu apoio. Vejo que você é
mais afastada dos outros, então se quiser falar comigo--
BÁRBARA
(interrompendo) Adriel,
com todo respeito... Eu agradeço sua intenção, Adriel. Agradeço sua
preocupação, mas eu não quero falar com você sobre isso.
Adriel faz que sim com pesar.
ADRIEL
Tudo bem.
Bárbara deixa escapar um discreto
sorriso de canto de boca.
ADRIEL
Mas eu vou
informar o tenente Osvaldo sobre o comportamento do Diogo.
BÁRBARA
Não. Não
precisa levar isso adiante, ele não tem--
ADRIEL
(interrompendo)
Respeito.
Ele não tem respeito com você, não tem respeito com a Sofia, com ninguém...
BÁRBARA
Isso só vai
dar mais dor de cabeça pra mim, mais problemas... Eu tô cansada, Adriel.
ADRIEL
E vai
permitir que ele continue te fazendo isso? Te humilhando, drenando suas
forças... Vai deixar um cara desse impune?
BÁRBARA
Já falei
que eu não que/ (expira; pausa) Eu só quero paz...
Adriel se aproxima dela.
ADRIEL
E é isso
que vamos ter. Todos nós. O Diogo não é dono de ninguém, e tá na hora dele entender
isso. Se não foi por bem até agora, então que seja por mal.
Bárbara
encara Adriel. Parece concordar.
CENA 6:
CONT. – INT. ESCRITÓRIO DE OSVALDO – DIA
Adriel abre a porta e entra. Sofia
e OSVALDO estão à mesa desse.
ADRIEL
Tenente?
Licença. Desculpe o atraso.
OSVALDO
Sente-se,
sargento.
Adriel se aproxima e senta ao lado
de Sofia.
OSVALDO
Algum
problema lá embaixo, Adriel?
ADRIEL
Ahn, sim,
na verdade... Algo que eu inclusive gostaria de falar com o senhor.
OSVALDO
É grave?
ADRIEL
De certa forma...
Mas pode esperar, se for preciso.
OSVALDO
Ótimo.
Porque tenho aqui algo realmente grave para os senhores.
Osvaldo despeja na frente deles
fotos de pessoas caídas com pernas e braços feridos e ensanguentados - o
flanelinha da cena 1 entre eles; franzem o cenho.
SOFIA
(analisando) Ataques...
pelas marcas parecem ser de cães...
ADRIEL
Alguém
esqueceu o portão aberto e os cachorros estão atacando por aí?
OSVALDO
É pior.
Alguém está guiando o animal e coordenando os ataques.
ADRIEL
Animal? Um
só?
OSVALDO
Os exames
atestam que todas essas marcas foram realizadas por um único cão, um rottweiler
de idade entre dois e três anos.
SOFIA
Quem usaria
um cachorro como arma?
ADREL
Por que
essas pessoas? Elas tem algo em comum?
OSVALDO
A maioria
teve problemas em suas vidas profissionais. (passando as fotos)
Manobrista acusado de furto, policial denunciado por abuso de autoridade,
cabeleireira flagrada cometendo injúria racial, atendente de telemarketing que
se exaltou com cliente, dono de posto de gasolina suspeito de adulterar
bombas... Outros simplesmente exercem profissões que costumam incomodar a
sociedade, como esse flanelinha, última vítima, atacado ontem por volta das
onze da noite, na região central.
SOFIA
Um justiceiro...
Alguma vítima soube descrever a aparência do sujeito?
OSVALDO
Apenas
pequenas características que se repetem, em função do período noturno em que
ocorreu a maioria dos ataques. Por ora não temos um perfil completo.
ADRIEL
Algum dos
casos resultou em morte?
CORTA PARA:
CNEA 7:
EXT. PARQUE JEFFERSON PERES – DIA
Edu (óculos escuros) e Rex caminham
descontraidamente pelo parque cheio de pessoas andando, correndo, conversando
em bancos ou sentados na grama, jogando, praticando exercícios... Porém, não
são poucos os que reparam o homem passeando com um rottweiler sem coleira:
olham torto, apontam, torcem o pescoço e cochicham.
OSVALDO
(V.O.)
Negativo.
Pelos relatos das vítimas o tal justiceiro parece querer dar uma lição, e junto
a isso, uma segunda chance para quem ele considera sujo. Aparentemente ele não
quer cortar a raiz, mas tratá-la. Do seu próprio jeito.
Edu senta em um dos bancos e faz
afagos em Rex enquanto observa a movimentação. Ele percebe o incômodo de parte
das pessoas.
ADRIEL
(V.O.)
E como ele
teria tanto controle nas ações com uma arma tão inusitada e imprevisível como
um rottweiler?
Edu então pega um brinquedo no
bolso e joga longe para que Rex vá buscar. O cão dispara entre as pessoas até
encontrar o brinquedo caído próximo à uma MENINA (4 anos) que brinca na grama
com outras crianças. Rex chega, abocanha o objeto e começa a voltar andando.
Nisso, a MÃE (40 anos), preocupada e aflita, corre até sua filha, a agarra nos
braços e volta para o banco onde estava sentada. Edu, do seu banco, observa a
situação. Então se levanta e vai até a mãe.
SOFIA
(V.O.)
Stanley
Coren listou a raça como a nona mais inteligente entre os cães, o que indica
que são de fácil treinamento. Isso aliado ao fato de serem apegados aos
tutores, territorialistas e atentos aos comandos, temos uma arma funcional e
confiável. Provavelmente o justiceiro está com o pobre cão desde que esse era
um filhote. Desde então deve vir treinando o bichinho pra seus objetivos
sórdidos.
Ao ver seu dono caminhando para
outra direção, Rex para, solta o brinquedo e o observa. Edu chega até o banco
onde está a mãe com a menina no colo e, parado, olha para ela. Ao fundo, perto
dali, Rex prestando atenção. A mãe olha para Edu com estranheza e aperta a
filha em seus braços.
MÃE
O que foi?
Edu não responde. Continua a olhar
para ela.
MÃE
O que você
quer?
Edu não reage. Então a mãe começa a
guardar suas coisas na bolsa ao lado.
EDU
A senhora
tem algum problema com o meu cachorro?
A mãe para.
MÃE
Aquele
cachorro? É seu? Eu tenho problema sim, senhor. Porque o parque tá cheio de
gente, família com criança, que traz pra brincar aqui, e o senhor vem com um
cachorro daquele tamanhão, não põe nem uma coleira, em tempo de acontecer uma
tragédia... Já pensou acontece uma tragédia? Já pensou dá um tique no seu
cachorro e ele resolve atacar uma criança, o tamanho da calamidade?! E
ainda joga porcaria no meio da área que as crianças tão brincando pro bicho ir
buscar!... Um esbarrão desse cão na minha filha e sabe-se lá o que seria dela.
Acho que devia ser proibido fazer o que o senhor tá fazendo, andar por aí com
um animal desse, num parque, e sem nenhuma proteção, nem uma focinheira! Acho
que o senhor é muito é irresponsável!
Edu permanece na mesma posição.
EDU
O povo
sofre por falta de conhecimento. As pessoas preferem destilar preconceitos
largados em suas zonas de conforto à buscar a luz da sabedoria. Permitindo
assim que se perpetue o câncer da propagação de suas ideias burras.
A mãe volta a olhá-lo com
estranheza.
MÃE
Se tem uma
ideia que não foi burra, meu senhor, foi a de afastar minha filha daquele bicho.
Quando o senhor é quem devia manter ele bem longe das crianças aqui. Um cão
horrível desse!... Pior que um rottweiler desse só um pitbull.
EDU
A senhora
vem com seu senso comum carregado de ideias estúpidas e pífias sobre os
rottweiler, mas ao menos conhece a história da raça, sua origem? Sabe que eles
vêm de cães romanos? E cujos descendentes foram criados por açougueiros na cidade
alemã de Rottweil, e daí o nome "rottweiler" que é cuspido da boca de
pessoas como a senhora? A senhora alguma vez procurou alguma dessas informações
básicas antes de demonizar meu cachorro?
A mãe pega sua bolsa e se levanta
com a filha no colo.
MÃE
Eu tenho
mais o que fazer. Bora, minha filha. (para Edu) Você e o seu monstro,
fiquem bem longe de mim e da minha menina. Seu louco.
Edu, com Rex o olhando ao fundo,
observa a mãe se afastando com a filha. Sem se virar, ele assobia ao que Rex
prontamente vem e para ao seu lado. Edu tira os óculos escuros, olha para o
cão, pega um petisco no bolso e dá para ele. E sorri acariciando sua cabeça e
pescoço.
CORTA PARA:
CENA 8:
INT. HOSPITAL – QUARTO – DIA
Em pé, Sofia e Adriel ouvem o
flanelinha (curativos nas feridas e recebendo soro na veia), deitado na maca,
falar.
FLANELINHA
Tem treze
anos que eu tô nas ruas, exercendo a minha profissão, e nunca nem ouvi falar
duma coisa dessa com algum de nós. Às vezes tem uns desentendimentos,
discussãozinha besta com motorista, mas fica por isso mesmo. Já cuidei carro de
doutor, de político, de delegado, e do mesmo jeito que trato a autoridade trato
o faxineiro, o trabalhador humilde, porque é como eu. É raro um que não gosta
do nosso serviço. Antigamente naquelas bandas vivia um pessoal doido pra fumar.
Quebravam janela de carro, levavam som, objetos de valor que os motoristas
largavam lá, era terrível... Agora comigo, com meus companheiros, os motoristas
tem segurança. Em todo esse tempo que eu tô lá nunca se ouviu falar de roubo,
de furto. Os senhores são policiais, podem puxar lá pra vê que é verdade.
SOFIA
O senhor
comentou com os policiais que estiveram aqui que ele te atacou simplesmente por
o senhor ser flanelinha.
FLANELINHA
Foi. O
cabra tava muito revoltado, disse que passou o dia de olho em mim. Caí na
armadilha do homem feito um matrinxã.
SOFIA
Quando ele
abriu o porta-malas pra soltar o cachorro o senhor viu se ele possuía alguma
arma, seja de fogo ou--
FLANELINHA
(interrompendo) Não, não,
era só o cão. Ele comanda o bicho como ninguém, só assoviando e falando algumas
palavras. (pequena pausa) Foi terrível.
ADRIEL
O senhor
disse que viu o rosto do agressor. Acha que conseguiria descrever pra podermos
fazer um retrato falado?
FLANELINHA
Claro.
Nunca vou esquecer o rosto dele em cima de mim, cheio de ódio... Muito menos do
Rex, só fechar os olhos que vejo tudo de novo claramente.
SOFIA
Rex?
Sofia olha para Adriel e de volta
para o flanelinha.
FLANELINHA
É assim que
ele chama o bicho. Rex me deve uma perna.
Sofia
assimila.
CENA 9:
CONT. – INT. CORREDOR – DIA
Sofia e Adriel saem do quarto e
caminham pelo corredor.
ADRIEL
Pensei que
teria que dar moedas pra sair dali.
SOFIA
Então você
é dos que entram no carro e partem sem dar nem um agradecimento.
ADRIEL
Dou meu
muito obrigado. São Paulo é outra história, Sofia. Sei bem pra onde vão as
moedinhas que eles ganham.
Sofia vira em outro corredor, mas
para quando Adriel não a acompanha. Ele para também.
ADRIEL
Pra onde
você vai?
SOFIA
Vou ligar
pro tenente e pedir que um desenhista visite nosso amigo. Já temos o nome
"Rex" e... Em breve poderemos libertar o pobre Rex do justiceiro.
ADRIEL
Ótimo. Te
vejo no escritório, então.
Sofia sorri e eles saem, cada um em
uma direção.
CORTA PARA:
CENA 10: MONTAGEM:
EXT. MANAUS – DIA/NOITE
O
passar do tempo em Manaus: vendo diversos pontos da cidade, o dia se vai, a
noite chega e passa, e um novo dia amanhece na capital manauara.
CENA 11:
INT. AEROPORTO INTERNACIONAL DE MANAUS – SAGUÃO – LANCHONETE – DIA
Adriel se aproxima da lanchonete,
mais especificamente de uma mesa, onde alguém come e bebe com prazer: é
ROBERTO.
ADRIEL
Fico me
perguntando o que Boa Vista fez pra até Manaus merecer o senhor aqui.
Roberto levanta a cabeça e abre um
sorriso ao ver Adriel. Põe-se de pé.
ROBERTO
Aí está
ele, rá! Venha aqui, seu mala.
Adriel se aproxima e Roberto o
abraça.
ROBERTO
Ah, quanto
tempo...
ADRIEL
Pra mim
parece ser ainda mais.
Roberto solta Adriel.
ROBERTO
Eu imagino
que não está sendo fácil, Adriel.
Adriel faz que sim com leve pesar.
ROBERTO
Vamos,
senta aí. (para o balcão) Um chá pro rapaz aqui!
Adriel senta.
ADRIEL
Não, eu
estou bem, tenente. Obrigado.
ROBERTO
Por isso você
está desanimado nesse lugar, Adriel. Sua estadia aqui seria muito mais
agradável se seguisse meu conselho e tomasse um bom chá gelado de vez em
quando, rá.
ADRIEL
Pode até
ser, mas... Sabe, tenente, eu tenho que confessar que... achava que seria pior.
ROBERTO
Não estou
surpreso.
ADRIEL
Isso não
muda minha posição, eu quero voltar pra casa. Quero minha cidade, minhas ruas
de volta. Ruas que o senhor ajudou a tirar de mim, estou errado?
ROBERTO
Deixa de
ser imaturo, Adriel. Fui assegurado pelo tenente Osvaldo que você foi muito bem
informado por ele e por seus colegas sobre os porquês.
ADRIEL
Pessoas
estranhas, senhor. Todas elas. Eu esperava algo do senhor.
ROBERTO
Me perdoe.
Talvez eu tenha falhado. Talvez tenha me faltado pulso firme nas conversas com
o pessoal daqui...
ADRIEL
Tudo bem,
tenente.
Adriel se larga na costa da cadeira
e Roberto permanece olhando para ele.
ADRIEL
O quê?
ROBERTO
Estou
esperando.
ADRIEL
Esperando o
quê?
ROBERTO
Seu pedido
de desculpas, oras.
ADRIEL
E por que
eu devia fazer isso?
ROBERTO
Como você é
capaz de mandar à merda quatro membros do conselho montado com o único objetivo
de decidir seu futuro na Corporação, e se esquecer disso?
ADRIEL
Ah... Não
me esqueci, não. Os quatro idiotas da bunda acostumada com ar condicionado o
dia todo, me julgando e palpitando sobre como eu deveria ter agido em um
tiroteio que envolvia o maior traficante da América Latina, estão bem frescos
na minha memória. Tudo bem guardadinho aqui.
ROBERTO
Eles estão
furiosos, Adriel. Não só o conselho, mas a corregedoria também. E horrorizados.
Apesar disso eles não tem interesse em vazar sua poesia pra imprensa. Devia
agradecer aos céus por isso.
ADRIEL
Que eles
façam o que bem entenderem. Nada vai eclipsar a imagem que a população já tem
do bravo e humilde militar capturando Paraná.
ROBERTO
Você pode
até não se importar agora, mas vai se importar muito quando eles chegarem a um
consenso e decidirem que você deve voltar pra São Paulo. Mas não pra recuperar
sua vida de antes, não se engane, e sim pra ser punido por tudo. Nesse exato
momento devem estar debatendo isso, pode acreditar, Adriel!
Adriel não esconde sua preocupação
e permanece pensativo.
ADRIEL
Quais as
chances disso se concretizar?
ROBERTO
O quê? Você
ser convidado a retornar a São Paulo e ser punido? Tantas quantas as do meu voo
pousar com segurança em Boa Vista.
ADRIEL
Não... há
nada que eu possa fazer?
ROBERTO
Havia. Já
foi o tempo em que você podia fazer alguma coisa, Adriel. E não foi por falta
de aviso, eu falei e te falei muito! Não deveria afrontá-los daquela maneira,
sua situação já era complicada demais. Francamente, parece que não tem juízo!
Adriel apenas absorve as palavras
olhando o entorno.
ROBERTO
Aproveita
seus últimos dias aqui. Podem também ser os últimos como membro da Polícia Militar.
ADRIEL
Sempre
admirei a delicadeza do senhor.
ROBERTO
Por falar
nisso, como está sendo o trabalho em dupla? Me fale mais da sua parceira.
Sofia, não é?
Então Adriel volta o olhar para
Roberto, emulando exaustão.
ADRIEL
Uma louca.
Não bastava vocês me jogarem na Ambiental, me colocaram pra trabalhar com uma
louca.
ROBERTO
Não
entendo. Que tipo de louca?
ADRIEL
Do tipo que
desvia o pé pra não pisar em um inseto. E segura o meu pra não fazer o mesmo.
Do tipo que se ver uma formiga dentro do vaso sanitário, não usa ele até
conseguir tirar a formiga e deixar ela em segurança.
ROBERTO
(rindo) Uau! É
sério isso?! Essa mulher existe?
ADRIEL
Bom, não
sei. Às vezes tenho pra mim que não. De qualquer forma imagine alguém que troca
os melhores canais de filmes do pacote de TV à cabo por Nat Geo Wild e Animal
Planet.
ROBERTO
Coitado do
namorado dela.
ADRIEL
O senhor se
lembra da febre de Amoeba que teve há algum tempo no YouTube?
ROBERTO
Não
esqueceria nem se quisesse. Meu neto nos enchia o saco com aqueles vídeos de banheira.
ADRIEL
Pois num
dia desses vi a página inicial da conta dela no YouTube e... Troque a banheira
por um pântano, a Amoeba por lama e o adolescente idiota pelo Richard
Rasmussen.
Roberto olha Adriel com estranheza.
ROBERTO
Ela é louca.
Adriel faz que sim concluindo.
ADRIEL
Essa é a
minha parceira.
ROBERTO
Mas me
parece que já estão bem próximos. (inclina para Adriel) Rolou?
ADRIEL
Que nada,
ela está noiva. Aliás, o cara é um fanfarrão. Cai de ciúmes por ela.
Completamente paranoico.
ROBERTO
Mas não é pra
menos, Adriel. Você é novidade pra eles, principalmente pra Sofia. Paulista,
moreno, alto, boa pinta... Bem diferente do tipo índio que ela está acostumada.
Não me surpreenderia ela ficar caída por você.
ADRIEL
Tsc, quanta
bobagem, tenente...
Ouve-se a voz de comunicação pelo
saguão. Roberto olha em seu relógio de pulso.
ROBERTO
Ah, esse é
o meu voo. Tenho de ir.
Roberto se levanta e Adriel faz o
mesmo.
ADRIEL
Tenente, o
que o senhor vai fazer em Boa Vista?
ROBERTO
Assuntos da
Corporação. Confidencial. Mas não se preocupe, Adriel, não tem relação com
você.
ADRIEL
Ok.
ROBERTO
Fique bem,
tá meu rapaz? Manterei contato.
Adriel sorri.
ADRIEL
Vou
aguardar. Boa viagem, tenente.
Adriel então faz o sinal de
continência. Roberto sorri com o gesto e o responde da mesma maneira. Por fim
dá uma palmadinha no ombro de Adriel, deixa uma nota de dinheiro na mesa, pega
suas coisas e sai. Adriel permanece ali parado, observando Osvaldo se afastar.
CORTA PARA:
CENA 12:
EXT. CASA DE CLARA – FUNDO – DIA
Sentado em um dos bancos embaixo de
uma das árvores, FÁBIO mexe em seu celular. Ao fundo, Sofia sai da casa
carregando um prato cheio de algum doce.
SOFIA
(sorridente) Demorei?
Fábio guarda o celular e olha para
trás.
FÁBIO
Ainda
pergunta? Já estava indo atrás de você.
SOFIA
Mas eu
garanto que a espera vai valer a pena. Minha mãe e eu caprichamos.
Sofia passa na frente de Fábio e se
senta ao seu lado. Eles se aconchegam.
FÁBIO
Huum...
Deixa eu ver então.
Fábio intenta pegar um dos doces
mas Sofia bloqueia.
SOFIA
Não.
Ela então pega um doce e dá na boca
dele, que saboreia.
FÁBIO
Huuuumm...
Maravilhoso, amor! Perfeito!
SOFIA
Sabia que iria
gostar.
FÁBIO
Se fizer
isso quando nos casarmos, nunca mais saio de casa, nem pra trabalhar.
Sofia ri e come.
SOFIA
E vai virar
uma bola, também.
FÁBIO
Culpa toda
sua.
SOFIA
Minha
bolinha...
Sofia faz cócegas na barriga dele e
logo eles se beijam apaixonadamente. Pouco depois, Fábio interrompe.
FÁBIO
Amor...
SOFIA
Que foi?
FÁBIO
Eu preciso
te falar uma coisa.
SOFIA
Que coisa,
meu amor?
FÁBIO
Eu vou
precisar viajar. Uma semana fora.
SOFIA
Ah não,
Fábio.
FÁBIO
A empresa
precisa que eu vá pra Parintins. Eles tem planos pra cidade, e precisam de mim
pra realizar uma pesquisa.
SOFIA
Poxa, hein
Fábio... Se esqueceu o que marcamos pra sábado?
FÁBIO
Não esqueci
o cinema e o Paradise. Mas preciso que você me entenda, meu amor. Não posso
dizer "não" pra empresa.
Sofia respira fundo.
FÁBIO
Uma semana,
apenas.
Fábio pega a mão de Sofia.
FÁBIO
E durante
esse tempo vamos nos falar o máximo possível.
Ele a beija na mão, nos dedos, até
o anel de noivado. E depois acaricia o objeto com o dedo.
SOFIA
Se lembra
de quando me deu?
FÁBIO
Claro. O
Paradise lotado, era aniversário deles. Me ajoelhei na sua frente e pedi sua
mão. Quase o restaurante todo aplaudiu quando você disse "sim".
SOFIA
É... Ta aí
um dos motivos do Paradise ser meu restaurante preferido.
FÁBIO
Assim que
eu voltar, minha flor da Amazônia, vou te levar lá. Pra algo ainda melhor do
que o que estávamos planejando.
SOFIA
Ah, é mesmo?
E o que seria?
FÁBIO
Não faço
ideia.
Sofia ri.
FÁBIO
É sério,
amor, eu vou pensar em algo. Pode confiar em mim.
SOFIA
Hum, então
trate de caprichar pra compensar esse adiamento.
FÁBIO
Deixa
comigo.
Eles se encaram com paixão e voltam
a se beijar.
CORTA PARA:
CENA 13:
EXT. CIRCO – FRENTE – NOITE
Em um grande terreno, um circo
montado. É noite de espetáculo. Vários carros estacionados nas proximidades e
pessoas chegando animadas. Na fila da bilheteria, Edu aguarda sua vez. Há umas
três duplas de adolescentes e um trio na sua frente. A janela da bilheteria
fica ao lado da entrada do circo, onde um funcionário confere os ingressos.
Entre as duas, um SEGURANÇA.
Conforme chega a vez dos
adolescentes e eles compram o ingresso, Edu, atento, observa que eles dão
apenas o dinheiro, e nada mais.
Então finalmente chega a vez de
Edu. Ele se aproxima calmamente. A ATENDENTE o olha. Atrás dela, um HOMEM mexe
nas papeladas.
ATENDENTE
(séria) Boa noite.
Edu para.
EDU
Boa noite.
Quanto custa a entrada?
ATENDENTE
Ta na placa
aí do lado. 25 reais. Não é permitida a entrada de comida e bebida, temos praça
de alimentação dentro.
EDU
Uau.
Edu pega sua carteira.
EDU
25 reis.
Deduzo que a meia-entrada seja 12,50.
ATENDENTE
Não tem
meia-entrada, senhor.
Edu para de contar as notas na
carteira e olha para ela.
EDU
Não tem?
Por que não tem?
ATENDENTE
É política
da casa, senhor.
Edu olha para as pessoas na fila
atrás dele - a maioria jovens - e para outros circulando por ali. Volta a olhar
para a atendente.
EDU
Quer dizer
que todas esses adolescentes tem que pagar o preço cheio?
ATENDENTE
Sim,
senhor.
EDU
Então o
caso que ouvi falar do estudante que exigiu meia-entrada e foi expulso pelo
segurança é verdadeiro.
A atendente começa a se incomodar.
O homem atrás dela olha rapidamente para os dois e continua seu trabalho. O
segurança próximo de Edu olha para ele por um tempo um pouco mais demorado e para
frente novamente. Edu olha para o segurança e de volta para a atendente.
ATENDENTE
Quantas
entradas o senhor quer?
EDU
Na verdade
quero entender direito isso aí. Onde tá o gerente?
O homem atrás dela vira para Edu.
ATENDENTE
É ele. É o
dono. (para o dono) Fala com ele aí.
DONO
(irritado) O senhor
tá com algum problema?
EDU
Acho que o
senhor ouviu bem--
DONO
(interrompendo) O senhor
por acaso é estudante?!
EDU
Não, não sou.
DONO
Então por
que tá preocupado com o quanto os estudantes tão pagando? Compra seu ingresso
ou vai embora, porra.
Edu o encara firme.
EDU
Eu vou.
Acabo de ter uma ideia mais interessante pra espetáculo.
Edu sai. Raivoso, o dono o observa
se afastar.
CORTA PARA:
CENA 14:
EXT. CIRCO – FRENTE – NOITE – HORAS DEPOIS
O céu estrelado.
APRESENTADOR
(O.S.)
Boa noite!
Boa noite a todos! Uma ótima semana pra vocês e até a próxima!
As pessoas saem pela entrada,
conversando e rindo.
Perto dali, fora do circo, o dono
acompanha um funcionário em uma inspeção.
DONO
Ótimo. Pode
pegar a pasta lá pra mim, esse aqui passa.
O funcionário sai. O dono então dá
uns passos mais para a escuridão e vira de costas para ela. Satisfeito e com as
mãos na cintura, observa o movimento das pessoas indo embora.
De repente, SCRATCH! Um barulho
vindo da escuridão. O dono estranha e olha para trás. Silêncio. Silêncio...
O dono olha para as pessoas perto
dali e de volta para a escuridão.
DONO
Tem alguém
ai?
Ele então pega seu celular, liga a
lanterna e adentra a área escura. Ilumina vários pontos mas não acha nada.
Por fim desiste e vira para voltar.
BAHN! Edu parado na sua frente! O dono tropeça para trás e cai.
DONO
Que
merda!...
Edu assovia e Rex, misturado à
escuridão, pula em cima do dono e aperta as fortes patas em seu peito, impedido
que ele se levante. O dono se apavora com a cara furiosa do rottweiler a
centímetros da sua. Edu se aproxima.
DONO
Que isso?!
Quem é você?! Me ajuda aqui, ai! Tira ele daqui!
Edu pega o celular caído e ilumina
seu próprio rosto.
DONO
Você...
EDU
Você sabe porque
eu estou aqui.
DONO
Eu tenho
dinheiro, eu te dou!... Quanto quer?... Tira ele de cima de mim e eu te levo
lá!...
EDU
Não quero
parte com seu dinheiro sujo. Estou aqui pra fazer você pagar pelo que fez.
Apavorado, o dono tenta tirar as
patas de Rex de cima de si mas não consegue. Rex late forte e alto, deixando
bem aparente seus dentes.
EDU
Há alguns
anos foi aprovada a Lei que dá aos estudantes o direito da meia-entrada em
espetáculos como o que seu circo oferece. O problema é que alguns cânceres,
como você, emperram o progresso da ordem com um profundo desprezo pela
população.
Ainda aflito, o dono encara o rosto
mal iluminado de Edu.
EDU
Ladrão. É
exatamente isso que você é, um ladrão. E sabe, eu odeio ladrões.
DONO
Não, não...
Por favor, me deixa sair, eu te dou o que quiser, por favor!
EDU
Rex!
Rex, ainda encarando o dono do
circo, aguarda a ordem. Então Edu assovia e o dono começa a chorar apavorado. O
cão levanta a cabeça devagar... E, de repente, abocanha o braço do homem com
selvageria.
Close em Edu; sons selvagens de Rex
e do dono berrando. Na satisfação de Edu,
CORTA PARA:
CENA 15:
EXT. CIRCO – FRENTE – MANHÃ
Sofia e Adriel caminham na direção
da atendente, abalada, escorada na entrada do circo.
SOFIA
O ataque
ocorreu naquela lateral. O justiceiro deve ter armado alguma emboscada e
atraído o dono do circo, que pouco antes acompanhava uma inspeção. O segurança
ouviu o grito e foi até lá, mas só encontrou o patrão caído com o braço dilacerado.
(para a atendente) Bom dia! Sargento Sofia, nos falamos por telefone.
Esse é o meu parceiro, sargento Adriel.
ATENDENTE
Bom dia.
SOFIA
Alguma
notícia do seu patrão?
ATENDENTE
O filho
dele chegou do hospital hoje cedo e... tá feia a situação. Se não conseguirem
normalizar, talvez tenham que amputar...
SOFIA
Lamentável.
Você me disse que sabe quem foi o agressor.
ATENDENTE
Sei sim.
Ele tentou comprar ingressos pro espetáculo de ontem.
ADRIEL
“Tentou”?
ATENDENTE
Na verdade
ele queria confusão. Chegou e começou a questionar porque não estávamos
oferecendo meia-entrada aos estudantes.
Sofia olha para Adriel e respira
fundo.
ADRIEL
(apontando
a câmera de vigilância) Aquela câmera funciona?
ATENDENTE
Só ligamos
pouco antes do púbico chegar. Não tinha pensado nisso, posso conseguir as
filmagens de ontem, se quiserem.
CORTA PARA:
CENA 16:
INT. PRÉDIO BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ESCRITÓRIO DA DICAM – DIA
Na tela do computador, a gravação
de Edu sendo atendido na fila do circo. Sofia e Adriel assistem.
SOFIA
Temos nosso
cara.
ADRIEL
Ainda
precisamos do nome e tudo mais. Vou levar pra Bárbara.
Adriel desconecta o pen drive.
SOFIA
Não. Deixa
que eu levo, Adriel. Preciso me resolver com ela.
Pequena pausa.
ADRIEL
OK...
Sofia pega o pen drive e sai.
CORTA PARA:
CENA 17:
CONT. – INT. TÉRREO – DIA
Sofia sai do elevador e olha para a
mesa de Diogo. Ele a olha com raiva, mas logo desvia o olhar. Sofia então se
aproxima da mesa de Bárbara.
SOFIA
Bá?...
Oi... de novo...
Bárbara se ajeita na cadeira e
força um sorriso.
BÁRBARA
Oi, Sô...
SOFIA
Eu vim aqui
por dois motivos, e... Bom, um é que eu não quero que... que você pense que eu
estou... sei lá, qualquer coisa com você. Que eu tô pensando algo ou brava,
alguma coisa do tipo. Eu... sei que o Diogo é um idiota, um babaca. E
baixo, também. Ele não gosta de mim, não gosta do próprio emprego, e agora fica
envolvendo você também, te expondo... Onde já se viu, você gostando de mim (risadinha
forçada).
Bárbara reage meio constrangida
meio pensativa. Será que ela não gosta mesmo?
SOFIA
Enfim, não
quero que se constranja comigo por causa dele. Nada mudou, tá...
Sofia aperta o ombro de Bárbara. Ao
fundo, Adriel sai do elevador e as observa.
BÁRBARA
Tá, tudo
bem. Desculpa não ter te dado atenção ontem quando foi falar comigo. Foi bom
você me dizer isso agora. (pequena pausa) Sempre digo, você é incrível,
Sofia.
SOFIA
Imagina, se
eu fosse tudo isso saberia fazer as coisas que você faz e não estaria aqui
precisando de mais um favor, o outro motivo de eu ter vindo.
BÁRBARA
(rindo) Do que
você precisa?
SOFIA
(entregando
o pen drive) Aqui tem uma gravação do homem que está atacando
por aí usando o próprio cachorro como arma. Preciso que o identifique.
BÁRBARA
(animada) É pra já.
Bárbara começa a mexer. Sofia
descansa os braços e olha para os lados, é quando vê Adriel. Ele lhe faz um
sinal chamando.
SOFIA
(para
Bárbara) Licença.
Sofia se aproxima de Adriel.
ADRIEL
Se
acertaram?
SOFIA
Sim, falei
que eu não penso mal dela.
ADRIEL
Você sabe
que ela sente algo, né?
SOFIA
Quê? Do que
você tá falando?
ADRIEL
Ela não
sairia daqui constrangida daquele jeito se não sentisse algo por você. É óbvio,
Sofia. Ela nem mesmo quis falar com você, de tanta vergonha...
SOFIA
(baixinho) Adriel!
Você tá insinuando a mesma coisa que o Diogo!
ADRIEL
O Diogo.
Ele não pega no seu pé só por inveja, mas porque a Bá tem olhos pra você
enquanto ele é doido por ela.
SOFIA
Isso... Não
faz o menor sentido, Adriel...
ADRIEL
Na verdade
faz todo o sentido. Só você não percebeu.
SOFIA
(olhando
para Bárbara) A Bá... Nossa, eu... (olhando para Adriel) não
sei nem o que te dizer.
BÁRBARA
Sofia!
Venham ver isso.
ADRIEL
(para
Sofia) É só continuar não pensando mal dela.
Sofia e Adriel vão até a mesa de
Bárbara.
SOFIA
Conseguiu
identificar o justiceiro?
BÁRBARA
Não só
isso. Tenho também o endereço de onde ele trabalha. Esse é o Facebook dele, vejam
só essas postagens.
Bárbara percorre a linha do tempo
do perfil de Edu. Diversos compartilhamentos e postagens combatendo corrupção e
impunidade e alguns fazendo apologia à justiça com as próprias mãos.
Sofia faz que sim.
SOFIA
Bá, nos
passe o endereço, por favor.
CORTA PARA:
CENA 18:
INT. LANCHONETE – DIA
Sofia e Adriel entram na
lanchonete. Várias mesas ocupadas.
Um cliente pega seu lanche no
balcão e sai. A dupla se aproxima.
FUNCIONÁRIO
Bom dia. O
que desejam?
ADRIEL
Me dá o ge.
FUNCIONÁRIO
Ahn, nosso
cardápio é numérico, senhor.
O funcionário estende um cardápio,
mas Adriel não pega.
ADRIEL
O gerente.
Queremos falar com ele.
O funcionário dá um sorriso sem
graça.
FUNCIONÁRIO
Ah, tá...
Um minuto.
O rapaz entra por uma porta ao
lado. Sofia olha para Adriel.
SOFIA
Foi
péssima.
ADRIEL
(sorrindo) Viu a cara
dele?
O funcionário volta com o GERENTE.
GERENTE
(sorridente) Pois não?
CORTA PARA:
CENA 19:
INT. LANCHONETE – DIA – MINUTOS DEPOIS
Em uma mesa perto da janela, o
gerente de frente para Sofia e Adriel.
GERENTE
O Edu
sempre foi um exemplo de funcionário. Pontual, assíduo... Não raramente é
eleito funcionário do mês.
SOFIA
Mas não
veio trabalhar hoje.
GERENTE
Isso nunca
aconteceu antes...
SOFIA
O senhor
nunca ouviu ele falando sobre justiça, punição ou mesmo assuntos políticos?
GERENTE
O Edu
cozinha, fica quase todo o tempo quieto. Mas os cozinheiros tem as conversas
entre eles e eu não costumo me envolver não.
ADRIEL
O senhor
sabe de algum animal de estimação que ele possa ter?
GERENTE
Bom, ele
tem um sim. Um rottweiler. (pequena pausa) Vocês aceitam um suco, alguma
coisa?
SOFIA
Aceitamos o
endereço do Edu, que o senhor certamente tem. Nos passe, por favor. Vamos
verificar se ele está em casa.
CORTA PARA:
CENA 20:
EXT. LANCHONETE – ENTRADA – DIA
Escondido ao lado de um carro, Edu
observa Sofia e Adriel, a poucos passos dali, saírem da lanchonete e caminharem
para a rua. Então ele vai até à porta e entra.
CENA 21:
INT. LANCHONETE – DIA
Ao ver Edu, o gerente sai de trás
do balcão e vem apressado até ele.
GERENTE
(baixinho) Edu!
O gerente puxa Edu para longe dos
clientes.
GERENTE
Onde você
se meteu, rapaz?! Já tá quase na hora do almoço/
EDU
(interrompendo) Foi o Rex,
ele teve dor de dente. Tive que levar no veterinário. Mas não é nada demais, já
estão cuidando dele.
GERENTE
Mas não é
pra menos... (olha ao redor discretamente) Com as coisas que você obriga
ele a fazer...
EDU
Rex vai
ficar bem.
GERENTE
E você? Até
quando isso vai continuar? Até quando acha que vai conseguir fazer o que faz e
se esquivar das autoridades? Se você não sabe, eu acabei de ser interrogado por
dois policiais que vieram aqui atrás de você.
EDU
Eu vi pela
janela quando cheguei. Os coldres com as armas. Desconfiei e me escondi até
eles saírem.
GERENTE
Por causa
de você eu tive que mentir, Edu. Pra polícia, homem! Eu menti pra
polícia! Se essa merda estourar pro meu lado, eu tô acabado.
EDU
Não se
preocupe, patrão. Eu resolvo isso. Mas o senhor não disse nada a eles não, né?
GERENTE
Eu neguei e
escondi o que pude, mas fui obrigado a dar o seu endereço.
Edu reage com semblante de raiva.
GERENTE
Não tinha
outro jeito, os dois ficaram do meu lado na frente do computador. E me mandaram
entrar em contato se você aparecer aqui.
EDU
Eles sabem
do Rex?
Pequena pausa. O gerente faz que
sim.
GERENTE
Escuta,
Edu, você devia ouvir e parar com isso, antes de se prejudicar ou prejudicar
Rex. E eu não falo só da polícia. Você não faz o serviço completo. Se ao menos
apagasse esses caras de vez... Pra algum desses ou um parente resolver fazer
retaliação é daqui prali.
EDU
E espero
continuar não precisando matar. O que dou a eles é uma segunda chance. Mas só
paro quando essa cidade estiver limpa, patrão. Quando essa corja estiver
tremendo a ponto de não sair da toca.
O gerente expira frustrado.
GERENTE
Bom, eu te
avisei.
O gerente sai. O som da TV ali
perto fica mais audível. Edu então se aproxima dela e olha.
JORNALISTA
(V.O.)
...aguardado
com ansiedade por muitos, inclusive por políticos do interior do estado, como
Júlio Cabral, vice-prefeito de Tucupi, que, acompanhado de sua família e de
amigos, chega a Manaus amanhã. Uma recepção está sendo organizada na sede da
prefeitura manauara, onde o prefeito Arthur Virgílio Neto receberá os convidados
pessoalmente.
A jornalista continua. Close em
Edu.
CORTA PARA:
CENA 22:
EXT. CASA DE EDU – CALÇADA – DIA
Sofia e Adriel olham o quintal
vazio da casa de Edu através do portão. Então Sofia passa a mão no mesmo,
fazendo barulho. Espera uns segundos.
SOFIA
É, nem Edu
nem Rex.
EDU
O cachorro
pode estar preso nos fundos.
SOFIA
Não acho.
Intimidar é mais o perfil dele. Ele sabe que ninguém invadiria uma casa com um
rottweiler raivoso no portão. E além do mais... nenhum latido.
ADRIEL
Vamos
voltar pro carro.
Eles caminham para o carro
estacionado ali perto. Adriel mexe em seu celular.
SOFIA
O que você
tá vendo?
ADRIEL
Estou
procurando notícias de alguns outros casos do Edu. Lembra do dono de posto de
gasolina atacado por causa das bombas que adulterou?
SOFIA
O que quase
perdeu a mão esquerda pro Rex.
ADRIEL
Sim. Está
havendo relatos de mais bombas adulteradas em outro de seus postos.
SOFIA
Parece que
o serviço de Edu não surtiu efeito. Será que ele sabe?
ADRIEL
Eis a
questão.
Eles entram no carro.
SOFIA
Não podemos sair e perder a
oportunidade de pegar ele em casa.
ADRIEL
Pois peça
que uns dois homens venham vigiar.
CORTA PARA:
CENA 23:
INT. POSTO DE COMBUSTÍVEL – CONVENIÊNCIA – NOITE
Sentadas à roda de uma alta e pequena
mesa redonda da conveniência, CLARA e três amigas de mesma faixa etária
debatem.
CLARA
Mas a obra
do Chaplin também é conhecida pelo apelo político. E não falo apenas de O
Grande Ditador, não. Peguem o Um Rei em Nova York. Aquilo é a mágoa do Charlie
em forma de filme. A mágoa por ter sido chutado dos Estados Unidos acusado de
comunismo.
AMIGA 1
Não, eu
concordo com você, Clara. Mas eu me referia à qualidade. É notável a queda de
qualidade nesses últimos filmes dele.
CLARA
Bom, aí
temos nossas diferenças.
AMIGA 2
Como foi
que chegamos em Chaplin?
AMIGA 3
Tô tentando
entender, também. É Literatura, meninas, não Cinema.
CLARA
Ora, mas
Chaplin também é Literatura. O argumento de Luzes da Ribalta é a única ficção
escrita por ele, foi encontrado e lançado há pouco tempo e nós nem cogitamos
adicionar na lista.
AMIGA 2
OK, Clara.
Podemos marcar um chá na sua casa dia desses pra você nos palestrar Chaplin. E
depois colocamos na lista.
CLARA
Esteja
certa de que farei isso. Vocês não me escapam.
AMIGA 3
Mas, por ora,
Khaled Hosseini.
A porta atrás do balcão se abre e
NORTON (45 anos, mão esquerda enfaixada), dono do posto, entra.
NORTON
Boa noite,
madames.
TODAS
Boa
noite...
NORTON
(galante) Vejo que o
meu posto foi o contemplado do mês pra receber o clube bibliotecário mais
intelectual e elegante de Manaus... Enfim um pouco de cultura pra refrescar
esse ar carregado de bafo de cerveja dos caminhoneiros briguentos. Além das
ilustres presenças... indescritivelmente mais agradáveis que os caminhoneiros briguentos.
Elas riem.
CLARA
Você é muito
gentio, Norton.
NORTON
(fazendo
uma reverência) As senhoritas é que me inspiram. Assim como faz a
lua aos jovens apaixonados.
AMIGA 1
(lisonjeada) Huuum...
AMIGA 3
Sei...
AMIGA 2
Que
meigo...
NORTON
Qualquer
desejo, estamos às ordens.
Clara sorri para Norton, que vira e
sai para o pátio do posto.
AMIGA 3
(para amiga
1 e 2) Não se enganem. Os galanteios de Norton só tem um objetivo:
clientela. Dinheiro.
CLARA
E pra isso
vale tudo. Lembram das bombas adulteradas?
CORTA PARA:
CENA 24:
EXT. POSTO DE COMBUSTÍVEL – NOITE
Norton caminha pelo pátio rumo à
rua escura. Acena para alguém. Tira um cigarro do bolso, acende e fuma. Perto
dali, seu carro estacionado. Vai nessa direção.
Ele desce da calçada para entrar
pela porta do motorista. Chegando ao lado da roda traseira, Rex sai da frente
do carro calmamente e para ao lado da roda dianteira, de frente para Norton,
que paralisa.
Norton e Rex se encaram; esse em pé
e atento, aquele espantado.
Nervoso, Norton olha para o carro e
para o cão. Engole em seco e, devagar, vira para trás. Mas Edu, a alguns metros
dali, o observa parado.
NORTON
Você...
EDU
Oi de novo,
Norton.
NORTON
O que você
quer?!
EDU
Colocar um
ponto final em um problema. (se aproximando devagar) Você não aproveitou
a oportunidade que teve, Norton. Jogou no lixo a segunda chance que eu te dei e
escarrou nela. Preferiu permanecer na lama de merda em que estava, como se nada
tivesse acontecido.
Edu para a uns metros de Norton.
NORTON
"Como
se nada tivesse acontecido"?! Você acabou com minha mão, seu filho da
puta, olha isso aqui! Nunca mais vou ser o mesmo, por sua culpa!
EDU
Aí está o
seu problema, Norton! Não consegue olhar pra dentro de si, não é capaz de
reconhecer a própria natureza podre que carrega entre a sociedade, como um
câncer. Mas sabe, Norton, não terá terceira chance. Dessa vez eu vou destruir
esse câncer de uma vez por todas.
Norton estufa o peito e se
recompõe.
NORTON
Creio que
não. Você não vai fazer nada.
Edu surpreso.
EDU
Como é?
NORTON
Você não
contou com uma coisa.
Observado por Rex, Norton vira e
abre a porta do motorista. Começa a mexer em uma mochila. Edu vai para o outro
lado do carro, abre a da carona e olha Norton dentro.
NORTON
Você vem de
novo com esse seu papo de câncer, medicina e blá blá blá, mas esquece que uma
investida viral que utiliza as mesmas armas da investida anterior, está fadada
ao fracasso. Quando o vírus retorna ele logo descobre que agora a vítima está
preparada, e resistirá ao seu ataque.
Norton tira da mochila um revólver
e aponta para Edu, escorado na porta aberta da carona.
NORTON
Dessa vez
não.
Rex, da porta do motorista e agora
mais atento, continua a observá-los. Edu olha a arma apontada para si alguns
segundos e sorri.
EDU
É pra ser
engraçado?
NORTON
É pra ser
dolorido. Tanto quanto uma dezena de dentes despedaçando sua mão.
EDU
Abaixa
isso, Norton. Você não quer fazer isso.
NORTON
Não? (pequena
pausa) Mas não pode falar o mesmo disso.
Então Norton vira o revólver para
Rex. Edu muda o semblante.
EDU
O que você
tá fazendo?!
NORTON
Destruindo
a arma, oras. E depois será a vez do vírus.
Aproveitando que Norton está
olhando para ele, Edu, temeroso, assobia para Rex.
EDU
Corre, Rex!
Norton olha para Rex mas ele já
está fugindo. POW! Norton acerta só a janela da porta, que estilhaça. Vira a
arma para Edu, mas esse também já está correndo para a escuridão da rua.
Norton sai apressado do carro e
atira algumas vezes na direção dos vultos. Vai atrás deles, corre com a arma na
mão. Chega na esquina quando, na outra rua, um carro dispara fugindo. Norton o
observa enquanto sua adrenalina abaixa.
CORTA PARA:
CENA 25:
EXT. POSTO DE COMBUSTÍVEL – NOITE – HORAS DEPOIS
Curiosos, policiais e alguns
profissionais da imprensa espalhados pelo pátio do posto. Sofia e Adriel chegam
e se aproximam de Clara e suas amigas.
SOFIA
Mãe...
Viemos assim que eu soube...
CLARA
Oi, minha
filha.
Sofia e Clara trocam um rápido
abraço.
SOFIA
(para as
outras) Oi, meninas...
AMIGAS
Oi,
Sofia...
SOFIA
Gente, esse
é o meu parceiro, Adriel. Adriel, Clara, minha mãe. E suas amigas inseparáveis
de Literatura.
AMIGA 3
E xadrez.
CLARA
(sorrindo) E xadrez,
claro. (apertando a mão de Adriel) É um prazer conhecer o parceiro de minha
filha. Sua reputação o precede.
ADRIEL
O prazer é
todo meu em conhecer a mãe da Sofia.
Adriel aperta a mão das amigas de
Clara.
SOFIA
E então? O
dono do posto foi realmente vítima pela segunda vez...
CLARA
Segundo
ele, pelo mesmo bandido que destruiu sua mão.
SOFIA
Então ele
está em condições de comunicação?
AMIGA 1
Ele não
teve nenhum ferimento--
AMIGA 2
(interrompendo) Nem mesmo
foi atacado, a bem da verdade.
ADRIEL
Onde ele
está? O que realmente aconteceu?
CLARA
Ele se
chama Norton e já foi levado pra delegacia pra prestar depoimento. Desde o dia
que foi atacado ele deu um jeito de se proteger. Disse que adquiriu um
revólver, e foi com a arma que ele espantou o tal bandido. Fez bem, porque
dessa vez parece que o homem queria realmente matá-lo.
AMIGA 2
Nós ouvimos
os tiros vindo lá da rua. O segurança foi ver e encontrou o Norton lamentando a
fuga do criminoso.
AMIGA 3
Segunda vez
já, com o mesmo bandido... Tem caroço nesse angu...
AMIGA 1
Realmente,
essa história está bem mal contada.
AMIGA 2
E ele não
fala do porquê de estar sendo perseguido por esse homem. Vamos ver se na
delegacia eles arrancam dele.
SOFIA
O Norton
foi suspeito de adulterar essas bombas tempos atrás. Ao que parece, esse
é o motivo dos ataques.
AMIGA 1
Então, pra
ser atacado de novo, ele só poder ter continuado com a adulteração.
CORTA PARA:
CENA 26:
INT. PRÉDIO BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – TÉRREO – DIA
Sofia e Adriel saem do elevador e
Bárbara, ao vê-los, os alcança com um tablet na mão.
BÁRBARA
Sofia,
Adriel... Vejam só isso. Saiu hoje em vários jornais.
No tablet, manchete jornalística:
"JUSTICEIRO DE MANAUS ENVIA CARTA À IMPRENSA E INSINUA PRÓXIMO
ATAQUE".
SOFIA
Carta à
imprensa? O que o Edu quer com isso?
ADRIEL
Se ele
pretendia passar uma imagem de vigilante à população, isso aí vai ser um tiro
no pé. É o mesmo modus operandi de diversos serial killers. A mídia vai acabar
com ele.
SOFIA
O que diz
no resto? Que carta é essa?
BÁRBARA
(passando o
texto) Basicamente é ele dizendo ao mundo porque faz o que faz, e que
não vai parar até que Manaus esteja limpa. Nada que já não saibamos.
SOFIA
Ele se
identificou de alguma forma?
BÁRBARA
Não, nada.
ADRIEL
Cadê o
trecho que fala do próximo ataque?
BÁRBARA
Aqui.
Escutem só. (lendo) "Mas não para por aí. Ao final o justiceiro manauara
deixa uma espécie de enigma que parece indicar seu próximo alvo." Agora o
enigma. "'De forma chula e desoladora, o chorume da corrupção e da ambição
desenfreada alcançou até mesmo as raízes mais profundas dos lírios plantados
entre os seios da Amazônia. Cores berrantes e cheiros adocicados deram lugar a
uma terra podre, um deserto negro e devastado do qual sobe um vapor quente e
tóxico. E como se não bastasse tamanha imoralidade e falta de consideração
pelos seus, após vil ato os algozes erguem suas cabeças na direção do sol e
marcham até terras vizinhas a fim de comemorar seus sórdidos atos, como quem
não tem as mãos manchadas pelo pútrido líquido que derramou impiedosamente
sobre a face de seu inocente lar. Mas enquanto caminham, não passa por suas
mentes doentias que essa, na verdade, não é uma ode à comemoração, mas uma
marcha rumo aos braços daquela que os abraçará como uma velha amiga: a morte. E
eu, esse humilde servo da justiça, sou aquele que promoverá tal
encontro.'". Sinistro...
ADRIEL
Nada
teatral.
SOFIA
Seu próximo
alvo são aqueles que desolaram os lírios entre os seios da Amazônia.
ADRIEL
Alguma
ideia do que isso significa?
SOFIA
Fácil. Só
pode ser a cidade de Tucupi. Ela é conhecida pela plantação de lírios ao sul,
exatamente entre dois morros.
ADRIEL
E alguém
prejudicou essa plantação?
SOFIA
Ele deve
ter usado os lírios apenas como símbolo pra se referir a Tucupi.
BÁRBARA
Nesse
trecho aqui ele diz "E como se não bastasse tamanha imoralidade e falta de
consideração pelos seus"... "Pelos seus"...
SOFIA
Pesquisa o
nome da cidade, por favor.
No tablet, Bárbara pesquisa
"cidade tucupi" e nenhuma notícia lhes chama a atenção.
SOFIA
Coloca
"cidade tucupi prefeitura".
BÁRBARA
OK.
Bárbara edita a pesquisa e passa os
novos resultados da busca.
SOFIA
Ali. Esse
aí. "Golpe do Estado? Vice-prefeito de Tucupi é suspeito de beneficiar
familiares em concurso público".
Bárbara toca no link. Sofia e
Adriel trocam olhares pensativos. O site abre.
SOFIA
(para
Bárbara) Me empresta, por favor.
Sofia, com o cenho franzido, lê a
notícia rapidamente.
ADRIEL
E então?
SOFIA
Só pode ser
isso. Ele é o próximo alvo de Edu.
BÁRBARA
O
vice-prefeito de Tucupi? O Júlio Cabral?
SOFIA
Se brincar,
ele e todos os seus familiares supostamente beneficiados na fraude.
ADRIEL
Supostamente?
SOFIA
Essa
história gerou grande revolta na cidade, não só entre os candidatos. Mas o
processo foi arquivado e nunca mais se falou nisso. Ninguém foi julgado.
ADRIEL
A justiça
dos homens pode falhar, mas não a de Edu...
BÁRBARA
Isso quer
dizer então que Edu vai sair da cidade.
SOFIA
Não acho
que será preciso. Hoje o nosso prefeito vai receber vários políticos do estado
na sede da prefeitura. E o Júlio Cabral está entre os que confirmaram presença.
ADRIEL
Bárbara,
localize e contate os seguranças pessoais do Cabral. E nos envie a localização,
vamos tentar alcançá-los.
SOFIA
E depois
avise a imprensa sobre o significado desse enigma de quinta categoria.
BÁRBARA
Deixem
comigo.
CENA 27:
INT. RUA – LIMOUSINE – DIA
Junto à esposa, filho, parentes e
amigos, JÚLIO CABRAL está sentado confortavelmente na limousine dirigida por
motorista particular. Admirado, observa a cidade lá fora.
JÚLIO
CABRAL
Ah,
Manaus... O tempo passa, mas você nunca perde seus encantos... A cinzenta dama
da Amazônia.
FILHO
Não sei o
que o senhor vê nessa cidade... Prefiro nossa Tucupi.
JÚLIO CABRAL
Tucupi é
única, mas a infância do pai foi aqui... E foi aqui que sua mãe e eu nos
conhecemos.
A ESPOSA sorri.
ESPOSA
Doce época
dos 60 quilos...
JÚLIO CABRAL
Você fica
mais linda a cada dia.
Eles trocam um selinho.
JÚLIO
CABRAL
(para o
filho) Um dia você vai entender isso.
PARENTE 1
Já estamos
perto, Júlio?
JÚLIO
CABRAL
Não falta
muito. Em alguns minutos a gente chega.
ESPOSA
Não
amarrota a roupa, filho. Já estamos chegando na prefeitura. Senta direito.
Então vemos o carro passando pela
rua pela lente de uma mira de rifle.
EDU (O.S.)
Em ponto...
Devia promover seu motorista, senhor vice-prefeito. Ah é, o senhor não terá
tempo pra isso.
CENA 28:
EXT. EDIFÍCIO ABANDONADO – TERRAÇO/INT. RUA – LIMOUSINE – DIA
Com o rifle apoiado na platibanda
do terraço, Edu observa o carro da família do vice-prefeito. Rex, aos seus pés,
olha para cima observando-o. Então toca as pernas do dono com sua pata. Edu o
olha.
EDU
Que foi,
Rex?
Rex emite algum som.
EDU
Você não
entra agora. Por enquanto o velho brinquedo do meu pai vai mostrar que serve pra
alguma coisa.
Edu volta a olhar o carro em
movimento pela lente da arma. É quando o veículo para em um semáforo fechado. O
local é estratégico.
EDU
Sente a
pressão, senhor vice-prefeito.
Não vemos onde Edu mira. Mas ele
atira.
De dentro da limousine, PFF!, um
barulho alto e o carro balança. A esposa e o filho gritam e os outros se
assustam.
ESPOSA
Que foi
isso, Júlio?!
JÚLIO CABRAL
(confuso e
assustado) Não sei...
PARENTE 1
Será que
alguém bateu atrás?
De repente PFF!, outro barulho
igual e a limousine abaixa para trás um pouco. A esposa abraça o filho.
ESPOSA
Que isso?!
JÚLIO
CABRAL
(para o
motorista) Que que tá acontecendo, Dino?!
MOTORISTA
Não faço
ideia, senhor! Vou sair e ver.
O motorista abre a porta, mas nesse
momento o pneu dianteiro esquerdo é atingido por um tiro e a limousine abaixa
um pouquinho mais. Gritos, e o homem, assustado, tenta voltar para dentro. O
vidro da porta ao seu lado também é atingido e estilhaça.
JÚLIO
CABRAL
(para todos) Se abaixem!!!
No interior do veículo, Júlio, a
esposa, o filho e os outros se abaixam.
Edu tira o olho da lente e
visualiza o carro distante com os olhos nus.
EDU
Não saia
daí, senhor vice-prefeito. Bora, Rex.
Edu e Rex voltam para o interior do
prédio.
Lá embaixo, os dois entram no
carro, que dispara.
CORTA PARA:
CENA 29:
INT. RUA – CARRO – DIA
Sofia dirigindo e Adriel, ao
telefone, ao lado. Adriel desliga.
ADRIEL
Tiros
provavelmente do alto de um prédio abandonado na região da prefeitura.
SOFIA
Bora pra lá.
O carro vira bruscamente em outra
rua.
CORTA PARA:
CENA 30:
EXT. RUA – LIMOUSINE – DIA
Júlio, parente 1, parente 2 e o
motorista observam os pneus atingidos. No entorno, carros tentando desviar e
alguns curiosos.
PARENTE 2
Isso é
tiro... Olha aí...
Dentro, a esposa ainda abraça o
filho.
ESPOSA
Júlio,
vamos sair daqui...
JÚLIO
CABRAL
Não tem
como, meu amor. Só se formos a p é . (para o motorista) Liga pra
assessoria do prefeito daqui. Peça um transporte pra gente.
PARENTE 1
Júlio, isso
não foi um atentado. Se não tiver sido um aviso, quem fez isso aqui deve estar
a caminho. Quer te ver pessoalmente...
ESPOSA
Júlio,
vamos embora daqui agora!...
JÚLIO CABRAL
Calma, meu
amor, calma... Quem poderia fazer isso? Não tenho inimigos...
ESPOSA
Mas
fizeram!
PARENTE 2
Sua
consciência tá realmente tranquila, Júlio?
Close em Júlio, pensativo.
CORTA PARA:
CENA 31:
EXT./INT. RUA – CARRO – DIA
Sofia e Adriel observam a
localidade, os carros e os motoristas dentro.
ADRIEL
Vira aí, vira
aí!...
Em cima da hora, Sofia dobra uma
esquina passando na frente de um carro, que buzina. Continuam à procura de Edu,
olhando os condutores e os veículos.
SOFIA
Ele não
deve estar longe... Cadê?... Cadê você?...
O carro continua pela pista do
meio... É quando eles alcançam outro carro, na pista lateral, para o qual
Adriel olha e... lá está, ao seu lado, a figura que procuram há dias: Edu!
Adriel franze o cenho e Edu olha
para o lado; vê Adriel.
ADRIEL
Sofia,
aqui!
Edu percebe e vira de uma vez em
uma rua em que estão cruzando. Sofia freia bruscamente, coloca marcha à ré, vai
um pouco para trás e vira também.
Edu dispara pela rua. Pelo
retrovisor vê o carro da dupla. Então ele desvia de um grupo de pedestres
atravessando a via e faz uma curva fechada para baixo. O carro de Sofia logo
vem e também vira, cantando pneu.
SOFIA
Acho bom
você chamar reforços, Adriel!
ADRIEL
(ao
telefone) B á r b a r a , e n c o n t r a m o s Edu! Estamos em perseguição!
Mande reforços assim que puder, a localização tá indo!
Edu passa por um quebra-molas sem
diminuir a velocidade. Pedestres olham assustados. Sofia e Adriel fazem o mesmo
e continuam no encalço do homem.
EDU
Não se
preocupe, Rex! Nós vamos sair dessa! Se segura aí, amigão!
Edu realiza outra curva apertada,
dessa vez batendo em carros estacionados; ele dispara arrancando retrovisores.
A dupla realiza a mesma curva sem prejuízos.
Adriel saca seu revólver.
ADRIEL
Vou tentar
acertar o pneu, antes que esse louco mate alguém.
SOFIA
Espere.
Conheço bem essa região, vou dar um jeito de encurralar ele.
De repente Sofia vira e pega outra
rua. Pelo retrovisor Edu os vê tomando outro rumo. Ele olha para trás e, um
tanto confuso, de volta para frente.
Por imagem aérea vemos o carro de
Edu prosseguindo por uma rua e, perto dali, o carro de Sofia pegando uma e
outra rua. A via em que Edu está leva direto ao encontro de Sofia e Adriel, que
tomaram um atalho.
Em seu carro, Edu dirige ainda
atento. De repente, de uma rua que atravessa aquela, aparece o carro da dupla e
encurrala Edu. Ele freia bruscamente.
EDU
Merda!
ADRIEL
(apontando
a arma de dentro) Parado! Sai do carro, agora! Sai do carro!
Edu não obedece. Dá marcha à ré,
vai um pouco para trás, vira o volante e, cantando pneu, desvia do carro da
dupla pela calçada. Adriel atira, mas erra o pneu por centímetros. Sofia ainda
tenta espremê-lo contra o muro, mas ele é mais rápido e foge. Sofia volta a
persegui-lo.
Eles estão em uma ladeira. Edu
visualiza, perto dali, uma movimentadíssima avenida com canteiro central.
EDU
Nossa única
chance é pela avenida...
Edu vira bruscamente em uma rua que
morre na avenida. Porém, enquanto desce, já percebe lá embaixo o
congestionamento. E atrás, pelo retrovisor, vê o carro da dupla; está encurralado.
EDU
Merda,
merda, merda, merda!...
ADRIEL
Vamos pegar
ele aqui.
Edu freia o carro na esquina.
EDU
Bora, Rex!
Edu sai do carro acompanhado de Rex
e correm para o meio do congestionamento da avenida. O carro de Sofia para
atrás do de Edu e a dupla desce com armas em punho.
ADRIEL
Você tá
vendo ele?
SOFIA
Deve tentar
se esconder atrás de algum carro. Vamos!
Eles avançam cautelosamente entre
as pistas paradas.
ADRIEL
(para os
motoristas) Polícia! Pra onde foi? Viram alguma coisa? Viram um
homem e um cachorro passando por aqui?
Em algum ponto à frente, Edu e Rex
correm entre os carros parados, a todo momento trocando de lado para serem
despistados.
EDU
(exausto) Ah!... Eu
tô cansando... Argh!...
Edu diminui a velocidade e se abaixa
atrás de um dos carros. Ele senta no asfalto, escorando no veículo. Então olha
para as pessoas dentro, que o observam sem entender.
EDU
Nem um
pio... Senão mando meu cachorro acabar com vocês!... Finjam que nada tá
acontecendo...
Sofia e Adriel continuam pelo
congestionamento, seguindo dicas de alguns motoristas. Estão mais próximos.
Edu olha por debaixo do carro e,
não muito longe dali, vê os pés dos policiais. Olha para Rex.
EDU
Rex, pra
trás daquele carro. (assovia) Vai, vai, pra lá! Vai, Rex, se esconde lá!
Rex obedece e some atrás de outro
carro. Edu continua ali sentado.
SOFIA
Ele pode ter
cruzado o canteiro.
ADRIEL
O lado de
cá é mais alto, se fizesse isso poderíamos ver ele daqui facilmente. Vou pela
beira da calçada, continue por aqui.
Adriel prossegue sozinho, a arma em
punhos. Alguns motoristas indicam discretamente o local onde Edu está. Ele se
aproxima mais, mais... Edu olha por debaixo do carro e vê que Adriel está
próximo. Fica preocupado. Então tenta se levantar para sair dali, mas Adriel o
vê. Aponta a arma.
ADRIEL
Parado! Mão
na cabeça! Mão na cabeça!
EDU
Tudo bem,
tudo bem!
Edu coloca as mãos atrás da cabeça
e Adriel se aproxima. Tira do bolso as algemas e abaixa os braços de Edu.
ADRIEL
Gosta de
dar um trabalho pra polícia, né?
Adriel algema os punhos de Edu, que
assovia.
ADRIEL
Bico
fechado!
Mas então Rex sai de trás de um
carro e para, observando-os. Adriel se assusta, a arma quase encostada nas
costas de Edu.
EDU
O negócio é
o seguinte: nós dois estamos do mesmo lado da luta. Eu tenho grande respeito
pela polícia, pelo que vocês fazem. Mas não vou permitir que me impeçam de cumprir
minha missão. (pequena pausa) Ou você me solta, ou eu mando o Rex te
atacar. E você sabe que ele me obedece.
Adriel percebe o impasse.
EDU
E nem ouse
apontar essa arma pra ele. Acho que não pegaria bem um policial ambiental
matando um cachorro.
SOFIA (O.S.)
Adriel!
Adriel!
ADRIEL
Aqui, Sofia!
SOFIA (O.S.)
Adriel!
Sofia chega ali. Ao notar Rex, para
cautelosa.
SOFIA
O que está
acontecendo? Qual é o prolema, Adriel?
EDU
Me solta,
Adriel. Faça isso logo. Não tá legal essa cena aqui, no meio da avenida.
ADRIEL
Não! Pode
esquecer.
EDU
Vamos fazer
assim, então. Rex! Tá vendo essa moça? Pega ela, Rex.
Edu assovia e Rex olha para Sofia
em posição de ataque. Rosna ferozmente.
SOFIA
(a arma meio
levantada) Ei, ei, ei, amigão... Calma...
ADRIEL
(com o revólver
na lateral de Edu) Manda ele recuar! Manda! Manda ele se afastar,
rápido!
EDU
É só me
soltar! Deixa eu ir que ele para!
ADRIEL
(empurrando
Edu contra o carro) Seu desgraçado!
EDU
Rex! Pega
ela, Rex!
Rex avança contra Sofia, que corre.
ADRIEL
Manda ele
parar ou eu meto uma bala em você! Manda!!!
Sofia, segurando a arma, foge de
Rex pelo corredor entre os carros. O cão avança furiosamente.
Adriel, segurando Edu algemado,
caminha tentando não perder Sofia de vista.
ADRIEL
Eu te
garanto que se acontecer qualquer coisa com ela, sua vida acabou, seu
desgraçado!
EDU
Não
precisava chegar a isso.
Adriel continua mantendo Sofia em
seu campo de visão. Ela começa a ziguezaguear entre os carros parados e para na
frente de um. Olha cautelosamente para os lados... Parece ter despistado o cão,
mas nenhum sinal do mesmo. Então ela vê, perto dali, uma passarela de pedestres
que liga os dois lados da avenida. Sofia confere os corredores, vazios. Então
corre para as escadas da passarela.
Adriel vê Sofia subindo, mas também
não localiza Rex.
ADRIEL
Suas
chances estão acabando, Edu! Aproveita enquanto é tempo! Chama seu cachorro de
volta! Isso não está certo, ela não fez nada de errado! Você tá atacando uma
inocente!
EDU
Basta me
soltar, Adriel!
Sofia termina de subir as escadas e
chega à passarela. Lá de cima ela olha a avenida. Adriel e Edu perto dali. Seus
olhos percorrem cada pista congestionada, mas nenhum sinal de Rex. Ela caminha
mais para o meio da passarela.
EDU
Não se
engane, Rex não se perdeu. Seja lá onde ele estiver, é uma questão de tempo até
encontrar sua namorada.
ADRIEL
Minha
paciência com você também é uma questão de tempo! Chame ele!
Em cima da passarela, Sofia, com a
arma em punhos, olha para todos os lados embaixo, e para as duas extremidades
da passarela. Ninguém.
De repente Rex aparece no lado
oposto da passarela.
SOFIA
Por favor,
Rex, por favor...
EDU
Não falei?
ADRIEL
Chama ele!
Chama!
Rex começa a correr furioso pela
passarela. Sofia olha para trás, por onde subiu, mas não retorna. Aflita, dá
alguns passos para trás; a arma meio levantada.
SOFIA
Não faz
isso, Rex, não faz isso, por favor, não!...
ADRIEL
MANDA!!!
MANDA ELE PARAR!!! (a arma na cabeça de Edu) MANDA AGORA OU EU TE MATO!!!
AGORA!!!
Rex se aproxima. Sofia atira três
vezes para o alto, em vão. Gritos. O cão então salta com os dentes à mostra e,
nesse instante, Edu assovia. No ar, Rex fecha sua boca, mas todo seu corpo
atinge Sofia, e ambos caem pesadamente e rolam pela passarela.
Adriel expira aliviado, mas olha
com raiva para Edu. Então o pega pelo braço e vão para a passarela.
Lá em cima Sofia, caída, olha para
Rex, também caído e lambendo partes de seu próprio corpo. Ela se ajeita e fica
de joelhos. Respira fundo.
Cautelosa e respeitosamente, ela
aproxima sua mão da cabeça de Rex - que continua atento apenas aos seus pelos -
e o toca. O cão para imediatamente de se lamber e olha para ela, que recua a
mão alguns centímetros. Sofia sorri levemente e toca com suavidade a cabeça do
cachorro. Aparentemente não é algo com que ele esteja acostumado, mas está
gostando e aos poucos vai fechando os olhos, relaxado.
SOFIA
Você não é
tão bravão assim, né?...
Enquanto Sofia acaricia Rex, Adriel
se aproxima, trazendo Edu, algemado, pelo braço.
ADRIEL
Você ficou
louca, Sofia? Esse cachorro acabou de tentar te matar! Devia ter cuidado...
SOFIA
Ele não vai
fazer nada... Só quer um pouco de carinho...
Totalmente à vontade, Rex deita com
a barriga para cima; Sofia e Adriel se espantam.
SOFIA
Ahn?! Rex?!
ADRIEL
Ué!...
Sofia olha confusa para Edu e de
volta para Rex, e então vemos o que eles veem: mamas. Rex é na verdade uma
fêmea. Sofia continua a acariciar a cadela, mas olhando, assim como Adriel,
interrogativamente para Edu.
CORTA PARA:
CENA 32: INT.
PRÉDIO BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ESCRITÓRIO DE OSVALDO – DIA
Sofia e Adriel sentados à mesa e
Osvaldo em pé com alguns papeis.
SOFIA
Fêmea?!
OSVALDO
Exatamente.
Na delegacia o Edu contou que deu o nome "Rex" pra passar uma imagem
mais agressiva.
Incrédula, Sofia faz que não.
ADRIEL
Como se um
rottweiler no auge da força precisasse de ainda mais imagem agressiva.
OSVALDO
Um dia, num
descuido dele, ela fugiu e acabou ficando prenha. Não sei o que aconteceu, se
ele tentou fazer ela abortar ou se está mentindo, o fato é que só um dos
filhotes nasceu com vida. Mas a ligação maternal atrapalharia os planos que Edu
tinha pra ela. Foi quando ele tirou o filhote e entregou pra um conhecido. O ato
acendeu ainda mais a agressividade que Edu já vinha tentando fazer emergir do
animal.
SOFIA
Como alguém
pode ser capaz?...
OSVALDO
Já
localizamos e contatamos o tal conhecido de Edu que está com o filhote. Ele
também manifestou interesse no Rex.
ADRIEL
Ou Rexa.
SOFIA
Sim, porque
basta colocar um A pra ficar feminino, Adriel.
Osvaldo sorri e Adriel dá de
ombros.
CORTA PARA:
CENA 33: EXT.
PARQUE – DIA
Ao som de uma música suave, e com
raios solares ofuscando as imagens, vemos dois POLICIAIS AMBIENTAIS fardados
guiando Rex pela coleira. Eles encontram o CONHECIDO, que carrega um FILHOTE de
rottweiler no colo, e se cumprimentam sorrindo. Rex pula de alegria ao sentir o
filhote, que é colocado no chão. A mãe, exultante, lambe sua cria. Os policiais
batem de leve no ombro do conhecido e voltam. O homem segura a coleira de Rex,
pega o filhote no colo e os três partem alegres.
CORTA PARA:
CENA 34:
EXT. PRÉDIO BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ENTRADA – NOITE
Sofia e Adriel saem do prédio.
SOFIA
Eu te levo
pra casa.
ADRIEL
Dessa vez
não precisa, Sô. Hoje eu vou dar uma passada num bar.
SOFIA
Hum...
ADRIEL
Mesmo
assim, obrigado.
Sofia faz que sim.
SOFIA
Tá tudo
bem, Adriel?
ADRIEL
Bom, não
tudo... É aqueles problemas do caso do Paraná...
SOFIA
Sei...
ADRIEL
Eu falei
com o tenente Roberto, ele me disse que são grandes as possibilidades de me
expulsarem da Corporação.
SOFIA
Quê?! Pra
que tudo isso? Que absurdo...
Não é apenas pela operação do
Paraná. Eu não me comportei exatamente bem em um dos interrogatórios que me
fizeram pela internet e... mandei eles todos à merda.
SOFIA
Adriel...
ADRIEL
Eu sei, eu
sei... Eu errei, devia me conter, mas agora já foi... A decisão tá na mão
deles. Talvez o Edu e Rex tenham sido o nosso último caso juntos.
SOFIA
Eu sinto
muito por você...
ADRIEL
Tudo bem...
Sou apenas seu parceiro temporário, mesmo...
Sofia sorri e o abraça. Ele a
abraça também.
SOFIA
Vou torcer
por você...
Eles se soltam. Adriel a olha nos
olhos.
ADRIEL
Obrigado,
Sô.
Ela sorri e vira para seu carro.
SOFIA
Boa noite,
te vejo amanhã.
ADRIEL
Boa noite,
até.
Adriel a observa entrar no carro e
partir. Depois ele faz o mesmo na direção contrária, a pé, pela calçada.
CORTA PARA:
CENA 35:
INT. BOTECO DE BRITINHO – MANHÃ
POMPEO, de pé, indeciso entre a
geladeira de cervejas e a de refrigerantes e sucos. Em uma das mesas, Sofia
come uma porção de bolo de laranja. BRITINHO, do outro lado do balcão, enxuga
alguns copos.
BRITINHO
E então,
minha fia, gostou do meu novo bolo de laranja?
SOFIA
(entre
garfadas) A-do-rei! Se os deuses da comida existem, então você é um anjo
caído! O que seria da minha vida sem seu tempero, hein Britinho?! Me diz...
BRITINHO
(desconcertado) Ô, minha
fia...
SOFIA
Acho que
toda vez que encerrar um caso vou vir aqui pra comemorar. É, essa é uma boa
ideia.
Fábio vem da calçada e entra.
FÁBIO
Sofia? (sorrindo)
E então, vamos?
SOFIA
Amor! Sim,
claro, bora!
Sofia dá a última garfada e, ainda
mastigando, corre até Britinho e o entrega uma cédula.
SOFIA
(tentando
não engasgar) Tchau.
BRITINHO
Tchau, minha
fia, témanhã.
Sofia dá meia volta e sai com
Fábio.
Pompeo finalmente se decide e abre
a geladeira de cervejas. Britinho pigarreia. Com a mão ainda na porta aberta,
ele olha para Britinho, que lhe joga olhares de desaprovação enquanto vai para
os fundos. Com um sorriso maroto, Pompeo fecha a geladeira. Mas quando Britinho
desaparece ele confere se não está sendo observado e a reabre.
POMPEO
Vem,
companheira.
CORTA PARA:
CENA 36:
EXT. ENCONTRO DAS ÁGUAS – BARCO – DIA
O magnífico Encontro das Águas!
O barco com quase duas dezenas de
passageiros desliza indo das águas escuras do rio Negro às águas barrentas do
rio Solimões.
Entre os passageiros que apreciam e
tiram fotos do espetáculo estão Sofia, Adriel e Clara. Essa, de óculos escuro,
mais concentrada que a dupla.
ADRIEL
Sinceramente
eu entendo o Edu em alguns pontos.
SOFIA
Adriel, já
tem um tempo que eu queria te dizer... Acho que eu sei bem em quem você votou
nas eleições do ano passado, e não é só por um motivo, não. Deixa eu ver se
estou certa, me diga quem foi seu candidato.
ADRIEL
Eu conto...
assim que você me contar porque não tem nenhum animal de estimação.
SOFIA
Ahh... Acho
que vou apenas continuar imaginando o seu voto.
Sofia encara as águas e Adriel a olha
sorrindo.
ADRIEL
Eu tenho
uma teoria sobre você.
Sofia vira para ele.
SOFIA
Ah, é
mesmo? E que teoria seria essa?
ADRIEL
Você não
existe. Você é na verdade uma invenção... de uma mente doentia com tara por
plantas carnívoras e dona de uma barriga suja de salgadinhos.
Sofia o encara como quem diz
"Não tenho nem o que dizer". Depois olha para baixo e para os lados
como quem diz "Não acredito que ouvi isso" e olha de novo para
Adriel.
SOFIA
Você e o
Edu deviam se juntar, mesmo. Já queria te falar desde o "Ou Rexa": o
talento dele com as palavras mais a sua criatividade e teríamos um novo
best-seller pra abalar as estruturas da Literatura.
CLARA
Vocês ficam
de conversa fiada e não apreciam essa obra-prima de Deus.
Sofia e Adriel trocam olhares de
rivalidade e olham para as águas.
Então vemos o barco por uma imagem
aérea. E depois corta para uma mais área. Depois para uma ainda mais aérea...
Até o barco ser apenas um inseto entre as duas tonalidades de água.
E a câmera se move para a região
onde as duas águas vão se misturando, se entendendo, se aceitando, se tornando
apenas um rio, uma cor, uma coisa...
FADE OUT:
Começam os créditos.
FIM
No próximo episódio:
No último episódio da temporada, a
relação de Sofia e Adriel toma um decisivo rumo, e a manauara se vê cada vez
mais sozinha, profissional e pessoalmente. Mas os ânimos podem mudar quando ela
passa a receber cartas anônimas lhe fazendo um misterioso convite.
Obrigado pelo seu comentário!