CAPÍTULO 13
uma novela de
FELIPE LIMA BORGES
livre adaptação do livro de Rute
Edição da Versão Reprise por
RAMON FERNANDES
EDIÇÃO:
Capítulo 20 + Parte do Capítulo 21 ORIGINAL (SEM CORTES)
CENA 1: EXT. BELÉM – BECO – NOITE
Segismundo e Gael parados na penumbra do beco.
GAEL— Gostei. Caravana da Morte... Com os boatos certos sendo espalhados, isso vai assustar o povo. E o que faremos agora?
SEGISMUNDO— Vamos reunir os primeiros homens para partirmos pouco depois que o sol nascer. Não será difícil alcançar a família de Elimeleque, não terão se distanciado muito. Será um ótimo início para a Caravana, ter todas as coisas de Elimeleque. Os homens vão se animar.
Gael faz que sim.
CENA 2: INT. CASA DE NOEMI – QUARTO – NOITE
Noemi e Tani estão dobrando várias roupas e tecidos espalhados na cama.
TANI— Estou me lembrando de vários desses, Noemi...
NOEMI— Eu já nem sei se gosto dessa sensação. As lembranças são boas, mas bate uma saudade tão grande daquele tempo... E pensar que nunca vai voltar... E olha que eu era ainda mais sardenta, mais mal vista pelas pessoas...
TANI— Tolos, todos esses que te maldiziam. Mas não falemos da parte ruim, vamos lembrar da parte boa.
NOEMI— Ah, claro, e eu tenho ótimas, ótimas lembranças. Toda a minha infância correndo nesses campos, subindo nas árvores, pulando de galho em galho feita uma macaca...
Elas riem.
TANI— Nisso somos bem parecidas. Tenho até hoje a marca de quando caí do alto de uma figueira.
NOEMI— Pode sempre recordar ao ver ela.
TANI— Sim...
NOEMI— Depois fui crescendo mais... Então veio as primeiras paixões...
TANI— Hummm, que delícia essa fase, não é?
NOEMI— Sim... Quantos sentimentos da adolescência que julgávamos ser eternos!...
TANI— Hoje a gente ri...
NOEMI— É. Mas a última vez que isso me aconteceu não foi nada bom.
TANI— O Iago. Mas aquilo foi uma exceção. Coisa daquela mulherzinha da Tamires, e daquela sem graça da Maya.
NOEMI— Ele foi cúmplice. Pode ter me doído, mas a força da dor não chegou aos pés da força da alegria que senti naquele mesmo dia--
TANI— (interrompendo) Quando o anjo te salvou e te passou a Promessa.
NOEMI— (com brilho no olhar) Sim... Foi o melhor momento da minha vida inteira, Tani.
TANI— Que privilégio... Nossa, nem imagino o que eu faria se visse um anjo assim, parado na minha frente... E ainda com uma mensagem divina! Na certa apagaria ali mesmo!
NOEMI— Acredito que não, minha amiga. Estar ali com ele me fazia sentir mais viva, mais forte... Como se uma energia emanasse dele.
TANI— Que coisa linda...
NOEMI— É o maior motivo do período da minha mocidade ter marcado tanto... Mas também tinha o papai, a mamãe, a Zaira...
TANI— Eu me lembro muito bem deles...
NOEMI— Quanta saudade desses três... Mas agora descansam nos braços do Senhor.
TANI— Sim. Mas não está esquecendo de nada? Outro grande marco daquele tempo?
NOEMI— Hum, deixe-me ver... (sorri) Não sei, o que será?...
TANI— Ah, não finge não, Noemi! Como pode falar da Promessa sem falar do cumprimento?!
Noemi ri.
NOEMI— Jamais me esqueceria daquela noite tão maravilhosa, Tani! O Elimeleque, o amor da minha vida, o cumprimento da Promessa!...
TANI— Hum, só de eu saber que eu ajudei nessa união, que faço parte de uma Promessa vinda do céu, fico toda arrepiada!
Elas riem bastante... até que vão parando, diminuindo, e Noemi fica pensativa.
TANI— O que foi, minha amiga?
Noemi começa a chorar. Funga, os olhos lacrimejam...
NOEMI— Será que foi tudo em vão, Tani?... Olha o que estamos fazendo agora...
Preocupada, Tani a abraça e Noemi chora no ombro da amiga.
CENA 3: EXT. BELÉM – RUA – NOITE
Elimeleque, Malom e Quiliom caminham carregando alguns cestos.
MALOM— Ainda bem que ainda temos vizinhos que nos ajudam...
QUILIOM— Esses cestos vão facilitar muito.
Alguém vem de encontro a eles; é Neb.
NEB— Primo?! Shalom...
Eles param.
ELIMELEQUE— Shalom, Neb.
NEB— É verdade? Vocês vão embora de Belém?!
ELIMELEQUE— É verdade sim, primo. Quando o sol nascer já não estaremos aqui.
NEB— Eu sinto muito... Gostaria de poder ajudar, mas não tenho nada. Mal sei como vou sobreviver nessa fome, visto que vivo de serviços aqui e ali...
ELIMELEQUE— Venha conosco, Neb! Vamos tentar a vida em outro lugar. Alguma terra em que possamos viver em paz, servir ao nosso Deus e sermos felizes!
NEB— É um convite interessante, meu primo, mas talvez os tempos de viagens já tenham passado...
Elimeleque entende e faz que sim meio cabisbaixo.
NEB— Bom, eu os encontrarei no momento da partida.
ELIMELEQUE— Vamos sair bem cedo.
NEB— Não terei problemas pra acordar, até porque nem devo dormir. Aliás, ninguém nessa cidade deve estar em paz pra dormir. Shalom...
ELIMELEQUE— Shalom...
Neb sai. Elimeleque olha para os filhos e continuam a andar.
CENA 4: INT. TEMPLO – QUARTO DAS SACERDOTISAS – NOITE
Rute está dormindo, mas parece sonhar... Pelas pálpebras fechadas é possível ver que seus olhos mexem muito. Ela vira na cama de um lado para o outro, até que acorda subitamente. Um tanto assustada, respira fundo. Limpa o suor na testa, olha para o lado E ASSUSTA! Senta rapidamente na cama.
Na entrada do quarto, escondida nas sombras, um pequeno vulto de alguém parado, olhando para ela.
RUTE— Quem é? Quem está aí?
Em sua cama, Orfa mexe, mas continua a dormir. Rute aperta os olhos e parece distinguir quem está ali.
RUTE— Aylla?!
O vulto da menina dá alguns passos tímidos.
RUTE— O que está fazendo aqui?!
AYLLA— Eu não consigo dormir...
Rute franze o cenho e se levanta. Vai até a menina.
RUTE— Aylla, você não pode vir aqui!...
Rute confere se Orfa está dormindo e leva Aylla para um canto escuro.
RUTE— Por que veio até aqui?
AYLLA— Eu não consigo dormir, senhora Rute. Fico tendo sonhos ruins... Estou com medo...
Rute respira fundo e olha para os lados.
RUTE— Uma futura oferenda aos deuses não pode sentir medo. Como acha que eles ficarão vendo isso?
Aylla não responde nada, mas seus olhos começam a molhar e o bico a aumentar. Então, devagarinho, ela vira e começa a andar para a saída. Rute a observa se afastar.
RUTE— (para si) Ai, ai!... (sussurrando para a menina) Aylla. Aylla! Venha aqui...
A menina volta até a sombra onde está Rute.
RUTE— Tudo bem. Se não fizer barulho, pode dormir comigo. Mas terá que levantar antes do sol nascer e voltar para a sua cama. Ninguém pode te ver aqui. Eu me daria muito mal se isso acontecesse. Entendeu?
AYLLA— (animada) Sim, sacerdotisa!
RUTE— Shh!... Vamos.
Rute volta para sua cama e deita com Aylla. Se ajeita, acomoda a menina e a abraça. Por alguns segundos Rute a observa, e então começa a acaricia-la. Confortável e segura, Aylla fecha os olhos tranquilamente. Rute, por outro lado, parece um tanto preocupada, pois sabe que aquilo não é certo.
CENA 5: INT. CASA DE NOEMI – NOITE
A noite vai passando e Noemi e Tani continuam a arrumar as coisas dos quartos, da sala, da cozinha...
CENA 6: EXT. CASA DE NOEMI – FRENTE – NOITE
Malom e Quiliom ajeitam e amarram os pertences da família em cima de uma carroça. Logo ali, Elimeleque arruma outras coisas.
MALOM— (emocionado) Vou sentir muita falta de Belém...
QUILIOM— Ih, agora deu a choros, Malom?
MALOM— Te falta maturidade, Quiliom. Tem muito o que aprender ainda.
QUILIOM— E você tem que olhar as coisas por outro lado. Essa viagem pode ser boa! Conhecer novos lugares, que nunca nem imaginamos existir... As outras tribos hebreias...
MALOM— Espero que você tenha razão.
ELIMELEQUE— E quem sabe moças pra casarem, também...
MALOM— Francamente, meu pai. A cidade ardendo e o senhor pensando em casamento?
Levemente descontraído, Elimeleque só mexe as sobrancelhas. Malom e Quiliom o olham, ambos balançando a cabeça negativamente.
CENA 7: EXT. BELÉM – NOITE
Nas portas das casas, homens com semblante de derrota. Nas ruas, mulheres em desespero. Crianças choram, partes das casas queimadas ou destruídas...
Ninguém dorme.
CENA 8: INT. CASA DE NOEMI – SALA – NOITE
Elimeleque, Malom e Quiliom em pé na sala. Noemi chega vindo da escada amarrando um saco.
NOEMI— Acho que está tudo pronto. Não tem mais nada lá em cima.
ELIMELEQUE— O dia está prestes a nascer. Vamos fazer uma oração antes de ir, só nós aqui.
NOEMI— Vamos.
Eles se aproximam, fazem uma roda, ajoelham e fecham os olhos.
ELIMELEQUE— Senhor, nosso bom Deus, nosso bom Pai! Em alguns momentos estaremos atravessando os portões de Belém rumo ao desconhecido. Nossa esperança é encontrar um lugar onde as consequências dos atos dos Teus filhos não tenham alcançado. Nós Te pedimos que nos guarde, onde quer que formos. Guie-nos pelos caminhos do deserto e também tenha misericórdia desse povo, que padece. Olhe por nós, Senhor. Amém.
TODOS— Amém.
Eles levantam e Elimeleque abraça a esposa e os filhos.
Momentos depois, pegam as últimas coisas e caminham em direção à saída. Malom e Quiliom saem. Elimeleque dá uma última olhada na casa e também sai. Noemi para, observa com tristeza a sala e a cozinha vazias, fecha os olhos com pesar e sai. Elimeleque fecha a porta.
CENA 9: EXT. CASA DE NOEMI – FRENTE – NOITE
Momentos depois, eles estão amarrando as últimas coisas na carroça. Tani, Yuri e o Ancião já estão ali.
ANCIÃO— Não dormi nada, passei a noite em oração. Apresentei muito vocês e a viagem.
ELIMELEQUE— Deus lhe abençoe, senhor.
ANCIÃO— Amém. Vou sentir muita falta dessa família querida...
TANI— E eu, então... Que amo Noemi e Elimeleque como meus irmãos, Malom e Quiliom como meus sobrinhos...
YURI— Não sei o que farei nos campos sem você, Elimeleque...
ELIMELEQUE— (pegando no ombro de Yuri) Guie-se por Deus, meu amigo.
YURI— Todos precisaremos muito fazer isso.
ANCIÃO— Nós os acompanharemos até o portão.
ELIMELEQUE— (para os filhos) Coloquem as bainhas e fiquem com as espadas nelas. O deserto guarda muitos perigos e precisamos estar preparados. Vamos.
Depois de colocarem as espadas em suas bainhas, Elimeleque pega uma corda e guia o cavalo. Todos tomam a rua. Noemi olha para sua casa uma última vez... e vai.
CENA 10: EXT. BELÉM – RUA – ENTRADA DA CIDADE – NOITE
Eles já estão quase no portão quando uma figura sai das sombras e para na frente de todos, encarando-os: Tamires. Todos se assustam. Olham confusos para elas.
TAMIRES— Mas são um bando de covardes, mesmo, pra irem embora assim... Tinha que ter uma sardenta porca envolvida nisso.
No mesmo instante Malom e Quiliom avançam contra Tamires.
QUILIOM— Olha como fala com minha mãe!
MALOM— Um pouquinho de prudência pode te fazer muito bem!
NOEMI— Malom! Quiliom! Afastem-se dela. Não precisam se importar com Tamires.
Os dois se afastam um pouco, mantendo o olhar raivoso nela. Tamires sorri cinicamente.
ANCIÃO— Mas será possível?! É por causa de atitudes como a da senhora que a situação dessa cidade chegou onde chegou!
TAMIRES— Não levarei muito mais tempo, vou deixar apenas alguns conselhos.
Elimeleque revira os olhos.
TAMIRES— Aproveitem muito a caminhada. Toda a viagem. Afinal, nunca se sabe o que se encontrará nesses vales. Tantos saqueadores, tantos--
ELIMELEQUE— (interrompendo) Está insinuando algo?
TAMIRES— (cínica) É claro que não. Como eu disse, é apenas um valioso conselho.
Apesar de tudo, Noemi não parece estar prestando atenção. Talvez pelo que aconteceu e pelas preocupações do que virá, ela encara o nada. Então pisca.
NOEMI— Vamos, meu amor.
Noemi abraça o marido e retomam a caminhada. Tamires percebe que Noemi não lhe deu atenção alguma e, raivosa, a encara passar ao lado dela. A carroça, Malom, Quiliom, Tani, Yuri e o Ancião passam em seguida. Tamires os encara com rancor, e visivelmente sua raiva vai aumentando, aumentando... os cantos dos lábios tremem... De repente ela corre até na frente, onde estão Noemi e Elimeleque.
TAMIRES— (berrando) Se quer saber, eu quero mesmo é que você, Noemi, e toda sua família apodreçam!!! Quero que sejam rasgados ao meio, está entendendo???!!! E que suas carcaças sejam jogadas na terra e comidas!!! Comidas pelas bestas da pior espécie!!!
Malom e Quiliom desembainham suas espadas e correm até Tamires. Os dois a empurram na parede de uma casa e encostam as lâminas das espadas no pescoço dela. Tamires se assusta e os encara com os olhos arregalados.
QUILIOM— Você quer morrer aqui mesmo???!!!
Tamires tremendamente assustada. Malom e Quiliom mantém suas espadas no pescoço de Tamires, presa na parede e com os olhos esbugalhados.
MALOM— Ficou louca, é isso, mulher???!!!
QUILIOM— Perdeu a noção do perigo???!!! Quer morrer???!!! Quer???!!!
Neb chega ali e fica confuso com a cena.
NEB— O que está acontecendo?!...
Rapidamente Elimeleque se aproxima e puxa os filhos.
ELIMELEQUE— Saem! Saem! Afastem-se!
QUILIOM— (apontando a espada, mas sendo afastado) Ouse abrir a boca pra falar de minha família de novo, mulher!
Com os filhos já longe de Tamires, o próprio Elimeleque se aproxima de Tamires.
ELIMELEQUE— Quanto a você--
Nesse momento, ouve-se um barulho vindo da escuridão além do portão da cidade. Logo os ruídos aumentam, e Malom e Quiliom apontam as espadas para o desconhecido lá fora.
MALOM— Alto lá!
ELIMELEQUE— Será que dá para abaixarem essas espadas?!
Malom e Quiliom abaixam-nas.
QUILIOM— Quem chegaria na cidade a essa hora, meu pai?
Elimeleque não responde e se aproxima dos filhos. Todos olham atentos para o que está se aproximando.
Os vultos começam a ganhar forma. E, de repente, duas carroças e 4 pessoas emergem da escuridão e atravessam o portão de Belém. Na carroça da frente, lotada de objetos com certo valor, está um casal de idosos, e na de trás, dois rapazes. Elimeleque franze o cenho e aperta os olhos.
ELIMELEQUE— Ora, ora...
MALOM— O quê?
ELIMELEQUE— Se não são eles...
O homem mais velho, ao ver aquele povo todo, para a carroça e os observa.
HOMEM VELHO— De tudo e todos que eu esperava encontrar, nada chegava perto de Elimeleque e sua família reunidos na entrada da cidade pouco antes do sol nascer.
Elimeleque sorri. Neb se aproxima observando bem o recém-chegado.
NEB— Tio Salmon?! Tia Raabe?!
Sorrindo, Neb vai para o lado e olha um dos rapazes da carroça de trás.
NEB— Primo Boaz?!
Tani sorri. Noemi, Yuri, o Ancião e os dois rapazes da segunda carroça observam curiosos. Tamires se afasta para a penumbra, mas assiste a tudo. O homem da carroça da frente começa a sorrir para Elimeleque e Neb.
CENA 11: EXT. BELÉM – RUA – ENTRADA DA CIDADE – NOITE
Interessada, Tamires não desgruda os olhos daquelas pessoas. Os dois grupos já estão em pé e de frente uns para os outros. Elimeleque abraça SALMON (65 anos) e RAABE (62 anos).
ELIMELEQUE— O que é que os senhores estão fazendo em Belém?!
SALMON— Motivos para isso não faltaram. Mas antes, deixe-me apresentar os rapazes para todos. Esse é Boaz, meu orgulho, minha descendência, e esse é seu servo e grande amigo Josias.
ELIMELEQUE— Minha esposa Noemi, nossos filhos Malom e Quiliom, nossos amigos e irmãos Tani e Yuri e o Ancião de nossa cidade e querido da família.
BOAZ (26 anos, cabelo escuro) e JOSIAS (26 anos, loiro) cumprimentam a todos.
SALMON— (apontando Tamires com a cabeça) E aquela, quem é?
ELIMELEQUE— Ahn, uma das moradoras... É, e então, tio? Posso lhe chamar assim?
SALMON— Mas é claro, Elimeleque! Não é porque sou parente mais próximo de Neb que também não sou seu tio. Sou seu tio e vai ter que aceitar isso.
Elimeleque ri.
RAABE— Conte para eles de uma vez, meu marido.
SALMON— Claro, claro... Bom, nós estávamos indo muito bem em Laquis, assim como Deus tem dado a graça de ter sido a vida toda. Mas de um tempo pra cá os campos passaram a não produzir como antes. Pouco a pouco, a situação foi ficando preocupante.
ELIMELEQUE— Nós entendemos. A crise aqui já é grave.
SALMON— Eu soube da crise, mas no caminho. Quando saímos de Laquis a situação ainda não era tão grave. Mas era ruim o bastante para nos preocuparmos com o futuro de Boaz. Raabe e eu concluímos que iniciarmos nossos negócios em outro lugar seria o melhor para nosso filho prosperar e formar família.
BOAZ— Meus pais e sua conversa de casamento...
MALOM— Nós te entendemos.
QUILIOM— Não imagina o quanto.
NOEMI— Rum.
SALMON— Hoje mais cedo, na parte do dia, ficamos sabendo da tempestade que atingia Belém, nosso destino. Tínhamos esperança de que o estrago não fosse tão grande... Apesar da escuridão, é possível notar que os campos estão limpos e, bem... (olhando ao redor) a destruição...
ELIMELEQUE— É exatamente por isso tudo que eu e minha família estamos indo embora agora mesmo, tio.
SALMON— E para onde estão indo?
ELIMELEQUE— Não sei, não sabemos... O senhor sabe de algum lugar que não tenha sido atingido por essa fome miserável?
SALMON— Não sei de nada, infelizmente.
NOEMI— (para Raabe) Lamento muito não poder ficar com a senhora. Amaria passar os dias conversando, escutando suas grandes histórias...
RAABE— (sorrindo) Oh, Noemi...
SALMON— Neb, meu sobrinho... Será que você pode nos hospedar por alguns dias?
Neb fica todo desconcertado.
NEB— Hospedar? É que, bem... eu... eu... Eu não tenho onde ficar, entende...
ELIMELEQUE— Há a hospedaria, tio. Sempre há bons quartos desocupados por lá.
SALMON— Ótimo! Servirá até comprarmos um lugar para nos estabelecer.
NOEMI— Prósperos como eram, logo serão os mais prósperos de Belém.
SALMON— Junto à minha família maravilhosa – e você Josias está incluso – lutarei para reerguer Belém da fome e ajudar nossos irmãos.
NOEMI— Creio, senhor Salmon, que a luta será mais espiritual que material.
ELIMELEQUE— Não demorará muito e o senhor entenderá.
NOEMI— Quanto ao lugar para ficarem, por que não compram nossa casa? Está vazia, agora.
SALMON— Não, não, não... Não faz sentido algum. Muito em breve vocês voltarão!
NOEMI— Assim esperamos.
ELIMELEQUE— Bom, meu tio, gostaria de desejar ao senhor e à sua família uma excelente estadia em Belém. Que Deus os abençoe.
SALMON— Amém! Mas vocês precisarão de ainda mais bênçãos. Cuidem uns dos outros, protejam-se, façam vigílias durante a noite... A caminhada no deserto pode surpreender de muitas formas.
Elimeleque sorri e abraça seu tio. Depois abraça os outros. Noemi, Malom e Quiliom fazem o mesmo.
ELIMELEQUE— Bom, é isso... Shalom.
SALMON, RAABE, BOAZ, JOSIAS— Shalom.
Tani se atira no pescoço de Noemi e a abraça bem forte.
TANI— Eu vou estar esperando por vocês.
NOEMI— Ore por nós, minha amiga...
TANI— Sempre.
YURI— Quando puderem, mandem um mensageiro com notícias.
ANCIÃO— Que o Senhor os guie no caminho.
NEB— Parece que fazem mil anos que saíamos e entrávamos nas cidades e vilarejos.. E agora é só você.
ELIMELEQUE— Se cuida, primo.
Auxiliada por Elimeleque, Noemi sobe na carroça. Os dois e Malom e Quiliom falam “Shalom” para os que ficam. Neb certifica-se de que ninguém está olhando e pega rapidamente da carroça do primo um copo brilhoso e o esconde nas vestes. Elimeleque e os filhos começam a andar, guiando o cavalo.
Tani, Yuri, Neb, o Ancião, Salmon, Raabe, Boaz e Josias observam a família adentrar a escuridão e sumir.
ANCIÃO— Eles farão falta...
YURI— Belém nunca mais será a mesma...
TANI— Que Deus os proteja...
NEB— Ao menos agora eu tenho meus tios e meu primo Boaz.
Neb sorri e olha para a família recém-chegada, que ainda observa a escuridão lá fora.
NEB— (sorrindo) E Josias, também. Novo companheiro.
Boaz e Josias olham simpático para Neb e viram, indo embora com Salmon e Raabe. Neb fica para trás, mas corre e os alcança. Começa a acompanhá-los.
Tristes, Tani, Yuri e o Ancião também dão meia volta e vão embora. Tamires os observa e em seguida olha de volta para a escuridão além de Belém.
TAMIRES— Essa foi a última vez que nos vimos, Noemi... Até nunca.
Em Tamires, IMAGEM CONGELA.
Obrigado pelo seu comentário!