CAPÍTULO 31
uma novela de
FELIPE LIMA BORGES
livre adaptação do livro de Rute
Edição da Versão Reprise por
RAMON FERNANDES
EDIÇÃO:
Restante do Capítulo 45 + Parte do Capítulo 46 ORIGINAL (SEM CORTES)
CENA 01: EXT. MOABE – RUA – DIA
Rute se aproxima de Malom, trabalhando em algo ali fora.
RUTE — Meu amor... está tudo bem?
Malom força um sorriso simpático.
MALOM — Difícil... Acho que estou sem rumo... Só não desmoronei ainda porque tenho você, tenho nosso casamento. Mas dói demais olhar para a minha mãe e enxergar decepção no rosto dela, Rute...
Rute se aproxima e o abraça carinhosamente.
CENA 02: INT. BELÉM - TEMPLO – CELA – DIA
Sentada de qualquer jeito no chão da cela, Tani respira fundo, desanimada.
CENA 03: EXT. CAMPO – DIA
Tamires colhe os poucos frutos de uma árvore quando nota algo. Olha bem e vê que são os homens da Caravana se aproximando.
TAMIRES — Finalmente.
Eles chegam ali e Tamires percebe os rostos sujos e os semblantes exaustos e desanimados.
SEGISMUNDO — Água! Água, Tamires!
Tamires logo pega seu odre e o entrega. Ele bebe um pouco e vai passando aos companheiros. Todos caem sentados na relva. Ela os olha com curiosidade.
TAMIRES — O que aconteceu?
Segismundo, sentado, olha para ela, em pé.
SEGISMUNDO — Se eu tivesse mais força, metia uma bofetada nessa tua cara.
TAMIRES — Por que--
SEGISMUNDO — (interrompendo) Não existe pedra alguma! Ai, minha garganta...
Tamires percebe, se ajeita e o olha confiante.
TAMIRES — Não existe mesmo. Eu precisava deles mortos e inventei essa história.
Os homens a olham com raiva, mas nenhum tem força ou ânimo para se levantar. No entanto, Segismundo se esforça, põe-se de pé e saca sua espada.
SEGISMUNDO — Nós nos deslocamos muito! Passamos por lugares que você nunca nem ouviu falar! Fomos a outro reino, estivemos à presença de um rei para ser julgados e por pouco não fomos açoitados! Além de quase morrermos de exaustão e sede!
TAMIRES — Que isso, que história é essa? Onde estão os cavalos? O que aconteceu?!
SEGISMUNDO — (apontando a espada para o pescoço dela) Eu vou te dizer o que vai acontecer, Tamires!
Iago põe-se de pé e se aproxima rápido.
IAGO — Ei, ei, ei! Acalmem-se, vamos todos nos acalmar. Vamos respirar...
Segismundo, raivoso, abaixa a espada.
TAMIRES — Alguém pode me dizer o que aconteceu?! Mataram Noemi e a família?!
IAGO — Apenas Elimeleque foi morto. Não tivemos tempo, fomos surpreendidos por soldados daquele reino.
TAMIRES — Que reino?
IAGO — Moabe. Eles nos levaram à presença do rei, que nos julgou e nos condenou a 10 chicotadas, além da expulsão do reino. Tivemos que entregar todas as nossas coisas, inclusive os cavalos, para que os soldados não aplicassem a pena. Há muitos dias estamos andando, por isso estamos assim...
Iago cai sentado novamente. Tamires parece estar imaginando.
TAMIRES — Então Noemi está viúva... (sorri) Não era bem o que eu queria a longo prazo, mas a coitada deve estar sofrendo muito...
Ela olha para Segismundo, que senta.
TAMIRES — Por favor, me desculpe, Segismundo. Mas eu tenho ideias novas.
SEGISMUNDO — Não quero ouvir ideias suas.
TAMIRES — Você vai querer saber. Não são mentiras. São planos para crescermos mais.
SEGISMUNDO — Diga, então!
TAMIRES — Não agora, ahn? Não aqui, nesse momento. Acabaram de chegar... Mas saiba... Aliás, todos aqui saibam: vamos precisar finalmente sair de Belém, como era o plano desde o início, desde antes de a maioria de vocês entrarem.
Segismundo a encara.
CENA 04: INT. CASA DE BOAZ – SALA – DIA
Os dias se passam...
Deitada na sala, Raabe parece pior que nunca. Boaz, ao seu lado, muito preocupado.
BOAZ — Parece que o chá não resultou efeito algum, mãe... Já sei, vou fazer aquela porção que o vizinho comentou, e adicionar algumas folhas de--
RAABE — (interrompendo) Boaz, Boaz... Meu filho... Não perca seu tempo, meu filho amado. Eu já não sinto alegria nesse mundo, desde que seu pai se foi... Agora, chegou a hora de eu ir também.
BOAZ — Não, mãe, não diga isso, minha mãe... Não quero perder a senhora também...
RAABE — Você não me perderá, meu filho. Você tem Deus no coração, e eu estarei com Ele.
BOAZ — (começando a chorar) Mãe...
RAABE — Você precisa ser forte, Boaz. Precisa seguir com a missão que o seu pai te deixou e ajudar a reerguer Belém da fome.
Boaz a encara com os olhos molhados.
RAABE — Quando Belém estiver novamente próspera, acolha a todos os hebreus que vierem em busca de ajuda, de todas as tribos. Mas não só eles... Acolha também os estrangeiros. Lembre-se que sua mãe... também foi uma estrangeira, e dos mais baixos níveis da sociedade. Mas o povo a acolheu... Deus a recebeu de braços abertos, e ela teve a honra de chegar onde chegou.
Boaz acaricia o rosto da mãe.
RAABE — Seja sempre um bom homem, meu filho. Eu confio em você para o que precisa fazer... Eu sinto... que está destinado a dar certo.
BOAZ — Não me deixe, mãe...
RAABE — Um dia... todos nós vamos nos reunir novamente... E aí... nada e nem ninguém nos separará. Boaz...
BOAZ — Mãe...
Ela levanta a mão e acaricia o rosto do filho.
RAABE — Minha bênção... Eu te amo.
BOAZ — Eu também te amo, mãe...
Então a mão de Raabe desce e repousa. Contente, Raabe se ajeita e adormece...
Boaz, em lágrimas, mexe nela.
BOAZ — Mãe... Mãe!... Minha mãe!...
Percebendo que ela se foi, Boaz desaba a chorar, abraçando-a...
CENA 05: EXT. BELÉM – PRAÇA – DIA
Ali na praça, o Ancião e outros anciães mais jovens estão de frente para Tani, de mãos amarradas, e Tamires, normal. Atrás e ao redor, alguns soldados e os belemitas assistem.
ANCIÃO — Bem, estamos aqui para dar início ao julgamento da ré, essa mulher, Tani, tendo aqui também essa outra mulher, Tamires, na condição de acusadora. Por não se tratar de um crime classificado como grave, o julgamento está se dando aqui mesmo, em Belém, e não na capital, Hebrom. Com a palavra, Tamires.
Tamires olha para Tani, que encara o chão, depois para o povo ao redor, e por fim para o Ancião. Respira a fundo, se ajeita, pigarreia e abre a boca para falar.
TAMIRES — Sabem... A verdade é que é muito chato ficar inventando história quando se pode ter a graça da absoluta liberdade.
O Ancião franze o cenho.
TAMIRES — Conforme disse Tani, eu estava mesmo com a Caravana da Morte. Eu fui a criadora, e só por isso, todos vocês aqui deviam estar ajoelhados diante de mim!
Tani, confusa, levanta o olhar do chão e olha para Tamires. O povo se impressiona, murmúrios para todos os lados. Tamires ri.
TAMIRES — Se não querem ajoelhar por esse motivo, então que seja por outro.
Tamires bate palmas três vezes e, de repente, os homens da Caravana, dessa vez com arcos e flechas, surgem de todos os lados: de trás dos becos, de cima das casas ao redor... Todos apontando as flechas para o povo e para os soldados, que estão apenas com espadas. Na rua que dá para o portão da cidade, Segismundo aparece e para, apenas segurando sua espada enquanto espera.
TAMIRES — Ajoelhem-se!!!
Temendo serem mortos, os belemitas ao redor e os soldados se ajoelham. Os anciães e Tani permanecem de pé. Consternado, o Ancião encara Tamires, que sorri. Então Iago, segurando sua espada, se aproxima para escolta-la. Antes de ir, Tamires vira para Tani.
TAMIRES — Está feliz, amiguinha da sardenta? Está livre agora. Mas se cuide... Podemos acabar nos topando pelos campos e desertos.
Iago e Tamires vão até Segismundo. Ao alcança-lo, os três caminham para a saída da cidade. Pouco a pouco e de forma ensaiada, os arqueiros da Caravana vão abandonando seus postos e indo embora. Os últimos ganham cobertura dos que saíram antes e, por fim, todos saem da cidade. O povo, aflito, se levanta e fala, fala, fala muito...
ANCIÃO — Silêncio!!!
O povo para de falar.
ANCIÃO — Peço aos soldados que vão atrás e tentem ver para onde essas pessoas horríveis foram.
O Comandante faz que sim e sai com alguns soldados.
ANCIÃO — (para o povo) Eu sempre acreditei que essa mulher, Tani, fosse inocente. Mas as provas de Tamires, mentirosas, diga-se de passagem, eram mais concretas. Agora, no entanto, não resta dúvida a ninguém que Tamires era quem estava com a Caravana e Tani... é uma completa inocente. Pelo constrangimento que passou em público e pelos dias que ficou reclusa na prisão aguardando julgamento, eu apregoo, nessa ocasião, a inocência e a injustiça sofrida por ela. E ordeno a compensação, a ser feita pelo templo, de 30 sacos de moedas, conforme a lei.
Tani sorri aliviada.
ANCIÃO — E a declaro inocente de todas as acusações. Desamarrem-na imediatamente.
Um soldado se aproxima e desamarra as mãos de Tani, que sorri para o Ancião. O povo, no entanto, ainda murmura por conta da Caravana.
ANCIÃO — Povo de Belém! Peço que não desanimem vossos espíritos por conta desse grupo maligno que insiste em nos aterrorizar. Continuem firmes na fé, orando, buscando, para que a crise acabe de uma vez. Não deixem o fruto daquela semente plantada pelo saudoso Salmon seque e morra. Shalom a todos.
CENA 06: EXT. DESERTO – CAVERNA – DIA
Mais tarde, vários belemitas acompanham o sepultamento de Raabe. O Ancião limpa uma lágrima e Josias abraça Boaz com firmeza. Com a caverna fechada, o povo começa a ir embora. Por fim, ficam ali Boaz e Josias, chorosos.
CENA 07: EXT. MOABE – MORRO – ENTARDECER
Ao som de uma cantoria alegre, alguns moabitas convidados observam a aproximação da noiva, cuja cadeira vem sendo carregada pela esquerda, e o noivo, na cadeira carregada pela direita. Rute e Malom, ela com o véu cobrindo o rosto. Cada vez mais próximos, eles sorriem felizes.
No alambrado para onde estão indo, um homem velho os aguarda. Entre os convidados e ao lado de Leila e Aylla, Noemi assiste emocionada. Lembranças repentinas começam a vir à sua mente: seu casamento... ela na cadeira, se aproximando de Elimeleque... Ambos jovens, ambos felizes... A cantoria dos convidados ali se funde às músicas e danças de seu próprio casamento... Rute e Malom chegam ao alambrado e descem as cadeiras. Então eles se levantam e aproximam do homem. Em sua mente, Noemi vê Elimeleque a olhando, prestes a se voltarem para o Ancião.
Em seguida, outros dois grupos trazem Orfa e Quiliom. A cantoria e as danças continuam. Noemi sorri muito emocionada. Por fim, o outro casal se junta ao primeiro, e ambos olham para o homem.
Seguindo a tradição dos hebreus, o homem preside o casamento. Bebem o vinho, elas dão as voltas em torno deles... Noemi lembra de quando deu as sete voltas em torno de Elimeleque. Ela tampa o nariz e a boca por causa do choro. Leila e os convidados acham que é apenas por causa do casamento dos filhos.
Por fim, o homem os declara casados e eles se beijam. Elimeleque e Noemi se beijam, recém-casados. Na mente dela, os cereais e flores jogados sobre os dois casais caem sobre ela e Elimeleque que, irradiando felicidade, olham para os convidados e levantam os braços em comemoração.
Noemi chora... Os quatro olham para os convidados e passam correndo por eles, atingidos por tudo que jogam em comemoração.
CENA 08: INT. CASA DE RUTE – QUARTO – NOITE
Rute e Malom, um tanto nervosos, se olham quase hipnotizados. Ele sorri um pouco e a acaricia. Então a beija suavemente e, abraçados, deitam na cama.
CENA 09: INT. CASA DE ORFA – QUARTO – NOITE
Quiliom se aproxima de Orfa por trás e beija sua nuca e seu pescoço. Então pega as alças do vestido dela e as tira dos ombros com delicadeza. Ela vira de frente para ele e se entregam a um beijo apaixonado.
CENA 10: INT. CASA DE NOEMI – QUARTO – NOITE
Deitada encarando o teto, Noemi chora... Leva sua mão ao travesseiro ao lado e o aperta, aperta com muita força...
CENA 11: EXT. MOABE – RUA – DIA
Mais dias se passam...
Tani e o Ancião caminham pela rua.
TANI — Os soldados encontraram algum sinal da Caravana?
ANCIÃO — Nada... Sumiram.
TANI — Outros que sumiram, e desses eu sinto muita falta, foram Noemi e Elimeleque. Até hoje não tivemos nenhuma mensagem enviada por eles... Nem sabemos se estão bem, onde estão...
ANCIÃO — Também gostaria muito de saber sobre eles. Fazem muita falta nessa cidade. Os rapazes, sempre tão alegres, cheios de vida...
Tani faz que sim.
TANI — A falta de notícias me deixa angustiada...
ANCIÃO — Oremos, Tani, oremos por eles...
TANI — Claro... Claro.
CENA 12: EXT. DESERTO – DIA
Parados, os homens da Caravana bebem água. Seus novos cavalos estão por ali. Gael percebe Iago encarando o nada.
GAEL — Pensando longe, amigo?
Iago sai de seu transe, olha para Gael e sorri.
IAGO — Só um pouquinho. Estava... pensando em minha falecida esposa.
Gael faz que sim respeitosamente.
GAEL — Eu sinto muito pelo que aconteceu. Espero que se recupere o mais rápido possível.
IAGO — Obrigado, companheiro. Na verdade já estou me recuperando... desde que passei a integrar o grupo. Mas a dor... a saudade... no fundo, sempre vão existir.
Gael faz que sim.
IAGO — Como eu gostaria de lembrar o que aconteceu antes... Só me lembro de acordar na hospedaria e me avisarem... Não sei como fui parar ali... Se alguém me levou, se me sabotaram, se tem algo a ver...
GAEL — Iago...
IAGO — Quem dera...
GAEL — Iago, não é bom para você. Isso não vai te fazer bem. Concentre-se no aqui e no futuro... Nas coisas que haveremos de conquistar.
Iago faz que sim.
IAGO — Obrigado, Gael. Você é um bom companheiro. Todos aqui são.
Gael faz que sim, aperta o ombro de Iago e logo eles todos partem para longe dali.
CENA 13: INT. HOSPEDARIA – DIA
Neb, com o semblante mais abatido que nunca, afoga suas angústias no vinho. Jogado em um canto da hospedaria, bebe sem ânimo algum...
CENA 14: INT. CASA DE LEILA – LOJA – DIA
Leila observa Aylla correndo pela loja em suas brincadeiras cheias de imaginação.
De repente, a menina esbarra em uma peça que cai e se parte. Aylla se assusta e olha com medo para Leila. No entanto, a mulher se aproxima, fala fazendo sinal para ela não se preocupar, gesticula dando a entender que foi um acidente e beija a menina. Aponta a rua como sugestão e Aylla, alegre, vai brincar lá fora com outras crianças. Leila, ao invés de arrumar os pedaços da peça, observa a menina com um sorriso quase de admiração.
CENA 15: INT. CASA DE NOEMI – SALA – DIA
Postos à mesa, Rute, Malom, Orfa e Quiliom comem com Noemi. Contente, ela os observa felizes. Eles todos riem... Noemi leva sua mão à cabeça dos quatro e os abençoa. Eles sorriem agradecidos. Rute pega a mão de Noemi e sorri para ela, que retribui.
CENA 16: EXT. BELÉM – ARREDORES – DIA
Boaz acaricia a única espiga de trigo em meio à terra nua, o fruto da semente plantada por Salmon. Ao seu lado, Josias.
BOAZ — (olhando a espiga) Dói, Josias. Dói muito.
Respira fundo.
BOAZ — Mas eu preciso seguir em frente. Vou fazer o que precisa ser feito.
JOSIAS — Eu vou te ajudar, Boaz.
Boaz olha para Josias e olha para o horizonte.
JOSIAS — Pode contar comigo para tudo.
Boaz olha de novo para o amigo, bate devagar na costa dele em gratidão, e os dois, ao lado da espiga de trigo, observam o horizonte distante...
CENA 17: EXT. MOABE – CAMPO – PÔR DO SOL
No alto de um monte, uma árvore. Noemi está sentada, escorada nela. Olha para o pôr do sol, para a direção de Israel.
ELIMELEQUE (O.S.) — Volte para Belém... Não devíamos ter saído... de nossa terra. Abandonado... o nosso povo...
NOEMI — Ah, Elimeleque...
Noemi respira fundo, encarando o sol.
NOEMI — Senhor... Por que me abandonaste?...
E Noemi fica ali, sozinha, escorada na única árvore no alto daquele monte, assistindo à despedida do sol...
FADE OUT:
FADE IN:
10 ANOS DEPOIS
CENA 18: INT. CASA DE NOEMI – SALA – DIA
Noemi (52 anos, cabelos ondulados e quase sem sardas), Rute (30 anos, cabelo negro, ondulado e olhos verdes), Malom (34 anos) e Quiliom (33 anos) estão sentados à mesa, na expectativa. Então Orfa (30 anos, cabelo e olhos claros) finalmente traz o prato: um assado.
MALOM — (empolgado) Hum... Finalmente.
RUTE — (sorrindo) O tão esperado assado da Orfa.
Orfa coloca o assado na mesa.
QUILIOM — Meu amor, pelo cheiro, você caprichou, hein...
ORFA — Ah, gente, espero que esteja bom...
NOEMI — Não se preocupe, Orfa. Tenho certeza que está uma delícia!
Eles sorriem e Orfa senta.
MALOM — Domingo é o meu dia preferido. Dia de comer até se fartar!...
QUILIOM — E de beber até se alegrar!
Eles riem.
NOEMI — Domingo é um ótimo dia mesmo. Quando toda a família se reúne.
Eles sorriem. Rute olha para Noemi carinhosamente.
QUILIOM — Certo, certo, família. Mas que tal comermos, han?!
ORFA — Vamos.
Orfa começa a cortar o assado.
QUILIOM — Quem dera todo dia você fizesse um desse lá na loja da Leila, han, Orfa?...
MALOM — Quiliom... (riem) Coitada da Orfa...
ORFA — Obrigada, Malom. Seu irmão deve ter se esquecido do quanto a gente trabalha lá, fazendo as peças para a Leila.
QUILIOM — Brincadeirinha.
Quiliom a beija no rosto.
RUTE — Por falar em Leila, Aylla não viria para almoçar conosco?
NOEMI — Ah, ela ia vir, mas a Leila está com muitas encomendas e ela ficou para ajudá-la.
ORFA — (para Quiliom) Coma bem. Pelo jeito, amanhã vamos ter muito trabalho na loja.
MALOM — (para Rute) E nós no campo.
RUTE — A Aylla está uma moçona, não é?
ORFA — Quantos anos ela tem mesmo?...
NOEMI — 17 anos.
RUTE — O tempo passa, nossa... Parece que foi ontem que a resgatamos do templo.
ORFA — Ela e a Leila deram tão certo... Na época eu pensava que Rute é que ficaria como a mãe dela. Elas viviam tão juntas no templo...
RUTE — Rum... Não seria nada ruim... Mas a Leila precisava mais do que eu...
Noemi olha para ela.
MALOM — Bom, sei que todos já estão com suas porções, mas temos que agradecer antes.
RUTE — Claro!
Noemi fica levemente desconfortável, e Rute toma a frente saindo da cadeira e se ajoelhando. Todos fazem o mesmo, inclusive Noemi.
MALOM — Senhor, nosso eterno Deus... Entramos à Tua santa presença para, primeiramente, agradecer pelo fôlego de vida que nos permitistes.
Todos estão de olhos fechados, menos Noemi, que encara o chão.
MALOM — Agradecemos pela saúde, pelos livramentos, os vistos e os não vistos por nossos olhos, e também por essa refeição maravilhosa que colocastes em nossa mesa. A Ti somos gratos por tudo. Am--
RUTE — (interrompendo) Senhor... Também te pedimos... Orfa e eu... Que nos agracie... Nos dê a graça de sermos mãe... Que, se houver algum mal em nosso ventre impedindo que geremos, arranque... por misericórdia. E complete a nossa felicidade. Amém!
TODOS — Amém.
Um tanto emocionada, Rute e Orfa se levantam e sentam. Todos se ajeitam para comer, mas percebem Noemi.
ORFA — Senhora Noemi, está tudo bem?
NOEMI — Sim, sim, claro... Não percam a alegria, meus filhos! Vamos comer!
RUTE — A senhora não orou... não é?
Noemi fica meio sem jeito.
ORFA — É... por causa... da Promessa?...
RUTE — Orfa!
NOEMI — Tudo bem, está tudo bem. Não precisa se preocupar, Rute, até porque não houve promessa alguma para que eu me sinta mal.
Orfa e Quiliom franzem o cenho.
NOEMI — Vamos comer! Eu acompanhei Orfa fazendo esse assado. Carne de carneiro ao molho de...? Quem acerta?! Ahn?!
Um leve mal-estar, mas alguns sorriem tentando retornar ao clima alegre.
Após o almoço, Noemi leva alguns pratos sujos para um recipiente de água. Orfa e Quiliom se aproximam de Rute e Malom, e os quatro observam Noemi.
RUTE — Ela realmente não acredita mais que houve a Promessa.
MALOM — Acha que foi um delírio, um sonho, algo assim...
RUTE — É muito triste isso.
QUILIOM — Ela não ora mais a Deus também.
ORFA — Oh, minha sogra...
Então Noemi pega uma porção e leva para a mesa.
NOEMI — (sorrindo para eles) Quem quer doce de tâmaras?!
Eles tentam sorrir simpáticos.
CENA 19: INT. PALÁCIO – SALA DO TRONO – DIA
Na tranquilidade da sala do trono, o Sumo Sacerdote Faruk (50 anos, careca e vestes negras) e o Capitão do exército moabita estão diante do trono, onde está sentado o rei Zylom (60 anos, cabelo na nuca).
ZYLOM — (angustiado) Eu não sei se ando comendo muito nos jantares, ou se é o peso dos anos, mas toda noite, toda noite, sem exceção, eu tenho o mesmíssimo sonho.
FARUK — E como é esse sonho, meu soberano?
ZYLOM — Eu caminho por uma planície vasta... a perder de vista. Há apenas um único monte ao meu lado. De repente, uma pedra gigantesca é lançada do outro lado desse monte e voa na minha direção. Acordo quando ela me atinge. Acordo assustado, angustiado... É terrível!... Ando muito aflito por causa desse sonho.
FARUK — Bom, meu rei, na verdade não há nenhuma mensagem dos deuses para o soberano... Aparentemente está tudo bem. Pode... ser apenas um sonho comum...
ZYLOM — Um sonho comum que se repete todas as noites, da mesma maneira!...
FARUK — Não seria exatamente o primeiro caso, meu senhor.
ZYLOM — Eu andei pensando... em uma possibilidade...
FARUK — O quê, senhor?
Zylom respira fundo.
ZYLOM — Os amorreus...
CAPITÃO — Senhor. (pequena pausa) Os amorreus são um problema antiguíssimo. Não entendo...
ZYLOM — Não tenho certeza. Naquele dia, naquela batalha... Devíamos ter matado a todos. Nenhum deveria ter fugido.
CAPITÃO — Senhor, já se passaram quase 10 anos. Não há o menor sinal de atividade deles, e ainda que quisessem se vingar, já teriam tentado.
Zylom não está muito seguro. Continua ali, aflito, e IMAGEM CONGELA.
Obrigado pelo seu comentário!