CENA 01: EMPRESA FORTUNA/SALA DE PERFEITO/INT./MANHÃ
Perfeito sentado em sua poltrona, Iza em pé na sua frente. Ele está comovido com a expressão cabisbaixa da moça.
PERFEITO – Sinto muito por tudo o que aconteceu. Sei o quão difícil é perder alguém querido.
IZA – (CHORANDO) Eu não consigo aceitar. Já se passou um mês, mas mesmo assim eu não consigo aceitar. Minha mãe foi atacada de uma maneira tão covarde, e ainda teve todo o descaso da equipe que atendeu ela. Eles deixaram minha mãe morrer nos meus braços.
PERFEITO – A justiça será feita, querida.
IZA – E o pior: daqui a algum tempo aquele miserável sai da cadeia.
PERFEITO – Eu nem sei o que dizer.
Iza enxuga as lágrimas.
IZA – Me desculpe por lhe encher com meus problemas. Como se o senhor já não tivesse os seus.
PERFEITO – (ESTRANHA) A que se refere?
IZA – Como assim, a que me refiro? À sua doença…
Imediatamente, Iza se cala. Perfeito a encara, furioso.
PERFEITO – Que história é essa de doença?
IZA – Doença?! Eu não sei do que o senhor está falando. Com licença, eu preciso ir, tenho trabalho a fazer.
PERFEITO – Nem mais um passo!
Iza, que já estava se virando para ir embora, estaciona na hora e se vira de volta para Perfeito.
IZA – Me perdoe, senhor. Eu não sei direito como isso aconteceu, mas, quando eu cheguei em casa, eu encontrei um relatório de exames dentro da minha mochila. Acho que eu me atrapalhei na hora de organizar os documentos do escritório e acabei levando seus exames por engano.
Com raiva, Perfeito joga um cinzeiro contra a parede. Iza assustada.
PERFEITO – VOCÊ NÃO TINHA ESSE DIREITO!
IZA – (DESESPERADA) Eu juro por tudo que há de mais sagrado que não foi minha intenção.
PERFEITO – Sabe que eu poderia lhe jogar na sarjeta?
Iza abaixa a cabeça.
PERFEITO – Mas infelizmente não há nada que eu possa fazer para consertar isso. Já foi feito.
IZA – Eu juro que não conto a ninguém, doutor.
PERFEITO – Acho bom. Pro seu bem.
Perfeito leva as mãos à cabeça e volta a se sentar.
PERFEITO – Logo eu, que amo tanto a vida, me vejo nessa situação.
IZA – Logo agora que o senhor reencontrou sua família.
PERFEITO – Se é que dá pra chamar aquele bando de mecenas de família. (GARGALHA, MAS LOGO CAI EM SI) Como você sabe disso?
IZA – Quem não sabe? A chegada de sua irmã e de seu sobrinho é a pauta do momento nas revistas e programas de fofoca.
PERFEITO – Meu sobrinho… aquele garoto não enxerga um palmo à frente do nariz, coitado. Arrumou uma namorada que tá interessada unicamente no dinheiro, no meu dinheiro. Ao menos se ele tivesse escolhido uma mulher… (REPARA EM IZA) como você…
IZA – Algum problema, doutor Fortuna?
PERFEITO – (SORRI) Nada, estava apenas pensando.
IZA – Bom… se o senhor me der licença, eu preciso ir.
PERFEITO – Sim. Pode ir.
IZA – Com licença.
Iza se vira e sai da sala. Perfeito fica ali, pensativo.
CENA 02: MANSÃO FORTUNA/QUARTO DE PENÉLOPE/INT./MANHÃ
Palmira adentra o quarto sem cerimônias, abrindo as cortinas e fazendo barulho.
PALMIRA – (GRITA) ACORDA, MENINA! Sete horas, meu amor, não é mais hora de ficar encasulada na cama não!
Penélope acorda de supetão.
PENÉLOPE – (ASSUSTADA) O que é isso, ficou maluca?
PALMIRA – Ande logo, levante!
PENÉLOPE – Mas o que significa isso?
PALMIRA – Significa que já é hora de se levantar!
PENÉLOPE – Alguma razão para fazer essa algazarra?
PALMIRA – Meu filho está acostumado com as moças de Moinhos e talvez seja por isso que ele ultimamente se embrenha em farra. Você precisa se parecer mais com elas.
PENÉLOPE – Mas nem morta! Se Conrado quiser ficar comigo, será do meu jeito!
PALMIRA – Por isso que Charles Bento tá pouco se lascando pra ti. Só lhe procura pra fazer o…
PENÉLOPE – (INTERROMPE) Olha o respeito!
PALMIRA – Chega de lenga lenga! Levante-se, tome seu banho e desça já, pois lhe espero na cozinha.
CENA 03: CASA DE DURVALINA/COZINHA/INT./MANHÃ
Durvalina servindo a mesa. Lica sentada à mesa, apenas a observando.
DURVALINA – Olhe, minha filha, tem pão fresquinho e café. Não se esqueça de acordar seu irmão e de pôr o café dele. Ah, e lembre-se de que hoje ele não pode se atrasar de maneira alguma. O diretor da escola me disse que ele anda faltando e chegando atrasado.
LICA – Vou tentar conversar com ele sobre isso. Vai ver ele está tendo algum problema com o colégio.
DURVALINA – (SORRI) Fico tão feliz em te ver preocupada com seu irmão. Me orgulho tanto. Bom, agora eu tenho que trabalhar, senão o senhor Fortuna vai ficar uma arara.
Durvalina se despede de Lica com um beijo na testa e sai. Lica a observa com o olhar.
Depois de um tempo, ouve-se o barulho da porta se abrindo e fechando. Imediatamente, Lica joga os pães no lixo e derrama todo o conteúdo da garrafa de café pela pia.
CENA 04: CASA DE DURVALINA/QUARTO DE ADSON/INT./MANHÃ
Adson dormindo tranquilamente na cama. A porta se abre para a entrada de Lica, silenciosa.
Sorrateira, a moça vai até a mochila, em cima de uma cadeira. A abre, joga um pequeno pacote de cocaína lá dentro e fecha.
Em seguida, Lica se levanta e observa o rapaz na cama, enojada. Ela vai até a cama e o agita de leve. Ele não demora a acordar.
LICA – Bom dia, flor do dia. Levante-se logo e se arrume, mamãe não quer você se atrasando de novo.
CENA 05: MANSÃO FORTUNA/COZINHA/INT./MANHÃ
Penélope entra em cena e se assusta ao ver várias galinhas correndo pelo espaço. Palmira a observa, se divertindo com sua reação.
PENÉLOPE – Mas o que significa isso?
PALMIRA – Hoje o almoço é você quem vai fazer.
PENÉLOPE – Ai, que horror. Que brincadeira de mau gosto. Você transformou nossa cozinha num galinheiro.
PALMIRA – Você vai fazer o prato que meu Charles Bento mais gosta: galinhada!
PENÉLOPE – Eu não sei nem fritar um ovo, que dirá cozinhar uma galinha.
Palmira pega o livro de receitas em cima da mesa e o joga nos braços de Penélope.
PALMIRA – Pelo menos ler você sabe, né? Pois bem, aí tem ensinando como fazer.
PENÉLOPE – Você só pode estar querendo me deixar louca!
Penélope põe o livro de volta na mesa e vai embora. Palmira apenas a segue com o olhar.
PALMIRA – Logo logo essa interesseira de quinta dá no pé.
CENA 06: ESCOLA DE ADSON/DIRETORIA/INT./TARDE
Durvalina entra na sala, timidamente.
DURVALINA – Com licença.
O diretor sentado em sua poltrona. Adson sentado numa cadeira diante da mesa do diretor.
DIRETOR – Boa tarde, dona Durvalina. Sente-se, pois o que tenho a dizer é grave. Extremamente grave.
Durvalina chega e se senta na outra cadeira. Ela percebe Adson tenso.
DURVALINA – Pois não, senhor diretor?
DIRETOR – Recebemos um telefonema anônimo denunciando que seu filho está andando em companhia de traficantes.
ADSON – (NERVOSO) Isso não é verdade!
O diretor joga um pacote de cocaína na mesa. O mesmo pacote que Lica escondeu na mochila de Adson.
DIRETOR – Isso estava em posse de seu filho, dona Durvalina.
Durvalina pega o pacote.
DURVALINA – (ESPANTADA) Isso é…
DIRETOR – (INTERROMPE) Cocaína. Me perdoe, dona Durvalina, mas essa foi a gota d’água. Não podemos continuar com seu filho em nossa instituição.
ADSON – (CHORANDO) Não! Eu não ando com drogas! Eu não sei de nada! Mãe, por favor, fala comigo!
Durvalina o observa, sem reação.
CENA 07: MANSÃO FORTUNA/SALA DE JANTAR/INT./NOITE
Conrado, Palmira e Penélope sentados à mesa. As empregadas chegam e começam a servir a mesa.
PENÉLOPE – Que pena que o doutor Fortuna não possa estar presente à mesa conosco.
PALMIRA – Do jeito que ele tava, era melhor ele ter se trancado no quarto dele.
PENÉLOPE – Eu adoraria ver a opinião dele quanto ao meu prato.
CONRADO – A nossa opinião não serve? A minha opinião não serve?
PALMIRA – Meu filho, eu no seu lugar ficava de butuca. Essa aí me parece que tá mais interessada no seu tio do que em ti.
PENÉLOPE – Que horror! Não conhecia esse seu lado venenoso!
PALMIRA – Eu também não conhecia esse seu lado oferecido.
PENÉLOPE – A senhora me respeite, ou eu não respondo por mim.
PALMIRA – Charles Bento, você está vendo como essa mulherzinha tá me tratando?
CONRADO – Olha, isso lá é jeito de falar com mainha, Penélope?
PENÉLOPE – Se você visse as coisas que ela faz para me provocar…
PALMIRA – Eu jamais faria qualquer coisa contra você, florzinha!
PENÉLOPE – Sua falsa! Paraíba! Cafona!
CONRADO – CHEGA! Será que dá pra comer em paz?
PALMIRA – (DISSIMULADA) Ah, isso já é demais! Meu próprio filho gritando comigo! Meu coração não aguenta!
Dramática, Palmira se levanta da mesa.
CONRADO – (ARREPENDIDO) Se aquiete, mainha, não é bem assim! Venha, sente para comer.
PALMIRA – Já está feito, Charles Bento! (P/PENÉLOPE)E tudo isso por culpa dessa sirigaita!
Sem pensar duas vezes, Palmira enfia o rosto de Penélope dentro do seu prato.
PALMIRA – (SE RECOMPONDO) Tenham um bom apetite.
Palmira vai embora. Conrado sem reação. Penélope grita, chocada.
CENA 08: CASA DE DURVALINA/SALA/INT./NOITE
Durvalina sentada numa poltrona, pensativa. Logo, Adson entra em cena, se guiando pelo tato.
ADSON – Mãe?
Durvalina apenas o encara, em silêncio.
ADSON – Mãezinha, eu sei que a senhora está aqui. Fala comigo, por favor.
Ela apenas suspira profundamente.
ADSON – Eu juro por Deus que não sei o que aconteceu. Eu juro que eu não sei de nada.
Durvalina segura a mão de Adson, o guiando até seu colo.
DURVALINA – Eu não consigo entender como pode haver tanta gente ruim no mundo. Como é que podem ter feito uma coisa dessas com você?
ADSON – As pessoas são ruins, mamãe. (RESPIRA FUNDO) E agora, o que vou fazer?
DURVALINA – Levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Não deixe que nada lhe abale, príncipe.
Adson se abraça com mais força a Durvalina.
ADSON – Eu pensei que a senhora ia duvidar de mim.
DURVALINA – Jamais! Eu conheço o filho que tenho. Pode não ter saído de meu ventre, mas é como se fosse.
Adson leva sua mão ao rosto de Durvalina e a acaricia.
ADSON – Eu te amo, mãe.
DURVALINA – Também te amo, filho.
Às escondidas, Lica observa tudo com ódio.
CENA 09: MANSÃO FORTUNA/QUARTO DE PERFEITO/INT./NOITE
Palmira entra como um furacão. Perfeito, deitado de pijama na cama, se levanta, irritado.
PERFEITO – Como se atreve?
PALMIRA – Como me atrevo o quê? Como assim, não posso ver meu irmão?
PERFEITO – Saia daqui agora mesmo, senão…
PALMIRA – Senão o quê? Vai gritar? (RI) Faça-me o favor, cabra!
PERFEITO – Por que está fazendo isso? Por que está infernizando a minha vida?
PALMIRA – Pra início de prosa, esse império todinho é também é meu por direito! E outra, você é meu irmão e eu quero sempre estar arrochada contigo.
PERFEITO – Aqui você não tem direito a nada, sua bruxa!
PALMIRA – Engano o seu, fofo. Enquanto eu lhe tiver em minhas mãos, tenho direito a tudo. Nosso painho, onde quer que ele esteja, é testemunha disso!
Abalado, Perfeito se senta na cama.
PERFEITO – Foi um acidente, eu não queria ter feito aquilo. Eu tava me defendendo, ele queria me estrangular.
PALMIRA – Foi um acidente? Então por que mudou de nome e fugiu?
PERFEITO – (TENSO) Porque você me forçou.
PALMIRA – Ninguém vai acreditar nessa história. É a palavra de um assassino contra a de uma idosa inocente.
Palmira vai até o espelho, ajeitando o cabelo. Perfeito cada vez mais fraco.
PERFEITO – (OFEGANTE) Você é a pior de todas as pessoas que eu já conheci. Eu tenho nojo de ser seu irmão.
De repente, Perfeito leva a mão à cabeça, sentindo dor. Palmira ri ao ver aquilo.
PALMIRA – Pare de drama, homem!
Perfeito tenta falar, mas a voz não sai. De repente, ele cai no chão, desacordado.
PALMIRA – Pare já com esse show!
Palmira vai até Perfeito, chutando-o de leve.
PALMIRA – Perfeito, quer fazer o favor de levantar!
Assustada, ela dá outro chute de leve.
PALMIRA – Perfeito! Perfeito!
Palmira assustada.
PALMIRA – (GRITANDO) JESUS CRISTINHO! PERFEITO BATEU AS BOTAS!
Palmira gritando. Não demora muito para todos correrem até o local e se chocarem com a cena.
CENA 10: CEMITÉRIO/EXT./MANHÃ
LETREIRO: “Dois dias depois…”
O cortejo fúnebre de Perfeito é seguido por várias pessoas. Destaque para Conrado, Palmira e Penélope.
PALMIRA – Por que ele nunca disse que tava doente?
CONRADO – Remorso, mainha?
PALMIRA – Respeite sua mãe ou leva uma bifa.
PENÉLOPE – Remorso, ela? Que nada, ela deve estar pulando de alegria porque vai herdar toda a fortuna.
PALMIRA – Safada, venenosa! Fiz o que pude pra ver meu irmão bem!
PENÉLOPE – Como você é cínica. Você só estava interessada no dinheiro dele.
PALMIRA – Olha quem fala em cinismo! Quem tá interessada no dinheiro dele aqui é você! (RI) Ou vai me dizer que aceita os chifres de Charles Bento por amor?
PENÉLOPE – Que sorte eu tenho de ter um homem como Conrado ao meu lado. (ACARICIA O ROSTO DE CONRADO) É isso o que lhe falta, um homem.
PALMIRA – (INDIGNADA) Como se atreve?
Palmira vai bater em Penélope, mas Conrado a segura.
As pessoas começam a reparar na confusão. Palmira tenta se recompor.
PALMIRA – (DISSIMULADA) Me perdoem o descontrole. É assim que a partida de meu irmão me deixa. Perfeito era tudo em minha vida, sabe? A gente tava até planejando uma viagem pelo Caribe.
CONRADO – (SUSSURRA) A senhora nem gostava tanto dele assim.
PALMIRA – (SUSSURRA) Cale a boca e chore!
Palmira força o choro.
PENÉLOPE – (SUSSURRA) Agora a hipocrisia chegou a níveis estratosféricos.
PALMIRA – (SUSSURRA) Deixe de me aperrear e chore, mundiça!
O caixão é retirado do carro e levado até o jazigo.
Eis que Iza chega, correndo para alcançar o cortejo e o caixão. Consternada, ela passa a mão no caixão.
Palmira chama a atenção de Conrado e Penélope.
PALMIRA – Olhe isso, aquela sapironga tá querendo chamar mais atenção que nós. Agora mesmo vou acabar com o show dela.
Palmira vai até Iza e a puxa pelo braço.
PALMIRA – Deixe que guardem o caixão de meu irmão. Saia!
IZA – Eu só vim me despedir dele.
CONRADO – Ei, não ouviu mainha?
IZA – Escuta aqui, quem você pensa que é pra gritar comigo?
CONRADO – Sou sobrinho do morto e não aceito que intrusas venham querer aparecer.
IZA – Só vocês podem aparecer, né? Ou você acha que eu não vi o showzinho de sua mãe?
PALMIRA – Olhe, garota, mais respeito com minha dor!
Palmira força o choro, sendo amparada por Penélope.
PENÉLOPE – Olhe só como você está deixando ela, garota! Com os nervos em frangalhos! Alguém tire essa mulher daqui!
IZA – Eu só queria me despedir do doutor Fortuna. Ao contrário de vocês, eu sim gostava dele.
PALMIRA – Como se atreve?
IZA – Ele mesmo dizia que vocês só estavam interessados no dinheiro dele.
Palmira acerta uma bofetada em Iza, que rodopia. Sem pensar duas vezes, ela devolve a agressão.
PALMIRA – (INDIGNADA) Você agrediu uma pessoa idosa!
Iza é contida por algumas pessoas. Ela tenta se soltar, em vão.
PENÉLOPE – Tirem essa favelada daqui!
Iza é levada para fora.
IZA – Vocês ainda vão ter notícias minhas. Aguardem!
CONRADO – Tá bem, mainha?
PALMIRA – Apesar daquela cretina ter quase desengonçado minha cara, a dor da alma é a que fala mais alto.
Palmira se afasta deles e se joga no caixão, chorando escandalosamente.
Trilha sonora: Feels – Calvin Harris
Penélope apenas observa a situação, com um sorriso tímido, porém sarcástico.
CONTINUA…
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