Cena 01/ Cemitério/ Noite.
Instrumental:
Há um cortejo levando o caixão até a lapide. Celso e Roberto estão ajudando a levar o corpo. Rosália está no centro do cortejo. Close nela. Os homens que ajudam a levar o caixão, o pausam em frente a uma cova. O padre se dirige em frente à lapide e profere algumas palavras, entretanto com a voz desfocada. Close em Rosália, sendo forte. Passam-se alguns minutos. O caixão é colocado na cova. Rosália joga a primeira camada de terra e também a primeira rosa. Outras pessoas se aproximam jogando flores. Gustavo é enterrado. Ocorre uma transição de tempo minuciosamente detalhada. Todos começam a ir embora, exceto Rosália. Rosália se dirige até a lapide do marido.
Rosália: Com você foram enterrados os meus sonhos, os meus projetos, a minha vontade de amar e ser amada. Aqui, em frente à sua última morada nessa terra, despido-me de toda minha vaidade, ganância e prepotência. (ela joga o véu, uma pulseira e um anel na terra onde o marido está sepultado) Não sou a mesma mulher de horas atrás, que esperava o marido toda noite em casa ao som de uma valsa clássica. Que lhe oferecia uma taça de vinho enquanto aguardava o jantar e após a refeição, uma deliciosa noite de amor. Passo a acreditar em propósitos, em verdades. Em fatos que realmente aconteceram e que foram provados. (pausa profunda) Adeus Gustavo!
Close em Rosália se afastando da lápide de Gustavo, ela vai embora. Close final na sepultura.
Cena 02/ Bordel Le Blanc/ Saguão/ Noite.
Laura está dançando com um rapaz (30), com uma expressão cansada e fria. Valéria percebe e vai conversar com a filha.
Valéria: Algum problema Laura? Você me parece distante, desanimada... O que houve?
Laura: Não houve nada mamãe, só estou cansada...
Valéria: Vá descansar filha!
Laura: Eu já peguei um programa, não posso desmarcar...
Valéria: Filha...
Laura: (interrompe Valéria e aponta para o sujeito) Aquele homem é muito importante, dono de grandes redes farmacêuticas. Ele está disposto a pagar cinco mil cruzeiros se eu passar a noite toda com ele.
Valéria: Não sei...
Laura: Mamãe, nós já conversamos. Não podemos recusar uma oportunidade dessas. A dívida no banco ainda não foi quitada... Podemos perder a casa! Eu já estou bem! Só foi uma indisposição!
Valéria faz uma expressão frustrada e triste enquanto Laura se dirige com o cliente até o quarto.
Cena 03/ Residência Trajano Ferraço/ Sala de estar/ Noite.
Regina, Celso e as crianças chegam em casa.
Regina: Crianças vão tomar um banho, depois vão para a cama. Logo em seguida levo um copo de leite para vocês.
As crianças se dirigem até o corredor que leva aos quartos.
Celso: Ainda não assimilei o que aconteceu... Eu nem tinha conhecimento que Gustavo tinha sido baleado...
Regina se dirige até Celso e o abraça. Close nos dois.
Cena 04/ Residência Muniz/ Sala de estar/ Noite.
Roberto, Helena e Vicente chegam em casa.
Helena: Vicente, vá tomar um banho para depois se deitar. Não tardo a lhe dar um beijo de boa noite.
Roberto desorganiza a gravata.
Roberto: Finalmente chegamos em casa... Jamais irei à outro velório, jamais! É uma sensação mórbida.
Helena: (se aproxima de Roberto, o beijando no rosto) Mas tínhamos que ir meu amor, eu o via as vezes no supermercado, a mulher também... Éramos conhecidos...
Roberto: Não, nós não éramos! Avistar alguém no supermercado, no centro, em um restaurante, não faz nós termos afinidade com essa pessoa.
Roberto se levanta e se dirige até o quarto, frustrado.
Helena: Roberto, Roberto!
Cena 05/ Residência Flores Viana/ Sala de estar/ Noite.
Close em Rosália entrando. Ao entrar Rosália se depara com um grande retrato de Jesus Cristo pregado na parede acima da porta do corredor. Ela se dirige, gélida, até o retrato.
Regina: Você não passa de uma entidade mística. Um homem que alguém disse que um dia existiu. Você e seu pai não passam de uma lenda, de um conto. A bíblia é um livro de histórias, histórias criadas por homens. Se você e seu pai, (grita desesperada) o todo poderoso Deus existissem mesmo, não causariam tanto sofrimento, tantas tragédias, desgraças, mortes... Pessoas vivendo em situações precárias, não tendo o que comer. Mães vendendo o próprio corpo para os filhos não morrerem de fome, cede ou frio. Quantos pais já não morreram em guerras? Quantos pais? Me diga, me dê um sinal! Anda! Anda! (retira o quadro da parede e joga no chão) Diz!
Logo em seguida se dirige até a gaveta do armário que a sala possui e retira a bíblia, papéis com versículos, medalhinhas e se dirige até o corredor.
Corta p/ lavabo
Cena 06/ Residência Flores Viana/ Lavabo/ Noite.
Rosália entra no banheiro e joga os papéis e as medalhinhas no lixo. Ela continua com a bíblia em mãos. Logo em seguida se dirige novamente até o corredor.
Corta p/ quarto
Cena 07/ Residência Flores Viana/ Suíte principal/ Noite.
Rosália entra no quarto, joga a bíblia em cima da cama e se dirige até a escrivaninha onde há pequenas esculturas religiosas de Jesus Cristo, santo Antônio, virgem Maria e santa Rita de Cássia.
Ela em um surto, com os braços na escrivaninha, joga todas as esculturas juntas no chão. Ela abre a gaveta e pega algumas fotos religiosas de Deus, Jesus Cristo e etc. Ela rasga. Logo em seguida abre o roupeiro e pega mais algumas correntinhas religiosas que estão localizadas em uma caixa. Ela se dirige até seu banheiro.
Cena 08/ Residência Flores Viana/ Suíte principal/ Banheiro/ Noite.
Ela entra nervosa no banheiro e joga as correntinhas no lixo. Ela ainda retira e rasga uma foto de Deus que está colada no espelho do banheiro.
Cena 09/ Residência Flores Viana/ Suíte principal/ Noite.
Ela sai do banheiro e se dirige até a cama, pega e bíblia e vai em direção ao corredor.
Corta p/ cozinha.
Cena 10/ Residência Flores Viana/ Cozinha/ Noite.
Rosália entra e se dirige até o fogão. Ela coloca algumas madeiras para ligá-lo. Close no fogão com fogo alto. Ela começa a rasgar as folhas da bíblia, uma por uma. Ela joga a bíblia no fogo. Close no fogo alto em frente ao rosto de Rosália com a bíblia queimando. Rosália faz uma expressão fria.
Abertura:
Vinheta de intervalo:
Cena 11/ Residência Flores Viana/ Cozinha/ Noite.
Close no fogo diminuindo e na bíblia queimada.
Rosália: Eu rezei tanto, tanto. Eu implorei... Gustavo era tão devoto... Você não permitiu que meu marido se salvasse... Como uma pessoa tão religiosa, tão cheia de costumes e morais religiosos morre assim? Como? Me diga! Me dê uma resposta! (ela olha para os lados) Não ouço nada, por que não se tem o que ouvir... Eu te renego! Eu renego seu filho, sua história, todos os santos relacionados a você. Eu renego sua existência, eu renego quem brinca com a vida das pessoas, quem decide quem deve ou não morrer. Eu te renego!
Rosália se retira. Foco na bíblia queimada.
Corta p/ quarto.
Cena 12/ Residência Flores Viana/ Suíte principal/ Noite.
Rosália se dirige até a cama, onde se deita e começa a debulhar-se em lágrimas, em um choro copioso.
Cena 13/ Residência Muniz/ Quarto de Vicente/ Noite.
Helena está pondo Vicente para dormir.
Vicente: Mamãe, eu posso dormir com a senhora e com o papai, só hoje? Eu estou com medo... Ver aquele homem lá, naquela situação me deu calafrios...
Helena: Meu amor, você já é um homenzinho! Não pode mais dormir com mamãe e papai! Vamos fazer assim, eu deixo a luz acesa, apenas por hoje! Para você não sentir medo! (beija Vicente). E você precisa se lembrar que nós precisamos temer os seres humanos vivos e não os mortos. Esse moço, que faleceu, ele não lhe fará nada, agora quem provocou a morte desse senhor... (pausa ofegante) Boa noite Vicente!
Vicente: Boa noite mamãe!
Helena se retira do quarto de Vicente. Close no menino um pouco assustado, olhando para os lados e se escondendo no cobertor.
Cena 14/ Residência Trajano Ferraço/ Cozinha/ Noite.
Regina está esquentando no fogão o leite das crianças. Ela despeja o leite da chaleira em duas xícaras, em cima de uma bandeja. Regina se dirige até o corredor.
Cena 15/ Residência Trajano Ferraço/ Corredor/ Noite.
Regina se dirige até o quarto de Melissa.
Cena 16/ Residência Trajano Ferraço/ Quarto de Melissa/ Noite.
Regina entra e coloca o leite em cima da mesinha, ao lado da cama.
Regina: (beijando Melissa) Boa noite meu amor!
Melissa: Mamãe, conta uma história?
Regina: Essa noite não querida, não estou com disposição... Mas amanhã prometo que lhe conto uma história linda!
Regina se retira do quarto de Melissa.
Cena 17/ Residência Fontes/ Suíte principal/ Noite.
Enquanto Vera dorme, Alberto a observa, com medo. Ele toca em seus cabelos. Close em Alberto angustiado.
Cena 18/ Residência Muniz/ Suíte principal/ Noite.
Roberto está deitado na cama de pijama, enquanto Helena aparece de camisola.
Helena: Acabo de colocar Vicente para dormir, ele está um pouco assustado. Até queria dormir conosco.
Roberto: Você o levou para um velório, estava esperando o que? Que ele tivesse lindos sonhos? Ele ainda é muito criança para esse tipo de evento...
Helena: Nós precisávamos ir!
Roberto: Ah... Está certo! Agora apenas me deixe dormir!
Helena: Dormir? Ah meu amor... (tenta seduzir Roberto, abrindo sua camisa)
Roberto: Não, Helena... Não tem clima algum...
Helena: Como não tem clima? Eu comprei essa camisola de seda apenas para você, para você! E você diz que não tem clima?
Roberto: Nós tivemos uma tarde exaustiva. Fomos em um velório mulher... Me deixe dormir, caso contrário irei para o sofá!
Roberto fecha a camisa e se vira. Close em Helena frustrada.
Cena 19/ Residência Trajano Ferraço/ Quarto de Carlos/ Noite.
Regina entra no quarto, coloca o leite em cima da mesinha lateral e dá um beijo em Carlos que está um pouco triste.
Regina: O que foi meu amor? O que aconteceu?
Carlos: (triste) Não aconteceu nada mamãe...
Regina: Meu filho... Diga o houve...
Carlos: Não há nada para dizer mamãe, só quero dormir. Carlos se vira.
Close em Regina frustrada. Ela se retira do quarto.
Cena 20/ Residência Ferraço Trajano/ Suíte principal/ Noite.
Celso está deitado sob a cama, vendo uma fotografia antiga dele e de Gustavo na época do colégio. Celso começa a chorar. Quando Regina entra no quarto um pouco desnorteada, Celso disfarça e coloca a fotografia na gaveta que há na mesinha ao lado da cama.
Celso: (surpreso) O que aconteceu?
Regina: Estive no quarto de Carlos e ele não está bem... Ele não quis me dizer o que aconteceu mas eu sinto que foi algo grave...
Celso: (constrangido) Eu o surrei de cinto mais cedo...
Regina: (surpresa) Por que? O que foi que ele fez?
Celso: A direção da escola telefonou aqui para casa, ele não foi a aula ontem... Eu o coloquei de castigo, ele não poderia sair de casa por uma semana, mas ele não cumpriu o castigo. Ele desacatou uma ordem minha e fugiu. Tive que tomar uma providência! Nosso filho está se tornando um marginal!
Regina: Não diga isso! Ele só precisa de um pouco de compreensão! Amanhã falarei com ele e tentarei entender as razões pelas quais ele faltou a escola. Meu amor... Violência não resolve nada! Muitos criminosos, marginais, assaltantes ou assassinos tiveram uma rígida educação, mas não aprenderam a respeitar o outro, a zelar pelo convívio em sociedade. Você não vai fazer Carlos ir para o caminho certo o agredindo...
Celso: (constrangido) Está bem... Tentarei ser mais paciente como você! Eu tenho muito sorte de ter uma mulher como você ao meu lado! Acredito que sem você, eu não saberia lidar com a vida, da forma que eu lido. Não saberia educar nossos filhos, levar adiante o mercado... Muito obrigado por você ter me feito o mais feliz de todos os homens ao dizer sim no altar. Sou o que sou, apenas graças a você.
Regina se deita e abraça o marido. Ela escora a cabeça no peito de Celso.
Regina: Eu que não saberia viver sem você! Ao seu lado me sinto realizada. Me sinto viva. Obrigada pela linda família que você me deu!
Close em Regina e Celso aos beijos na cama junto à um instrumental.
Instrumental:
A imagem fica em preto e branco, como se fosse um filme dos anos 40. Gancho em Regina e Celso aos beijos.
Obrigado pelo seu comentário!