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Débora - Capítulo 30


Débora
CAPÍTULO 30

uma novela de
FELIPE LIMA BORGES

escrita por
FELIPE LIMA BORGES

baseada nos capítulos 3 a 5 do livro de Juízes

 No capítulo anterior: Éder e Lapidote se encaram, mas Isabel puxa o marido e diz que não sabe de nada sobre o sumiço de Débora. Najara analisa os cômodos limpos pelas candidatas. Gadi e Laís vão para a cama, mas ele a surpreende dizendo que dessa vez veio para que eles possam conversar. Débora chega a um vilarejo onde os soldados hazoritas oprimem violentamente os homens e abusam das mulheres. Najara diz que Darda se destacou na tarefa, ao que Eloá e Danilo se entreolham; foram cúmplices da moça. Najara então elimina uma candidata pela desvantagem de uma manchinha, e diz a Darda e à outra moça que a última tarefa será elas trazerem algo novo para embelezar a casa. Débora surpreende os soldados e começa a lutar contra eles, derrotando-os todos. Tanto os hazoritas quanto os hebreus veem que ela é uma mulher. À vontade na cama, Gadi e Laís conversam muito sobre suas vidas. Débora derrota todos os soldados do vilarejo. Os hebreus perguntam quem ela é e ela diz “Uma amiga...”. Eles insistem querendo saber seu nome e ela o revela imediatamente antes de partir com Pérola pela escuridão. Percebendo que Laís dormiu, Gadi coloca um travesseiro para ela e a admira até também adormecer. Deitado para dormir, Lapidote sente falta de Débora. Procurando algo no comércio, Darda encontra uma moça cega que canta para ganhar dinheiro. Ela se apresenta e surpreende a cantora perguntando o que ela acha de ir abrilhantar a casa do Capitão. Éder percebe que Jaziel e Débora continuam ausentes. Trabalhando, Lapidote pensa na esposa. Enquanto os dias se passam, Débora continua com sua missão de salvar seu povo e perseguir os soldados opressores. Lapidote ora cada dia mais. Jaziel se envolve em confusões, mas continua sua jornada. Abatida, Sama segue fazendo os testes com as crianças. Soldados preparam emboscadas para Débora, mas ela sai vitoriosa de todas. Adélia e Laila abrem a loja. Gadi e Laís se aproximam até irem morar juntos. Hanna se aprofunda no estudo da feitiçaria. Após libertar hebreias que seriam transformadas em escravas sexuais e derrotar os soldados que as levavam, Débora, obstinada e um tanto raivosa, diz “Justiça!”. A narração de Débora pontua que ela estava muito perto de descobrir que era a sua justiça, e não a de Deus.
FADE IN:

CENA 1: EXT. BETEL – RUA – DIA
Lapidote caminha pela rua quando Aliã o intercepta.
ALIÃ
Lapidote! Shalom, meu filho.
LAPIDOTE
Senhor Aliã, que boa surpresa! Shalom!
ALIÃ
Como vai?
LAPIDOTE
Bem... na medida do possível. Sempre sobra um pouco de preocupação.
ALIÃ
Eu posso imaginar... Mas que bênção, hein! Os relatos sobre o que ela está fazendo se espalharam por todos os cantos! Não há um hebreu que não saiba que Débora de Efraim está lutando por nossa liberdade!
Lapidote sorri.
LAPIDOTE
É verdade, senhor. Verdadeiramente Deus está com minha esposa, mas... eu já não aguento de tanta saudade!
ALIÃ
Lapidote... Eu vim te procurar para falar justamente sobre isso. Vim ver como está indo... sem ela.
LAPIDOTE
Então, senhor, estou levando... Se não fosse por Deus e por minha fé eu estaria muito pior. São as minhas proteções.
ALIÃ
Há muitos riscos... Perigos no fato de estar temporariamente sozinho... Você entende o que eu quero dizer.
LAPIDOTE
Eu só penso em Débora, senhor. Acredito que não há esse tipo de risco para mim. Se não for ela, não está bom. Não está completo. Minha vida não tem muitas cores sem ela... Só Débora pode satisfazer o meu coração... e a minha carne também.
ALIÃ
Que bom. Isso é bom. Então... que continue assim, orando e tendo fé de que ela voltará para casa bem e vitoriosa.
LAPIDOTE
(sorrindo) Claro, senhor. Agradeço.
ALIÃ
Até outra hora, Lapidote. Shalom.
LAPIDOTE
Shalom, senhor.
Aliã então toma seu caminho. Lapidote vira e continua sua caminhada. Pouco depois, um homem o para.
HOMEM
Senhor Lapidote!... Senhor...
LAPIDOTE
Sim?
HOMEM
É verdade que sua esposa não está em Betel? É verdade que ela está guerreando pelas tribos afora?
LAPIDOTE
Sim... É tudo verdade.
HOMEM
Mas que pena... Pois eu precisava muito dela para resolver uma questão de meus negócios... Tenho certeza de que os conselhos de sua esposa, inspirados por Deus, me ajudariam e me salvariam.
LAPIDOTE
Eu... sinto muito, senhor. E infelizmente ainda não sei ao certo quando ela retornará.
O homem lamenta com o olhar. Faz um aceno com a cabeça e sai. Lapidote fica pensativo por alguns instantes... até retomar sua caminhada.



CENA 2: INT. FORTALEZA – SALÃO DE VISITAS – DIA
É um grande salão lotado de pequenas mesas com duas cadeiras, uma de frente para a outra. Ao lado de cada mesa um soldado faz a vigilância.
Um guarda abre a porta do fundo e Sama vem. Logo ela localiza, em uma das mesinhas, seu marido Iru com uma menina: MELISSA (3 anos).
SAMA
Melissa!!!
MELISSA
Mãe!!!
Sama corre e Melissa pula nos braços da mãe. Abraçando-a, Sama gira a filha no ar.
SAMA
Meu amor!!! Que saudade!!!
Logo o soldado se aproxima e as separa.
SOLDADO
Sem contato.
Com os olhos marejados, Sama observa a filha, que volta para o lado de Iru. Sama senta de frente para eles. O soldado presta atenção na conversa.
SAMA
Graças a Deus vocês vieram...
Iru apenas a encara.
SAMA
Por que não veio antes, Iru?
IRU
Não pude.
SAMA
Iru, uma mãe não pode ficar tanto tempo sem ver a filha...
Sama sorri para Melissa, que olha para a mãe com carinho. Mas logo mais lágrimas surgem dos olhos dela.
SAMA
Se bem... Se bem que não é muito bom... trazê-la nesse lugar.
O soldado olha ameaçadoramente para Sama.
IRU
Por que não? (olha rápido para o soldado) Aliás, o que eles querem com vocês aqui?!
SAMA
Eu... não posso dizer. Não tenho o que dizer... Só não quero que ela tenha essa visão da mãe.
Enquanto Sama derrama mais lágrimas e as limpa, Iru umedece os lábios e se prepara para falar.
IRU
Sama... Eu vim hoje apenas para me despedir. Não voltarei mais aqui.
SAMA
O quê? Como assim?! Do que você está--
IRU
(interrompendo) Eu não posso ser casado com uma mulher que não posso ver todos os dias, e muito menos tocá-la...
SAMA
Iru!...
IRU
Eu sou homem, Sama. Eu tenho necessidades...
SAMA
Iru, por favor!... O que está fazendo?! E Melissa?! O que vai fazer com ela?!
IRU
Vou deixa-la com a vizinha.
SAMA
Não, por favor!!! Por favor, me visite aqui, Iru!!! Traga-a ao menos lua sim, lua não!!! Preciso ver minha filha!!!
IRU
Já está decidido...
SAMA
Iru, eu preciso ver minha filha!!!
Incomodado, o soldado agarra Sama pelos braços e a levanta.
SAMA
Não!!!
SOLDADO
O tempo de visita acabou!
SAMA
Não!!! Me solta!!! Deixem-me ver minha filha!!! Deixem-me ver minha filha, me solta!!!
Sama é levada pelo soldado.
IRU
Vamos, Melissa.
Iru se levanta e sai andando com a filha. A menina, triste e um tanto assustada, ainda olha para trás e vê a mãe, chorando e esperneando, ser carregada pelo soldado e sumir na porta do fundo. Iru e Melissa vão embora.

CENA 3: EXT. HAROSETE – RUA – DIA
A porta de uma casa de bebidas se abre e sai de lá um homem bêbado com as vestes surradas e a barba crescida: é Jaziel, em Harosete.
Ele caminha pela rua cambaleando.
JAZIEL
(murmurando) Sua filha do cruel destino... Doce e amargo vinho no copo da vida... Sama... Sua desgraçada...
Um homem trompa nele, fazendo-o quase cair. Mas ele se ajeita e continua a andar e a falar sozinho.
JAZIEL
Mulher é tudo igual! Só nos leva pro fundo do poço. Sama, sua ingrata!...
Um soldado que passa por ali, desconfiado, se aproxima.
SOLDADO
Ei... Você. Qual é o seu nome?
JAZIEL
O meu nome?...
SOLDADO
Sim, seu nome!
JAZIEL
Meu nome é Jaziel, o desgraçado, o iludido, o lascado, o idiota, o--
SOLDADO
(interrompendo) O hebreu?
Jaziel para e franze a testa.
JAZIEL
Hebreu?...
SOLDADO
Sim. Suas vestes, seus traços... Está me parecendo um hebreu.
JAZIEL
Hebreu?! Está louco, amigo!... Eu odeio aqueles hebreus, todos eles. Principalmente as mulheres! São umas desgraçadas! Onde já se viu entregar uma romã para um porco?! Um porco, acredita, amigo?! Um porco criado para o abate. Os boatos são terríveis, eu quero é passar longe daquelas cachoeiras...
SOLDADO
Está dizendo nada com nada... Você está bêbado. Saia da minha frente!
O soldado então passa por Jaziel e vai embora. Ele ainda observa o hazorita se afastar... então sorri e continua a andar.
JAZIEL
Idiota... Sou hebreu mesmo. Mas não queria ser... Aí nunca conheceria aquela desgraçada da Sama!...
E segue caminhando.

CENA 4: EXT. HAROSETE – ARREDORES – DIA
Pérola cavalga a toda velocidade pela gigantesca planície...
Por fim ela para e Débora observa um morro com uma grande cidade fortificada ao seu redor e um imponente palácio em seu topo: a cidade de Harosete.
DÉBORA (NAR.)
Ali estava aquele que eu pensava ser o meu destino final. O lugar onde finalmente eu olharia nos olhos do Capitão Sísera e do rei Jabim e lhes cobraria todo o mal que fizeram ao meu povo durante 20 anos.
Débora então nota logo ali uma formação de grandes rochas encaixadas e empilhadas; guia Pérola até lá e desce.
DÉBORA
Você deve esperar aqui, Pérola. Escondida. Vou deixar um pouco de pasto e água. E você se comporte, hum? Sua menina...
Débora sorri, faz um carinho em Pérola e pega suas coisas. Então começa a trocar suas vestes.

CENA 5: INT. CASA DE ADÉLIA – LOJA – DIA
No lugar da antiga sala agora está a convidativa loja de Adélia e Laila. Um balcão de madeira na direção da entrada chama a atenção de quem entra para a parede ao fundo onde há uma prateleira lotada de doces. Nas outras paredes da loja, bolos, cremes, frutas enfeitadas e pães doces colorem as prateleiras e espalham uma fragrância doce mas agradável entre as várias meses dos clientes.
A loja foi aberta recentemente, e nesse momento há ali alguns clientes sentados à mesa e comendo. Porém são todos mulheres e homens casados. Adélia, parada na porta, anuncia para quem passa pela rua. Laila, ao seu lado, espera pelos clientes.
ADÉLIA
Doces!!! Olha os doces!!! Doces da Adélia, agora com loja própria!!!
Duas moças empolgadas entram ali.
ADÉLIA
Shalom! Sintam-se à vontade, tudo bem? Essa é a minha irmã Laila, ela vai atende-las.
As duas moças entram e Adélia olha para a irmã.
ADÉLIA
Cadê os moços?! Até agora não apareceu um! (vira para a rua) Doces!!! Doces da Adélia!!! Venham todos!!!
LAILA
Eu não sei!
ADÉLIA
Pois eles deveriam estar aqui! Doces!!!
LAILA
Tenha calma, Adélia, eles virão.
Então Mireu chega ali.
MIREU
Adélia, Laila... (olhando para a loja) Sempre que chego fico admirado com o trabalho que fizeram aqui.
LAILA
Venha, Mireu, entre. Vou atender você e aquelas duas moças.
MIREU
Certo.
LAILA
Escute, e os seus amigos, hum? Sabe se eles virão?
Adélia olha atenta para ele.
MIREU
Bom, eu... não tenho muitos amigos, mas posso ver depois com os poucos que tenho.
ADÉLIA
Isso, menino, veja sim. Doces!!! Vamos entrando, meu povo, que o doce da Adélia é sucesso em toda a Betel!!!

CENA 6: INT. CASA DE TAMAR – SALA – DIA
Tamar e Elian estão em seus afazeres quando alguém bate na porta. Ele larga suas coisas, vai até lá e a abre; é Lapidote. Elian, frustrado, volta.
LAPIDOTE
Shalom, senhor Elian e senhora Tamar.
TAMAR
Shalom, Lapidote. Entre, entre...
LAPIDOTE
Com licença.
Lapidote fecha a porta e entra.
LAPIDOTE
(sorrindo) Vim até aqui com muita alegria.
TAMAR
(ansiosa) É notícia boa de Débora?!
LAPIDOTE
Sim. Ela não só está vivíssima como também está lutando por toda parte. Não há um lugar em que não se fala de seu nome e de seus feitos. De como luta, de como enfrenta os soldados. Já seria surpreendente se fosse um só homem, mas o povo está encantado por ser uma mulher.
Tamar sorri alegre. Elian, porém, ri em tom de zombaria; os dois olham para ele.
ELIAN
Vocês realmente são tão tolos a ponto de acreditar nessa baboseira toda?
LAPIDOTE
O senhor não acredita?
ELIAN
É claro que não! Está claro como o dia que isso é obra de Débora. Não os feitos, mas as histórias dos feitos. Débora disseminou essa história para poder fazer o povo acreditar naquilo que ela sempre quis que acreditassem. Não está lutando coisa nenhuma, deve estar construindo toda essa narrativa dentro de alguma caverna por aí.
TAMAR
Você nunca acredita, mesmo. Faz um esforço tremendo para ser aquele que vai contra tudo!
ELIAN
Os diferentes, Tamar, os que questionam, esses incomodam a manada. Não há novidade alguma na sua reação.
LAPIDOTE
Boato algum se espalharia dessa forma se fosse mera criação de alguém, senhor Elian. Se chegou até aqui da forma como chegou, mesmo com os hazoritas espalhados ao nosso redor como pragas, é porque de fato aconteceu. Vilarejos salvos, mulheres salvas, crianças protegidas... Débora se tornou uma guerreira. Solitária, mas guerreira. E muitos dos hazoritas estão temendo sua figura.
Elian ri.
ELIAN
Quem dera um filho meu realmente estivesse por aí tendo peito de verdade para enfrentar esses hazoritas e dar uma lição neles. Eu teria o maior orgulho! Sairia por essas ruas todas apregoando que eu sou o pai do grande e temido guerreiro! Mas isso aí... disso aí eu tenho é vergonha. Na melhor das hipóteses, me faz rir...
LAPIDOTE
Com todo o respeito, mas o senhor é um negacionista. Não acredita nem com as evidências em sua frente.
TAMAR
Não se preocupe, Lapidote. Não tem jeito.
Elian dá de ombros.
TAMAR
Agora que ela está lutando por nós e fazendo tudo o que está fazendo... você acha que a liberdade pode chegar?
LAPIDOTE
Bem, senhora Tamar, eu não quero ser precipitado, nem tendencioso para um lado ou outro, mas... Apesar do que ela está fazendo ser ótimo, não é o suficiente para derrubar Hazor. A missão de Débora, bem sucedida por sinal, está sendo salvar por partes. E isso já faz sim uma grande diferença.
Cuidando de suas coisas, Elian ri do que ouve. Tamar e Lapidote trocam olhares de reprovação.

CENA 7: INT. PALÁCIO – SALA DO TRONO – DIA
Sísera se aproxima apressadamente do trono, onde Jabim, sentado, parece inconformado.
JABIM
Espero muito que o que tem a me dizer é o que estou pensando, Capitão. Porque senão o senhor terá que rever todos os seus conceitos!
Sísera para aos pés do trono e faz uma longa reverência com a cabeça.
SÍSERA
Perdão, meu senhor... Perdão. (olha para Jabim) Mas vim falar sobre aquilo. A ameaça... hebreia. O tal guerreiro solitário. O justiceiro.
JABIM
(raivoso) Vamos tratar as coisas como elas realmente são! Os boatos dizem que se trata de uma mulher. Não é?
Sísera faz que sim.
SÍSERA
É sim. Ao que parece ela se chama... Débora. Ou algo assim.
JABIM
Débora. Como consegue se manter de pé diante da loucura que está sendo dita por nossas bocas, Sísera?! Uma mulher! Uma mulher, Sísera! O que é que está acontecendo, ahn?! O que é que isso aqui virou?! Depois de duas décadas de uma gestão incrível, como você deixou as coisas chegarem a esse ponto?!
SÍSERA
No início, os boatos pareciam lendas. Depois soavam como uma tentativa frustrada dos miseráveis colocarem medo em nós. Só agora os nossos homens que testemunharam algum caso conseguiram chegar a Harosete e nos relatar o que viram.
Jabim, sentado, ouve com raiva e indignação.
JABIM
Eu mal consigo acreditar... Se for um pesadelo, já passou da hora de amanhecer o dia! É muito absurdo! Uma mulher... Uma hebreia... sozinha... matando nossos homens um a um como se fossem todos raposas covardes e não os guerreiros do exército mais poderoso de Canaã!!!
SÍSERA
Senhor, já mandei homens para os locais a fim de averiguar os tais estragos que a tal Débora fez, mas, ao que parece... se trata de uma exímia guerreira.
JABIM
E você ainda reconhece a grandiosidade dessa mulher?! Diante do meu trono?! Diante de mim?!
SÍSERA
Meu rei... Eu disse “ao que parece”. Segundo o povo. Mas o povo é fraco. Inocente. Eu mesmo investigarei o caso e irei atrás de Débora. Eu a capturarei e a trarei para Harosete para que sirva de escárnio e zombaria para o povo. E vou mostrar ao meu inigualável soberano que mulher alguma nessa vida é capaz de sustentar uma história como essa. Vou humilhá-la. Eu a colocarei nua na rua, entre o povo, até não lhe restar um pingo de dignidade, se é que tem alguma. E depois... eu a matarei com minhas próprias mãos.
Jabim finalmente esboça um traço de satisfação.
JABIM
Agora sim eu ouvi o meu verdadeiro Capitão Sísera.
Sísera faz uma discreta reverência com a cabeça.

CENA 8: INT. PALÁCIO – CASA – SALA – NOITE
O dia passa e anoitece.
Eloá, Danilo e Darda, sentados, apreciam ELISA (a moça cega) cantando. Ela não utiliza de palavras, apenas melodias que fazem os 3 viajarem em pensamentos e lembranças...
Quando ela acaba, eles batem palma.
ELOÁ
Que lindo!
DANILO
Até me emocionei aqui...
DARDA
Não à toa venci a competição e me tornei serva. Nada poderia embelezar essa casa mais do que a sua voz, Elisa.
ELISA
Obrigada...
Então a porta se abre e Sísera chega.
DARDA
Senhor...
SÍSERA
Os 3, saiam. Deixem-me a sós com Elisa. Preciso ouvir um pouco de música para relaxar.
Eloá, Danilo e Darda fazem uma reverência e saem. Sísera ainda observa Elisa por alguns segundos... Então se joga em uma descansadeira e relaxa.
SÍSERA
Vamos, Elisa. Cante para mim.
Elisa pigarreia.
ELISA
Sim, meu senhor.
Ela então começa a cantar a mesma canção que cantava logo antes. Sísera pega uvas na mesa ao lado e come enquanto ouve e observa o corpo de Elisa de cima a baixo.

CENA 8: EXT. HAROSETE – ENTRADA – NOITE
Débora, em vestes diferentes das hebreias, se aproxima da entrada de Harosete. Dá uma olhada na muralha que se estende para os dois lados e no monte adiante, sobre o qual está o palácio com suas janela iluminadas.
Ao chegar no portão aberto, os guardas, olhando-a, fazem sinal.
GUARDA
Ei, parada aí mesmo.
Ela engole em seco.
DÉBORA
Sim?
O guarda se aproxima e a olha de cima a baixo.
GUARDA
Quem é você?
DÉBORA
Sou... apenas uma serva. Por que, senhor?
O guarda dá uma última olhada nela.
GUARDA
Pode seguir.
Débora faz que sim, passa pelo portão e entra em Harosete.

CENA 9: INT. PALÁCIO – CASA – SALA – NOITE
Elisa continua a cantar...
SÍSERA
Chega.
Ela para. Ele se levanta.
SÍSERA
Vou sair, vou à Casa do Amor. Se minha mãe perguntar, avise a ela.
ELISA
Certo.
Enquanto pega algumas coisas, Sísera dá uma observada na moça... Então, por fim, vira para ela.
SÍSERA
Elisa... Levante-se.
Não entendendo muito bem, a moça põe-se de pé.
SÍSERA
Dê uma volta.
ELISA
Co-Como, senhor?
SÍSERA
Gire. Dê uma volta.
Um tanto receosa, Elisa então gira em torno de si sob os olhares de Sísera. Os olhos dela, apesar de nada verem, aparentam seu desconforto.
SÍSERA
Hum. Até mais tarde.
Sísera então vira, vai para a porta e sai. Elisa fica ali, sozinha e preocupada.

CENA 10: INT. CASA DE ADÉLIA – LOJA – NOITE
Adélia e Laila limpam a loja após mais um dia cumprido.
LAILA
Ai, minha irmã, foram um sucesso esses primeiros dias! Nunca pensei que ficaria tão empolgada com nossa lojinha...
ADÉLIA
É, você tem razão. O único problema foi a quase completa falta de moços. Eu não esperava por isso, não...
LAILA
É, tenho que concordar com você.
ADÉLIA
Nós teremos que fazer algo, Laila.
LAILA
E a sua tal receita? A do amor... De fazer os moços se apaixonarem... A quantas anda?
ADÉLIA
Poderia estar melhor... Mas prometo me dedicar ainda mais.
Laila faz que sim.

CENA 11: INT. CASA DO AMOR – NOITE
Sentados em uma das mesas, Sísera e Bogotai bebem vinho.
SÍSERA
Sabe, Bogotai, eu estava observando uma das moças novas lá de casa, a Elisa. Se você quer saber, vou te dizer que até que ela renderia, hein... Se não fosse o fato de ser cega, seria aproveitável. Se bem que não tenho certeza se dá pra se descartar um corpo daquele só por ela ser cega... (fazendo desenho de nádegas com as mãos) Você tinha que ver, Bogotai. Pelos deuses...
Bogotai ri. Nesse instante, Jaziel, bêbado, entra ali. Tropeça e quase cai... Sísera o nota.
SÍSERA
Aquele ali entrou bêbado e vai sair são.
Jaziel adentra mais, mas logo tropeça em um hazorita que acompanhava uma mulher.
HAZORITA
Qual é o seu problema?! Quer morrer aqui mesmo?!
JAZIEL
Você é muito mal educado! Eu não o vi, idiota!
HAZORITA
Ah, “idiota”? É isso então?
JAZIEL
É sim, foi o que eu disse!
Sísera então se levanta e vai até lá.
SÍSERA
Ei, ei! O que está acontecendo aqui? (para Jaziel, tocando em seu ombro) Qual é o seu problema?
JAZIEL
Nenhum. E tire a mão de mim que você não sabe quem eu sou!
SÍSERA
Mas sei quem eu sou. Sísera, o Capitão.
JAZIEL
(em tom de zombaria) Hummm... E agora eu deveria estar com medo?
SÍSERA
Escute, senhor, não quero problema aqui na Casa e sei que está muito bêbado, mas estou prestes a afundar minha mão em você.
JAZIEL
Pois então tenha muito cuidado, pense, e não faça isso. Não acabaria nada bem. Pra você, no caso.
Sísera olha para o casal e faz sinal para eles saírem. Depois olha para as pessoas ali perto e de volta para Jaziel.
SÍSERA
Está me ameaçando?
JAZIEL
Não. Mas é natural, afinal... hebreu nenhum está desprotegido mais. Não ouviu que há uma guerreira agora?
Sísera franze a testa.
SÍSERA
Você é hebreu?
JAZIEL
Sim! Sou hebreu sim! Assim como minha amiga.
SÍSERA
Amiga...
JAZIEL
É.
SÍSERA
Quanto vinho tomou, homem?
JAZIEL
Muito! Mas, infelizmente, não o suficiente para me destruir...
Sísera, estranhando, olha para sua mesa: Bogotai ainda está bebendo. Então agarra Jaziel pelo braço e o arrasta até lá.
SÍSERA
Sente-se.
Jaziel se assusta ao ver os músculos imponentes de Bogotai e sua sinistra máscara, mas senta-se ao lado do Primeiro Oficial.
SÍSERA
Um copo!
Logo uma das que servem traz um copo a mais.
SÍSERA
Vamos, beba um pouco mais de vinho. Está perfeito, especialmente hoje.
JAZIEL
(rindo) Claro... Pode encher esse copo!
Sísera enche o copo de Jaziel, que o vira quase de uma vez. Sísera presta muita atenção nele.

CENA 12: EXT. HAROSETE – RUAS – NOITE
Débora caminha pelas ruas. Logo à frente, numa das regiões mais movimentadas, soldados gargalham numa espécie de festa ao ar livre. Meretrizes e outros homens os acompanham na algazarra.
DÉBORA (NAR.)
Nesse exato momento, meu instinto foi arrancar a espada escondida na lateral da minha perna e ir até eles. Mas precisava me controlar... Precisava me concentrar. Meu objetivo era Sísera, não podia me deixar distrair.
Débora desvia e vira em outra rua, mas alguns da multidão esbarram nela, que tenta seguir assim mesmo. Logo outros homens, interessando-se por ela, tentam se aproveitar da movimentação para tocá-la.
HAZORITA
Oi, docinho... Que tal irmos para o meu quarto?
Raivosa, Débora mete-lhe um chute no estômago e um soco no nariz.
DÉBORA (NAR.)
Infelizmente nem sempre era possível...
O povo ao redor se assusta e o homem, furioso, agarra um pedaço de pau que encontra ali. Débora não se aguenta e finalmente arranca a espada escondida em suas vestes, fazendo todos se assustarem e recuarem um pouco. O hazorita então a ataca, mas ela não tem nenhuma dificuldade em bloquear, desarmá-lo e desferir um corte em seu peito, fazendo-o cair fraco. Dois amigos do homem se aproximam e tentam encurralá-la, mas ela luta contra os dois e também não demora muito para ambos ficarem caídos e com cortes nos braços.
As pessoas a observam estupefatos...
MULHER
Mulher lutando... Essa... só pode ser... a tal Débora!
HOMEM 2
O quê?!
MULHER 2
A guerreira hebreia está aqui! Débora está aqui!
O povo se assusta e começa a se dispersar. Débora teme o que pode acontecer. Devido aos gritos de que ela está ali, alguns soldados da festa ali perto começam a olhar para lá. Um vai na direção dela. Débora então vira e corre pela rua.
SOLDADO 1
Por ali, por ali! Vai! Ela está fugindo!
Os soldados se dividem pelas ruas e a perseguem. Ela corre incansavelmente. Vira de esquina em esquina, quase tropeçando e esbarrando nas pessoas. Os soldados a perseguem a toda velocidade.
De repente, ao virar em um beco que pensava ser uma rua, Débora trompa em uma mulher, de modo que as duas caiam. É Eloá, acompanhada de Danilo.
Débora levanta-se e tenta correr, mas vê que não há saída. Vira para voltar, mas escuta os soldados se aproximando. Faz sinal de silêncio para Eloá e Danilo.
Escondidos na penumbra do beco, os 3 observam os soldados passarem e sumirem. Débora então expira aliviada. Eloá e Danilo, porém, olham espantados para ela e para sua espada.
ELOÁ
O que é isso?!
Débora olha para o fundo do beco.
DÉBORA
Não há nenhuma pequena saída por ali?
O casal franze a testa.
DANILO
Não. Porém, se pular a parede, dará para uma passagem pouco usada para o palácio. Para os fundos.
Débora, cansada, olha para os dois.
DÉBORA
Como sabem?
ELOÁ
Nós moramos no palácio. Servos cozinheiros do Capitão Sísera e de sua mãe Najara.
Débora fica surpresa.
DÉBORA
Mesmo?! (pequena pausa, se ajeita) Por favor, me salvem. Levem-me para sua casa... Por favor. Eu preciso de ajuda...
DANILO
Por que estão perseguindo-a?
ELOÁ
Você é mesmo Débora, como estão gritando por aí tudo? A guerreira hebreia?
Débora faz que sim, deixando Eloá e Danilo impressionados.
DÉBORA
Me ajudem...
Eloá e Danilo se entreolham preocupados.

CENA 13: INT. CASA DO AMOR – NOITE
Jaziel vira mais um copo de vinho.
JAZIEL
Há tempos não tomo um vinho tão bom como esse. Os nossos lá de Israel são ótimos, mas esse... tem um gostinho de... de... de depravação... De perigo... Isso é bom. Obrigado, Capitão. Você é realmente um bom amigo. Coisa rara hoje em dia...
SÍSERA
Tem razão.
Sísera e Bogotai trocam olhares de cumplicidade sobre Jaziel.
JAZIEL
Eu só tive uma amizade verdadeira em toda minha vida...
SÍSERA
Sua amiga de que comentou há pouco?
JAZIEL
Sim.
SÍSERA
Já que vocês têm uma amizade tão bonita, conte-me mais de sua amiga. Fiquei interessado...
JAZIEL
Bom... Eu também fui mestre de Débora. Ensinei a ela quase tudo o que ela sabe hoje como guerreira.
Sísera fica muito impressionado, e quase não consegue disfarçar. Olha para Bogotai, que permanece estático. Então se ajeita, coloca mais vinho para Jaziel e se inclina.
SÍSERA
Jaziel... Diga-me apenas mais uma coisa.
JAZIEL
(tomando o vinho) Hum.
SÍSERA
Onde Débora mora?
Jaziel toma o vinho, coloca o copo na mesa e lambe os beiços.
JAZIEL
Em Betel, é claro. Tribo de Efraim! A mais honrada de Israel!
Jaziel ri e Sísera, satisfeito, volta a sentar normalmente. Em seu sorriso maldoso, IMAGEM CONGELA
CONTINUA...
FADE OUT:


No próximo capítulo: Eloá e Danilo levam Débora para o palácio, para a casa de Sísera e Najara. E Sísera prende Jaziel e envia Bogotai para Betel.




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