CAPÍTULO 15
uma novela de
FELIPE LIMA BORGES
livre adaptação do livro de Rute
Edição da Versão Reprise por
RAMON FERNANDES
EDIÇÃO:
Capítulo 23 + Parte do Capítulo 24 ORIGINAL (SEM CORTES)
CENA 1: EXT. DESERTO – MANHÃ
A várias dezenas de metros da árvore onde Elimeleque e os filhos encaram a Caravana da Morte, um grupo de homens de vestes longas e negras, e usando turbante na cabeça, para ao avistar apenas a carroça com as coisas da família de Noemi. São saqueadores.
SAQUEADOR— Veja, senhor! Lá! Uma carroça repleta!
O chefe olha.
CHEFE— Tem razão... E dessa vez não é nenhuma miragem. Vamos até lá!
SAQUEADOR— Senhor, espere! Olhe lá, atrás daquelas folhas... Parecem vultos...
O chefe caminha alguns passos e observa.
CHEFE— Uma carroça dessa, em tempos como esse, perdida no deserto, seria bom demais pra ser verdade... Por outro lado, são apenas três homens e uma mulher, pelo que consigo ver... Estamos em oito, podemos vencê-los com facilidade.
SAQUEADOR— Com toda certeza.
CHEFE— Homens! Vamos!
Eles correm silenciosamente na direção da árvore.
Lá, forte tensão. Pouco atrás de Elimeleque armado, Malom e Quiliom com as espadas em posição de combate. Segismundo, mais à vontade, aponta a ponta da espada para Elimeleque. Atrás dele, Gael com Dov e os quatro homens em posições ameaçadoras.
ELIMELEQUE— É claro que me lembro de você, Segismundo. E como disse daquela vez, volto a dizer: não quero conflito.
SEGISMUNDO— Daquela vez o motivo era outro. Era sobre a sua presunção, a sua arrogância! Você e sua família, por dobrarem os joelhos pra Deus todos os dias, sempre se acharam superiores aos outros hebreus.
ELIMELEQUE— Não sabe o que diz, Segismundo. Nunca nos achamos superiores. Acontece que quem está na luz luta para que os que estão nas trevas saiam dela.
SEGISMUNDO— E quem é você, Elimeleque, pra se ver na luz e julgar que os outros estão nas trevas?! Mas não precisa responder, porque como eu disse, não estamos aqui por causa disso.
ELIMELEQUE— Por que, então?
SEGISMUNDO— Por causa da fome, dessa maldita praga. Nós precisamos sobreviver, e você, sozinho aqui no deserto, é o alvo mais fácil e mais apetitoso que poderíamos ter.
ELIMELEQUE— Por causa da fome, han?! Então é pelo mesmo motivo de antes, Segismundo! Essa fome veio por causa dos sucessivos erros do povo! E nós, dia após dia, tentávamos alertá-los!
SEGISMUNDO— Fale baixo, Elimeleque! Perdeu a noção do perigo?!
Elimeleque encara Segismundo.
ELIMELEQUE— Soltem o rapaz, ele não tem nada a ver com isso. E podem levar tudo, não é necessário usar de violência.
SEGISMUNDO— O problema, Elimeleque, é que há algo a mais aqui para ser feito.
ELIMELEQUE— Do que está falando?
Segismundo sorri. Pouco atrás dos filhos, Noemi parece estar cada vez mais tensa e assustada. Respira ofegante.
ELIMELEQUE— (sem desgrudar os olhos de Segismundo) Não se preocupe, Noemi, eles não nos farão nenhum mal.
SEGISMUNDO— (se aproximando mais) Está me subestimando, Elimeleque???!!! É isso???!!! Acha que não estamos falando sério???!!!
ELIMELEQUE— Calma, Segismundo, calma! Não é necessário--
SEGISMUNDO— Pelo jeito você acha que estamos aqui de brincadeira!!! Mas nem imagina você que há pessoas na cidade que querem o sangue de toda sua família escorrendo pela terra! Acha que cavalgamos de Belém até aqui à toa?! Você vai ver que não há futilidade no trabalho da Caravana da Morte! Gael, mostre pra eles que não viemos aqui brincar!
Sem esboçar reação alguma e olhando para Elimeleque, Gael faz um movimento rápido com o punhal e corta a garganta de Dov. Todos se assustam! Por alguns segundos o rapaz agoniza sangrando e cai esfregando em Gael. Esse chuta levemente o corpo para desencostar de suas pernas.
Noemi grita chocada. Malom e Quiliom assustados e instáveis. Elimeleque surpreso e indignado.
Segismundo sorri de orelha a orelha.
SEGISMUNDO— Conseguiu agora ter noção do que viemos fazer, Elimeleque?
Elimeleque olha horrorizado para Dov, morto, jogado no chão.
ELIMELEQUE— Covarde... Desgraçado... Vocês vão pagar por isso! Quiliom, proteja sua mãe! Malom, comigo!
Quiliom se afasta e leva Noemi para trás da árvore e Malom fica ao lado de Elimeleque.
SEGISMUNDO— Que venha.
Gritando, Elimeleque e Malom avançam, esse contra os quatro homens e aquele contra Segismundo. Aflita, Noemi assiste de trás da árvore. Ninguém ali é um soldado, mas a luta é dura e violenta. Gael, afastado, assiste ao confronto como se fosse inatingível.
Elimeleque e Segismundo estão em igualdade. Golpes em cima, embaixo, empurrões, defesas...
Malom, porém, tem dificuldade contra os quatro homens e está quase sendo derrotado.
NOEMI— (para Quiliom) Vá ajudar seu irmão, eu me cuido.
QUILIOM— Tem certeza, mãe?!
NOEMI— Vá logo, Quiliom!
Quiliom sai de trás da árvore e surpreende um dos homens com uma forte cotovelada. Em seguida fere a mão de outro.
MALOM— Na hora certa!
QUILIOM— Muita atenção, irmãozinho!
Revigorados, Malom e Quiliom lutam ferozmente contra dois. Elimeleque desvia de um golpe e acerta o rosto de Segismundo com o punho da espada. O líder da Caravana tenta revidar, mas Elimeleque o agarra pelo pescoço e mete-lhe uma cabeçada na testa. Segismundo cai para trás e, no chão, vê que o que levou a cotovelada de Quiliom está se levantando.
SEGISMUNDO— (para ele) Deixe-os! A mulher! Pegue ela!
O homem corre até onde está Noemi. Malom, aflito, percebe e, entre os ataques e defesas, pega uma pedra no chão e atira na cabeça do homem antes que ele alcance sua mãe. Noemi o vê cair desacordado na sua frente.
Segismundo se levanta e volta a enfrentar Elimeleque em igualdade. Malom e Quiliom dão voltas, jogam terra no rosto dos inimigos para os cegar, tentam feri-los, desviam das espadas a altas velocidades... Então viram de costas um para o outro, protegendo os dois lados.
MALOM— Se eu morrer aqui, case com duas mulheres, meu irmão! Uma por mim!
QUILIOM— Acho que o perigo está te deixando ruim das ideias, Malom!
Os dois inimigos voltam a ataca-los. Os irmãos ajudam um ao outro. Se defendem, se auxiliam nos golpes... Até que conseguem desarmar um dos homens e o ferem com um corte rápido no peito. O homem sai cambaleando. O que havia sido ferido anteriormente na mão manca raivoso em direção a Elimeleque, se aproximando por trás. Noemi, prevendo o pior, pega a espada do homem desacordado e corre em auxílio ao marido; com o punho da espada acerta a cabeça do homem que se aproximava por trás. Ele cai ferido, mas não desmaia. O que sofreu um corte no peito se aproxima para chutá-la, mas Malom se afasta de Quiliom e empurra o homem no chão. Depois desfere dois fortes socos.
ELIMELEQUE— Continuem! Estamos vencendo!
SEGISMUNDO— É mesmo?!
Segismundo ergue a espada e ataca Elimeleque, mas ele bloqueia o golpe.
ELIMELEQUE— É sim!
Elimeleque torce o braço de Segismundo que segura a espada e ele grita de dor.
ELIMELEQUE— Solta! Solta!...
Segismundo grita até que sua mão se abre e a espada cai. Elimeleque dá um soco no rosto e o chuta no estômago. Segismundo cai sentado. Elimeleque pega a espada do inimigo e avança. Os homens feridos pelos rapazes e por Noemi tentam impedi-lo, mas ele os desarma a todos e os tira de seu caminho.
Nesse momento, os saqueadores chegam ali perto.
SAQUEADOR— É mesmo uma briga, senhor!
CHEFE— Pois que briguem até se matarem. Vamos aproveitar e pegar tudo da carroça! Vamos!
Segurando as duas espadas, Elimeleque se aproxima de Segismundo, caído, e as aponta para ele. Mas Segismundo, aflito, olha algo lá atrás. Elimeleque estranha e vira também. Então vê os saqueadores se aproximando da carroça.
SEGISMUNDO— Não, isso não pode acontecer! Detenham-nos! Rápido!
Os homens da Caravana, apesar de exaustos, correm até os saqueadores.
SEGISMUNDO— Gael, você também! Vá!
Gael sai de sua posição intocável e corre contra os saqueadores.
CHEFE— Inferno! Peguem as espadas, agora!
Segismundo aproveita que Elimeleque está surpreso com o novo grupo ali e lhe aplica uma rasteira. Então toma as duas espadas caídas e corre para lutar contra os saqueadores.
Elimeleque se levanta e vê que a carroça ainda está sozinha e intocada.
ELIMELEQUE— Precisamos aproveitar que estão lutando entre si! Peguem a carroça, rápido!
Malom pega a corda e puxa o cavalo. Quiliom tenta ajuntar as ovelhas para partirem.
ELIMELEQUE— Precisamos sair daqui!
Elimeleque corre até Noemi e a ajuda a se levantar.
ELIMELEQUE— Você está bem? Está ferida?
NOEMI— Não, não, eu estou bem... Vamos!...
Quiliom tenta agrupar as ovelhas, mas elas estão assustadas e se espalham.
ELIMELEQUE— Deixe as ovelhas! Vamos, Quiliom!
Elimeleque ajuda Malom a puxar a carroça. Quiliom vai ao lado de Noemi, escoltando-a. Eles caminham em direção às árvores. Segismundo os vê partir, mas não pode fazer nada, pois os saqueadores são muitos e estão dando trabalho. A família de Elimeleque entra pelos arbustos e some.
CENA 2: INT. HOSPEDARIA – SALÃO – MANHÃ
Alegre, Neb lambe cada dedo com resto de comida. Em seguida olha para o dono atrás do balcão.
NEB— Meu querido, traga mais um pouco desse prato, por favor.
DONO— Não vai dar, não. A comida é pouca!
NEB— Você está sendo pago, isso não vai sair de graça.
DONO— Você não está me pagando nada!
NEB— Por acaso o senhor não ouviu a grande e sábia senhora Raabe? Ela e seu marido pagarão.
O dono fica ainda mais carrancudo, mas pega mais comida e, a contragosto, leva até Neb e o serve.
DONO— Estou lhe avisando, se sobrar um pouco que for--
NEB— Não se preocupe, não sobrará nem uma migalha. O prato será limpo aqui mesmo.
DONO— (enojado) Rum!
O dono sai pisando duro e Neb se delicia.
CENA 3: EXT. BELÉM – RUA – MANHÃ
Tani caminha pela rua quando cruza com Yuri.
YURI— Tani, Shalom...
TANI— Shalom, Yuri. Há quanto tempo, han?
Yuri ri.
YURI— Muito tempo...
Tani sorri, mas não demora a voltar seu semblante de tristeza. Todos ali na rua estão em situação semelhante.
TANI— Não está sendo fácil...
YURI— Nem um pouco... A cidade está arrasada. Talvez Elimeleque tenha feito o certo...
TANI— O que quer dizer?
YURI— Estou pensando em fazer como os nossos amigos e voltar para minha cidade natal, Hebrom.
TANI— Yuri...
YURI— Não há mais campo algum para cuidar por Elimeleque... Vou conversar com minha esposa.
Tani ouve triste.
CENA 4: INT. HOSPEDARIA – QUARTO DE BOAZ – MANHÃ
Meio dormindo, meio acordado, Josias se mexe em sua cama.
BOAZ— Acorde, Josias. Levante...
JOSIAS— Ahn, deixe eu dormir mais um pouquinho aqui...
BOAZ— Levante, rapaz. Precisamos ir conhecer a cidade, saber o que está acontecendo... Ver se podemos ser úteis de alguma forma!
Josias finalmente levanta e senta na cama, mas o rosto está marcado.
JOSIAS— Eu mal dormi...
BOAZ— Vamos, levante e se arrume. Na certa meu pai já está pensando em algo...
CENA 5: INT. HOSPEDARIA – QUARTO DE SALMON E RAABE – MANHÃ
Boaz e Raabe já acordados. Sentado, ele bebe água e fica encarando o nada. Raabe percebe.
RAABE— No que está pensando, Salmon?
SALMON— Nessa situação toda do nosso povo... Precisamos tentar reconstruir Israel, Raabe.
RAABE— (se aproximando) Você e sua vontade de ajudar a todos...
Raabe o abraça por trás e beija sua cabeça. Ele acaricia as mãos dela.
RAABE— Toda Israel é uma tarefa árdua demais. Se ajudarmos aqui em Belém, já teremos feito muito.
SALMON— Será que é isso que Josué diria?
RAABE— Infelizmente Josué já não vive há muito tempo. E você, Salmon, é um saudosista.
SALMON— Você não sente saudades daquele tempo, meu amor?
RAABE— Sinto sim, mas só da queda das muralhas pra cá. Que foi onde nossa história começou...
Eles sorriem e ele a puxa ao seu lado. Se encaram com carinho e então se beijam. Depois se abraçam.
SALMON— Antes de fazermos nossos afazeres, vamos orar?
RAABE— Vamos sim.
CENA 6: INT. TEMPLO – CORREDOR – MANHÃ
Myra caminha pelo corredor. O Sumo Sacerdote Faruk vem de encontro a ela.
MYRA— Sumo Sacerdote?
FARUK— Myra... Como vai?
MYRA— Muito bem, obrigada, senhor.
FARUK— Pois eu te achei um pouco distante, aérea...
MYRA— Ah, são só meus devaneios...
FARUK— A essa hora do dia?
Myra sorri.
MYRA— Bom, eu vinha pensando em Rute...
FARUK— Rute? Por quê?...
MYRA— Hoje mais cedo, eu a encontrei no corredor com a Aylla, aquela candidata à oferenda que vem se destacando na seleção.
Faruk parece interessado e se aproxima mais.
FARUK— Aylla? Rute estava com Aylla?
MYRA— Sim--
FARUK— (interrompendo) Por que motivo?
MYRA— Quando a questionei ela disse que levantou para beber água e encontrou a menina andando dormindo pelo corredor.
FARUK— Andando dormindo... Tem certeza? Era isso mesmo?
MYRA— Sim, senhor... Foi o que as duas me contaram.
FARUK— Myra, você tem absoluta certeza de que essa justificativa é verdadeira?
MYRA— Me pareceu convincente, senhor. Além de as duas terem confirmado...
FARUK— (pensativo) Hum...
MYRA— Me desculpe perguntar, mas por que o senhor se preocupa tanto?
FARUK— Ahn, é que... é que não é bom que a sacerdotisa esteja muito próxima... da menina. Só isso. Já vou indo, Myra.
Faruk sai rápido.
MYRA— Passar bem...
Com uma leve estranheza, Myra o observa se afastar.
CENA 7: EXT. MATA – MANHÃ
Parada no meio de uma mata e próxima a um paredão de pedra, está a carroça da família de Noemi. O cavalo mastiga tranquilamente. Sons distantes de homens falando ou gritando...
No alto do paredão, acima das copas das árvores, é possível ver uma entrada na rocha, um pequeno vão com uma caverna à direita. Ali, espremidos e se segurando para não caírem ou fazerem barulho, estão Elimeleque, Noemi, Malom e Quiliom.
Muita tensão... Cada um se segura como pode na rocha. Elimeleque preocupadíssimo, Noemi aflita e chorosa e Malom e Quiliom com os cenhos franzidos de preocupação e raiva.
ELIMELEQUE— (sussurrando) Vejam...
Sem se mexer, todos levam os olhos para onde Elimeleque vê: dois dos saqueadores sobreviventes correm para longe dali. Certamente a Caravana está em algum ponto da mata ali embaixo.
Pouco tempo depois, as vozes e os barulhos denunciam que os homens da Caravana estão vasculhando a mata de um lado para o outro. Por vários momentos passam próximos ao paredão, mas não veem a carroça.
Mais um tempo depois, as vozes parecem distanciar e sumir...
Os quatro continuam espremidos na rocha, exaustos de se segurarem e aflitos com a situação...
CENA 8: INT. TEMPLO – SALA DE BANHO - MANHÃ
Rute e Orfa, nuas da cintura para cima, estão deitadas de bruços, cada uma em uma espécie de cama. Algumas servas lhes massageiam as costas utilizando pedras, óleos, além das próprias mãos.
ORFA— (relaxada) Ah!... Me diz, Rute, tem coisa melhor que isso?
RUTE— Poderia listar algumas... Mas não dá para negar... Eu poderia passar a manhã aqui.
Nesse momento, Orfa nota, pela janela, Aylla passando junto às outras candidatas, no lado de fora da sala de banho. Aylla passa com os olhos à procura de Rute, e quando a encontra, não os desgruda dela até a janela acabar. Rute, de olhos fechados, não notou nada.
ORFA— Rum... Sabe quem passou agora ali fora?
RUTE— Quem?
ORFA— A Aylla.
Rute abre os olhos.
RUTE— Aylla?
Rute olha para a janela.
ORFA— Já foi. Estava com as outras candidatas. Passou te olhando, Rute.
RUTE— E o que que tem? Não é nada demais.
ORFA— Parece que essa menina está se afeiçoando demais a você, Rute. Parece até que ela te enxerga como a mãe que não teve.
RUTE— Pare com isso, Orfa. Bobagem. Não acho que seja isso.
ORFA— Se for verdade, para ela não fará diferença alguma, apenas vai morrer na vontade. Mas para você, vai. Vai fazer muita diferença se essa menina te enxergar assim e você der abertura para ela. Você não pode jamais fazer isso, Rute. Se por uma grande ocasião da sorte você for poupada nessa vida, certamente não será pelos deuses na próxima vida.
RUTE— (firme) Orfa, escute bem. Eu não estou dando abertura, e também não estou me afeiçoando à menina. Está claro?
ORFA— Então é bom que você trate ela de maneira mais fria, como qualquer uma das candidatas, ainda que se destaque. (para a serva) Ai, um pouco mais para o lado, aí... isso... Ah...
Rute fica pensativa.
CENA 9: EXT. BELÉM – RUA – MANHÃ
Neb anda segurando o copo que furtou da carroça de Elimeleque.
NEB— Vou conseguir uma boa troca hoje...
Não há muitos vendedores ali, e os poucos mal têm uma barraca, já que essas foram destruídas ou carregadas. Neb tenta negociar com alguns, até que um finalmente aceita.
COMERCIANTE— Por que essa cara feliz?
NEB— Ah, mas não poderia estar diferente. Eu comi, e muito!, lá na hospedaria.
COMERCIANTE— Bobagem, você sonhou ou deve estar bêbado. Não há comida alguma!
NEB— Nem um, nem outro. Ouvi dizer que quem levou comida pra lá foram mercadores de fora de Israel.
O comerciante fica surpreso.
COMERCIANTE— O quê?
Neb faz que sim orgulhoso. Algumas pessoas em volta, que ouviram a conversa, não conseguem não reagir à notícia. Olham, murmuram, passam a notícia para outros... Neb começa a se preocupar.
NEB— Espere, o que estão fazendo?... Eu não disse que... Esperem...
Os murmúrios aumentam mais e mais.
COMERCIANTE— TEM COMIDA NA HOSPEDARIA!!!
De repente, todo aquele povo parte correndo dali, derrubando o que está na frente.
NEB— Esperem, não, não, esperem!
O pedido dele não faz a menor diferença, o povo já foi.
NEB— (desesperado) O que foi que eu fiz?
CENA 10: EXT. MATA – MANHÃ
O tempo passa...
Elimeleque, Noemi, Malom e Quiliom ainda se seguram com dificuldade na boca da caverna, na entrada no alto do paredão de rocha. Mas não há mais som estranho algum vindo da mata e arredores, apenas o vento, o farfalhar das folhas e o canto dos pássaros.
NOEMI— Eu não aguento mais ficar aqui, Elimeleque...
ELIMELEQUE— Não escuto nada... Acho que já é seguro descermos.
MALOM— Não poderia ser uma armadilha?
QUILIOM— Não acho, parece que desistiram e já foram, mesmo. Além disso, não aguento mais... Preciso beber água.
MALOM— Você sempre precisa beber algo, Quiliom.
ELIMELEQUE— Vamos descer.
Com muito cuidado, eles saem dali e dão a volta na rocha, descendo pelo outro lado. Pouco depois, chegam lá embaixo, onde está o cavalo e a carroça, intocados.
NOEMI— Eu clamei muito para que nada acontecesse...
QUILIOM— Eu ainda não entendo... Quem são eles? Só conhecia o líder, o tal do Segismundo.
ELIMELEQUE— São simplesmente mais uma das consequências da fome. Mas querem do jeito fácil, roubando de quem ainda tem alguma coisa. Vamos.
QUILIOM— O tal Segismundo disse que há pessoas na cidade que querem a nossa morte...
Elimeleque não diz nada.
CENA 11: EXT. DESERTO – MANHÃ
Eles saem da mata e chegam à árvore onde ocorreram os confrontos. Além da bagunça dos objetos, há alguns corpos de saqueadores e, do outro lado, o corpo de Dov. Noemi para, tampando, chocada, a boca e o nariz. Elimeleque olha num misto de pesar e raiva.
QUILIOM— Os desgraçados levaram as ovelhas.
MALOM— Quiliom...
Quiliom entende e fica em silêncio. Elimeleque se aproxima do corpo de Dov, agacha e olha com tristeza. Respira fundo... Então se abaixa e, com as pontas dos dedos, fecha os olhos do rapaz.
ELIMELEQUE— Descanse em paz, irmão.
Malom se aproxima.
MALOM— Há algo que indique mais sobre ele? Ou sobre a família, cidade...
Elimeleque revira as vestes.
ELIMELEQUE— Nada.
NOEMI— Ele disse que estava à procura de um lugar melhor para levar os pais e cuidar deles...
ELIMELEQUE— Se ao menos tivéssemos perguntado de onde ele vem... Tsc...
MALOM— Precisamos dar um destino digno ao corpo, meu pai.
ELIMELEQUE— Claro. Vamos fazer sim...
Em Elimeleque, IMAGEM CONGELA.
Obrigado pelo seu comentário!