CAPÍTULO 45
(Últimos Capítulos)
uma novela de
FELIPE LIMA BORGES
livre adaptação do livro de Rute
Edição da Versão Reprise por
RAMON FERNANDES
EDIÇÃO:
Capítulo 62 ORIGINAL (SEM CORTES)
CENA 1: INT. CASA DE LEILA – LOJA – DIA
Myra olha de Leila para Aylla. Essa, um tanto confusa, encara a mãe.
AYLLA — Quê? Por que está dizendo isso? Qual a novidade em dizer que é minha mãe?...
LEILA — Não... Aylla... Você não entendeu. Vou esclarecer...
Aylla estranha e continua a encará-la. Myra, surpresa, senta.
LEILA — Escute, minha filha... Existe um período da minha vida do qual você não sabe nada sobre. Um período onde conheci um homem... Um hebreu.
AYLLA — Um hebreu?...
Leila respira fundo. E começa a contar a sua história...
CENA 2: INT. HOSPEDARIA – QUARTO DE TAMIRES – DIA
Tamires, na porta, despacha um mensageiro.
TAMIRES — Vá.
O mensageiro sai e Tamires fecha a porta na cara dos seus guardas. Abimael está sentado na cama.
TAMIRES — (voltando) Noemi vai pagar muito caro.
ABIMAEL — Diga-me uma coisa, meu amor. Como acha que Segismundo vai aceitar vir até Belém apenas para matar essa tal de Noemi?
TAMIRES — Nessa carta que acabei de mandar eu escrevi que Noemi sabe tudo sobre mim, sobre a Caravana, e que está para dar a língua nos dentes.
ABIMAEL — Hum... Esperta. Quer deixar o pobre Segismundo ainda mais apavorado.
TAMIRES — “Motivado” é a palavra. Segismundo precisa de mim. A Caravana precisa. Do contrário, é apenas um corpo sem cabeça vagueando por aí.
ABIMAEL — E já pensou em como matarão a Noemi? Não será fácil a Caravana fazer isso dentro da cidade.
Tamires senta na cama.
TAMIRES — Já pensei sim. Noemi costuma sair, ir ao campo... Quando ela estiver por lá, eles a pegarão e a matarão.
Abimael faz que sim.
TAMIRES — (passando as mãos nele) Agora, meu bonitão, se arrume. Temos uma festa para ir!
ABIMAEL — Como quiser, minha deusa!
Tamires ri e morde os lábios dele.
TAMIRES — Meu gatão do mato, meu leão da selva!
Ele a agarra e a coloca em seu colo, de frente para ele.
ABIMAEL — Minha tigresa! Estrela ardente!
Ela ri.
ABIMAEL — Fogosa!
Ela ri mais e eles se beijam ardentemente...
CENA 3: EXT. BELÉM – ARREDORES – CREPÚSCULO
O dia passa e vem o cair da noite.
A festa da colheita, nos campos ao lado de Belém, começa!
Crianças correm com energia, adultos conversam alegremente enquanto comem e bebem e algumas rodas de cantoria e dança já começam a aparecer. Perto dali, o monte de cevada com uns 10 metros de altura.
Boaz e Josias caminham pela festa.
JOSIAS — O povo já está chegando. Ah, que época maravilhosa!
BOAZ — (olhando o monte) Essa festa tem que estar à altura do monte colhido!
JOSIAS — E estará, Boaz. Eu tenho certeza. Logo todos estarão aqui.
BOAZ — Eu mal posso esperar é por ver Rute chegando...
Josias sorri.
JOSIAS — Acalme o coração, Boaz.
Eles riem.
JOSIAS — Logo ela também chega.
Boaz faz que sim e eles param para beber.
CENA 4: INT. CASA DE NOEMI – SALA DE BANHO – CREPÚSCULO
Sentada em uma banheira de madeira cheia de água, Rute se lava enquanto parece perdida em pensamentos. Passa água pelos braços, molha o pescoço, a nuca... Seu olhar é distante.
CENA 5: INT. CASA DE NOEMI – QUARTO – CREPÚSCULO
Rute analisa três vestidos na cama. Passa a mão em um, compara outro... Por fim decide por um e o veste.
Pouco depois, enquanto encara seus próprios olhos no espelho, Noemi mexe em seu cabelo, fazendo um penteado. Mais tarde, Noemi lhe traz um pote de perfume. Ela pega, cheira e o passa de leve em seu pescoço. Fitando os próprios olhos, respira fundo.
CENA 6: INT. CASA DE NOEMI – SALA – NOITE
Alguém bate à porta. Noemi vem da cozinha e abre; é Tani, já pronta para a festa.
TANI — Shalom, Noemi.
NOEMI — Shalom, entre...
Tani entra e Noemi fecha a porta.
TANI — Noemi? Por que não está pronta? Não vai à festa?
NOEMI — Não, não, eu estou em paz, Tani.
TANI — Noemi! Mas o que é isso?... Eu estava crente de que teria sua companhia por lá...
NOEMI — Me desculpe, mas eu preciso ficar. De verdade. Vou permanecer em oração. (pequena pausa) Mas Rute irá.
Nesse momento Rute aparece lá em cima e vem descendo a escada.
NOEMI — Falando nela...
RUTE — Tani... Shalom!
TANI — Shalom... Uau, sua nora está linda, Noemi!
Rute, sorridente, chega ali. Seu vestido roxo claro com uma cinta larga está em perfeita harmonia com o penteado exuberante.
TANI — Nossa, essa fragrância... Rute, você tem que me dizer onde comprou esse perfume, menina!
Rute ri.
RUTE — Eu trouxe de Moabe... Já fazia tempo que não o usava.
TANI — Rum, acho que as atenções não vão ser para a cevada, mas para você.
Rute e Noemi riem.
RUTE — Imagine, Tani...
TANI — E poderá achar pretendentes num estalar de dedos!
Rute sorri, mas Tani se arrepende no mesmo instante.
TANI — Rute, me perdoe, por favor, não devia ter falado isso! Não quero ofender...
RUTE — Não ofendeu, Tani. Fique tranquila.
Sorrindo minimamente, Tani faz que sim.
TANI — Está pronta?
RUTE — Ahn, na verdade preciso terminar umas coisas ainda...
TANI — Hum, tudo bem... Então vou indo. Te vejo lá...
RUTE — Certo. Até...
TANI — (para Noemi) Se mudar de ideia, minha amiga, estarei por lá.
NOEMI — (sorrindo) Agradeço.
Tani sorri, vai para a porta e sai. Rute olha para Noemi.
RUTE — A senhora acha que eu devia ter pedido para ela não comentar com ninguém que eu vou?
NOEMI — Eu mesma já havia comentado e poderia ter pedido... O importante é que ela não te veja por lá. Que ninguém aponte onde você estava, para que Boaz não a procure nesses lugares.
RUTE — Entendi.
NOEMI — Boaz deve vê-la apenas no lugar certo, no momento certo.
Rute faz que sim.
NOEMI — Ele precisa entender a mensagem. Ele precisa saber de seu direito e dever como remidor.
RUTE — Tudo bem. Seguirei tudo o que a senhora disse.
Noemi sorri e ajeita alguns detalhes na roupa e no penteado da nora.
CENA 7: INT. CASA DE LEILA – LOJA – NOITE
Leila, Aylla e Myra estão sentadas. A garota encara o nada...
AYLLA — (os olhos marejados) Então... Eu sou mesmo sua filha...
Leila chora... Myra massageia seus ombros.
LEILA — Sim... É minha menina... O fruto do amor entre seu pai e eu...
Myra, apesar de consolá-la, está bastante impressionada. Aylla chora de vez...
AYLLA — Nunca, nunca poderia imaginar, jamais!... (soluços) Durante toda a minha vida já pensei muito em quem poderia ser meus verdadeiros pais... (funga, limpa os olhos) Depois que vim para cá... tentei aceitar que a senhora é quem era minha mãe... A mulher que teve amor, compaixão e coragem... para cuidar de mim, para me criar...
Leila continua a chorar e Myra limpa as próprias lágrimas.
AYLLA — E conforme fui crescendo... acostumei a chama-la de mãe, mas agora... agora... (olha para Leila) a forma como a enxergo... muda muito...
Leila então se levanta e ajoelha de frente para a filha.
LEILA — Aylla, meu amor, me perdoe! Eu te peço, eu te imploro! Mil perdões, meu amor! Mil perdões por não ter contado antes... Eu tentei... Eu juro que eu tentei... Mas nunca consegui. Nesses anos todos não consegui contar nem para Noemi... Só pouco antes de ela ir embora que eu finalmente contei...
Aylla funga bastante e Leila limpa as lágrimas do rosto da filha.
LEILA — Aylla, filha!... Eu só peço uma coisa: que nada, nada mude entre nós duas. Eu quero ser sua mãe, quero continuar sendo... Quero continuar tendo a honra... e o orgulho... de ser mãe de uma garota tão incrível e tão amável!
Chorando, Aylla encara Leila. Myra, lacrimejando, as observa um tanto apreensiva.
CENA 8: INT. CASA DE NOEMI – SALA – NOITE
Noemi termina de ajeitar Rute.
NOEMI — Onde está a capa?
Rute vai até ali e pega uma capa.
NOEMI — Muito bem. Que Deus a acompanhe, minha filha. Vou estar orando para que tudo dê certo.
RUTE — (sorrindo) Amém.
Rute veste a capa e cobre a cabeça.
RUTE — Shalom, senhora.
NOEMI — Shalom, Rute.
Noemi a acompanha. Abre a porta e Rute sai. Por uns instantes, Noemi observa Rute se afastando pela rua...
CENA 9: INT. CASA DE LEILA – LOJA – NOITE
Aylla para de encarar sua mãe e a abraça fortemente! Leila, aliviada, sorri...
AYLLA — É claro que eu a perdoo, minha mãe! É claro!
Apesar dos olhos fechados, ambas lacrimejam ainda mais enquanto abraçadas. Myra sorri...
AYLLA — Mas ainda mal acredito que vim da senhora...
Leila ri e aperta mais a filha em seus braços. Por fim se soltam e seguram as mãos uma da outra.
MYRA — Que bom que deu tudo certo... Mas ainda estou chocada com essa revelação, Leila.
Leila sorri.
LEILA — E você, Myra? Disse que queria saber... saber mais...
MYRA — Bom, a verdade é que... eu também tenho algo para contar.
Leila se senta ao lado de Aylla e elas mantém as mãos unidas. Observam Myra.
MYRA — Eu vim querendo saber mais sobre os hebreus, mas agora, com isso tudo, me senti motivada e decidi contar de vez... de uma vez por todas...
LEILA — Pode dizer, minha amiga. Você parece gostar muito do Deus de Israel...
Myra parece buscar as palavras...
MYRA — A verdade... é que eu já não consigo me concentrar nas minhas obrigações de cada dia como Sumo Sacerdotisa. Sabem... Eu não paro de pensar no que Rute e Orfa fizeram, e olhem que já se passaram 10 anos!
LEILA — Por que só agora?
MYRA — A lealdade de ambas com sua sogra, principalmente de Rute... despertou isso em mim... E passei a pensar mais no que elas fizeram há 10 anos... Sempre foram coerentes.
Leila a encara, aperta os lábios, funga, olha para os lados...
LEILA — Eu não sei o que dizer, Myra...
MYRA — Rute e Orfa eram apenas sacerdotisas. Eu sou a comandante de todo o sacerdócio de Moabe, é muito mais complicado. Mas, mesmo assim, não dá. Não vou continuar. Não vou. E, além do mais... eu tenho um projeto de vida.
LEILA —Projeto? Como é?...
Myra olha para Aylla.
MYRA — Quero reparar todo o mal que fiz ao... ao matar... ao matar crianças... em sacrifícios.
Leila e Aylla a observam interessadas.
MYRA — Vou fazer algo pelos pequenos. Mas antes... (respira fundo) Antes preciso resolver a minha vida.
Leila, ainda chorosa, faz que sim.
LEILA — É uma belíssima iniciativa, Myra. Não sabe como ouvir isso de você me deixa contente...
MYRA — Aylla... Você me perdoa? De verdade... Eu... preciso pedir perdão por... por tantas vezes tê-la preparado com o único objetivo de... sacrificá-la...
AYLLA — (sorrindo) Claro, senhora Myra. É claro que a perdoo!
Aylla se aproxima e elas se abraçam.
MYRA — Ah!... Que abraço gostoso... Você me perdoar... Não imagina... como isso é importante... para mim...
Aylla a solta e volta a sentar.
MYRA — Meu coração... acabou de ficar leve como uma pena!
Leila e Aylla sorriem.
AYLLA — As circunstâncias eram completamente diferentes, senhora Myra. (pequena pausa) E hoje estão me pedindo muitos perdões, hein...
Elas riem... Aylla então beija o rosto de Leila e aperta as mãos de Myra, que olha para elas com um sorriso ainda um tanto dolorido. Elas, no entanto, retribuem com olhares de doçura.
CENA 10: EXT. BELÉM – ARREDORES – NOITE
Uma figura encapuzada se aproxima da movimentação da festa. Muito mais gente, mais músicas, mais danças, mais risadas, mais comidas, bebidas, alegria e fartura para todos os lados!
Rute para e observa a tudo. Levanta o capuz apenas o suficiente para seus olhos contemplarem a festa. Então ela se aproxima mais e encosta em uma árvore. Dali, não demora muito e ela localiza Boaz, que parece olhar ao redor à procura de algo. Então ele serve mais vinho e vira a taça de uma vez. Alguém passa alegre e ele sorri para a pessoa.
Perto de Rute, duas pessoas passam sem a perceberem: Tamires e Abimael. Eles param em uma mesa, pegam alguma comida e dão um na boca do outro.
TAMIRES, ABIMAEL — Huuummm...
ABIMAEL — Delícia, não é?
TAMIRES — Perfeito!
Ali perto, Josias se aproxima de Boaz.
JOSIAS — E então, meu amigo?
BOAZ — Será que ela vai demorar?
JOSIAS — Oh, que isso, Boaz? Acalme-se... Ela vai vir, todos virão.
Josias ri do semblante de preocupação de Boaz.
JOSIAS — Coma esses grãos tostados, vamos... Experimente.
Boaz acaba aceitando e come. Nesse instante, Josias nota, um pouco longe dali, Diana, que também o percebe. Um calor parece passar pelas suas entranhas e ele engole em seco. Os dois, apesar da distância, se encaram... Logo Jurandir chega perto da filha e nota Josias, que, um tanto constrangido, resolve quebrar o contato visual. Ao perceber o pai ao seu lado, Diana, ressentida, se afasta rapidamente.
Em outro canto, Neb chega à festa. Cumprimenta algumas pessoas, mas elas imediatamente se afastam dele. Então se aproxima de outro grupo, que disfarça e se espalha. Ouve-se palavras soltas como “pata-de-vaca”, “egoísta” e até mesmo “ladrão”. Neb, sentido, respira fundo. Nesse momento, Tamires e Abimael passam alegres por ele. Ao nota-lo, eles param e o olham. Percebendo o semblante triste e desanimado de Neb, Tamires agarra o pescoço de Abimael e eles se beijam com muita intensidade. Ela puxa a cabeça do rapaz e aperta seus cabelos...
NEB — Não sabia que era permitido beijar um filho dessa forma!
Tamires interrompe o beijo e olha para ele.
NEB —Um rapaz dessa idade poderia muito bem ser seu filho!
Tamires, por um instante, parece querer responde-lo à altura, mas se interrompe... Pensa e usa outras palavras.
TAMIRES — Inveja, Neb?... Não esperava isso de você.
Ela ri e beija Abimael mais uma vez. Neb, com dificuldade, parece tentar controlar sua raiva. Tamires então solta Abimael e sai, puxando-o e rindo.
Lá na árvore, Rute continua discreta.
CENA 11: INT. PALÁCIO – PRISÃO – NOITE
Orfa, totalmente jogada no chão de sua cela, é observada pela feiticeira hebreia, na cela da frente. Nas vizinhas, outras feiticeiras estão sentadas, deitadas...
FEITICEIRA — Por que está assim?...
Depois de um tempo, Orfa vira a cabeça minimamente para ela.
ORFA — Estou cansada. (pequena pausa) Física e espiritualmente.
A feiticeira faz que sim.
ORFA — Há quanto tempo estou aqui e os deuses não mandam um sinal sequer...
A feiticeira continua observando-a.
ORFA — Acho que é melhor eu aceitar... que vou morrer igual ao meu marido.
FEITICEIRA — Conte ao rei o que ele quer saber, Orfa. Acabe com isso, satisfaça Zylom...
Por alguns instantes Orfa apenas encara o teto...
ORFA — Não.
A feiticeira balança a cabeça em desaprovação.
ORFA — Já fiz mal à minha amiga uma vez, não vou cometer o mesmo erro.
A feiticeira ergue uma sobrancelha.
ORFA — Se quer saber, prefiro morrer a fazer isso.
A mulher fecha os olhos com pesar...
CENA 12: EXT. BELÉM – ARREDORES – NOITE
A festa continua ainda mais alegre e agitada!
Rute, sempre oculta, se aproxima da movimentação e passa pelas mesas. Ao ver uma que lhe interessa, pega algumas coisas e come. Enquanto isso, olha discretamente para Boaz, que continua bebendo preocupado.
BOAZ — Será que ela não vem?!
JOSIAS — Espere, Boaz... Você precisa ter paciência, homem!
BOAZ — Talvez seja bom eu ir até a casa de Noemi e ver se está tudo bem.
JOSIAS — Não, Boaz. É melhor não. Você é uma das principais figuras da festa, não pode sair assim.
Josias vai até uma mesa e traz pão para eles. Em outro lugar da festa, Jurandir e Tani conversam.
JURANDIR — Por que você não conversa direito comigo, Tani? Por que me evita de toda forma?
TANI — Olhe, Jurandir, eu vou falar a verdade para você. Quando o vi pela primeira vez, lá de início... você pareceu interessante. Aparência agradável, gentil... Mas depois... A forma como você tratou Josias me deixou chocada. A decepção foi enorme! O que eu vi ali foi um ogro, uma besta, um monstro! Algo que eu esperava apenas de um membro da Caravana da Morte.
JURANDIR — Não está indo um pouco longe na comparação?
TANI — Se você acha...
Tani começa a sair, mas ele segura seu braço.
JURANDIR — Espere.
Ela o olha e solta seu braço da mão dele.
TANI — Diga-me, Jurandir, por que a raiva? Ahn?! Por que sente tanta raiva desse rapaz?!
JURANDIR — Sua família! Um bando de traidores, assassinos, só gente da pior estirpe!
TANI — E o que é que Josias tem a ver com isso?, me diz! Se ele nunca concordou com esse conflito idiota para o qual suas famílias e você dão tanta importância!
Jurandir abre a boca, mas não sabe o que responder.
TANI — Se quer saber, Jurandir, Josias tem muito mais valor e é mil vezes mais honrado que você, que pensa que tudo se resolve na ignorância. Só que... pessoas assim estão destinadas à solidão. E eu vou garantir que você se sinta assim, em prol de seus atos vis e desprezíveis! E não se aproxime mais de mim!
Imediatamente ela gira nos calcanhares e sai.
JURANDIR — Tani!
Ela o ignora e se afasta rapidamente. Ele fica ali, parado e sem saber o que fazer.
O tempo passa e a noite avança...
Mais tarde, as danças começam a diminuir e a comida a sobrar nas mesas. Algumas pessoas vão embora, outras caem bêbadas e outras ainda gargalham de causos contados à inspiração do vinho.
Mais tempo passa e a quantidade de pessoas diminui. As poucas que ficam estão sentadas pelas cadeiras, em cima das mesas, pelo chão... Rute, na penumbra, parece ser a única completamente sóbria. Continua a observar Boaz que, com aparência cansada e afetada pelo vinho, fala com Josias e Tani.
BOAZ — Bom, eu... vou ali cochilar um pouco...
E sai cambaleando de leve. Josias e Tani riem minimamente.
JOSIAS — Vai é apagar! Pelo tanto de vinho que tomou...
TANI — Só amanhã, agora....
Rute, ao ver que Boaz está se afastando, começa a andar; segue-o de longe. Ele se afasta, está caminhando para o outro lado. Preocupada em não perde-lo de vista, ela apressa os passos e passa pelas mesas bagunçadas. Nota que ele caminha na direção do monte de cevada... Então ela dá a volta por algumas árvores e corre de leve naquela direção.
Chegando ali, ela para ao vê-lo pegar uma coberta no galho de uma árvore e sentar aos pés do monte. Atenta, levanta o capuz um pouquinho para observá-lo bem. Boaz então deita, se cobre e não se mexe mais; já parece dormir profundamente. Rute fica um pouco ali...
Alguns instantes depois, constatado que ele não se mexe mesmo, ela se aproxima de mansinho, com extremo cuidado para não fazer nenhum barulho. Seu coração está batendo muito rápido e sente suas entranhas como que um profundo e gélido abismo. Está bastante nervosa...
Ela chega ali. O monte de cevada parece ainda maior... Observa Boaz, deitado e dormindo como um bebê. Rute aperta os lábios, apreensiva, e dá mais alguns passos. Um graveto se parte e ela paralisa com o barulho. No entanto, Boaz continua imóvel. Ela se aproxima... De pé ao lado dele, contempla-o. Ao olhar seu rosto, um calor parece passar por seu coração, que bate como nunca.
Então Rute se agacha silenciosamente... pega a coberta... e descobre os pés de Boaz. Nada relaxada, ela se senta no chão e olha para ele: adormecido... Então, extremamente tensa, ela deita com a cabeça próxima dos pés descobertos.
Apesar de estar em posição de dormir, Rute está com os olhos muito abertos e as mãos geladas. Enquanto espera, encara o nada na escuridão...
A noite avança...
O barulho e a luz vindos da festa diminui; apenas uma música constante e bem distante... Rute continua praticamente na mesma posição de quando se deitou.
Então Boaz estremece... Rute se assusta, vira os olhos na direção, mas continua parada, tensa... Ele se mexe mais um pouquinho... Seus pés roçam um no outro ao procurarem a coberta, mas não encontram. Apreensiva, Rute aperta os lábios. Por fim, Boaz desperta e se senta para ajeitar a coberta. Ao fazer isso, ele sente a presença de Rute ali. Assustado, se afasta repentinamente. Mantém-se um pouco distante, mas ainda sentado.
BOAZ — Quem está aí?!
Rute, completamente nervosa, respira ofegante... Boaz aperta os olhos, que vão se acostumando à escuridão... Percebe o vulto de uma mulher... mas ainda não identifica.
BOAZ — (curioso) Quem é você?
Rute cria coragem e, apesar da escuridão, se senta e olha para ele. IMAGEM CONGELA.
Obrigado pelo seu comentário!