Débora
CAPÍTULO 07
uma novela de
FELIPE LIMA BORGES
escrita por
FELIPE LIMA BORGES
baseada nos capítulos 3 a 5 do livro
de Juízes
No
capítulo anterior: Débora implora para que Jaziel a ajude e Tamar a
permita ir atrás de Lapidote e Misael, e a mãe acaba permitindo. No terceiro
dia de busca, sem sucesso, os dois garotos encontram no deserto um grande
acampamento filisteu onde estimam haver 500 homens. Elian diz à filha que ela
não deve mais se referir a Lapidote como seu namorado, e Débora pergunta se ele
gosta de falar isso, ao que ele nega. Na rua, Débora fala com o povo. Diz que,
baseado no passado, só há duas formas de se libertarem da opressão: voltando
para Deus e lutando. O povo começa a insultá-la, e ela conta sobre a descoberta
que fez no deserto. Continua dizendo que podem se unir ao restante de Israel e
vencer seus dominadores, mas ninguém acredita em seu próprio potencial, zomba
dela e vai embora. Querendo se divertir, o Comandante manda um soldado queimar
parte das propriedades de Sangar. À noite, antes da refeição, Débora emenda a
oração do pai pedindo que o Senhor amoleça o coração do povo para que voltem
aos caminhos de Deus e queiram lutar por sua liberdade. Sangar está jantando
tranquilamente quando é surpreendido por um incêndio em seu celeiro, causado
por dois soldados filisteus que vão embora. Sangar corre para tentar apagar o
fogo.
FADE
IN:
CENA 1:
EXT. CASA DE SANGAR – QUINTAL – MANHÃ SEGUINTE
Sangar amanhece sentado no chão e com
semblante de derrota. À sua frente, o celeiro e parte de outras propriedades estão
em cinzas.
Ao redor dele estão Débora, Jaziel,
Tamar e Elian.
SANGAR
Estou
perdido... Quase tudo foi destruído pelo fogo...
Todos o olham com pesar.
SANGAR
Os
filisteus se sentem superiores... Não basta cobrarem altíssimos impostos,
precisam acabar com tudo!
Termina a frase batendo no chão com
raiva.
TAMAR
Nós sentimos
muito, Sangar... No que pudermos ajudar, pode contar conosco.
ELIAN
Sim...
JAZIEL
E com a
minha família também.
Então Sangar põe-se de pé de uma
vez.
SANGAR
Chega! Isso
não vai ficar assim!
DÉBORA
Do que está
falando?
SANGAR
Se o povo
não quer lutar, eu mesmo vou até lá lutar com eles!
TAMAR
Quê?!
ELIAN
Do que está
falando, Sangar?
JAZIEL
Você
enlouqueceu?!
SANGAR
Eu estou
farto! Farto de tanta injustiça! Isso não pode continuar assim, não está
certo! O povo não deve sofrer dessa maneira! Não Israel! Não o povo escolhido
por Deus!
DÉBORA
Mas você
está ouvindo o que está dizendo?! Ir lá sozinho?! É perigoso!
TAMAR
Não, “perigoso”
é nada perto do que realmente isso é!
JAZIEL
É
impossível...
SANGAR
Estamos
habitando a terra que Deus prometeu a Abraão! Estamos aqui para vivermos fartos
e felizes! Não para sermos escravos!
DÉBORA
E como
pretende ir sem arma alguma?!
SANGAR
Não seja
por isso, eu levo minha aguilhada.
Sangar se abaixa e pega um objeto
caído. Trata-se de sua aguilhada, uma vara com uma ponta de ferro usada no
pastoreio de seus rebanhos.
Débora parece ficar um tanto mais
tranquila, mas não Tamar.
TAMAR
Pretende
enfrentar os soldados filisteus sozinho e usando apenas uma aguilhada?
SANGAR
Errado. O
Deus dos deuses estará comigo. Agora apenas me digam onde é o acampamento
desses incircuncisos!
DÉBORA
(um tanto
empolgada) Jaziel e eu podemos te levar até lá.
TAMAR
Negativo!
Não quero de forma alguma Débora correndo perigo!
DÉBORA
Mas mãe--
TAMAR
(interrompendo) Sem “Mas”,
Débora! Não invente! Você tem apenas 12 anos!
ELIAN
Sua mãe tem
razão.
Débora, frustrada, olha para
Sangar.
JAZIEL
Eu o levo
até lá, Sangar.
TAMAR
E quanto
aos seus pais, Jaziel?!
JAZIEL
Não há
tempo para isso. Mas os senhores podem avisá-los.
SANGAR
Pois vamos
agora mesmo, Jaziel!
Logo Sangar, com Jaziel atrás, sai
cavalgando o mais rápido possível.
ELIAN
(apreensivo) Hoje ou
será a nossa sonhada libertação, ou a triste morte de um amigo.
TAMAR
(lamentando) Quem dera
fosse a primeira... Mas acho que será a segunda...
DÉBORA
(confiante) E eu tenho
certeza de que será a primeira!
Tamar
dá uma olhada para Débora, olha para Elian e continua a observar o cavalo se
distanciando.
CENA 2:
EXT. DESERTO – DIA
O cavalo chega ao paredão de rocha
e para; Jaziel e Sangar descem.
JAZIEL
É do outro
lado desse paredão. Dá para ver daqui.
Sangar, já empunhando a aguilhada,
olha por um buraco e nota o grande acampamento.
SANGAR
Malditos...
Jaziel respira fundo e faz que sim.
SANGAR
Fique aqui,
Jaziel. É apenas um garoto.
JAZIEL
Ficar
aqui?! Eu já sou um homem, Sangar!
SANGAR
Você já
cumpriu a sua missão me trazendo até o local certo. Agora é comigo... e,
principalmente, com o Senhor nosso Deus.
JAZIEL
Sangar, por
favor... Deixe-me ir com você... Pode precisar de mim, eu posso te ajudar de
alguma forma! Posso até salvar a sua vida!
SANGAR
Não sou
responsável por você, Jaziel, deve ficar aqui. Se algo acontecer, volte
imediatamente para Betel. Se não der tempo de fazer isso, se esconda. Entendeu?
JAZIEL
(a
contragosto) Sim...
SANGAR
Se bem que
não pretendo que nada disso seja necessário, pois vou em nome do Deus dos
exércitos.
JAZIEL
Você é
louco.
SANGAR
Eu sou um
hebreu. E com orgulho!
Jaziel o encara.
SANGAR
Já vou indo.
Até logo...
Sangar vira e vai se afastando.
JAZIEL
Sangar!...
Sangar para e olha.
JAZIEL
Shalom.
Sangar dá um sorrisinho.
SANGAR
Shalom,
Jaziel.
Sangar
volta a caminhar e some atrás do paredão de rochas. Logo Jaziel segura no mesmo
e observa o acampamento por uma das fendas.
CENA 3:
EXT. ACAMPAMENTO FILISTEU – DIA
No acampamento, o Comandante sente
dor na barriga de tanto gargalhar da imitação da reação de Sangar feita
diversas vezes pelo soldado.
COMANDANTE
(gargalhando) De novo,
de novo! Faz!... Como foi que ele fez?!
O soldado então imita
grosseiramente a angústia de Sangar e o Comandante cai em mais risadas.
COMANDANTE
Eu vou
precisar... ir eu mesmo aprontar uma... com ele... para ver essa cara feiosa!
E gargalha. Mas uma voz fala atrás
dele.
SANGAR
Então por
que não olha para trás?
Surpreso, o Comandante vira e para
de rir: Sangar, segurando a aguilhada, está ali, parado e de pé. Os soldados
levam as mãos ao cabo de suas espadas.
COMANDANTE
Ora, ora...
Como chegou aqui? Como nos encontrou?
SANGAR
Isso não
interessa. Só o que interessa é o que eu vou fazer em instantes.
Cheio de confiança, o Comandante
sorri de orelha a orelha.
COMANDANTE
(fazendo
biquinho) Oh, o cicatriz está ressentido... Tão ressentido que até perdeu
a cor... Está cinza, assim como as suas propriedades!
Todos os soldados ali gargalham de
Sangar, que permanece quieto.
COMANDANTE
(tranquilamente)
Cerquem-no, vão...
Quase vinte soldados armados cercam
Sangar, deixando apenas um espaço para o Comandante visualizá-lo.
COMANDANTE
Diga-me,
Sangar... E o que é que você pretende fazer aqui em instantes?
SANGAR
Matar todos
vocês e livrar o meu povo da opressão.
É uma gargalhada generalizada, não
há um ali que não se curva de tanto rir. O Comandante até limpa sua boca das
salivas vindas do riso.
COMANDANTE
Um
pouquinho ousado, você... Ai, Sangar... Sangar, Sangar. Acho que hoje é o
melhor dia da minha vida. Não sabe como eu ri dos relatos dos soldados que
queimaram as suas coisas na noite passada, e agora você próprio vem até mim me
proporcionar mais risos e alegria!...
Sangar continua firme, apenas
encarando o Comandante.
COMANDANTE
Quantos
homens acha que há aqui, Sangar?
Sangar dá de ombros, não dando a
mínima.
COMANDANTE
600 homens.
Sangar apenas levanta uma
sobrancelha e faz que sim devagarinho.
COMANDANTE
Pretende
enfrentar 600 homens com espadas e couraças usando apenas uma aguilhada de
pastor e sua veste comum?
SANGAR
Eu tenho
Deus ao meu lado. Mais afiado que qualquer espada de ferro e mais seguro que
qualquer couraça feita pelas mãos de homem.
Vários ali riem.
COMANDANTE
Ahhh, sim,
claro! O Deus invisível dos hebreus.
SANGAR
É isso
mesmo.
COMANDANTE
(rindo) Ele está
aqui agora? E te ajudará?
SANGAR
Logo você
terá essa resposta.
Rindo, o Comandante vai até uma
cadeira ali perto, senta-se, cruza as pernas, serve uma taça de vinho e toma.
COMANDANTE
(apreciando
o sabor do vinho) Matem-no.
Alguns dos soldados que o cercam
avançam com suas espadas, mas o inesperado acontece: com rápidos movimentos,
Sangar desarma a todos e os fere com a ponta da aguilhada; caem sangrando.
Ainda tranquilo em sua cadeira, o Comandante continua a beber.
COMANDANTE
Confesso
que por essa eu não esperava, Sangar. Então o hebreu pastor sabe lutar...
SANGAR
(um tanto
maravilhado) Eu não faço ideia do que as minhas mãos estão
fazendo!
O restante dos soldados próximos avança
gritando, mas, a uma velocidade incomum, Sangar usa sua aguilhada para bloquear
os golpes, arrancar as espadas e finalizar os soldados. Um a um, aqueles homens
vão caindo aos seus pés.
O Comandante, já visivelmente
incomodado, larga a taça de vinho e fica desconfortável em sua cadeira. Faz
sinal para outros soldados avançarem contra Sangar, mas o sucesso não vem. O
hebreu continua a lutar eximiamente, de forma que os soldados filisteus não
tenham chance alguma. Espadas continuam a voar para longe, mãos continuam a
serem cortadas, e peitos atravessados pela simples ferramenta de pastoreio.
Inquieto na cadeira e sem o menor
traço de diversão em seu rosto, o Comandante observa a luta preocupado e
raivoso ao mesmo tempo.
Outros
soldados do acampamento, mais receosos que os anteriores, correm até Sangar,
mas é como se uma força invisível guiasse os movimentos perfeitos e certeiros
de seus braços, de forma que não leve nenhum arranhão, mas fira gravemente a
todos.
CENA 4:
EXT. DESERTO – DIA
Jaziel está maravilhado com o que
vê pela fenda na rocha.
JAZIEL
Como eu
queria que estivesse aqui, Débora!
CENA 5:
EXT. ACAMPAMENTO FILISTEU – DIA
O Comandante então se levanta e faz
sinal para todo o acampamento.
COMANDANTE
TODOS!!!
AQUI, TODOS!!! AGORA!!!
Dezenas e dezenas de homens avançam
contra Sangar de todos os lados. Seus olhos parecem tremer, mas seu corpo não o
trai: chutes, cotoveladas, tudo com a finalização da aguilhada. Enquanto agarra
um braço, fere um soldado, chuta o primeiro, desvia de um golpe, de outro, mais
outro, desfere um soco, usa a base da aguilhada no rosto de um, imediatamente a
ponta é fincada em outro... E assim, um a um, todos os soldados vão,
incrivelmente, sendo derrotados.
COMANDANTE
(tremendo)
Impossível!... VÃO!!! Cercar e cobrir!!! CERCAR E COBRIR!!!
Sangar se afasta da pilha de
soldados caídos e os outros o cercam. Ele olha para todos os lados, todos
prontos para avançar, mas parados. Cada rosto filisteu ali lhe olha num misto
de ódio e medo.
De repente, um atrás grita e Sangar
olha. É quando todos se aproximam ao mesmo tempo. Ele olha para outro lado, e
jogam terra em seus olhos; ele cai. Os homens então pulam em cima dele, um a um
vão formando uma montanha de homens sobre Sangar, e então param.
O Comandante, esperançoso, olha
para a pilha de soldados que pressionam um ao outro. Eles gritam de raiva,
usando de todo seu peso para esmagar Sangar lá embaixo. É impossível vê-lo, e o
Comandante se aproxima.
COMANDANTE
Agora eu te
peguei...
De repente, um barulho... Um
barulho estranho de perfuração... Gemido... Rasgo... Perfuração... O Comandante
olha bem... e se assusta com o que vê: a aguilhada de Sangar, de baixo para
cima, perfurou 4 soldados da montanha e sai rasgando a costa de mais um.
COMANDANTE
MALDITOOO!!!
A aguilhada volta para baixo, os
feridos são jogados para o lado e Sangar fere cada um dos que se jogou em cima
dele. Desesperado, o Comandante começa a se afastar, quase incrédulo com o que
vê. Sangar se levanta, se limpa e olha para o resto dos soldados.
Então, lutando com os restantes,
Sangar começa a se aproximar do outro lado do acampamento, onde há um pequeno
abismo. Sua aguilhada trabalha como nunca desarmando, bloqueando e ferindo.
À beira do abismo, Sangar chuta aqueles
que está enfrentando e também os que estão ao redor, fazendo-os despencar pelo
ar e cair no riacho lá embaixo.
Os últimos três soldados se
aproximam com lanças, mas ele pressiona uma no chão com o pé, usa a aguilhada
para quebrar duas de uma vez, pega a lança que pressionou, bate em um com a base dela (que cai), fere outro com a lança,
rasga o pescoço do terceiro e joga a aguilhada no soldado caído, fincando-a
nele.
Abismado, e como último
sobrevivente, o Comandante o encara com os olhos vermelhos. Sangar se aproxima
do último derrotado, arranca a aguilhada e fica parado, olhando para o
Comandante.
COMANDANTE
A mim
não. Não a mim... Não a mim!
Então o Comandante, segurando sua
espada com firmeza, corre até Sangar. Ao chegar perto, o hebreu não tem muita
dificuldade em se proteger dos golpes. Logo chuta o adversário no peito, que se
afasta, mas não cai. O Comandante volta a investir contra, mas Sangar agarra
seu braço, bate na mão com a aguilhada fazendo com que a espada caia no chão,
agarra seu pescoço, e encosta a aguilhada em seu peito.
SANGAR
Morra...
sabendo que o Deus invisível... derrotou você!
Sangar atravessa a ponta do
aguilhão na couraça do Comandante e a finca em seu peito. O homem, olhando-o
com raiva, tosse e sua boca se enche de sangue. Sangar então o leva até a beira
do abismo e o joga dali.
O corpo bate nas pedras lá embaixo e
fica estirado junto aos outros.
Cansado, Sangar desaba de joelhos.
Logo Jaziel chega no acampamento e corre até ele.
JAZIEL
(gritando) Sangar!!!
Você conseguiu!!! Você conseguiu, Sangar!!!
Jaziel derrapa e ajoelha de frente para
Sangar.
JAZIEL
Você
conseguiu, matou a todos!!!
SANGAR
(exausto) Não... Foi
Deus... Foi Deus quem me usou.
JAZIEL
Precisamos
ir e espalhar a nova! Israel está livre!!!
CENA 6:
EXT. BETEL – ENTRADA – DIA
Parados no portão da cidade, Tamar,
Elian e Débora observam o cavalo que se aproxima. Jaziel, atrás de Sangar, não
para de falar em alta voz.
DÉBORA
(NAR.)
O que ouvi
a seguir me proporcionou um dos momentos mais alegres da minha vida até ali...
DÉBORA
É impressão
minha... ou estão berrando... que estamos livres?...
TAMAR
Será
possível?...
O cavalo se aproxima e eles
entendem.
JAZIEL
Estamos
livres!!! Livres!!!
Eles descem e Jaziel já vem
contando tudo o que aconteceu.
ELIAN
Sangar?! 600
homens?!
E
continuam a relatar eufóricos.
CENA 7:
EXT. BETEL – RUAS – NOITE
A noite cai e a festa em Betel é generalizada!
Comidas e bebidas em fartura. Danças e cantorias em cada canto das ruas. E
crianças correndo como se não houvesse amanhã.
No meio da rua, Sangar recebe tapas
nos braços e na costa, e o povo levanta suas taças de vinho para ele. Débora
sorri para Jaziel e seus pais e se afasta. Pega um doce em uma mesa por ali e
fica num canto. Então tira de um bolso a semente de tamareira com o cordão e a aperta
firme. Apesar de aparentemente estar observando o povo, seus pensamentos estão bem
distantes...
DÉBORA
(baixinho) Como eu
queria que você estivesse aqui...
Na cantoria do povo e no olhar
levemente sorridente, mas saudosista, de Débora, IMAGEM CONGELA
CONTINUA...
FADE OUT:
No próximo capítulo: Uma nova fase começa em “Débora” quando 6 anos
se passam. Aos 18, Débora usa seu tempo com aventuras, treinos à espada e
conversas com o ancião Aliã sobre as coisas de Deus. Mal sabe ela que uma
terrível força começa a se levantar em um reino vizinho chamado Hazor.
Obrigado pelo seu comentário!