Débora
CAPÍTULO 21
3ª fase
uma novela de
FELIPE LIMA BORGES
escrita por
FELIPE LIMA BORGES
baseada nos capítulos 3 a 5 do livro
de Juízes
FADE
IN:
CENA 1:
EXT. HAROSETE – ARREDORES – DIA
Três sacerdotes passam à frente do
exército jogando fumaça, respingando líquidos e proferindo palavras de bênçãos
dos deuses. Na frente está a frota de 900 carros de ferro – cada um puxado por
um cavalo – com Sísera e mais um no da frente e, ao lado, o Primeiro Oficial com
outro. Atrás da imensidão de carros está o restante do gigantesco exército.
Hazoritas curiosos assistem a tudo
espremidos no alto da muralha da cidade.
DÉBORA
(NAR.)
Poucos dias
depois do meu casamento com Lapidote, as forças do mal já estavam prontas para
atacar o nosso povo.
Quando os sacerdotes terminam, eles
se afastam e o rei Jabim se aproxima; olha para os soldados.
JABIM
Homens de
Hazor! Estejam certos de que a vida de todos os hazoritas mudará quando vocês
completarem essa missão! Que os deuses os guiem e tragam mais essa vitória para
o nosso reino!
Os homens gritam animados.
Jabim se afasta. Sísera aponta a
espada para frente e todo o exército avança.
DÉBORA
(NAR.)
Os
hazoritas atacaram primeiro as cidades da fronteira. Dominaram-nos com bastante
rapidez. Depois eles se dividiram e foram violentando outras cidades mais adentro,
espalhando a alarmante notícia de que agora todos os hebreus seriam seus escravos.
CENA 2:
EXT. BETEL – ARREDORES – DIA
Perto de Betel, os carros de ferro
param de forma imponente e assustadora a algumas centenas de metros da muralha.
Soldados à pé correm para a cidade e hebreus que estavam do lado de fora tentam
alcançar o portão a tempo.
DÉBORA
(NAR.)
E não
demoraram muito para chegarem a Betel.
CENA 3:
EXT. BETEL – RUAS – DIA
Nas ruas, a gritaria e a confusão é
generalizada quando os soldados invadem e começam a destruir as coisas, virar
as barracas e a perseguir o povo.
Sísera
entra na cidade, para. Olha para tudo... Então avança.
CENA 4:
EXT. BETEL – PRAÇA – DIA
Pouco depois, os soldados hazoritas
mantém os hebreus acuados e quietos. Entre eles estão Débora, Lapidote, Jaziel,
Elian e Tamar.
Sísera anda na praça de um lado
para o outro.
DÉBORA
(NAR.)
Esse dia...
O fatídico dia em que descobrimos a que estávamos condenados.
SÍSERA
Hoje!... é
o dia em que tudo muda para vocês, hebreus. É o dia em que adquirem a
imensurável honra de serem servos do grande rei Jabim. Trabalharão no campo e
na cidade, e de tudo o que produzirem, uma boa parte deverá ser entregue aos
soldados, que encaminharão a produção a Hazor. A vocês caberá uma pequena
parte, apenas o suficiente para sobreviverem, que é o que importa.
O povo ouve angustiado.
SÍSERA
Devo
lembrar-lhes de que qualquer ato de desrespeito e insatisfação será combatido
com chicote e espada! (pequena pausa) Espero que se comportem, porque
não quero nunca mais colocar os meus pés nesse lugar.
E olha ameaçadoramente para todos.
Nisso, seus olhares e os de Débora se encontram... Mas logo o contato se quebra
e Sísera vira para voltar.
SÍSERA
Os soldados
que permanecerão fiquem e armem suas tendas ao redor da cidade! O restante,
avante comigo!
Sísera e uma parte dos soldados
caminham para o portão.
As
pessoas, num silêncio pesado e amedrontador, se entreolham desoladas. Débora e
Lapidote, aflitos, se abraçam.
Escuridão.
Uma voz distante...
Ao mesmo tempo longe... Ao mesmo
tempo perto...
Ao mesmo tempo forte... e suave...
Incisiva... e cuidadosa.
É difícil compreender o que ela
diz...
De
repente entende-se: “Débora”.
CENA 5:
INT. CASA DE DÉBORA – QUARTO – NOITE
Os olhos de Débora se abrem e ela
acorda. Franze a testa.
Então senta na cama e respira.
DÉBORA (38 anos) passa a mão pelo rosto.
LAPIDOTE (40 anos), ao seu lado,
também desperta e olha para ela.
LAPIDOTE
Meu amor...
Já está na hora?
DÉBORA
Eu... acho
que acordei um pouco antes.
Ele percebe que houve algo.
LAPIDOTE
Você
sonhou?...
DÉBORA
Não. Quer
dizer... não exatamente. Era...
LAPIDOTE
A suposta
voz.
Ela respira fundo e faz que sim.
LAPIDOTE
Mais uma
vez...
DÉBORA
Mais uma
vez.
Lapidote, pensativo, se ajeita e beija
o ombro dela.
LAPIDOTE
Vou me
levantar.
DÉBORA
(NAR.)
Eu
costumava acordar antes dos hazoritas acampados ao redor de Betel, para que
eles não percebessem nada do que eu fazia às escondidas.
CENA 6:
INT. CASA DE DÉBORA – SALA – NOITE
Débora e Lapidote desjejuam à mesa.
DÉBORA
(NAR.)
Após o
desjejum, Lapidote seguia para sua sapataria e eu me encontrava com Jaziel no
campo.
CENA 7:
EXT. CAMPO – NOITE
Sob o céu ainda escuro e estrelado,
Débora e Jaziel duelam, mas com pedaços de madeira no lugar das espadas.
Ambos lutam bem, mas, nesse
momento, é Débora quem leva a melhor. Ela está mais imponente e mais ofensiva.
Então ela o “fere”. Seguidas vezes
o “fere” no braço, na mão, no peito...
DÉBORA
Você
precisa acordar!...
Jaziel se defende, mas ela continua
a acertá-lo.
DÉBORA
Mestre?!
Nada muda. Débora é mais violenta,
mais incisiva até que, num movimento rápido, derruba Jaziel com uma rasteira, chuta
o pedaço de madeira da mão dele e aponta o seu para o rosto do amigo.
DÉBORA
Supostamente
era para você estar fazendo isso e eu aí deitada e aprendendo.
Jaziel respira fundo e olha nos
olhos dela, que joga fora sua madeira.
DÉBORA
O que está
acontecendo, Jaziel?
Débora senta ao lado dele.
JAZIEL
Você sabe.
DÉBORA
Não é fácil
para ninguém.
JAZIEL
Não é, mas
ao menos as pessoas têm com quem dividir suas angústias.
DÉBORA
Mas
Jaziel... Eu já lhe apresentei tantas moças...
JAZIEL
O problema
sou eu. 20 malditos anos se passaram e não consegui seguir em frente.
Débora lamenta com o olhar.
JAZIEL
Ela se
casou, seguiu em frente, teve uma filha... E eu sigo sendo feito de capacho por
esses malditos incircuncisos dos hazoritas.
DÉBORA
Você está
preso em algo que já demonstrou não ter futuro, Jaziel. É uma tarefa realmente
difícil desarraigar, deixar para trás aquilo com que tanto sonhamos, pelo que
tanto lutamos, mas é necessário. Pois nos segura, nos impede de alcançar uma bênção.
É um exercício de esforço e de boa vontade.
JAZIEL
Ao
contrário do que pode parecer, eu não sinto amor. Só revolta. Raiva. Nunca
pensei que sentiria tanta raiva assim...
DÉBORA
(triste) Isso tudo
é tão estranho... Sama vive em Quedes há quase 20 anos... Por que sua raiva
está tão alimentada dessa forma?
Quando Jaziel vai responder, um
barulho entre as árvores denuncia a chega de alguém. Débora pega sua madeira,
mas Jaziel reconhece a figura e ela estranha a calmaria dele.
JAZIEL
(para o
recém-chegado) Essa não é a melhor hora.
Um rapaz chega ali.
RAPAZ
De dia os
hazoritas estão atentos e alertas com mensageiros. Agora é que é a melhor hora.
É o único momento.
Jaziel respira fundo.
JAZIEL
Pois fale.
RAPAZ
Ela ainda
está em Quedes. Vivendo normalmente, como sempre.
Débora franze a testa.
DÉBORA
Espere...
Não estão falando de--
JAZIEL
(interrompendo) Sama.
Débora, frustrada, balança a cabeça
negativamente.
JAZIEL
Muito bem,
pode ir.
RAPAZ
Shalom.
O rapaz volta e some por entre as
árvores.
JAZIEL
Estou
pensando... em partir. Sair... para ver se esse problema se resolve. Se acaba.
DÉBORA
Está
pensando em ir atrás de Sama?! Não é possível, Jaziel!
JAZIEL
Não, não
quero ir para Quedes. Quero tentar me curar emocionalmente. Acho que uma viagem
pode me ajudar.
DÉBORA
E como você
faria isso? Como sairia sem ser visto?
JAZIEL
Da mesma
forma que viemos todos os dias treinar.
Ela
apenas o olha, lamentando por dentro.
CENA 8:
EXT. BETEL – RUAS – DIA
Vemos o movimento das ruas de
Betel. As barracas, as lojas, o comércio local...
DÉBORA
(NAR.)
Com o
domínio hazorita, o comércio de Betel funcionava de acordo com as leis de
Hazor. No início de cada mês, os soldados levavam a maior parte do lucro
adquirido, deixando apenas a décima parte para os vendedores. Caso alguém
tentasse esconder parte do lucro e fosse descoberto, sofreria o típico castigo
hazorita.
CENA 9: FLASHBACK:
EXT. BETEL – PRAÇA – DIA
Um
homem é carregado pelos soldados, amarrado, e é chicoteado diversas vezes, até
cair fraco e ensanguentado.
CENA 10:
FLASHBACK: EXT. BETEL – ARREDORES – DIA
Os
soldados amarram os braços do homem a uma corda, que é presa a um cavalo, e as
pernas em outra corda presa em outro cavalo, virado para a direção oposta.
Então batem nos animais que, assustados, tomam direções contrárias, fazendo o
corpo do homem levantar...
Ouve-se
apenas o barulho do desmembramento.
CENA 11: EXT.
BETEL – RUAS – DIA
Débora caminha pela rua
movimentada. Hebreus e soldados hazoritas compõe os presentes ali.
DÉBORA
(NAR.)
Nós
tentávamos nos esquecer desses eventos cruéis... Não era nada fácil, mas não
deixávamos de tentar.
MULHER
Débora!!!
Débora vira e vê uma conhecida toda
alegre se aproximando atrapalhada. É ADÉLIA (23 anos, gordinha). Ela carrega um
cesto preso ao pescoço por uma alça.
DÉBORA
(sorrindo) Adélia!
Shalom!
ADÉLIA
Shalom!...
Ai, como eu canso... (ri) Mas te alcancei!
DÉBORA
Aqui
estamos.
Riem.
ADÉLIA
Eu vim
porque gostaria que a senhora experimentasse minha nova receita. Acrescentei
uma leve essência de ervas adocicadas, alterei a qualidade dos figos e
coloquei, como sempre--
DÉBORA
(interrompendo) Uma
pitadinha de amor!
Elas riem.
ADÉLIA
Exatamente!
Ai, tenho uma admiradora, já estou conhecida na cidade!...
DÉBORA
Então
deixe-me experimentar essa nova receita.
Adélia abre o cesto, pega um
bolinho com uma cobertura escura e dá para Débora.
DÉBORA
O aroma...
Hum, está convidativo!
Débora morde o bolo. Adélia muda o
semblante e fica aflita.
ADÉLIA
Ai,
senhora... Fico tão nervosa quando vão experimentar minhas receitas novas...
DÉBORA
Mulher!...
Nervosa por quê?! Isso aqui está maravilhoso! Como sempre! Divino!
ADÉLIA
Ai, que
alívio!!! Meu Deus, quase eu passo mal...
DÉBORA
Adélia! Que
dom esse que você tem, hein... Por que é que ainda não abriu uma loja ao invés
de sair vendendo pelas ruas? Correndo risco até de um soldado roubar seus bolos
e seu lucro...
ADÉLIA
(baixinho) Cá entre
nós, senhora, roubar roubar eles já fazem, não é? Que ninguém me ouça,
pelo amor de Deus! (tom normal) Mas sobre isso que a senhora falou... É,
não é má ideia. Eu penso nisso, sabe, senhora? Já até falei com a minha irmã. Por
outro lado, gosto muito de estar nas ruas, sabe? No meio do povo, falando...
Eu gosto de falar, não sei se a senhora notou. Às vezes berro mais do que falo,
mas isso é detalhe. (ri) De qualquer forma, obrigada, senhora. Mesmo.
Débora então pede outro bolo e
paga.
ADÉLIA
Shalom,
senhora Débora!
DÉBORA
Shalom,
Adélia! Tenha um bom dia de trabalho!
ADÉLIA
(sorrindo) Obrigada! (sai;
anunciando) Doces! Olha os doces! Bolos, doces, pães adocicados, receitas
de mel! Doces da Adélia! O único com uma pitadinha de amor!
Comendo
o bolo e observando-a, Débora sorri. Então toma seu caminho.
CENA 12:
INT. SAPATARIA DE LAPIDOTE – DIA
Débora, segurando metade do bolo,
vem da rua e entra na sapataria, cuja entrada é larga, bem iluminada e arejada.
Há ali vários sapatos e sandálias em exposição e, mais para o meio, as
ferramentas de Lapidote, que, naquele momento, conserta um par de sandálias.
DÉBORA
Shalom, meu
amor!
Lapidote olha para ela.
LAPIDOTE
Shalom,
amor...
DÉBORA
Experimente
esse bolo aqui.
Débora dá o bolo na boca de
Lapidote, que saboreia.
LAPIDOTE
Hummm...
Amei!
DÉBORA
Eu também.
É a nova versão da receita da Adélia, aquela vendedora das ruas.
LAPIDOTE
Só acho que
desceria melhor com um pouquinho de leite.
DÉBORA
Vou pegar
pra você. Deve ter nos fundos.
Enquanto Débora vai para o fundo,
um HOMEM (50 anos) entra na sapataria segurando um par de sandálias.
HOMEM
Shalom...
Lapidote se levanta e se aproxima.
LAPIDOTE
Shalom, meu
irmão. O que deseja?
HOMEM
Eu gostaria
que o senhor desse uma olhada nessas sandálias... Parece ter algo... Incomoda
muito os meus pés.
Lapidote pega as sandálias e as
analisa. Débora volta segurando um copo de leite, que coloca ao lado da cadeira
do marido.
LAPIDOTE
(percebendo-a) Obrigado,
meu amor.
O homem olha para Débora e sorri
timidamente; ela retribui e permanece de pé, esperando.
LAPIDOTE
Desculpe-me,
senhor, mas não vejo nada de errado com sua sandália. Vou testar em meus pés.
Lapidote então tira as suas e o
homem fica meio sem jeito. Lapidote calça e se movimenta um pouco.
LAPIDOTE
O senhor
tem certeza de que está sentindo algo com esse par aqui?
O homem parece lamentar com os
gestos e com o olhar.
HOMEM
Por favor,
me desculpe... Eu... não sabia como pedir... Como proceder...
Lapidote já entendeu o que está
acontecendo e olha para a esposa que, ainda não entendendo direito, se aproxima
deles.
HOMEM
Na verdade
eu gostaria mesmo é de falar... com a senhora Débora... caso ela aceite me
atender.
DÉBORA
Ahn, claro!
Pode dizer sim, meu senhor.
O homem sorri aliviado.
HOMEM
Agradeço!
Agradeço... Eu... Eu estou passando por uma dificuldade... Vendo tecidos na rua
de trás e tenho dois filhos com minha esposa... Um casal... O mais velho é
doente e eu preciso comprar ervas especiais toda semana na barraca da praça.
Ervas que só tem no sul... E minha filha, por outro lado, só bebe leite de
búfala, lá dos confins do Egito. Não é barato sustentar essas duas necessidades
e a verdade é que eu fico devedor com os vendedores. Uma eterna dívida...
Parece nunca ter fim e não sei como sair disso, senhora.
DÉBORA
Quanto você
gosta com as ervas e com o leite?
HOMEM
2 moedas
com as ervas e 10 com o leite. 12 moedas por semana e ainda tem o nosso
sustento... Não está dando...
DÉBORA
Pois então
o senhor procederá dessa forma. Na próxima semana compre o triplo de ervas e,
portanto, pague menos. O preço por quantidade semanal sairá mais baixo.
HOMEM
E como
pagarei?
DÉBORA
Não são
todos os que aceitam, mas peça, negocie, e o comerciante concordará para que o
senhor pague em partes. Faça isso com fé. E assim, portanto, o senhor
continuará desembolsando semanalmente, porém com um valor menor.
HOMEM
Sim... Sim,
isso faz sentido...
DÉBORA
No caso do
leite não será possível, seria inviável estocar uma grande quantidade por muito
tempo. Portanto negocie a dívida e um valor abaixo por um tempo, até que possa
pagar com parte do que sobrar da negociação das ervas.
O homem sorri aliviado e alegre.
HOMEM
Muito
obrigado, senhora. Acha... que eu conseguirei fazer todas essas negociações?
DÉBORA
O Senhor
Deus estará contigo. Elas já estão feitas. Apenas vá lá e as consolide.
HOMEM
Sou muito
grato, senhora Débora! Eu... quis vir falar com a senhora porque várias pessoas
dizem por aí sobre a sua forma de aconselhar... de resolver os problemas...
DÉBORA
Eu não sabia
que estava com essa fama...
HOMEM
O povo
fala... Parece que a sabedoria de Deus emana da senhora... E agora pude
testemunhar com meus olhos e ouvidos. Muito obrigado, senhora!
DÉBORA
(sorrindo) Agradeça
ao Senhor. Ore. Ore todos os dias. Ao se levantar, antes das refeições e antes
de se deitar para dormir. Ele não o desamparará.
HOMEM
Farei isso.
E recomendarei o mesmo a todos que puder. (para Lapidote) Por favor,
aceite essa moeda pelo inconveniente que lhe causei, meu senhor.
LAPIDOTE
De forma
alguma. Nem insista. Guarde e vá fazer como minha esposa lhe disse.
HOMEM
Obrigado.
Shalom.
DÉBORA,
LAPIDOTE
Shalom.
O homem sai feliz e animado.
DÉBORA
Eu não
sabia que as pessoas estavam falando...
LAPIDOTE
Não é de se
espantar... Quantos você já não ajudou?
Débora faz
que sim e eles sorriem um para o outro.
CENA 13:
EXT. BETEL – PLANTAÇÃO – DIA
Nas proximidades de Betel há
diversas plantações de trigo e cevada. Em uma delas vemos vários homens hebreus
trabalhando incessantemente. Preparam a terra, fazem a colheita, separam,
limpam... Uma infinidade de tarefas realizadas sob os olhares constantes de
capatazes hazoritas. Mais externamente, soldados hazoritas fazem a vigilância
do local.
DÉBORA
(NAR.)
Uma parte
dos homens foi designada para trabalhar no campo. Chicotadas eram bem comuns de
acontecer, assim como mortes de idosos e de homens de coração fraco e exausto.
Para os hazoritas eles eram menos que gente. E o medo de todos era maior do que
a vontade de buscar a ajuda de Deus. O medo não era exatamente de Jabim e seus
decretos, mas das ordens que vinham de Sísera, o Capitão de Hazor, homem cujo nome
causava temor e calafrio em quase todos os hebreus.
CENA 14:
INT. PALÁCIO – CASA – QUARTO DE SÍSERA – DIA
SÍSERA (45 anos) acorda em sua
cama. A luz do sol penetra o quarto e ilumina as mais de 10 mulheres nuas
dormindo amontoadas com ele.
Então ele tira os braços de entre
elas e vai se soltando do meio. Senta.
SÍSERA
Todo mundo
acordando. Já amanheceu, hora de ir embora. Vamos, todo mundo acordando,
rápido! Acordando!
Sísera então passa por elas, que
começam a acordar, e se veste enquanto as chama e sacode.
SÍSERA
Hora de ir
embora! Acordando, acordando, vamos!
Ele termina de se vestir.
Quase todas ali já acordaram, mas
estão preguiçosas. Ele vai para a porta dando tapas em algumas.
SÍSERA
Fora! Sol
saiu, rua pro mulheril! Já!
Sísera sai.
CENA 15:
INT. PALÁCIO – CASA – SALA – DIA
Sísera chega à sala onde sua mãe
NAJARA (70 anos) desjejua sentada à mesa.
NAJARA
Ah! Pensei
que desjejuaria sozinha dessa vez.
SÍSERA
Bom dia
para a senhora também, mamãe.
Sísera senta e esfrega o rosto com
as mãos.
NAJARA
Preocupado?
Ele expira.
SÍSERA
São as
crianças. Estão dando muito trabalho. Não concordo com esse projeto do rei.
Acho que há formas mais eficazes de se garantir o futuro próspero do reino. E
Hazor nem está em dificuldades, somos o mais poderoso reino de Canaã há anos e
anos. Cobramos impostos de todos os cananeus, temos a gigantesca Israel
trabalhando para nós... Para que se preocupar com crianças?
NAJARA
No entanto,
Sísera, você não tem que contestar o rei de forma alguma. Não cabe a você.
Mantenha-se em seu lugar, apenas faça o que lhe é mandado.
SÍSERA
A senhora
sabe que eu não gosto de ser mandado.
Sísera começa a comer.
NAJARA
Ah, Sísera,
nem é tão difícil. Apenas um homem para você responder! Um!
Sísera faz que sim.
NAJARA
Jabim é um
homem inteligente. Não é o melhor que Hazor poderia ter, mas ele merece tudo o que conquistou.
Mastigando, Sísera olha para a mãe.
SÍSERA
Eu também
mereço.
Najara sorri.
NAJARA
É claro que
merece. Eu o empurrei muito no início, mas nos últimos 20 anos, a forma como
você regeu Israel... também me impressionou.
Sísera sorri de leve.
SÍSERA
O que a
senhora--
Ele é interrompido por um barulho.
Ambos olham: 3 mulheres, em seus vestidos de meretrizes, passam pela sala rápida
e desengonçadamente. Najara não gosta nada daquilo.
SÍSERA
A saída é
por ali. Os servos do palácio as acompanharão até a rua.
NAJARA
Francamente...
No meu desjejum, Sísera!
Sísera nada diz e mais uma mulher passa
correndo atrás das primeiras. Najara respira fundo.
NAJARA
Sobre o que--
Outras 4 mulheres saem do outro
cômodo e passam por ali. Frustrada, Najara larga sua comida e olha feio para
Sísera, que enquanto come aponta a saída com o dedo.
Quando elas vão, Najara continua em
silêncio e esperando por mais. Sísera desjejua. Então finalmente 5 mulheres
passam apressadas... e vão embora.
NAJARA
A farra foi
boa ontem!
Ele dá de ombros.
NAJARA
Não iria
desjejuar com sua mãe por causa de uma noite com meretrizes, francamente!
SÍSERA
Não, mãe,
não são meretrizes. Não para mim. Eu não gosto de pagar mulheres. Prefiro
simplesmente... chamá-las. Não que elas precisem ser chamadas.
NAJARA
Ah, Sísera,
poupe-me dos detalhes!
SÍSERA
Certo, mãe,
mas como eu ia perguntando, o que a senhora acharia de seu filho como rei?
Najara franze a testa e olha para
ele.
NAJARA
Rei!?
SÍSERA
Sim. Acha
que eu poderia fazer um bom reinado?
Najara então sorri e se aproxima do
filho.
NAJARA
E o que é
que nós não podemos fazer bem, hum?
Como
se secretamente entendesse algo, Sísera faz que sim devagar.
CENA 16:
EXT. BETEL – PLANTAÇÃO – DIA
Débora, TAMAR (60 anos) e outras
mulheres, carregando vasos de barros e copos, chegam à plantação onde estão os
trabalhadores.
DÉBORA
(NAR.)
Os
capatazes e os soldados não compartilhavam de sua água com os hebreus. A tarefa
de saciá-los cabia a nós hebreias. Apesar do cenário de dificuldade e opressão,
nosso trabalho organizado garantia um fio de dignidade aos nossos homens.
Elas então começam a servir os trabalhadores.
TAMAR
Não aguento
mais seu pai em casa só reclamando dos hazoritas. Prefiro muito mais estar aqui.
DÉBORA
(baixinho) Se o pai
fosse mais novo e o povo se juntasse para se rebelar, tenho certeza de que ele
seria um ótimo soldado.
Um capataz olha com malícia para
uma das hebreias. Sorrindo, ele se aproxima e, sem pudor algum, passa a mão no
rosto dela. Débora, percebendo, muda de semblante: pura revolta.
TAMAR
Débora...
O capataz percebe seu olhar. Então
larga a outra e se aproxima dela até parar olho no olho. Tamar e as outras
mulheres ficam tensas.
CAPATAZ
Quero água.
Débora respira fundo. Mas pega um
copo e o enche; entrega ao homem. Ele então começa a beber sem tirar os olhos
dela, que mantém o olhar para longe dele.
CAPATAZ
Qual é o
seu nome?
Ela o olha a contragosto.
DÉBORA
Débora. Já
terminou?
CAPATAZ
Não. Quero
mais.
Ela não gosta nada, mas se controla.
Então pega o copo e começa a enchê-lo novamente. Nesse instante o capataz leva
a mão ao rosto de Débora... Mas antes que possa tocá-la, ela se afasta rapidamente.
CAPATAZ
Ora! É uma
arisca... Não sabe como adoro as ariscas!
DÉBORA
Senhor, me
respeite, por favor. Eu sou casada.
CAPATAZ
Ora, mas eu
gosto disso também.
DÉBORA
Então eu
não o servirei!
Débora segura firme o copo com água
pela metade.
CAPATAZ
Como ousa?
Ele tenta tirar o copo da mão dela,
mas ela é ágil e desvia. Ele para e a encara. Tensão absoluta no ar... Nenhuma
mulher ou homem respira ali.
TAMAR
Débora,
minha filha, entregue o copo.
DÉBORA
Não.
O capataz sorri. Então, num
movimento rápido, agarra a mulher mais próxima, prende-a em seus braços e
coloca seu punhal no pescoço dela. Assustadas, as mulheres ali gritam.
CAPATAZ
Silêncio! (olha
para Débora) Se quer brincar, vamos brincar de verdade. Entregue-me a água
ou corto o pescoço dessa infeliz.
A mulher, aflita, é mantida de
refém. Débora, preocupada, não demora a estender a mão e lhe entregar. Ele então
joga a mulher no chão e pega o copo. Bebe um pouco e o resto despeja em sua
cabeça, refrescando-se. Depois joga com força o copo vazio em Débora. E vira
para os homens parados assistindo àquilo.
CAPATAZ
O que estão
fazendo parados, bando de vagabundos?! Trabalhando! Vamos!!! Todo mundo
trabalhando!!!
E
sai distribuindo chicotadas nas costas de quem está perto. Débora, cercada por
mulheres ainda assustadas, o encara, sua raiva se acentuando em seu olhar.
CENA 17:
EXT. CAMPO – NOITE
Na madrugada seguinte, próximo à
hora do amanhecer, Débora treina raivosa com Jaziel. Parece colocar toda a sua
revolta nos golpes cada vez mais rápidos e violentos. Ele, percebendo a
superioridade dela, tenta apenas se defender dos sucessivos golpes.
Não demora muito e ela o derruba
com um chute e aponta seu pedaço de madeira para o peito dele.
JAZIEL
(cansado) Não dá
mais... Não dá... Você me superou... É, enfim aconteceu...
Ela
o encara bastante ofegante.
CENA 18:
INT. CASA DE DÉBORA – QUARTO – NOITE
O dia amanhece, passa por completo
e a noite cai.
Na cama, Débora e Lapidote trocam
os últimos beijos, desejam uma boa noite de sono um para o outro e deitam para
dormir.
Passa-se um tempo...
Débora, dormindo, começa a ter
sonhos confusos... Com a voz... Uma voz estranha...
De repente imagens embaçadas
começam a aparecer... Um campo... Água... Bastante luz... Coisas misturadas e pouco
nítidas... Apesar das pálpebras fechadas, seus olhos se mexem muito.
VOZ
Débora.
Os olhos se abrem e ela acorda
subitamente. Senta na cama.
Respira um tanto ofegante...
No misto de estranheza e preocupação
de Débora, IMAGEM CONGELA
CONTINUA...
FADE OUT:
No próximo capítulo: Débora
consulta o ancião Aliã sobre os seus sonhos e a voz. E Jaziel e os
trabalhadores do campo notam uma estranha fumaça no horizonte.
Obrigado pelo seu comentário!