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Débora - Capítulo 21 (3ª fase)


Débora
CAPÍTULO 21
3ª fase

uma novela de
FELIPE LIMA BORGES

escrita por
FELIPE LIMA BORGES

baseada nos capítulos 3 a 5 do livro de Juízes

 No capítulo anterior: Debir diz a Jeboão que tudo não passou de um plano para arrancar seu ouro e Nira o humilha. Quando decide voltar para denunciá-los a Sísera, Najara e o próprio aparecem no portão da cidade e chegam ali. Jaziel encontra Sama na rua e lhe pede uma informação. Ela diz que já está na hora de ele parar de arrumar justificativas para eles se falarem, e agora cada um segue o seu caminho. Ressentido, ele dá adeus. Najara diz a Jeboão que estava certa sobre ele nesse tempo todo e ele revela que não a suportava mais. Ambos trocam provocações até que Najara o esfaqueia. Nira e Debir tentam fugir. Najara joga o punhal na direção de Nira, mas Debir a protege e é atingido. Morrendo, ele manda Nira fugir, e ela vai. Sísera volta para mandar realizarem buscas. Dias depois, Débora e Lapidote se reaproximam. Sísera diz a Jabim que já está quase tudo pronto para atacarem Israel. Ao pé da palmeira, Lapidote pede que Débora prometa que não confrontará seu pai e nem guardará mágoa; ela só promete a primeira coisa. Ele conta a ela tudo o que Elian fez para que ele e seu pai Misael fossem embora de Betel. Ela diz que chorou e sofreu muito, e era muito nova. Lapidote diz que jamais faria aquilo de livre e espontânea vontade com alguém que tanto ama. Débora mostra a ele a semente de tamareira e ele fica surpreso. Diz que sua fé o levou até ali e agora quer saber se estava certo, se ainda há um recomeço para eles. “E quando foi que a fé de um hebreu o levou ao erro?”, questiona Débora. Ambos se beijam, mas logo ela fala que precisa dizer algo que não conseguiu antes; diz que o ama. Eles se beijam com muito sentimento e saudade, mas logo se afastam e ela diz que é o suficiente para saber que seu sonho não morreu. Semanas se passam e, naquele mesmo local, Aliã casa Débora e Lapidote perante o povo. Jaziel nota Sama feliz com seu novo namorado e murmura reclamando da rapidez dela. Éder vai embora com raiva e Isabel o observa tristemente. Débora e Lapidote, em meio ao povo, trocam juras de amor e, já casados, se beijam.
FADE IN:

CENA 1: EXT. HAROSETE – ARREDORES – DIA
Três sacerdotes passam à frente do exército jogando fumaça, respingando líquidos e proferindo palavras de bênçãos dos deuses. Na frente está a frota de 900 carros de ferro – cada um puxado por um cavalo – com Sísera e mais um no da frente e, ao lado, o Primeiro Oficial com outro. Atrás da imensidão de carros está o restante do gigantesco exército.
Hazoritas curiosos assistem a tudo espremidos no alto da muralha da cidade.
DÉBORA (NAR.)
Poucos dias depois do meu casamento com Lapidote, as forças do mal já estavam prontas para atacar o nosso povo.
Quando os sacerdotes terminam, eles se afastam e o rei Jabim se aproxima; olha para os soldados.
JABIM
Homens de Hazor! Estejam certos de que a vida de todos os hazoritas mudará quando vocês completarem essa missão! Que os deuses os guiem e tragam mais essa vitória para o nosso reino!
Os homens gritam animados.
Jabim se afasta. Sísera aponta a espada para frente e todo o exército avança.
DÉBORA (NAR.)
Os hazoritas atacaram primeiro as cidades da fronteira. Dominaram-nos com bastante rapidez. Depois eles se dividiram e foram violentando outras cidades mais adentro, espalhando a alarmante notícia de que agora todos os hebreus seriam seus escravos.

CENA 2: EXT. BETEL – ARREDORES – DIA
Perto de Betel, os carros de ferro param de forma imponente e assustadora a algumas centenas de metros da muralha. Soldados à pé correm para a cidade e hebreus que estavam do lado de fora tentam alcançar o portão a tempo.
DÉBORA (NAR.)
E não demoraram muito para chegarem a Betel.

CENA 3: EXT. BETEL – RUAS – DIA
Nas ruas, a gritaria e a confusão é generalizada quando os soldados invadem e começam a destruir as coisas, virar as barracas e a perseguir o povo.
Sísera entra na cidade, para. Olha para tudo... Então avança.

CENA 4: EXT. BETEL – PRAÇA – DIA
Pouco depois, os soldados hazoritas mantém os hebreus acuados e quietos. Entre eles estão Débora, Lapidote, Jaziel, Elian e Tamar.
Sísera anda na praça de um lado para o outro.
DÉBORA (NAR.)
Esse dia... O fatídico dia em que descobrimos a que estávamos condenados.
SÍSERA
Hoje!... é o dia em que tudo muda para vocês, hebreus. É o dia em que adquirem a imensurável honra de serem servos do grande rei Jabim. Trabalharão no campo e na cidade, e de tudo o que produzirem, uma boa parte deverá ser entregue aos soldados, que encaminharão a produção a Hazor. A vocês caberá uma pequena parte, apenas o suficiente para sobreviverem, que é o que importa.
O povo ouve angustiado.
SÍSERA
Devo lembrar-lhes de que qualquer ato de desrespeito e insatisfação será combatido com chicote e espada! (pequena pausa) Espero que se comportem, porque não quero nunca mais colocar os meus pés nesse lugar.
E olha ameaçadoramente para todos. Nisso, seus olhares e os de Débora se encontram... Mas logo o contato se quebra e Sísera vira para voltar.
SÍSERA
Os soldados que permanecerão fiquem e armem suas tendas ao redor da cidade! O restante, avante comigo!
Sísera e uma parte dos soldados caminham para o portão.
As pessoas, num silêncio pesado e amedrontador, se entreolham desoladas. Débora e Lapidote, aflitos, se abraçam.



Escuridão.
Uma voz distante...
Ao mesmo tempo longe... Ao mesmo tempo perto...
Ao mesmo tempo forte... e suave...
Incisiva... e cuidadosa.
É difícil compreender o que ela diz...
De repente entende-se: “Débora”.

CENA 5: INT. CASA DE DÉBORA – QUARTO – NOITE
Os olhos de Débora se abrem e ela acorda. Franze a testa.
Então senta na cama e respira. DÉBORA (38 anos) passa a mão pelo rosto.
LAPIDOTE (40 anos), ao seu lado, também desperta e olha para ela.
LAPIDOTE
Meu amor... Já está na hora?
DÉBORA
Eu... acho que acordei um pouco antes.
Ele percebe que houve algo.
LAPIDOTE
Você sonhou?...
DÉBORA
Não. Quer dizer... não exatamente. Era...
LAPIDOTE
A suposta voz.
Ela respira fundo e faz que sim.
LAPIDOTE
Mais uma vez...
DÉBORA
Mais uma vez.
Lapidote, pensativo, se ajeita e beija o ombro dela.
LAPIDOTE
Vou me levantar.
DÉBORA (NAR.)
Eu costumava acordar antes dos hazoritas acampados ao redor de Betel, para que eles não percebessem nada do que eu fazia às escondidas.

CENA 6: INT. CASA DE DÉBORA – SALA – NOITE
Débora e Lapidote desjejuam à mesa.
DÉBORA (NAR.)
Após o desjejum, Lapidote seguia para sua sapataria e eu me encontrava com Jaziel no campo.

CENA 7: EXT. CAMPO – NOITE
Sob o céu ainda escuro e estrelado, Débora e Jaziel duelam, mas com pedaços de madeira no lugar das espadas.
Ambos lutam bem, mas, nesse momento, é Débora quem leva a melhor. Ela está mais imponente e mais ofensiva.
Então ela o “fere”. Seguidas vezes o “fere” no braço, na mão, no peito...
DÉBORA
Você precisa acordar!...
Jaziel se defende, mas ela continua a acertá-lo.
DÉBORA
Mestre?!
Nada muda. Débora é mais violenta, mais incisiva até que, num movimento rápido, derruba Jaziel com uma rasteira, chuta o pedaço de madeira da mão dele e aponta o seu para o rosto do amigo.
DÉBORA
Supostamente era para você estar fazendo isso e eu aí deitada e aprendendo.
Jaziel respira fundo e olha nos olhos dela, que joga fora sua madeira.
DÉBORA
O que está acontecendo, Jaziel?
Débora senta ao lado dele.
JAZIEL
Você sabe.
DÉBORA
Não é fácil para ninguém.
JAZIEL
Não é, mas ao menos as pessoas têm com quem dividir suas angústias.
DÉBORA
Mas Jaziel... Eu já lhe apresentei tantas moças...
JAZIEL
O problema sou eu. 20 malditos anos se passaram e não consegui seguir em frente.
Débora lamenta com o olhar.
JAZIEL
Ela se casou, seguiu em frente, teve uma filha... E eu sigo sendo feito de capacho por esses malditos incircuncisos dos hazoritas.
DÉBORA
Você está preso em algo que já demonstrou não ter futuro, Jaziel. É uma tarefa realmente difícil desarraigar, deixar para trás aquilo com que tanto sonhamos, pelo que tanto lutamos, mas é necessário. Pois nos segura, nos impede de alcançar uma bênção. É um exercício de esforço e de boa vontade.
JAZIEL
Ao contrário do que pode parecer, eu não sinto amor. Só revolta. Raiva. Nunca pensei que sentiria tanta raiva assim...
DÉBORA
(triste) Isso tudo é tão estranho... Sama vive em Quedes há quase 20 anos... Por que sua raiva está tão alimentada dessa forma?
Quando Jaziel vai responder, um barulho entre as árvores denuncia a chega de alguém. Débora pega sua madeira, mas Jaziel reconhece a figura e ela estranha a calmaria dele.
JAZIEL
(para o recém-chegado) Essa não é a melhor hora.
Um rapaz chega ali.
RAPAZ
De dia os hazoritas estão atentos e alertas com mensageiros. Agora é que é a melhor hora. É o único momento.
Jaziel respira fundo.
JAZIEL
Pois fale.
RAPAZ
Ela ainda está em Quedes. Vivendo normalmente, como sempre.
Débora franze a testa.
DÉBORA
Espere... Não estão falando de--
JAZIEL
(interrompendo) Sama.
Débora, frustrada, balança a cabeça negativamente.
JAZIEL
Muito bem, pode ir.
RAPAZ
Shalom.
O rapaz volta e some por entre as árvores.
JAZIEL
Estou pensando... em partir. Sair... para ver se esse problema se resolve. Se acaba.
DÉBORA
Está pensando em ir atrás de Sama?! Não é possível, Jaziel!
JAZIEL
Não, não quero ir para Quedes. Quero tentar me curar emocionalmente. Acho que uma viagem pode me ajudar.
DÉBORA
E como você faria isso? Como sairia sem ser visto?
JAZIEL
Da mesma forma que viemos todos os dias treinar.
Ela apenas o olha, lamentando por dentro.

CENA 8: EXT. BETEL – RUAS – DIA
Vemos o movimento das ruas de Betel. As barracas, as lojas, o comércio local...
DÉBORA (NAR.)
Com o domínio hazorita, o comércio de Betel funcionava de acordo com as leis de Hazor. No início de cada mês, os soldados levavam a maior parte do lucro adquirido, deixando apenas a décima parte para os vendedores. Caso alguém tentasse esconder parte do lucro e fosse descoberto, sofreria o típico castigo hazorita.

CENA 9: FLASHBACK: EXT. BETEL – PRAÇA – DIA
Um homem é carregado pelos soldados, amarrado, e é chicoteado diversas vezes, até cair fraco e ensanguentado.

CENA 10: FLASHBACK: EXT. BETEL – ARREDORES – DIA
Os soldados amarram os braços do homem a uma corda, que é presa a um cavalo, e as pernas em outra corda presa em outro cavalo, virado para a direção oposta. Então batem nos animais que, assustados, tomam direções contrárias, fazendo o corpo do homem levantar...
Ouve-se apenas o barulho do desmembramento.

CENA 11: EXT. BETEL – RUAS – DIA
Débora caminha pela rua movimentada. Hebreus e soldados hazoritas compõe os presentes ali.
DÉBORA (NAR.)
Nós tentávamos nos esquecer desses eventos cruéis... Não era nada fácil, mas não deixávamos de tentar.
MULHER
Débora!!!
Débora vira e vê uma conhecida toda alegre se aproximando atrapalhada. É ADÉLIA (23 anos, gordinha). Ela carrega um cesto preso ao pescoço por uma alça.
DÉBORA
(sorrindo) Adélia! Shalom!
ADÉLIA
Shalom!... Ai, como eu canso... (ri) Mas te alcancei!
DÉBORA
Aqui estamos.
Riem.
ADÉLIA
Eu vim porque gostaria que a senhora experimentasse minha nova receita. Acrescentei uma leve essência de ervas adocicadas, alterei a qualidade dos figos e coloquei, como sempre--
DÉBORA
(interrompendo) Uma pitadinha de amor!
Elas riem.
ADÉLIA
Exatamente! Ai, tenho uma admiradora, já estou conhecida na cidade!...
DÉBORA
Então deixe-me experimentar essa nova receita.
Adélia abre o cesto, pega um bolinho com uma cobertura escura e dá para Débora.
DÉBORA
O aroma... Hum, está convidativo!
Débora morde o bolo. Adélia muda o semblante e fica aflita.
ADÉLIA
Ai, senhora... Fico tão nervosa quando vão experimentar minhas receitas novas...
DÉBORA
Mulher!... Nervosa por quê?! Isso aqui está maravilhoso! Como sempre! Divino!
ADÉLIA
Ai, que alívio!!! Meu Deus, quase eu passo mal...
DÉBORA
Adélia! Que dom esse que você tem, hein... Por que é que ainda não abriu uma loja ao invés de sair vendendo pelas ruas? Correndo risco até de um soldado roubar seus bolos e seu lucro...
ADÉLIA
(baixinho) Cá entre nós, senhora, roubar roubar eles já fazem, não é? Que ninguém me ouça, pelo amor de Deus! (tom normal) Mas sobre isso que a senhora falou... É, não é má ideia. Eu penso nisso, sabe, senhora? Já até falei com a minha irmã. Por outro lado, gosto muito de estar nas ruas, sabe? No meio do povo, falando... Eu gosto de falar, não sei se a senhora notou. Às vezes berro mais do que falo, mas isso é detalhe. (ri) De qualquer forma, obrigada, senhora. Mesmo.
Débora então pede outro bolo e paga.
ADÉLIA
Shalom, senhora Débora!
DÉBORA
Shalom, Adélia! Tenha um bom dia de trabalho!
ADÉLIA
(sorrindo) Obrigada! (sai; anunciando) Doces! Olha os doces! Bolos, doces, pães adocicados, receitas de mel! Doces da Adélia! O único com uma pitadinha de amor!
Comendo o bolo e observando-a, Débora sorri. Então toma seu caminho.

CENA 12: INT. SAPATARIA DE LAPIDOTE – DIA
Débora, segurando metade do bolo, vem da rua e entra na sapataria, cuja entrada é larga, bem iluminada e arejada. Há ali vários sapatos e sandálias em exposição e, mais para o meio, as ferramentas de Lapidote, que, naquele momento, conserta um par de sandálias.
DÉBORA
Shalom, meu amor!
Lapidote olha para ela.
LAPIDOTE
Shalom, amor...
DÉBORA
Experimente esse bolo aqui.
Débora dá o bolo na boca de Lapidote, que saboreia.
LAPIDOTE
Hummm... Amei!
DÉBORA
Eu também. É a nova versão da receita da Adélia, aquela vendedora das ruas.
LAPIDOTE
Só acho que desceria melhor com um pouquinho de leite.
DÉBORA
Vou pegar pra você. Deve ter nos fundos.
Enquanto Débora vai para o fundo, um HOMEM (50 anos) entra na sapataria segurando um par de sandálias.
HOMEM
Shalom...
Lapidote se levanta e se aproxima.
LAPIDOTE
Shalom, meu irmão. O que deseja?
HOMEM
Eu gostaria que o senhor desse uma olhada nessas sandálias... Parece ter algo... Incomoda muito os meus pés.
Lapidote pega as sandálias e as analisa. Débora volta segurando um copo de leite, que coloca ao lado da cadeira do marido.
LAPIDOTE
(percebendo-a) Obrigado, meu amor.
O homem olha para Débora e sorri timidamente; ela retribui e permanece de pé, esperando.
LAPIDOTE
Desculpe-me, senhor, mas não vejo nada de errado com sua sandália. Vou testar em meus pés.
Lapidote então tira as suas e o homem fica meio sem jeito. Lapidote calça e se movimenta um pouco.
LAPIDOTE
O senhor tem certeza de que está sentindo algo com esse par aqui?
O homem parece lamentar com os gestos e com o olhar.
HOMEM
Por favor, me desculpe... Eu... não sabia como pedir... Como proceder...
Lapidote já entendeu o que está acontecendo e olha para a esposa que, ainda não entendendo direito, se aproxima deles.
HOMEM
Na verdade eu gostaria mesmo é de falar... com a senhora Débora... caso ela aceite me atender.
DÉBORA
Ahn, claro! Pode dizer sim, meu senhor.
O homem sorri aliviado.
HOMEM
Agradeço! Agradeço... Eu... Eu estou passando por uma dificuldade... Vendo tecidos na rua de trás e tenho dois filhos com minha esposa... Um casal... O mais velho é doente e eu preciso comprar ervas especiais toda semana na barraca da praça. Ervas que só tem no sul... E minha filha, por outro lado, só bebe leite de búfala, lá dos confins do Egito. Não é barato sustentar essas duas necessidades e a verdade é que eu fico devedor com os vendedores. Uma eterna dívida... Parece nunca ter fim e não sei como sair disso, senhora.
DÉBORA
Quanto você gosta com as ervas e com o leite?
HOMEM
2 moedas com as ervas e 10 com o leite. 12 moedas por semana e ainda tem o nosso sustento... Não está dando...
DÉBORA
Pois então o senhor procederá dessa forma. Na próxima semana compre o triplo de ervas e, portanto, pague menos. O preço por quantidade semanal sairá mais baixo.
HOMEM
E como pagarei?
DÉBORA
Não são todos os que aceitam, mas peça, negocie, e o comerciante concordará para que o senhor pague em partes. Faça isso com . E assim, portanto, o senhor continuará desembolsando semanalmente, porém com um valor menor.
HOMEM
Sim... Sim, isso faz sentido...
DÉBORA
No caso do leite não será possível, seria inviável estocar uma grande quantidade por muito tempo. Portanto negocie a dívida e um valor abaixo por um tempo, até que possa pagar com parte do que sobrar da negociação das ervas.
O homem sorri aliviado e alegre.
HOMEM
Muito obrigado, senhora. Acha... que eu conseguirei fazer todas essas negociações?
DÉBORA
O Senhor Deus estará contigo. Elas já estão feitas. Apenas vá lá e as consolide.
HOMEM
Sou muito grato, senhora Débora! Eu... quis vir falar com a senhora porque várias pessoas dizem por aí sobre a sua forma de aconselhar... de resolver os problemas...
DÉBORA
Eu não sabia que estava com essa fama...
HOMEM
O povo fala... Parece que a sabedoria de Deus emana da senhora... E agora pude testemunhar com meus olhos e ouvidos. Muito obrigado, senhora!
DÉBORA
(sorrindo) Agradeça ao Senhor. Ore. Ore todos os dias. Ao se levantar, antes das refeições e antes de se deitar para dormir. Ele não o desamparará.
HOMEM
Farei isso. E recomendarei o mesmo a todos que puder. (para Lapidote) Por favor, aceite essa moeda pelo inconveniente que lhe causei, meu senhor.
LAPIDOTE
De forma alguma. Nem insista. Guarde e vá fazer como minha esposa lhe disse.
HOMEM
Obrigado. Shalom.
DÉBORA, LAPIDOTE
Shalom.
O homem sai feliz e animado.
DÉBORA
Eu não sabia que as pessoas estavam falando...
LAPIDOTE
Não é de se espantar... Quantos você já não ajudou?
Débora faz que sim e eles sorriem um para o outro.

CENA 13: EXT. BETEL – PLANTAÇÃO – DIA
Nas proximidades de Betel há diversas plantações de trigo e cevada. Em uma delas vemos vários homens hebreus trabalhando incessantemente. Preparam a terra, fazem a colheita, separam, limpam... Uma infinidade de tarefas realizadas sob os olhares constantes de capatazes hazoritas. Mais externamente, soldados hazoritas fazem a vigilância do local.
DÉBORA (NAR.)
Uma parte dos homens foi designada para trabalhar no campo. Chicotadas eram bem comuns de acontecer, assim como mortes de idosos e de homens de coração fraco e exausto. Para os hazoritas eles eram menos que gente. E o medo de todos era maior do que a vontade de buscar a ajuda de Deus. O medo não era exatamente de Jabim e seus decretos, mas das ordens que vinham de Sísera, o Capitão de Hazor, homem cujo nome causava temor e calafrio em quase todos os hebreus.

CENA 14: INT. PALÁCIO – CASA – QUARTO DE SÍSERA – DIA
SÍSERA (45 anos) acorda em sua cama. A luz do sol penetra o quarto e ilumina as mais de 10 mulheres nuas dormindo amontoadas com ele.
Então ele tira os braços de entre elas e vai se soltando do meio. Senta.
SÍSERA
Todo mundo acordando. Já amanheceu, hora de ir embora. Vamos, todo mundo acordando, rápido! Acordando!
Sísera então passa por elas, que começam a acordar, e se veste enquanto as chama e sacode.
SÍSERA
Hora de ir embora! Acordando, acordando, vamos!
Ele termina de se vestir.
Quase todas ali já acordaram, mas estão preguiçosas. Ele vai para a porta dando tapas em algumas.
SÍSERA
Fora! Sol saiu, rua pro mulheril! Já!
Sísera sai.    

CENA 15: INT. PALÁCIO – CASA – SALA – DIA
Sísera chega à sala onde sua mãe NAJARA (70 anos) desjejua sentada à mesa.
NAJARA
Ah! Pensei que desjejuaria sozinha dessa vez.
SÍSERA
Bom dia para a senhora também, mamãe.
Sísera senta e esfrega o rosto com as mãos.
NAJARA
Preocupado?
Ele expira.
SÍSERA
São as crianças. Estão dando muito trabalho. Não concordo com esse projeto do rei. Acho que há formas mais eficazes de se garantir o futuro próspero do reino. E Hazor nem está em dificuldades, somos o mais poderoso reino de Canaã há anos e anos. Cobramos impostos de todos os cananeus, temos a gigantesca Israel trabalhando para nós... Para que se preocupar com crianças?
NAJARA
No entanto, Sísera, você não tem que contestar o rei de forma alguma. Não cabe a você. Mantenha-se em seu lugar, apenas faça o que lhe é mandado.
SÍSERA
A senhora sabe que eu não gosto de ser mandado.
Sísera começa a comer.
NAJARA
Ah, Sísera, nem é tão difícil. Apenas um homem para você responder! Um!
Sísera faz que sim.
NAJARA
Jabim é um homem inteligente. Não é o melhor que Hazor poderia ter, mas  ele merece tudo o que conquistou.
Mastigando, Sísera olha para a mãe.
SÍSERA
Eu também mereço.
Najara sorri.
NAJARA
É claro que merece. Eu o empurrei muito no início, mas nos últimos 20 anos, a forma como você regeu Israel... também me impressionou.
Sísera sorri de leve.
SÍSERA
O que a senhora--
Ele é interrompido por um barulho. Ambos olham: 3 mulheres, em seus vestidos de meretrizes, passam pela sala rápida e desengonçadamente. Najara não gosta nada daquilo.
SÍSERA
A saída é por ali. Os servos do palácio as acompanharão até a rua.
NAJARA
Francamente... No meu desjejum, Sísera!
Sísera nada diz e mais uma mulher passa correndo atrás das primeiras. Najara respira fundo.
NAJARA
Sobre o que--
Outras 4 mulheres saem do outro cômodo e passam por ali. Frustrada, Najara larga sua comida e olha feio para Sísera, que enquanto come aponta a saída com o dedo.
Quando elas vão, Najara continua em silêncio e esperando por mais. Sísera desjejua. Então finalmente 5 mulheres passam apressadas... e vão embora.
NAJARA
A farra foi boa ontem!
Ele dá de ombros.
NAJARA
Não iria desjejuar com sua mãe por causa de uma noite com meretrizes, francamente!
SÍSERA
Não, mãe, não são meretrizes. Não para mim. Eu não gosto de pagar mulheres. Prefiro simplesmente... chamá-las. Não que elas precisem ser chamadas.
NAJARA
Ah, Sísera, poupe-me dos detalhes!
SÍSERA
Certo, mãe, mas como eu ia perguntando, o que a senhora acharia de seu filho como rei?
Najara franze a testa e olha para ele.
NAJARA
Rei!?
SÍSERA
Sim. Acha que eu poderia fazer um bom reinado?
Najara então sorri e se aproxima do filho.
NAJARA
E o que é que nós não podemos fazer bem, hum?
Como se secretamente entendesse algo, Sísera faz que sim devagar.

CENA 16: EXT. BETEL – PLANTAÇÃO – DIA
Débora, TAMAR (60 anos) e outras mulheres, carregando vasos de barros e copos, chegam à plantação onde estão os trabalhadores.
DÉBORA (NAR.)
Os capatazes e os soldados não compartilhavam de sua água com os hebreus. A tarefa de saciá-los cabia a nós hebreias. Apesar do cenário de dificuldade e opressão, nosso trabalho organizado garantia um fio de dignidade aos nossos homens.
Elas então começam a servir os trabalhadores.
TAMAR
Não aguento mais seu pai em casa só reclamando dos hazoritas. Prefiro muito mais estar aqui.
DÉBORA
(baixinho) Se o pai fosse mais novo e o povo se juntasse para se rebelar, tenho certeza de que ele seria um ótimo soldado.
Um capataz olha com malícia para uma das hebreias. Sorrindo, ele se aproxima e, sem pudor algum, passa a mão no rosto dela. Débora, percebendo, muda de semblante: pura revolta.
TAMAR
Débora...
O capataz percebe seu olhar. Então larga a outra e se aproxima dela até parar olho no olho. Tamar e as outras mulheres ficam tensas.
CAPATAZ
Quero água.
Débora respira fundo. Mas pega um copo e o enche; entrega ao homem. Ele então começa a beber sem tirar os olhos dela, que mantém o olhar para longe dele.
CAPATAZ
Qual é o seu nome?
Ela o olha a contragosto.
DÉBORA
Débora. Já terminou?
CAPATAZ
Não. Quero mais.
Ela não gosta nada, mas se controla. Então pega o copo e começa a enchê-lo novamente. Nesse instante o capataz leva a mão ao rosto de Débora... Mas antes que possa tocá-la, ela se afasta rapidamente.
CAPATAZ
Ora! É uma arisca... Não sabe como adoro as ariscas!
DÉBORA
Senhor, me respeite, por favor. Eu sou casada.
CAPATAZ
Ora, mas eu gosto disso também.
DÉBORA
Então eu não o servirei!
Débora segura firme o copo com água pela metade.
CAPATAZ
Como ousa?
Ele tenta tirar o copo da mão dela, mas ela é ágil e desvia. Ele para e a encara. Tensão absoluta no ar... Nenhuma mulher ou homem respira ali.
TAMAR
Débora, minha filha, entregue o copo.
DÉBORA
Não.
O capataz sorri. Então, num movimento rápido, agarra a mulher mais próxima, prende-a em seus braços e coloca seu punhal no pescoço dela. Assustadas, as mulheres ali gritam.
CAPATAZ
Silêncio! (olha para Débora) Se quer brincar, vamos brincar de verdade. Entregue-me a água ou corto o pescoço dessa infeliz.
A mulher, aflita, é mantida de refém. Débora, preocupada, não demora a estender a mão e lhe entregar. Ele então joga a mulher no chão e pega o copo. Bebe um pouco e o resto despeja em sua cabeça, refrescando-se. Depois joga com força o copo vazio em Débora. E vira para os homens parados assistindo àquilo.
CAPATAZ
O que estão fazendo parados, bando de vagabundos?! Trabalhando! Vamos!!! Todo mundo trabalhando!!!
E sai distribuindo chicotadas nas costas de quem está perto. Débora, cercada por mulheres ainda assustadas, o encara, sua raiva se acentuando em seu olhar.

CENA 17: EXT. CAMPO – NOITE
Na madrugada seguinte, próximo à hora do amanhecer, Débora treina raivosa com Jaziel. Parece colocar toda a sua revolta nos golpes cada vez mais rápidos e violentos. Ele, percebendo a superioridade dela, tenta apenas se defender dos sucessivos golpes.
Não demora muito e ela o derruba com um chute e aponta seu pedaço de madeira para o peito dele.
JAZIEL
(cansado) Não dá mais... Não dá... Você me superou... É, enfim aconteceu...
Ela o encara bastante ofegante.

CENA 18: INT. CASA DE DÉBORA – QUARTO – NOITE
O dia amanhece, passa por completo e a noite cai.
Na cama, Débora e Lapidote trocam os últimos beijos, desejam uma boa noite de sono um para o outro e deitam para dormir.
Passa-se um tempo...
Débora, dormindo, começa a ter sonhos confusos... Com a voz... Uma voz estranha...
De repente imagens embaçadas começam a aparecer... Um campo... Água... Bastante luz... Coisas misturadas e pouco nítidas... Apesar das pálpebras fechadas, seus olhos se mexem muito.
VOZ
Débora.
Os olhos se abrem e ela acorda subitamente. Senta na cama.
Respira um tanto ofegante...
No misto de estranheza e preocupação de Débora, IMAGEM CONGELA
CONTINUA...
FADE OUT:

No próximo capítulo: Débora consulta o ancião Aliã sobre os seus sonhos e a voz. E Jaziel e os trabalhadores do campo notam uma estranha fumaça no horizonte.





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