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Débora - Capítulo 31


Débora
CAPÍTULO 31

uma novela de
FELIPE LIMA BORGES

escrita por
FELIPE LIMA BORGES

baseada nos capítulos 3 a 5 do livro de Juízes

 No capítulo anterior: Preocupado com Lapidote sozinho, Aliã o visita, mas o sapateiro diz que não há riscos, já que só Débora lhe satisfaz sentimental e carnalmente. Outro hebreu ainda lamenta com Lapidote o fato de Débora não estar ali para lhe resolver um negócio. Iru visita Sama na Fortaleza e leva sua filha Melissa, que abraça a mãe até serem separadas pelo soldado. Iru então diz que veio se despedir, pois não pode ser casado com uma mulher que não pode tocar. Sama se desespera e pede que ele traga Melissa, mas Iru diz que deixará a menina com a vizinha. Jaziel se embriaga em Harosete. Débora chega à mesma cidade e se prepara para entrar disfarçada. Já com alguns dias de loja aberta, Adélia se preocupa com a ausência de moços. Ela e Laila pedem a Mireu que convide seus amigos. Lapidote conta para Tamar e Elian tudo que estão falando sobre Débora, mas Elian não acredita e diz que se fosse um filho fazendo tudo isso teria orgulho, mas com ela tem é vergonha. Lapidote diz que ele é um negacionista. Jabim fica indignado com Sísera por causa de Débora, mas o Capitão promete ir atrás da hebreia, captura-la, humilhá-la e matá-la com as próprias mãos. Sísera pede que Elisa cante para ele. Débora consegue entrar em Harosete. Sísera manda Elisa parar e, antes de sair, pede que ela dê uma volta, ao que ela faz sob os olhares do Capitão. Adélia promete se dedicar mais à receita que fará os moços se apaixonarem por elas. Quando Sísera está na Casa do Amor bebendo com Bogotai, Jaziel chega e, muito bêbado, se envolve em confusão. Sísera pergunta qual é o problema dele e ele, corajoso por Débora estar protegendo os hebreus, enfrenta Sísera e revela que Débora é sua amiga. Interessado, Sísera leva Jaziel para a mesa. Nas ruas de Harosete, Débora tenta se livrar de confusão, mas homens a importunam e ela usa sua espada para derrota-los. Desconfiados, as pessoas gritam que Débora está ali e os soldados a perseguem. Débora vai parar em um beco onde estão Eloá e Danilo, que revelam que ali dá para os fundos do palácio. Ao saber que são servos de Sísera, ela pede ajuda a eles. Sísera vai dando vinho para Jaziel e conseguindo informações. Jaziel revela que foi mestre de Débora. Sísera então lhe pergunta onde ela mora, e ele diz que em Betel, tribo de Efraim. Satisfeito, Sísera sorri maldosamente.
FADE IN:

CENA 1: EXT. HAROSETE – BECO – NOITE
Débora espera a resposta de Eloá e Danilo, que se entreolham preocupados.
DÉBORA
Me ajudem... Por favor. Levem-me para a casa de vocês...
ELOÁ
Como podemos confiar em você? Ouvimos muitas coisas.
DÉBORA
E são todas verdade, mas... acho que no fundo já confiam em mim. Do contrário não teriam me dito para onde dá se pular aquele muro.
DANILO
Falei porque não tinha o que dizer... O que duas pessoas estariam fazendo em um beco como esse?
ELOÁ
(para Danilo) Te falta malícia.
DÉBORA
Então a questão talvez seja se eu devo confiar no que me dizem...
ELOÁ
E acha que tem opção? Se quiser pode dar meia volta e enfrentar os soldados, como dizem que faz.
DÉBORA
Eles não são o meu objetivo.
ELOÁ
Sísera?
Débora fica quieta... não quer contar agora.
DÉBORA
Podemos conversar depois, seguros, em casa.
ELOÁ
Acha que estará segura? Nós moramos na casa do Capitão, somos seus servos, já te dissemos isso.
DÉBORA
Eu sei. É para lá mesmo que quero ir... Podem me ajudar?
Eloá e Danilo se aproximam um do outro e falam baixinho.
ELOÁ
Ela é uma figura valiosa demais para recusarmos uma proposta como essa...
DANILO
Eu diria perigosa demais.
ELOÁ
Quero saber mais dela... Os boatos foram tantos... E agora está aqui, na nossa frente. Caso aconteça alguma coisa, Sísera estará por perto para nos ajudar.
Danilo respira fundo.
DANILO
Tudo bem...
ELOÁ
Então vamos. É bom largar essa espada e se cobrir.
DÉBORA
A espada fica comigo.
Débora então esconde a espada dentro das vestes, na lateral da perna. Mas cobre a cabeça.
ELOÁ
Para todos os efeitos, você é uma amiga nossa. E sua entrada foi permitida pela senhora Najara.
DÉBORA
Quem é?
DANILO
Apenas a mãe do Capitão.
Débora faz que sim. Eles então vão para o fundo do beco, onde Danilo sobe e ajuda a esposa a subir. Depois auxilia Débora, que escala e passa para o lado de lá.
Débora então olha para os lados e nota que a parede que pularam é só uma parte de um limite construído em volta de quase todo o monte. E à frente uma estreita escada de pedra leva até o topo. Eles começam a subi-la.
ELOÁ
Para algumas questões mais sigilosas, o rei ordena aos servos que usem os fundos. Acabou que Danilo e eu nos acostumamos a só usar essa sáida... Não gostamos de multidão.
DANILO
Detesto.

CENA 2: INT. PALÁCIO – CASA – SALA – NOITE
A porta se abre e Eloá e Danilo espiam para ver se há alguém ali, mas a sala está vazia. Então eles entram e, em seguida, Débora, com a cabeça ainda coberta.
ELOÁ
Vamos ali para a cozinha.
Eles atravessam a sala enquanto Débora segura o pano que mantém oculto o seu rosto.
Danilo abre a porta da cozinha e elas entram; ele vai em seguida.

CENA 3: INT. PALÁCIO – CASA – COZINHA – NOITE
Eles descem a escadinha e ficam mais à vontade relaxados.
DÉBORA
É seguro aqui?
ELOÁ
Sim. A senhora Najara quase nunca põe os pés aqui.
DÉBORA
E os outros servos?
ELOÁ
Nenhum vem. (sorrindo) Danilo e eu reinamos aqui.
Danilo sorri. Débora retira o pano e descobre a cabeça. Eloá e Danilo escoram no balcão e olham para ela.
DÉBORA
Muito obrigada por terem me trazido até aqui.
ELOÁ
Meu lado racional diz que eu deveria estar morrendo de medo de trazer uma inimiga do reino à minha cozinha. Mas o lado emocional quer muito saber mais sobre você.
DÉBORA
Não precisam temer. Minha luta não é contra as pessoas comuns. Elas também são vítimas. Minha luta é contra os opressores de meu povo. Vocês dois não são opressores, são?
Eloá ri.
DANILO
Eu não, apenas cozinho!
Eloá olha para o marido.
ELOÁ
Ela estava brincando.
DANILO
Ah, sim... Me desculpe.
Débora sorri muito levemente.
ELOÁ
De onde você veio, Débora? Por que está fazendo isso? E como... como é possível enfrentar a tantos dessa forma?! Uma única mulher!
DÉBORA
Eu vim de muito longe, de uma tribo chamada Efraim. Desde cedo treino duelo à espada com um amigo. Mas, se faço o que faço e ainda estou viva, é pela fé em meu Deus.
Eloá parece se interessar mais.
ELOÁ
O que é fé?
Débora sorri.
DÉBORA
Fé é quando acreditamos em algo mesmo com todas as coisas apontando para o contrário. É a certeza absoluta de que aquilo que se quer... acontecerá. Fiz o que fiz pela minha fé em meu Deus.
ELOÁ
O Deus único?
DÉBORA
Sim.
ELOÁ
Sempre soubemos mesmo que os hebreus adoram apenas a um Deus.
DÉBORA
Exatamente. E Ele me requereu uma missão, que estou cumprindo.
DANILO
Uau...
ELOÁ
Confesso que me sinto privilegiada de estar falando com você, Débora. Isso é tão... diferente. Uma mulher sozinha... fazendo esse alvoroço todo.
DANILO
Não sei se me sinto privilegiado ou numa tremendo encrenca.
DÉBORA
Não se preocupem, quero apenas uma ajuda da parte de vocês.
ELOÁ
Que ajuda? O que pretende fazer agora? Lá fora todos estão atrás de você. Muito provavelmente, Sísera também está.
DÉBORA
Eu quero encontrar Sísera. E libertar o meu povo.
Eloá e Danilo ficam quietos. Uma leve tensão no ar...



CENA 4: INT. CASA DO AMOR – NOITE
Sísera, sentado de frente para Jaziel, e esse com Bogotai ao seu lado, observa o hebreu tomando o milésimo copo de vinho.
SÍSERA
Sua informação é muito interessante, Jaziel.
JAZIEL
E é exclusiva! Quem mais aqui poderia saber onde mora Débora?! Só eu, seu melhor amigo!
E ri... Sísera sorri.
SÍSERA
Por que veio para cá, Jaziel? E como escapou sem ser pego pelos soldados?
Sísera se levanta e vai até Bogotai.
JAZIEL
Construí uma passagem secreta há muitos anos... O resto foi fácil.
Sísera se inclina no ouvido de Bogotai.
SÍSERA
Vá imediatamente até a cidade de Betel, tribo de Efraim. Mate todos os moradores.
BOGOTAI
Sim, senhor.
Jaziel, bebendo, não dá a menor atenção para a conversa deles.
SÍSERA
Leve 2 soldados se quiser.
BOGOTAI
Não será preciso.
SÍSERA
Pois então vá. Vamos mandar um recado a essa Débora.
Bogotai vira o copo de vinho e se levanta. Sob o olhar de Jaziel, ele se afasta e caminha para a saída. Sísera faz um sinal discreto para alguns homens em outras mesas e volta a sentar de frente para Jaziel, que observa Bogotai desaparecer na saída. Então vira para Sísera.
JAZIEL
Qual o motivo da máscara desse sujeito?
Sísera respira fundo. Os homens se aproximam discretamente da mesa deles.
SÍSERA
Antes dela, Bogotai era um homem comum. Um dia não resistiu à uma mulher que andava na rua com a filha. Ele a atacou, a estuprou e a matou queimada, deixando a filha sozinha.
Jaziel franze a testa...
JAZIEL
Mesmo?
Sísera faz que sim.
SÍSERA
O marido da mulher, ao descobrir o que havia acontecido, perseguiu Bogotai e, quando o encontrou, bateu tanto em seu rosto que o nariz ficou mutilado, de forma que era extremamente difícil para Bogotai respirar. Então ele contratou curandeiros que lhe enfaixaram panos com essências curativas, a fim de que pudesse respirar o mais normalmente possível. Quando se recuperou, Bogotai passou a buscar vingança. Treinou seu corpo dia e noite. Até que um dia eu o descobri e o trouxe ao exército.
JAZIEL
Mas pelo que ele fez com a mulher... não era para ir preso?
SÍSERA
E você acha que eu desperdiçaria todos aqueles músculos por causa disso? Mandei construírem uma máscara decente, feita de uma massa porosa após secagem. Ela filtra o ar e permite que ele respire e fale. Bogotai só a tira para comer, e ainda assim com muita dificuldade. Rapidamente ele cresceu no exército e, hoje, é o meu Primeiro Oficial.
JAZIEL
E o marido da falecida?
Os homens já estão ao redor da mesa, mas ainda atrás de Jaziel.
SÍSERA
Bem... Parte dele está no norte do reino e parte no sul... Parte no leste... Parte no oeste.
Apesar de muito embriagado, Jaziel parece impressionado e um tanto assustado. Os homens então se aproximam mais e Jaziel os vê.
SÍSERA
Jaziel, eu preciso que você me acompanhe.
Jaziel, confuso, olha dos homens para Sísera.
JAZIEL
Pra onde?
SÍSERA
Você vai gostar. Venha.
Sísera se levanta e, sob os olhares ameaçadores dos homens, Jaziel também se levanta e sai escoltado por eles. Algumas pessoas ao redor fazem sinais umas para as outras querendo dizer que aquele ali “já era”.

CENA 5: INT. PALÁCIO – CASA – COZINHA – NOITE
Darda entra na cozinha. Débora subitamente olha para o lado e Eloá e Danilo ficam apreensivos.
DARDA
(notando Débora de costa) Eu... vim pegar umas sementes...
ELOÁ
Tudo bem...
DARDA
Quem é ela?
ELOÁ
(sorrindo forçadamente) Uma amiga... Uma amiga que veio me visitar.
DARDA
A senhora Najara sabe? Ela permitiu?
ELOÁ
Sim. É claro... Estamos aqui há muito mais tempo que você, Darda. Sei das regras.
Darda nada diz, mas, desconfiada, pega o que tem que pegar e volta para a porta. Antes de subir a escadinha ainda olha de lado para Débora... Então passa pela porta e, ainda desconfiada, fecha-a.

CENA 6: INT. PALÁCIO – CASA – SALA – NOITE
Darda, comendo uma a uma as sementes em sua mão, chega na sala quando Elisa também está chegando de outro cômodo.
ELISA
Darda?
DARDA
Sou eu.
ELISA
Eu ouvi uma voz de mulher... e um cheiro diferente no ar. Um cheiro bom...
DARDA
Deve ser a amiga de Eloá. Está na cozinha.
ELISA
Hum...
Darda senta e Elisa permanece de pé.
ELISA
Você ouviu o que estão dizendo?
DARDA
Quem?
ELISA
O povo nas ruas. Estão falando que a tal guerreira hebreia chamada Débora está na cidade.
Darda franze a testa.
DARDA
Mesmo?
ELISA
Sim... Confesso que, apesar de ser nossa inimiga, admiro muito a coragem dessa mulher.
DARDA
Elisa, minha querida, vou te dar um conselho: não fique dizendo isso por aí, principalmente aqui no palácio. Principalmente na casa do Capitão. Eu não te trouxe aqui para que seja enforcada.
Arrependida, Elisa aperta os lábios um no outro.

CENA 7: INT. PALÁCIO – PRISÃO – NOITE
Sísera e seus homens, todos soldados (mas sem uniforme), abrem uma cela e jogam Jaziel lá dentro, que desaba no chão.
JAZIEL
O que é isso?! Por que estão fazendo isso comigo?!
Sísera, parado, observa-o.

CENA 8: INT. PALÁCIO – CASA – COZINHA – NOITE
Débora, mais distante da porta, e preparada para virar de costa caso outra pessoa entre, conversa com Eloá e Danilo.
ELOÁ
E como pretende fazer isso, Débora?
DÉBORA
Ainda não tenho total certeza, mas quero saber se posso contar com vocês para isso.
ELOÁ
Sim...
DANILO
Claro.
DÉBORA
Mesmo? Nos cozinheiros de Sísera? Isso não está me parecendo muito certo.
ELOÁ
Meu marido e eu não concordamos com a escravidão... apesar de nunca termos falado muito sobre isso, eu acho.
DANILO
Não, nunca falamos.
ELOÁ
E também já ouvimos sobre a história de Israel. Vocês tinham tudo para ser uma nação amiga de Hazor.
DÉBORA
Vocês precisam entender que o que eu pretendo fazer é derrubar Sísera e Jabim. Tudo o que conhecem... mudará.
ELOÁ
Nós entendemos. (pequena pausa) Anos acordando, vindo para essa cozinha, cozinhando, uma diversão aqui ou acolá no final do dia, e, por fim, cama. Acho que está na hora de chacoalharmos nossa vida de uma vez, não é, meu amor?
DANILO
É... Já está me dando frio na barriga, mas é...
ELOÁ
Débora, e por acaso haveria lugar para nós em Israel?
DÉBORA
Sempre haverá lugar para aqueles que querem servir ao Deus de Israel e cumprir os seus mandamentos.
Eloá e Danilo se encaram com olhares de esperança...

CENA 9: INT. PALÁCIO – PRISÃO – NOITE
Segurando-o pelo cabelo, Sísera mete mais um soco no estômago de Jaziel.
SÍSERA
Fale!!! Fale, seu miserável!!! Quero mais informações sobre sua amiga!!! Fale!!!
JAZIEL
(fraco) Eu... não sei de mais nada...
Sísera puxa a cabeça de Jaziel pelo cabelo e fala com o rosto quase colado no dele.
SÍSERA
Fale de uma vez, seu hebreu maldito! O que mais sabe sobre Débora?!
JAZIEL
Já disse antes tudo o que sei!... Não há mais nada...
SÍSERA
Lembra-se do Bogotai? Sabe o que eu ordenei a ele? Que fosse imediatamente a Betel e matasse todos que estão lá. E sabe o que pretendo fazer depois? Mandar ele matar todas as crianças hebreias que estão em nossa posse! Quer que isso aconteça, Jaziel?! Se não quiser, fale! Fale e quem sabe eu mande um mensageiro alcança-lo com uma ordem para abortar a missão!
JAZIEL
Eu juro... Não há mais nada... pra contar...
Furioso, Sísera joga Jaziel no chão e o chuta uma vez no estômago. Cospe e sai da cela. Os homens, que assistiam a tudo, fecham a grade da cela.
Jogado no chão e dolorido, Jaziel encara o nada...
JAZIEL
O que foi que eu fiz?...

CENA 10: INT. PALÁCIO – CASA – SALA/COZINHA – NOITE
ELOÁ
Débora, só um instante. Eu deixei a massa do pão de mel no forno...
Eloá vai até o forno de barro.
DÉBORA
Pão de mel? Isso existe?
ELOÁ
(conferindo) Vocês não comem em Israel? É delicioso!
DÉBORA
Hum... Interessante.
ELOÁ
Pronto. (voltando para perto deles) Débora, talvez... a melhor forma de fazer o que quer fazer seja surpreendendo Sísera quando ele chegar. Porém, peço apenas que não faça... o que quer fazer... na nossa frente. Por favor.
Nesse mesmo instante ouvem barulho de porta se abrindo lá na sala.
DANILO
É o senhor Sísera!...
Débora olha um tanto assustada para Eloá.
ELOÁ
Ele quase nunca vem aqui. Vamos ali para a porta.
Eloá e Danilo então correm e param atrás da porta. Débora, mais cuidadosa, vai em seguida e para junto deles.
Do outro lado, Najara chega à sala quando Sísera está chegando em casa.
NAJARA
Sísera... Mas que sujeira é essa?!
SÍSERA
Eu estive na cela.
NAJARA
Cela? Quem foi preso?
SÍSERA
Capturei um homem que se diz amigo da tal guerreira hebreia Débora. Ele ainda conta que ele próprio a treinou.
Na cozinha, os olhos de Débora se arregalam e sua boca se abre sozinha involuntariamente.
DÉBORA
(murmurando) Jaziel!...
Na sala...
SÍSERA
Quando ele estava bêbado consegui algumas informações, mas agora, mesmo espancando o infeliz, não consegui mais nada.
NAJARA
Então você precisa pensar de forma mais estratégica, Sísera. Se dando-lhe vinho você obteve informações e batendo não, dê-lhe vinho! Não é óbvio?! Não o torture, não use de violência. Leve-lhe vinho, aproveite o estado do homem e, já que já o agrediu, finja ser outra pessoa, um hebreu... Vista-se como tal. Não demorará muito e ele lhe contará o que ainda esconde.
SÍSERA
É uma boa ideia, mãe.
NAJARA
(para outro cômodo) Serva! Venha já aqui! Vá à cozinha pegar vinho!
Débora sai de perto de Eloá e Danilo e vai para o outro lado da cozinha.
SÍSERA
Não, mãe. Eu conheço uma mistura ótima para adicionar ao vinho, coisa que os soldados usam com os inimigos capturados. Trata-se de um composto que faz quem o bebe ficar suscetível à contar suas verdades. Grandes mentirosos já revelaram até seus maiores e mais profundos medos. Além do mais, é fácil e rápido de se fazer. E para funcionar basta que o preparo reaja ao álcool.
NAJARA
Hum... Ótimo! Acha que temos todos os ingredientes?
SÍSERA
Sim.
NAJARA
Pois mande Eloá e Danilo prepararem.
SÍSERA
Não. É um segredo do exército. Não é para o povo sair por aí usando isso. Deixe que eu mesmo preparo. Vou até expulsar os dois de lá.
NAJARA
Certo. Faça bem feito, então. Vou me recolher, o sono já me pesa os olhos. Boa sorte com o prisioneiro.
SÍSERA
Obrigado. Boa noite, mãe.
Najara vai para outro cômodo já levando a serva que, atrasada, vinha de lá por causa do chamado anterior. Sísera vai para a porta da cozinha e Eloá e Danilo, ouvindo-o do outro lado, correm para parecerem estar fazendo seus serviços cotidianos.
Sísera abre a porta e desce a escadinha.
SÍSERA
Eloá, Danilo, por favor, saiam--
Sísera, perto do centro da cozinha, para ao ver a mulher de costa do outro lado.
SÍSERA
Quem é essa?
DÉBORA (NAR.)
Ele com certeza não se lembrava de ter me visto em Betel 20 anos antes. Mas eu sim. Pela segunda vez, Sísera e eu nos encontrávamos no mesmo lugar.
Débora então cobre sua cabeça, vira e, rapidamente atravessa a cozinha na direção da porta.
DÉBORA
Ninguém, senhor. Já estou de saída.
E continua.
SÍSERA
Espere!
DÉBORA
Eu preciso mesmo ir. Eloá, acrescente cravo e canela ao seu pão de mel.
Ela atravessa a porta e sai.
Sísera, inconformado, olha com a testa franzida para o casal.
ELOÁ
É a minha amiga, senhor...
Na sala, Débora passa por Darda e Elisa, que voltavam de outro cômodo, deixando-as levemente confusas. Abre a porta. Sísera vem da cozinha.
SÍSERA
Ei, espere!
Ela vai rapidamente para fora de casa. Eloá e Danilo perseguem Sísera, que continua atrás de Débora.

CENA 11: INT./EXT. PALÁCIO – NOITE
Sísera não tira os olhos de Débora, lá na frente. Eloá, apressada atrás dele, tenta convencê-lo.
ELOÁ
Senhor, é a minha amiga! Por favor, perdoe-a! É uma plebeia! É tímida! Não está acostumada a estar com pessoas do nível do senhor!
SÍSERA
Ninguém pode me tratar assim, muito menos uma mulher!
Débora, percebendo que continua sendo perseguida, corre, mas Sísera também corre atrás dela.
Corredor atrás de corredor, pátio após pátio... A perseguição continua por todos esses lugares. A cada portão guardado por soldados, Débora pede que eles abram e assim eles vão abrindo. Sísera continua atrás, furioso por terem deixado passa-la.
Débora finalmente passa pelo grande portão do palácio e desce a larga e imponente escada principal que liga o palácio no topo à cidade lá embaixo. Desce-a apressadamente.
Finalmente ela chega lá embaixo, passa por mais guardas, para e olha para trás, para cima. Sísera está descendo a escada a toda velocidade. Eloá e Danilo, cansados, ficam lá no topo. Débora então olha para a multidão na rua e tenta se misturar a eles.
Pouco depois, Sísera chega ali e, à força, puxa e empurra as pessoas para que saiam de seu caminho. Olha para todos os lados... Vai para cá, para lá...
De repente um cidadão hazorita o intercepta.
CIDADÃO
Senhor! Senhor Capitão!
Sísera olha para ele.
CIDADÃO
Débora! A maldita hebreia que está nos matando! Ela está na cidade! Débora está na cidade, senhor!
SÍSERA
O quê?!
Uma mulher ali próximo confirma com a cabeça.
MULHER
É verdade, Capitão! Quase todo mundo nas ruas está falando apenas sobre isso!
Sísera então tenta prestar muita atenção no que dizem as dezenas e dezenas de pessoas... Ouve fragmentos de frases com “Débora”, “hebreia”, “justiceira”, “na cidade”...
Ele volta para os primeiros degraus da escada e, mais alto, olha distante. Finalmente localiza Débora, já lá na frente. Um pensamento novo parece lhe ocorrer... Ele considera... Então, decidido, dispara pela rua, empurrando tudo e todos.

CENA 12: INT. PALÁCIO – PRISÃO – NOITE
Jaziel, jogado no chão da cela, ouve uma conversa que vem lá de fora da cela. Estranhando, ele faz força e senta. Então faz mais força ainda e põe-se de pé.
Cambaleando um pouco, vai até a grade e escuta com atenção.
SOLDADO 1 (O.S.)
É o que estão dizendo...
SOLDADO 2 (O.S.)
Como que pode isso?! Como essa mulher entrou na cidade?!
SOLDADO 1 (O.S.)
Pode nem ser verdade, não é? Afinal, o que Débora iria querer aqui? Até então estava apenas protegendo suas cidades e vilarejos...
SOLDADO 2 (O.S.)
Essa mulher é louca!
Pela expressão de Jaziel – ainda afetada pelo álcool - ele quase não acredita no que acabou de ouvir.
Vira o rosto lá para fora.
JAZIEL
Ei! Vocês aí! Que história é essa?! O que estão falando de Débora?! Ela está aqui?!
Um dos soldados se aproxima com um olhar zombeteiro.
SOLDADO 2
(aproximando-se da grade) O que foi, hebreu? Não sabia das andanças de sua amiguinha? Pois é, ela está aqui. Está preocupado? Na certa agora ela morrerá. Está no covil do inimigo... Chegou perto demais do fogo. (sorrindo) Vai queimar...
O que o soldado não esperava era que, chegando perto da grade, Jaziel, num movimento rápido, agarraria seu pescoço e o puxaria com toda sua força. O rosto do soldado bate nas grades uma, duas, três, quatro, cinco vezes! Com ele já zonzo e sangrando no nariz, Jaziel leva a mão até a veste do soldado e pega a chave. Prendendo-o na grade com a mão lá para fora, Jaziel coloca a chave no buraco e abre. Ao sair, desembainha a espada do soldado e mete-lhe um forte soco no rosto, fazendo-o cair inconsciente. Outro soldado se aproxima, mas Jaziel, apesar de bêbado, consegue enfrenta-lo e derrota-lo com uma rasteira que faz os dois caírem. Jaziel se levanta rapidamente e crava sua espada na perna do homem, que berra de dor. E corre dali.

CENA 13: EXT. HAROSETE – RUAS – NOITE
Sísera, que corre de rua em rua, grita para os soldados mais próximos da muralha.
SÍSERA
Fechem o portão!!! Fechem o maldito portão!!!
Devido à distância, à correria do Capitão e ao barulho da multidão, os soldados demoram a entender o que ele quer dizer.
Em algum ponto perto dali, Débora nota Jaziel sair de uma rua e tomar aquela em que ela está. Conhecendo-o apesar da barba, Débora franze a testa.
DÉBORA
Jaziel!!! JAZIEL!!!
Estranhando, ele para e olha para trás; Débora o alcança e o empurra para um beco ali ao lado. Ambos estão ofegantes.
JAZIEL
Débora! Graças a Deus eu a encontrei!
E abraça a amiga, que retribui. Então a solta.
JAZIEL
Débora, eu cometi um erro! Eu cometi um grande erro, Débora!
Lágrimas começam a brotar de seus olhos.
DÉBORA
Calma, Jaziel, calma! O que aconteceu?!
JAZIEL
Bogotai! O Primeiro Oficial do exército!...
DÉBORA
O que tem ele?
JAZIEL
Ele saiu! Foi para Betel... para... matar a todos!
Encarando o amigo, Débora empalidece.
JAZIEL
Por minha culpa! Estava bêbado... ainda estou... mas não enxerguei! Foi preciso uma surra para eu acordar...
DÉBORA
Jaziel, o que veio fazer nessa cidade?! Você-- (pequena pausa) Jaziel, se é assim, então precisamos ir imediatamente!
JAZIEL
E o que você veio fazer aqui?
DÉBORA
Vim atrás de Sísera e Jabim... mas eles terão que esperar. Vamos, Jaziel! Não podemos perder mais tempo!
Débora se aproxima da rua e espia o portão ali perto; acaba de se fechar.
DÉBORA
Ah, não... Fecharam o portão. Sísera descobriu que eu sou eu.
JAZIEL
Precisamos fazer algo, Débora!...
Ela então volta para a penumbra do beco quando um soldado chega ali perto vasculhando tudo.
Débora faz sinal para Jaziel esperar. Então tira sua espada de sua veste e, silenciosamente, sai do beco e se aproxima do soldado por trás. Ao chegar perto, ela o agarra e coloca a espada em seu pescoço.
DÉBORA
Silêncio, silencio!
Com a outra mão ela pega a espada do homem e joga para Jaziel, que sai do beco. O soldado ainda tenta se desvencilhar dos braços dela, mas ela usa de técnica e o mantém preso. As pessoas ao redor, percebendo o soldado refém daquela mulher, gritam e se afastam.
DÉBORA (NAR.)
Agora só era preciso esperar. Eu sabia que ele viria, e não demoraria.
JAZIEL
O que está fazendo?! Está se expondo aqui no meio da rua! Vamos embora, Débora!
DÉBORA
Espere!
DÉBORA (NAR.)
E de fato não demorou.
Sísera, acompanhado de vários soldados armados, e ele próprio empunhando sua espada, chega ali. Tanto o povo quanto os soldados observam Débora com o refém e Jaziel ao seu lado. Sísera a encara com um ódio sanguinário.
SÍSERA
Débora! Finalmente nos conhecemos!
DÉBORA
Sim. Finalmente posso olhá-lo nos olhos, Sísera.
SÍSERA
E o faz como se igual a mim fosse! Meus pés são tudo o que deveria ver!
DÉBORA
Suas terras são tudo o que você e o seu povo deveriam ver, e ainda assim dominam também as nossas terras e as nossas vidas há 20 anos!
JAZIEL
(para Débora) Lembre-se: Bogotai já está a caminho de Betel. Não temos tempo para enfrentar esses soldados todos.
Débora se mantém quieta...
Sísera sorri e se aproxima um pouco, mas para quando gestualmente Débora reforça a ameaça da espada no pescoço do soldado. Sísera e Débora se encaram.
SÍSERA
A ordem já foi dada, Débora. Toda a sua cidade perecerá. Vê este homem ao seu lado, a quem você chama de amigo, e que nesse momento era para estar em uma cela? Foi ele quem me revelou tudo sobre você.
JAZIEL
Estava bêbado! Com a luz da razão jamais falaria um “a” para você! Assim como não fiz mesmo quando insistia em me espancar!
DÉBORA
Você deu a ordem, Sísera, mas não permitirei que o que disse aconteça. Mande seus homens abrirem o portão imediatamente.
O soldado refém de Débora parece já tremer de pavor.
SOLDADO
Senhor!... Não me deixe morrer!... Não me deixe morrer, Capitão!...
O que parece ser a família do soldado, entre a multidão de hazoritas, chora desesperada ao ver o parente naquela situação. Sísera os nota.
FAMILIAR
Capitão!!! Não deixe meu filho morrer!!! Capitão, salve o meu filho!!!
FAMILIAR 2
Salve o meu irmão, Capitão!!! Por favor!!!
FAMILIAR 3
Não deixe que essa maldita mate o meu sobrinho!!!
SÍSERA
Silêncio!!!
Eles aquietam, mas continuam a chorar. Sísera vê que o povo ao redor está comovido pelos familiares do soldado, e que os outros soldados esperam que seu Capitão não deixe seu colega morrer.
Tremendo de ódio, Sísera olha para Débora e lhe aponta o dedo.
SÍSERA
Eu ainda vou matá-la. Pode escrever... Vamos nos encontrar novamente, Débora. E aí não poderá escapar. Tão certo como sou o Capitão, eu a matarei.
DÉBORA
Rápido!!!
A contragosto, Sísera olha para os soldados da muralha e lhes faz um sinal, ao que os homens abrem o portão.
DÉBORA
(para Jaziel) Confira.
Jaziel olha os arredores do portão.
JAZIEL
Está limpo.
DÉBORA
Sairei com o soldado e só a uma distância segura daqui o liberarei. Se eu ouvir um cavalo ou um homem vindo atrás, ele morrerá.
Débora, o soldado e Jaziel então se afastam, atravessam o portão e somem na escuridão.
Sísera, inconformado, olha para a escuridão como se pudesse atrair com o olhar o que lá há. Não pode avançar com todo seu exército, pois todos eles e o povo estão do lado dos familiares.
Frustrado e com ódio – pois em qualquer outra ocasião sacrificaria seu soldado e avançaria - ele grita!

CENA 14: EXT. HAROSETE – ARREDORES – NOITE
Apenas uma fraca luz da lua permite que Débora e Jaziel cheguem até a formação rochosa onde está Pérola.
JAZIEL
É melhor que eu guie... Para que não pensem mal ou desonrem você ou Lapidote.
DÉBORA
Claro. Pérola, esse é Jaziel, meu amigo e irmão. Pode confiar nele.
Jaziel sorri e monta em Pérola.
JAZIEL
Não sei mais se sou digno de ser seu irmão.
DÉBORA
O que fez você falar não foi o álcool?
JAZIEL
Sim...
DÉBORA
Então caso encerrado. O que trataremos depois é o motivo do álcool.
Um pouco constrangido, Jaziel faz que sim. Débora então empurra o soldado.
SOLDADO
Por favor!... Deixem-me ir!...
DÉBORA
Eu não prometi que o liberaria?
SOLDADO
Mas... eu ouvi o que fez a tantos soldados...
DÉBORA
E você bem que merecia, não é? Qual é a sua cota de chicotadas? De mulheres mortas... De crianças sequestradas...
O homem, desesperado, começa a chorar.
DÉBORA
Mas promessa é promessa. Vá, suma daqui!
Mais que imediatamente o homem sai correndo e tropeçando, de volta a Harosete.
Débora então monta em Pérola e, uma vez pronta, Jaziel, segurando as rédeas, guia Pérola para longe dali, rumo ao deserto.

CENA 15: EXT. DESERTO – NOITE
Sob o céu estrelado e a lua minguante, Pérola avança em velocidade máxima quase interruptamente.

CENA 16: EXT. BETEL – ARREDORES – DIA
Finalmente o sol nasce e o dia começa.
Pela manhã, Pérola para e Jaziel encara algo à frente.
JAZIEL
Débora?... Está acordada?
Atrás dele, ela está bem desperta e encara o mesmo ponto: a cidade de Betel.
DÉBORA
Sim. Vejo o povo andando normalmente pelas ruas...
JAZIEL
Viemos muito rápido. Bogotai ainda não deve ter chegado.
DÉBORA
Mas pode chegar a qualquer momento.
JAZIEL
Ele pode ter ido ao rio... Depois de uma viagem durante toda a noite e antes de começar sua matança, ele pode querer beber no rio.
Débora então desce de Pérola.
JAZIEL
O que está fazendo?
DÉBORA
Vá com Pérola para Betel. Verifique se ele já não está lá... Se realmente não estiver, guarde a entrada.
JAZIEL
E você?
DÉBORA
Eu vou ao rio.
JAZIEL
Também quero beber água.
DÉBORA
Não vou para beber. Se Bogotai estiver lá, vou garantir de que lá ele não saia.
JAZIEL
Débora... Débora, minha amiga, você não o viu. Ele é forte. É grande. Você vai precisar de mim.
DÉBORA
Quantas vezes precisarei lembra-lo de quem realmente é forte e grande, ahn?! Vá, Jaziel! Proteja Betel!
Débora beija Pérola e acaricia a crina dela.
DÉBORA
Logo nos veremos, garota.
Ela se afasta e Jaziel, um tanto contrariado, sai cavalgando na direção da cidade.
Débora respira fundo e sai andando para outro lado.
Quando encontra o rio, ela caminha por algum tempo próximo à margem. Apesar da espada ainda guardada nas vestes, está bastante atenta a qualquer movimento ou som.
Logo Débora chega em um ponto onde a margem se eleva apesar do rio se manter inalterado. Ela sobe por completo...
Mas, quando chega na parte mais alta, Débora para ao ver que ali está um cavalo amarrado numa sombra e um homem apreciando a paisagem. Ele é alto, musculoso e suas vestes são como as de um lutador. Débora já entendeu quem é ele.
DÉBORA
Bogotai.
O homem, escutando-a, vira o rosto e, por fim, vira-se para ela por completo. Sua máscara branca – cobrindo-lhe a boca, o nariz, as orelhas e prendendo-se atrás – não ocultam seu semblante de zombaria para ela.
BOGOTAI
Débora.
DÉBORA
Não tocará em minha cidade.
Ela então tira a espada de suas vestes e a segura em posição de combate.
BOGOTAI
Sua cidade agora é minha cidade, e cairá. (pequena pausa) Porém, não antes de você.
Em Débora em posição de combate, IMAGEM CONGELA
CONTINUA...
FADE OUT:


No próximo capítulo: Sísera cobra satisfações de Eloá e Danilo. Gadi e Laís tentam adotar um filho, mas não imaginam o que realmente estão fazendo. E Débora e Bogotai travam um duro confronto por Betel.



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