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Os Protetores 1x02: Habitat - Parte 2




OS
PROTETORES



série de
FELIPE LIMA BORGES


 Temporada 1, Episódio 02
“Habitat – Parte 2”


escrito por
FELIPE LIMA BORGES



Tela preta.
É triste pensar que a natureza fala e que o gênero humano não a ouve.
Victor Hugo

FADE IN:
CENA 1: INT. RUA – CARRO - DIA
Enquanto SOFIA dirige, ADRIEL observa a cidade lá fora. Sofia olha uma vez para ele rapidamente.
SOFIA
Ah, parabéns.
Adriel olha para ela.
SOFIA
Pela captura do Matias Paraná. Foi um feito incrível.
ADRIEL
Ah... sim. Obrigado.
SOFIA
Qual a sensação?
ADRIEL
Perdão?
SOFIA
Vocês prenderam o cara. Era só o homem mais odiado e procurado do Brasil nos últimos anos. E com a Federal na cola dele...
ADRIEL
Ah... É. Quem diria... De manhã você sai de casa ouvindo na TV sobre o terror promovido pelo cartel do cara e... à noite está com a cabeça do monstro na bandeja. Na verdade acho que nem caiu a ficha ainda.
SOFIA
Entendo.
ADRIEL
Você é... sargento, certo?
SOFIA
Isso.
ADRIEL
E desde quando está na Polícia?
SOFIA
Fiz o concurso há sete anos mas só fui chamada dois anos depois, quando tinha vinte e três. Mais dois anos depois/
Sofia se interrompe.
ADRIEL
O que que tem dois anos depois...?
SOFIA
(constrangida) Ah, nada. (sorrisinho) Só continuei minha carreira na Polícia. Normalmente.
ADRIEL
(desconfiado) Ah...
SOFIA
Está com fome?
Adriel faz que sim.
ADRIEL
As barras de cereais do avião não são exatamente o melhor café da manhã.
SOFIA
Podemos parar em um restaurante.
ADRIEL
Ah, não se preocupe, Sofia. Eu aguento até a vila.
Estão chegando em um posto de combustíveis.
SOFIA
Imagina, você deve estar brocado.
Adriel franze o cenho com a palavra desconhecida.
SOFIA
Faz o seguinte: cuida do abastecimento que eu vou buscar alguma coisa na taberna.
ADRIEL
Taberna?
SOFIA
É...
Adriel não diz nada.
SOFIA
Ah, é tipo um mercadinho.
ADRIEL
Ah, ok! Taberna.

CENA 2: INT. POSTO DE COMBUSTÍVEIS – CARRO/EXT. POSTO DE COMBUSTÍVEIS – DIA
O carro encosta em uma boba de abastecimento.
Dentro, Adriel vê Sofia indo para a lojinha ali perto, enquanto o frentista abastece. Com o cotovelo na janela e a mão no queixo, Adriel pensa.
Olha despretensiosamente para os lados, para dentro do carro... E vê uma das faces de um papel dobrado no console do veículo. Nela está impressa o logo da Polícia Militar Ambiental. Ele estranha. Estende a mão para pegar mas se contém. Olha para a lojinha onde está Sofia e suspira fundo.
ADRIEL
Que que tá acontecendo aqui...
Adriel sai do carro, se afasta e realiza uma ligação.
ROBERTO (V.O.)
Alô?
ADRIEL
Que que tá acontecendo aqui, tenente?
ROBERTO (V.O.)
Ora, parece que a arrogância realmente anda no encalço da fama, rá.
Adriel aperta as têmporas.
ADRIEL
Senhor, por que tem uma sargento me guiando pra vila militar? Por que tem um papel com o logo da Ambiental no carro dela?
ROBERTO (V.O.)
Que isso, Adriel... Respire, homem. Do que você tá falando?
Adriel anda de um lado para o outro, mas não diz nada.
ROBERTO (V.O.)
Olha, Adriel. Você se acalme e depois a gente se fala, ok? Agora eu estou ocupado. E na próxima, dê bom dia ao seu superior antes de tudo. Bons modos são autoexplicativos e não saíram de moda, rá. Até mais.
Roberto desliga. Sofia retorna carregando dois sacos com comida.
SOFIA
Manaus é quente, mas acredite: dentro do carro é mais agradável.
ADRIEL
Ah... Só estava falando com meu superior.
SOFIA
Bora.
Sofia e Adriel entram no carro.
ADRIEL
(apontando a comida de Sofia) Só salada?
SOFIA
(guardando a comida) Ah, eu sou vegetariana. E além do mais tô sem fome. Mas eu te trouxe hambúrguer, imaginei que gostasse. Não é vegetariano também, é?
ADRIEL
Não, não. Na verdade não entendo como alguém consegue.
SOFIA
Que pena. Bom, pra mim nunca foi difícil. Me converti no primeiro ano da faculdade.
ADRIEL
Hum. E qual a sua formação?
SOFIA
Sou bióloga, pela Federal do Amazonas.
ADRIEL
(quase para si) Bióloga... Sofia? Você é da Ambiental, não é?
Sofia para, seu rosto enrubesce.
SOFIA
Por que está dizendo isso?
Adriel aponta o papel dobrado no console.
SOFIA
Ah... Isso não deveria estar aí.
Atrapalhadamente, Sofia joga o papel para o banco de trás. Adriel só observa.
SOFIA
Tá bom. Eu tenho que te contar uma coisa.

CORTA PARA:
CORTA PARA:

CENA 3: EXT. PRÉDIO BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ENTRADA – DIA
Sofia e Adriel descem do carro.
ADRIEL
Parceiros...
SOFIA
É como a gente chama.
ADRIEL
Parceiros... Isso é tão... série americana.
SOFIA
Adriel, me desculpe, de verdade. Eu sei que está totalmente fora do que você atua, mas já me informaram que vai ser temporário. Quando a administração da PM se normalizar você vai poder ir pro batalhão que esperava ir. E também fui informada que você teve um curso na área lá em São Paulo...
ADRIEL
É, foi sim... Não leve isso pro lado pessoal, tá Sofia. Mas é que... Por que eu não fui avisado?
SOFIA
O tenente Osvaldo pode te explicar melhor isso depois, mas basicamente não queriam... não queriam que você dificultasse as coisas. São ordens do próprio comandante.
ADRIEL
Dificultar? Mesmo que eu soubesse não teria nenhuma escolha, não poderia fazer nada. Teria que vir de um jeito ou de outro.
SOFIA
É... Bom, bora lá...
ADRIEL
Espera, o que estamos fazendo aqui? Não íamos pra vila? Minha apresentação está marcada só pra semana que vem.
SOFIA
Tudo bem, mas não gostaria de conhecer o batalhão? (pequena hesitação) O lugar onde vai trabalhar? Já estávamos passando perto mesmo...
ADRIEL
Tá, tudo bem. Vamos lá.

CENA 4: CONT. – INT TÉRREO – DIA
Sofia e Adriel adentram o prédio. DIOGO e BÁRBARA os vê.
DIOGO
(para os colegas, mas alto) Aí, ó. O próximo candidato à ala da psiquiatria.
Adriel, sem entender direito, olha para ele enquanto passa.
SOFIA
Ignora.
Adriel acompanha Sofia na direção do elevador, olhando desconfiado para Diogo.
DIOGO
(para um colega) Espera, aquele... aquele não parece o sujeito da TV? O militar que prendeu o Matias Paraná?
COLEGA
Está atrasado, hein Diogo... O cara já estava transferido pra cá. Calhou de pegar o Paraná pouco antes de viajar.
DIOGO
Uou, sério? (pausa) Isso só prova o que eu venho dizendo, que o tenente continua privilegiando essa mulherzinha...
O colega de Diogo franze o cenho. Bárbara, que ouviu o diálogo, também está surpresa. Ela olha para o elevador, que se fecha. E Diogo olha para ela.
CORTA PARA:
CENA 5: CONT. – INT. 3° ANDAR – DIA
Sofia e Adriel vem caminhando pelo corredor rumo ao escritório no fim desse.
ADRIEL
Aquele sujeito estava falando de mim?
SOFIA
Ah, é. Não liga pro Diogo, é um idiota. Colocou na cabeça que o tenente me privilegia, por causa dessa sala, da função específica que tenho...

CENA 6: CONT. - INT. ESCRITÓRIO DA DICAM – DIA
Eles entram no escritório, uma sala clara e organizada. Nas paredes alguns cartazes discretos de bichos e paisagens. Em alguns cantos e prateleiras selfies de Sofia, bem-humorada, ao lado de todo tipo de animais. Próxima à mesa de costa para a janela – a mesa de Sofia – está uma estante repleta de livro de Biologia, e alguns poucos de Direito. Ao lado da segunda mesa – perpendicular à primeira – um gaveteiro metálico de arquivos.
ADRIEL
Uau, mas com uma sala dessa só pra você... não posso culpa-lo.
Sofia guarda algumas coisas e mexe em outras.
SOFIA
Meu parceiro tomando o lado do Diogo não vai dar muito certo, sabe?...
Adriel solta uma risadinha.
ADRIEL
Mas falando sério, Sofia. Por que você tem esse... privilégio, se é que posso chamar assim?
Sofia senta em cima de sua mesa.
SOFIA
A sala não é só minha, meu trabalho é em dupla, lembra? Meu ex-parceiro já levou as coisas dele. Eram poucas... mas dava pra notar. Enfim... Depois que eu fui transferida pra Ambiental, digamos que eu fazia mais que o meu trabalho. Mas eu fazia porque gostava, fazia com garra, com paixão. Há muito tempo minha vocação é... de alguma forma, defender a natureza, Adriel...
ADRIEL
Por isso entrou na Polícia.
SOFIA
Sim. Trabalhar como bióloga é fascinante, mas não muda a situação dos animais de rua, não diminui a dor de tantos cachorros e gatos sendo maltratados por aí, não para o tráfico de animais... E era nesse mundo que eu precisava estar, eu precisava bater de frente com essa realidade. E aí apareceu o concurso da Polícia Militar, a minha chance. Fiz, passei, entrei, ralei muito... E dois anos depois consegui ser transferida pra Unidade Ambiental.
ADRIEL
Os tais dois anos do carro.
SOFIA
É... Isso mesmo, Sherlock. Quando o tenente Osvaldo, com a autorização do comandante, montou a DICAM, Divisão de Investigações de Crimes Ambientais – já vai gravando –, e me confiou o cargo, foi um sonho de infância sendo realizado.
Adriel escuta atento.
SOFIA
Mas infelizmente nem todos aqui tem a mesma paixão. A maioria é muito competente, mas alguns parecem que não veem a hora de aparecer uma oportunidade pra pular fora, ir pra “polícia de verdade”, como dizem. É o caso do sargento Diogo.
ADRIEL
Mas se ele não quer ficar aqui por que sentiria inveja dos seus privilégios?
SOFIA
Ele quer ir, mas enquanto não pode quer ficar de bubuia, sem fazer por onde. Isso não é vida de guerreiro, e eu tenho certeza que você concorda.
ADRIEL
Absolutamente.
SOFIA
E como não podemos nos arriscar sozinhos por aí o tenente designou o sargento Marcos pra me auxiliar. Por 1 ano trabalhamos juntos, até ele ser afastado do campo devido a um diagnóstico psicológico, há um mês. Saiu ontem daqui.
ADRIEL
Eu sinto muito.
Sofia fica em silêncio por alguns segundos.
SOFIA
Tudo bem. Enfim, essa sala agora é nossa. E essa mesa (apontando a outra), toda sua.
ADRIEL
Oh, ótimo. Eu acho.
Sofia fica de pé e lê alguns papéis enquanto Adriel examina sua mesa.
ADRIEL
DICAM... Que tipo de crimes ela investiga?
SOFIA
Todo e qualquer caso indicando ação que fira ou coloque em risco um elemento de origem natural. Traduzindo, de maus-tratos a tráfico internacional. De corte de árvore não autorizado a desmatamento ilegal na Amazônia. O tenente Osvaldo nos passa os casos que investigaremos, e só paramos quando os culpados estão à mercê da Justiça.
ADRIEL
Uau. E só dois pra fazer tudo isso?
SOFIA
Temos o apoio de toda a Corporação, mas sim, somos só nós dois pra colocar a mão na massa e resolver os casos.
Adriel faz que sim.
SOFIA
Adriel, se não se importa vou te levar pra vila. Preciso começar a trabalhar num caso.
ADRIEL
Um caso? Dos nossos?
SOFIA
Sim, o tenente me passou ontem à noite. Ele esperava que eu começasse depois que te deixasse na vila.
ADRIEL
E a história de não trabalhar sozinha?
SOFIA
Mas você acabou de chegar... Não está cansado?
ADRIEL
Bastante. Mas eu já tô aqui né... Vamos, deixe-me ver isso.
SOFIA
Vai entrar de maneira extraoficial?
ADRIEL
Só se você permitir.
Sofia sorri.
SOFIA
Agora entendo como um Militar capturou Paraná. Tá bom, vamos dar uma olhada.
ADRIEL
(aproximando-se) Então, o que temos aí?
Sofia mostra os papéis para Adriel.
SOFIA
Bom, dois dias atrás um pelotão da PM fazia bloqueio na BR quando recebeu da central uma denúncia anônima de possível tráfico de animais silvestres, com informação de veículo e tudo.
Sofia mostra uma folha com duas fotos captadas por câmeras de segurança: da placa do carro de Geraldo e do próprio Geraldo no interior do veículo.
SOFIA
Eles desconfiaram de um motorista que haviam acabado de liberar e então o perseguiram.
Ela mostra outra página com fotos do carro de Geraldo tombado.
SOFIA
O suspeito empreendeu fuga, e dois quilômetros à frente os PMs encontraram o carro tombado, mas sem ninguém.
Sofia mostra outra foto: do macaco abandonado.
SOFIA
No local havia também esse macaquinho. Quando os policiais o encontraram o bichinho estava preso na gaiola, coitado. E havia uma arma de tranquilizantes por ali, também.
ADRIEL
Então era mesmo tráfico.
SOFIA
É possível. Mas tem algo estranho nisso.
ADRIEL
Hum.
SOFIA
Por que ele estaria transportando um único animal?
ADRIEL
Talvez capturou o bicho e pretendia vende-lo...
SOFIA
Só se ele tivesse vindo dirigindo da América Central.
ADRIEL
Não entendo.
SOFIA
Esse é um Cebus capucinus, conhecido por aqui como macaco-prego-de-cara-branca. É nativo das florestas da Costa Rica, Honduras, Panamá... Não da Amazônia.
ADRIEL
Um colecionador, talvez. Ou então o denunciante se enganou e seja só um bicho de estimação.
SOFIA
As pessoas daqui que criam animais silvestres não costumam carrega-los pra cima e pra baixo. A fiscalização tem pegado no pé. Mas esse denunciante tem fortes suspeitas, porque ontem ligou mais uma vez e nos enviou uma captura da câmera de segurança de uma taberna. O mesmo cara.
Sofia mostra outra página. É a foto do momento em que Geraldo confronta Lino, que está de costas.
ADRIEL
O denunciante deve trabalhar no estabelecimento.
SOFIA
Provavelmente. A informação que ele deu é de que o suspeito mora ao lado da taberna.
ADRIEL
Hum. Então, o que fazemos? Vamos até lá?
CORTA PARA:
CENA 7: EXT. ESTABELECIMENTO DE LINO – CALÇADA – DIA
Sofia e Adriel vem caminhando do carro estacionado, na direção do estabelecimento de Lino.
ADRIEL
Acho que eu estou aqui pra pagar meus pecados, Sofia. Não é possível. Sem ofensa, mas as coisas simplesmente não batem.
SOFIA
Do que você tá falando?
ADRIEL
É que, ao contrário de você eu nunca fui muito chegado em animais, essas coisas... Nunca me dei bem com... bichos... em geral.
SOFIA
Ah, sério? (risadinha) Agora sou eu quem não entende, Adriel. Como alguém pode não gostar de bichinhos? Nenhum?! Olha, gente que não gosta de gato nem cachorro é suspeito...
ADRIEL
Bichinhos? Veja só, quando eu tinha nove anos, acordei de um pesadelo no meio da noite, e o gato da minha tia deitado em cima de mim, assim. Era um gato enorme, daqueles gordos, forte e do pelo bem escuro! Na hora que eu vi o bicho mal-iluminado pelo abajur, me assustei feio e dei um grito tão alto que acordei a casa inteira, e provavelmente até os vizinhos. E o resultado foi que o gato também se assustou e desceu as unhas na minha cara. Tem até um pedaço da cicatriz aqui no pescoço, ó...
Sofia olha.
SOFIA
Ah, nem dá pra ver direito... Sumiu quase tudo.
ADRIEL
O que não sumiu foi minha aversão a eles, principalmente aos gatos.
Eles já estão próximos do estabelecimento de LINO, que, atrás do balcão, os observa apreensivo.
SOFIA
(apontando a câmera de segurança) Olha, Adriel. Aquela deve ser a câmera da foto.
ADRIEL
Hum. Então, pela posição dos dois no momento, a casa do suspeito é aquela (apontando para a casa de Geraldo).
Sofia nota Lino os observando.
SOFIA
Senhor? (mostrando o distintivo) Polícia Militar. Está tudo bem?
Lino sai detrás do balcão e vem até a porta. Olha para os dois lados da rua e os chama com a mão.
Sofia e Adriel se entreolham e entram. Ela, com a mão no revólver preso no coldre.

CENA 8: INT. ESTABELECIMENTO DE LINO – DIA
LINO
Policiais Militares? Cadê a farda de vocês?
SOFIA
(apresentando o distintivo novamente) Somos da DICAM, Divisão de Investigações de Crimes Ambientais da Polícia Militar. Nossos costumes são um pouco diferentes da PM Ambiental convencional. Eu sou a sargento Sofia, e esse é o meu parceiro, sargento Adriel.
LINO
(nervoso) Hum, certo. Certo.
Uma moto barulhenta passa pela rua. Lino se assusta e os leva para longe da porta, em um dos pequenos corredores do estabelecimento.
SOFIA
Está tudo bem, senhor...?
LINO
Lino. Meu nome é Lino. Sou o dono da taberna.
Ele estende a mão para os dois, que a apertam.
LINO
Me desculpem tudo isso, mas é que eu vi que vocês vieram por causa... por causa da denúncia, não é?
Sofia faz que sim.
SOFIA
Então foi o senhor quem ligou?
LINO
Sim, sim, fui eu.
Adriel dá uma olhada para a porta e se aproxima mais.
SOFIA
O senhor pode contar conosco, senhor Lino. Se assim quiser sua identidade será preservada. O que o senhor sabe a respeito?
LINO
Bom, eu moro ali no fundo com a minha mulher e meus dois filhos e... o muro que divide nossa casa da do vizinho Geraldo não é muito alto. E... já tem semanas que, pelo menos três vezes na semana, meu curumim mais novo vem acordar eu e minha mulher, todo assustado, tremendo, dizendo que tá ouvindo barulho no quintal. No começo eu não dei muita bola, mandava ele voltar pra cama. Até o dia que eu mesmo acordei de supetão com um grito agudo, de arrepiar até a espinha!
ADRIEL
O senhor foi ver o que era?
LINO
Sim. Levantei, peguei minha peixeira e fui. Quando eu tava lá fora ouvi de novo. Aí percebi que vinha da casa do Geraldo. Então subi e olhei por cima do muro. Não dava pra enxergar nada, estava uma escuridão que só. Mas a luz dentro da casa estava acesa e eu podia ver o vulto dele.
SOFIA
O senhor não viu mais nada além disso, nenhuma movimentação, nenhum outro som?
LINO
Nos primeiros cinco minutos nada. Mas eu voltei e peguei minha lanterna, e quando apontei ela pro quintal dele eu vi, do outro lado, um veado, acredita? Um veado campeiro.
Sofia franze o cenho.
LINO
Quase na mesma hora desconfiei que o Geraldo anda mexendo com trafico de animais, porque esse veado não é comum aqui no Amazonas. Eu tenho parentes lá no Centro-Oeste e conheço a fauna do Pantanal, e esse bicho vive mais pra’queles cantos.
ADRIEL
Mas e o grito? O que ele estaria fazendo?
LINO
Ah, isso eu não sei lhe dizer. Anteontem minha mulher estava limpando a frente da taberna logo cedo quando ele saiu de casa, com a carroceria da caminhonete coberta por um pano. Na conversa rápida ele disse que ia visitar um amigo, tal de Manuel.
SOFIA
Na fazenda Boca da Serra?
LINO
Isso mesmo!
SOFIA
(para Adriel) Bingo! Foi isso que os policiais do bloqueio relataram.
LINO
Quando cheguei de tarde do centro minha esposa me contou. E foi aí que eu resolvi ligar pra Polícia.
SOFIA
Mais uma coisa: o Geraldo, ele é casado?
LINO
Não, não! Vive sozinho desde que eu conheço ele.
SOFIA
O senhor fez um bom trabalho, senhor Lino. Mas será que podemos entrar e dar uma olhada?
LINO
Claro, claro. Eu levo vocês.
Lino, ainda cuidando a entrada, leva eles por uma porta atrás que dá para um pequeno pátio. Sua casa fica ali, no fundo.

CENA 9: EXT. CASA DE LINO – PÁTIO – DIA
ADRIEL
O senhor sabe se ele está em casa?
LINO
Não, passou aí na frente de saída já tem uma hora.
Sofia entra observando o muro. Adriel a segue. Há uma escada encostada na parede e Sofia vai direto nela.
ADRIEL
Cuidado.
Sofia sobe e olha. O quintal de Geraldo não é calçado, há muitas árvores e arbustos e diversas gaiolas, de todos os tamanhos, espalhadas. Ela vê a varandinha do fundo da casa, na qual há um tanque de levar e uma mesa velha com objetos, e entre eles a porta dos fundos fechada. Logo abaixo de Sofia, encostada no muro, há uma caixa d’água tampada.
SOFIA
Adriel, eu vou entrar. Vem comigo?
ADRIEL
Tem certeza?
SOFIA
Temos que aproveitar que ele está fora... (olha para ele) A viagem não diminuiu sua ousadia, diminuiu?
ADRIEL
Não, é só que... Você tá jogando baixo, hein.
Sofia apenas o observa com um sorrisinho.
ADRIEL
Tá, vamos.
Sofia pula o muro enquanto Adriel sobe.
LINO
Minha mulher foi na escola dos meninos e eu não posso deixar a loja só. Se eu ver o Geraldo chegando venho aqui e dou um assobio.
ADRIEL
Faça isso.

CENA 10: EXT. CASA DE GERALDO – QUINTAL – DIA
Adriel cai de pé da caixa d’água para a terra batida do quintal de Geraldo.
ADRIEL
Esse lugar não deve ser limpo há décadas.
Sofia revira gaiolas e outras quinquilharias enquanto Adriel examina as mesmas coisas enfiadas nos arbustos.
SOFIA
Coleiras... argolas... Que que esse sujeito anda aprontando?...
ADRIEL
Dá uma olhada nisso aqui.
Sofia vai até Adriel, agachado.
SOFIA
O quê?
Adriel entrega um objeto comprido.
ADRIEL
Não precisa ser biólogo pra saber que isso serve pra pegar serpentes. Não é?
SOFIA
Sim, é um pinção herpetológico. Minha definição teórica não poderia ser mais funcional. Adriel, bora entrar na casa? Vai saber o que tem lá dentro... Você ouviu o Lino, se o Geraldo chegar ele avisa e a gente volta.
Adriel, ainda agachado, a encara por alguns segundos.
CORTA PARA:
CENA 11: CONT. – INT. OFICINA – DIA
Por uma câmera dentro da casa: a porta se abre com um empurrão. Sofia e Adriel observam o interior da casa. Entram.
ADRIEL
Meu Deus, aqui é ainda pior...
É uma sala com duas mesas de madeira encostadas nas duas paredes laterais. Embaixo delas há gavetas e portas. Mais acima, na parede oposta à janela, vários armários, também de madeira.
SOFIA
(mexendo nas coisas) São basicamente as mesmas coisas lá de fora.
Sofia abre as gavetas.
SOFIA
Espera, olha só isso.
Adriel se aproxima e vê no interior das gavetas várias fitas catalogadas e um gravador de voz. Pega-o.
ADRIEL
Vocês ainda estão nesse modelo?
Sofia olha para ele.
SOFIA
Claro que não. Ele é que deve ter parado no tempo.
Ela pega o gravador da mão de Adriel.
ADRIEL
Hum.
SOFIA
Sério? Achou mesmo que as coisas daqui são das antigas?
ADRIEL
Não... Esquece.
Adriel se esquiva e abre outras gavetas enquanto Sofia coloca uma das fitas no gravador.
SOFIA
Vamos ver isso.
Adriel revira uns papéis e Sofia aperta o play. Dois segundos de chiado.
GERALDO (V.O.)
Pesquisa Habitat,/
Adriel para de ler e presta atenção.
GERALDO (V.O.)
/vigésimo segundo dia, elementos dois, 8 e 45 da noite. Resultados: fracasso... de novo. Fim dos testes com o elemento dois (suspiro), transitando para o elemento três.
No fim da gravação ouve-se um tiro. Sofia se assusta e Adriel franze o cenho. Ele volta a ler. Sofia imediatamente pega outra fita e substitui no gravador.
GERALDO (V.O.)
Pesquisa Habitat, quadragésimo dia, elemento três, 3 e 5 da tarde. Resultados: fracasso.
Sofia espera por mais algum barulho, mas não acontece. Ela pega então a fita mais recente. A gravação é aquela feita na cena 1 do episódio anterior.
GERALDO (V.O.)
Pesquisa Habitat, sexagésimo sétimo dia, elemento quatro, 5 e 13 da tarde. Resultados: (pequena pausa) fracasso.
SOFIA
(confusa) Ele parece algum tipo de... pesquisador. Mas esses métodos são tão amadores...
ADRIEL
Veja.
Adriel entrega uns papéis à parceira.
ADRIEL
São cartas de rejeição. De várias universidades e revistas científicas.
SOFIA
(passando uma a uma) E o que é que rejeitaram?
ADRIEL
Artigos, monografias, pedidos de cessão de laboratórios, verba...
SOFIA
(lendo) “...devido aos métodos fora das normas científicas estabelecidas e de natureza ética duvidosa”. Meu Deus, esse Geraldo é um pseudocientista!
ADRIEL
Resta saber o que é que ele pesquisa.
SOFIA
Pesquisa Habitat... Bichos fora do seu habitat natural... Ele só pode estar importando animais pra realizar experimentos aqui, Adriel. Seja lá com quais objetivos. Agora vai imaginar como esse sujeito trata os bichinhos...
ADRIEL
Mas como ele traz esses animas? Será que tem um fornecedor, algum... algum parceiro?
SOFIA
É possível. Só que as condições e o estado dessa casa não correspondem ao poder aquisitivo de alguém que pode comprar animais silvestres. Eu vou dar uma olhada no resto da casa.
Sofia sai e Adriel abre um armário do outro lado da sala. Ele pega um caderno grande com anotações. Na primeira folha: “Projeto Habitat – Pesquisador: Geraldo Lemes”.
ADRIEL
Acho que encontrei o ouro, Sofia!
Adriel abre o caderno e seus olhos transcorrem as anotações à mão de Geraldo.
ADRIEL
Sofia! Já entendi qual é a desse sujeito!
SOFIA (O.S.)
Me conta no caminho!
ADRIEL
Caminho pra onde?!

CENA 12: CONT. – INT. SALA/EXT. CASA DE LINO – PÁTIO/INT. ESTABELECIMENTO DE LINO – DIA
Na sala, Sofia folheia uma caderneta. Distribuídos entre anotações de todo tipo, vários endereços e outras informações sobre transportadores de animais. Em todos há um X riscado grosseiramente com anotações do tipo: “Caro”, “Demorado”, “Não confiável”, “Insegurança”, “Babaca”, “Péssima reputação”.
SOFIA
Pro fornecedor do Geraldo! Achei uma relação de possível transportadores!
ADRIEL
Ótimo, ent--
Um assobio alto ecoa e Adriel olha rapidamente pela janela.
ADRIEL
Sofia, temos que ir! É o sinal do Lino!
Sofia ainda está folheando a caderneta.
SOFIA
Já vou!... Os dados do fornecedor que ele escolheu devem estar aqui... em algum lugar...
Adriel entra apressado.
ADRIEL
Sofia, precisamos sair daqui agora! Isso significa que o Geraldo tá chegando, e minha cota de encrencas já tá mais que esgotada!
Vindo do muro onde subiu pra assobiar, Lino passa apressado pela porta dos fundos de seu estabelecimento. Corre para a entrada e espia GERALDO, segurando sacolas, chegar no portão de sua casa. Olha novamente para o fundo, esperando sinal da dupla. Está aflito.
LINO
Meu paizinho... Cadê esses dois, meu Deus?...
Lino observa Geraldo colocar as sacolas no chão e procurar pelas chaves nos bolsos.
Na sala de Geraldo, Sofia ainda procura as informações na caderneta. Adriel se aproxima mais.
ADRIEL
Sofia, por favor. Vamos sair daqui! Por que você não leva logo essa caderneta?
SOFIA
Não vou tirar nada daqui. Calma, já devo estar encontrando...
Lino, agarrado nas ombreiras da porta, está quase se desesperando enquanto assiste Geraldo passar pelo portão e sumir.
Lino corre para os fundos.
SOFIA
Aqui, achei!
Ela lê os dados com extrema atenção. Um ruído denuncia Geraldo destrancando a porta de entrada, próxima a eles. Ambos olham.
ADRIEL
Vamos!
Sofia larga a caderneta e os dois correm para a porta dos fundos. Um segundo depois de desaparecerem Geraldo abre a porta e entra. Olha rapidamente todo o cômodo.

CENA 13: EXT. CASA DE GERALDO – QUINTAL/INT. OFICINA – DIA
Sofia e Adriel saem da casa e correm para a caixa d’água. Sobem-na. Lino aparece em cima do muro, aflito.
LINO
Pensei que não viriam mais!
Lino segura firme os braços de Sofia e a ajuda a passar para o outro lado.
Geraldo larga as sacolas e percebe uma das gavetas semiaberta. Caminha desconfiado até a porta.
Lino e Sofia auxiliam Adriel a passar as pernas por sobre o muro. Um segundo antes de sumir de vez, Adriel olha para a porta de onde saíram. Ela abre por dentro. Ele desce.
Geraldo abre a porta e sai na varandinha. Olha todo o quintal, até a caixa d’água encostada no muro. Já não há mais ninguém.
Sofia, Adriel e Lino entram no estabelecimento rápidos e silenciosos.

CENA 14: INT. ESTABELECIMENTO DE LINO – DIA
LINO
(com a mão no peito) Meu Deus do céu, vocês quase me matam! Por favor, apenas digam que tudo isso valeu a pena.
SOFIA
Nos desculpe, Sr. Lino, mas as informações que estávamos buscando eram muito valiosas. E sim, valeu a pena.
LINO
É mesmo?! E o que encontraram?
ADRIEL
As informações sobre o fornecedor, o cara que faz a ponte entre o traficante e o comprador... no caso, o Geraldo. E o ponto de encontro, também. Sofia decorou tudo.
LINO
E onde é que eles se encontram?
SOFIA
Na Praia do Japonês.
LINO
(confuso) Na Praia do Japonês?!
CORTA PARA:
CENA 15: EXT. PRAIA DO JAPONÊS – DIA
Na Praia do Japonês, uma estreia península de areia avança sobre o rio Negro ligando a margem à uma porção de terra – ou melhor, de areia – onde há uma pequena vegetação nativa.
Sofia e Adriel caminham por essa ponte natural, na direção da porção seca. Adriel sofre com o calor. Dois botões superiores de sua camisa estão abertos.
ADRIEL
Política, História, Economia... Passei quase toda a noite no voo pesquisando essas coisas sobre Manaus... Aliás, adorei o “Paris dos Trópicos”. Mas clima? Calor?! Nem tinha porque eu procurar sobre isso.
SOFIA
A cidade tá na margem desse riozão, Adriel. Não tinha como ser diferente.
ADRIEL
(lamentando) Eu sou um peixe fora d’água.
SOFIA
Sinto muito por você. Um dia participa da maior captura do país e no outro está aqui queimando os pés na areia do rio Negro sob esse sol--
ADRIEL
(interrompendo) E cercado pela maior floresta do mundo. Relaxa. Falando assim até parece uma temporada de férias.
Sofia sorri.
SOFIA
Tenho certeza que logo você se acostuma. O ser humano é um animal que se adapta rapidamente.
ADRIEL
Você gosta dessa ideia, né? Que somos animais. Quer dizer, gosta de ser comparada a eles. Bom, é o que pareceu...
SOFIA
Quem dera as pessoas fossem como os animais... Mas não é bem por aí não. Se eu fosse um animal... como eles... não os admiraria e não teria como ter o mesmo afeto que tenho. É melhor que eu seja a tal animal racional e tente fazer alguma diferença. Ali, Adriel, olha lá. Deve ser o fornecedor. Bora.
Eles estão no final da ponte natural, chegando na ilhota. Do outro lado, ROMERO (55 anos) mexe em malas, sacos, redes e outros objetos no barco de alumínio parado na praia. A dupla aperta o passo na direção do homem. À esquerda estão as árvores.
SOFIA
Senhor! Senhor, um momento!
Romero os nota assustado.
SOFIA
(continuando a andar) Polícia Militar! Venha até aqui para que possamos conversar na sombra, por favor!
Romero então começa a guardar suas coisas no barco com pressa. Adriel para.
ADRIEL
(indignado) Ahh!
Sofia para também.
SOFIA
Que foi, Adriel?! Bora, ele tá fugindo! (para Romero) Senhor, parado! Polícia Militar!
ADRIEL
(alto o suficiente para que Romero ouça) Só pode ser brincadeira! Com esse sol queimando minhas costas eu tenho que presenciar tamanho desaforo, Sofia?!
Sofia está confusa. Olha para Romero, que já empurra o barco para o rio, e de volta para Adriel.
ADRIEL
(mesmo tom de voz) É sério mesmo que esse cara acha que vai escapar?! Que vai arrumar as trouxas dele assim, vai entrar no barquinho e remar meia hora pra andar 50 metros e nós dois vamos observar tudo daqui, sentadinhos na areia?!
Romero ouve tudo mas só pensa em escapar. Começa a remar com toda sua força.
ADRIEL
Então, Sofia, como o pegamos?! Corremos atrás com estilo ou vamos andando compartilhando nossas diferenças culturais?! De minha parte tenho o dia todo.
Sofia apenas o olha.
SOFIA
O sol realmente não te fez bem...
ADRIEL
Quer saber, vamos acabar logo com isso.
Adriel caminha calmamente até Sofia.
ADRIEL
Dá licença.
Ele pega o revólver no coldre dela.
SOFIA
(confusa) O que você vai fazer?
Adriel se vira para Romero, que se distancia da ilhota, aponta a arma com o braço a uns 45 graus para cima e... POW!
Assustado, Romero para de remar e se encolhe.
SOFIA
Mas o que é isso?!!! Ficou maluco, Adriel?! Atirando assim em plena floresta!
Romero ergue os braços.
ROMERO
Eu me rendo! Eu me rendo! Não atirem, por favor!
ADRIEL
Bem melhor assim, Sofia. Problema resolvido. Sem correria, sem mais suor...
SOFIA
(tomando o seu revólver) Me dá isso aqui. Tô vendo que tenho que te ensinar o quão errado é atirar assim por aqui. Você vai ser um policial ambiental, Adriel! (com um olhar fulminante) Tomara que não tenha acertado nenhum animal!
CORTA PARA:
CENA 16: CONT. – EXT. ÁRVORES – DIA – MOMENTOS DEPOIS
Sofia e Adriel empurram Romero pelos ombros, que cai sentado, escorado no tronco de árvore.
ADRIEL
Fique aí sentado, por favor. Ninguém pediu que o senhor se levantasse.
ROMERO
Tá bom, tá bom...
ADRIEL
Poderíamos ter vindo amigavelmente até essa sombra aqui bater um papo, senhor...
ROMERO
Romero. Me chamo Romero e prometo ajudar o senhor e a senhora no que quiserem saber.
SOFIA
Então pode começar explicando porque se evadiu quando nos identificamos como policiais.
ROMERO
Ah... É que eu fiquei assustado, minha fia. Vocês chegam assim gritando, a gente acha que vai levar preso, que vai fazer mal, e a gente sabe que não deve nada.
Adriel volta para a praia, onde está o barco.
SOFIA
Se o senhor não deve nada não tem porque temer, senhor Romero.
ROMERO
Ah, queira me desculpar, senhora... Eu sou trabalhador, honesto, tenho uma filha doente em casa pra cuidar... Ela precisa de mim, precisa do pai. A mãe não conseguiria sustentar ela sozinha... Afinal, por que foi que vocês vieram atrás de mim?
SOFIA
Seu Romero, por favor, queira colaborar. Eu sei o que senhor faz aqui.
Romero angustia.
SOFIA
Queira colaborar conosco e eu prometo que faremos o possível pra que sua pena seja amenizada. Colabore conosco e estará ajudando a si mesmo.
ROMERO
Não, não, não é justo isso, eu sou trabalhador, honesto... Minha fia, o que vocês estão fazendo com um pai de família...
Adriel volta ali segurando sacos, caixas furadas para transportes e alguns instrumentos usados em contenção de animais de pequeno porte, além de uma considerável quantia em dinheiro vivo; joga tudo aos pés de Romero.
ADRIEL
Trabalhador honesto? Responde o que o senhor faz, então, em um segundo!
Romero abre a boca, mas gagueja.
ADRIEL
Ora, esqueceu o que o senhor é?
SOFIA
Senhor Romero, colabore conosco e estará ajudando sua família. Estará ajudando a sua filha. Ela precisa do senhor, não é? Então não dificulte as coisas ainda mais. Dê ao menos esse orgulho às mulheres da sua vida.
Romero fica choroso.
ROMERO
Tá bom, eu falo, eu falo...
Sofia ajoelha-se na frente de Romero.
SOFIA
Excelente decisão, senhor Romero. Fico orgulhosa.
Romero soluça, esfrega o olho e faz que sim.
SOFIA
Muito bem. Vou falar como chegamos até o senhor. Seu nome estava como fornecedores de animais silvestres nas anotações de um homem que investigamos.
Romero absorve as palavras.
SOFIA
(arriscando) Tráfico.
ROMERO
Não! Não sou traficante não! O que eu faço é só arrumar o que me pedem.
Romero se encolhe um pouco, talvez não quisesse ter soltado tudo de uma vez.
ROMERO
Quem é esse homem?
SOFIA
Geraldo Lemes. Familiar, não é?
ROMERO
É... É sim.
ADRIEL
Qual a conexão de vocês? Explique tudo.
ROMERO
É verdade o que vocês viram nessas anotações... Os compradores me procuram, falam o que querem, e com uma boa parte do dinheiro pago antecipadamente, afinal a profissão tem seus riscos né, eu arrumo a encomenda. Geralmente são colecionadores, pais presenteando os filhos, jovens apaixonados... Os tais cidadãos de bem.
Destacar o desconforto e desaprovação no semblante de Sofia com os termos “profissão” e “encomenda”.
SOFIA
Continue.
ROMERO
Até então o Geraldo era só mais um. Me encontrou há uns meses atrás por recomendação de outro cliente, um dono de uma barraca vizinha à da dele perto do porto. Parece que o Geraldo vendia frutas antigamente. Mas então me propôs encomendas frequentes em troca de um preço mais baixo. Disse que tem um laboratório de pesquisas e estaria em constante atividade. É claro que não acreditei que ele era pesquisador, e quando inventei de questionar o homem, faltou me bater. Resolvi ser sensato e aceitei a proposta. E desde então nos encontramos aqui.
ADRIEL
Por que aqui, na Praia do Japonês?
ROMERO
Ora, porque é isolado e seguro, é claro. O senhor é policial ambiental mesmo?
ADRIEL
Começo de carreira... Mas isso não é da sua conta, continue a falar.
ROMERO
O que mais querem que eu fale?
SOFIA
O senhor certamente não é caçador. Quem trás os animais de fora?
SOFIA
Ah, esses são os grandes... Os patrões... Por acaso vão atrás deles também?
SOFIA
Hoje não. Mas me diga, senhor Romero, Geraldo nunca lhe contou pra que ele queria os animais, ou de onde vinha o dinheiro pra compra-los? Nunca deixou escapar nada?
ROMERO
Olha, essas coisas que estão me perguntando coloca minha garganta na mira do homem. Vocês precisam me proteger e proteger minha família!
SOFIA
Nós garantimos isso.
Pequena pausa.
ROMERO
Com o tempo eu fui ganhando a confiança dele, e conversa vai conversa vem, acabou me contando que a tia morreu há três anos e lhe deixou uma boa herança. Foi então que aproveitou pra realizar o sonho de ser um cientista. Mas o que exatamente ele faz com os bichos nunca fiquei sabendo.
Sofia faz que sim e puxa Adriel a alguns passos dali.
SOFIA
(baixinho) Tá claro agora, né?
ADRIEL
É o que parece. (encarando o horizonte do rio) Garoto jovem, pobre e com um sonho. Mas sem estudos, sem instruções, sem recursos... Não tem outra escolha senão desistir dos sonhos e trabalhar pra sobreviver. (volta o olhar para o local) Mas com a morte da tia abastada muitos anos depois, finalmente tem a oportunidade de realizar o desejo de juventude e virar o cientista maluco.
SOFIA
É, e seu primeiro projeto é estudar o comportamento dos animais quando fora do habitat natural, como prova o caderno que você achou. Sem qualquer tratamento e cuidados adequados, usando animais do tráfico... (suspirando) Ou seja, afogado na lama da ilegalidade. Onde já se viu levar um veado campeiro pra uma casa no meio da cidade, meu Deus...
ADRIEL
Então no dia em que foi quase pego na estrada ele deve ter levado o macaco pra ver como se comportava em uma floresta diferente da América Central.
SOFIA
(muito incomodada) O que mais me preocupa é o que ele faz com os animais depois dessa pseudo-pesquisa. Na casa não tem nenhum sinal, só gaiolas...
ADRIEL
Com certeza descarta tudo...
Sofia o encara, perdida em imagens angustiantes.
Voltam para junto de Romero.
SOFIA
(chegando ali) O último animal que o senhor importou para o Geraldo foi um macaco-prego-de-cara-branca, não foi?
ROMERO
É, penúltimo... São muitos clientes, mas acho que foi sim, há uns--
SOFIA
(interrompendo) Então teve outro?!
ROMERO
É, tem nem duas horas que nos encontramos aqui... Eu já estava de partida quando vocês chegaram.
SOFIA
E qual foi o animal que você trouxe pra ele?!
ROMERO
Uma poupa. Um machinho. Esse foi difícil de conseguir...
ADRIEL
(para Sofia) Ele já devia estar com o bicho quando quase nos encontrou na casa.
SOFIA
(apressada) O macaquinho está protegido, agora vamos salvar esse pássaro, Adriel. Ligue por favor pro Lino e peça pra que ele vigie o vizinho até chegarmos! (para Romero) O senhor virá conosco, com o seu depoimento assinado Geraldo poderá ser acusado e preso!
CORTA PARA:
CENA 17: INT. CASA DE GERALDO – OFICINA – DIA
Close na POUPA presa no interior de uma garrafa de água mineral. Não tem espaço algum para se mexer.
Ao fundo o movimento de alguém se aproximando. É Geraldo. A janela para o muro de Lino está aberta.
GERALDO
Chega de folga, meu camarada. Você tem uma missão pela frente.
Geraldo pega a garrafa, abre o fundo cortado e retira o pássaro, que tenta bater as asas.
GERALDO
Epa, epa, epa... Vai fugir não, companheiro.
Ele prende o animal com as duas mãos e o leva para uma gaiola.
GERALDO
Você é minha última tentativa com esse projeto, então por favor, vamos colaborar, com a Ciência e com o meu bolso.
Geraldo coloca o pássaro na gaiola e a tranca.
GERALDO
Muito bem. Fique aí e sem muita arruaça, que minha cabeça dói. Se comporta que eu vou ter que voltar pra comprar alguma coisa pra você comer.

CENA 18: EXT. CASA DE LINO – PÁTIO/INT. RUA – CARRO – DIA
Lino observa Geraldo por cima do muro enquanto fala ao telefone.
LINO
(baixinho) Sim, na gaiola. (pequena pausa) Parece que está de saída agora.
No carro de Sofia, ela dirige e Adriel, ao lado, fala ao telefone com Lino. No banco de trás, Romero algemado.
ADRIEL
Nós já estamos próximos daí. Veja pra que lado ele vai. Está à pé, não pode ir longe.

CENA 19: INT. ESTABELECIMENTO DE LINO/INT. RUA – CARRO – DIA
Geraldo fecha o portão de sua casa. Lino o observa apenas com o olhinho para fora.
LINO
/chando o portão.
Geraldo faz um último movimento com a tranca do portão e se vira para a rua. Nesse meio-tempo nota o pedacinho do rosto de Lino na porta, que retorna para dentro imediatamente.
LINO
(sussurrando) Meu Deus, ele me viu. Venham logo, venham logo que eu fui descoberto! Preciso desligar!
Lino desliga e joga o celular para trás do balcão no mesmo instante em que Geraldo aparece na porta.
No carro, Adriel tira o celular da orelha.
ADRIEL
Desligou... Pisa aí, Sofia, Lino está em perigo.
Lino, assustado, encara Geraldo.
LINO
Geraldo?... Tudo bem, vizinho?
Geraldo o olha fixamente. Sobe os degraus do estabelecimento.
GERALDO
(compassado) Quase tudo. Na verdade estou com um pequeno problema nesse momento.
Lino se afasta conforme Geraldo se aproxima.
LINO
Um... problema? E o que seria... esse problema, vizinho?
Geraldo para ao lado do balcão, no local onde os clientes pagam a compra. Do outro lado, na cadeira vazia, está seu celular jogado, com o visor ainda aceso. Geraldo dá um sorrisinho.
GERALDO
Estava pensando... Somos vizinhos há tanto tempo, e nunca comprei uma bala sequer de você... Talvez seja hora da gente eliminar qualquer ressentimento que exista entre nós com um boa compra. (sorrindo cinicamente) O que acha?
Em centésimos de segundo, os olhos de Lino vão do rosto de Geraldo para o celular e de volta para Geraldo.
LINO
Ora... Isso é ótimo, vizinho... E o que exatamente você quer?
GERALDO
Ah, coisa básica. Algumas verduras e frutas...
LINO
Certo. Certo.
Lino dá alguns passos para o outro lado do balcão, visando alcançar o celular desprotegido.
LINO
Ótimo, Geraldo. Fique à vontade, hortifrúti é lá naquele canto.
Geraldo olha e finge surpresa com o semblante. Continua angustiadamente parado.
GERALDO
Ah, excelente. Muito obrigado.
Lino sorri nervoso enquanto dá seus passos tímidos.
GERALDO
Mas poderia me acompanhar? Com certeza você entende muito mais de hortaliças, e eu ó, sou uma negação. Não sendo incômodo, claro.
Lino rapidamente olha para o celular de novo.
LINO
Mas o vizinho... não tinha uma barraca dessas coisas... lá no porto?
GERALDO
Ah, mas faz tanto tempo... O tempo passa, as coisas mudam, sabe...
LINO
Claro... Tudo bem... Bora, então...
Lino se afasta do balcão e dá alguns passos na direção das hortaliças. Porém nota que Geraldo ainda não moveu um único músculo.
LINO
(hesitante) Não vem, Geraldo?...
Geraldo o encara por uns dois segundos. Então começa a andar calmamente na direção de Lino. Ao chegar perto dele, para. Lino o observa nervoso e sem entender.
LINO
É... por aqui, vizinho...
De repente Geraldo agarra Lino pelo colarinho e o encosta com força em uma das prateleiras.
GERALDO
Por que estava me vigiando, hein Lino?! Por quê?! Responda!
LINO
Eu não estava... Eu não estava, eu juro!
GERALDO
Vai tentar negar o que eu mesmo vi?! É, quer dizer que eu sou o mentiroso aqui?!
LINO
Eu juro, Geraldo, eu só estava limpando a porta, você interpretou errado, vizinho!
GERALDO
Interpretei nada errado, seu desgraçado!
Geraldo joga Lino em uma das mesas com frutas.
GERALDO
(ainda segurando o colarinho de Lino) Ontem mesmo você veio com história de ligar pro socorro! E agora estava falando no telefone enquanto me espiava! Eu vi!
LINO
Não, não...
GERALDO
Eu vi!
Ele retira uma lâmina de ferro do bolso e o encosta ameaçadoramente no pescoço de Lino.
GERALDO
Estava me caguetando, né?! Falando com a polícia! Quer me ferrar, quer me ver na cadeia?! É?! É isso que você quer?! O que você sabe sobre mim?!
LINO
Não, nada, nada, não sei nada, vizinho, eu juro!
GERALDO
Traidor nojento!
Geraldo larga Lino e vai até o outro lado do balcão, onde está o celular na cadeira. Pega-o; ainda está com o visor ligado.
GERALDO
Vamos só ver isso então.
Lino o observa tremendo. Geraldo acessa o histórico de chamadas e nele o número de Sofia está salvo como “Polícia amb.”.
GERALDO
Filho da puta! Eu te mato!
Geraldo parte na direção de Lino com a lâmina afiada.
LINO
Não, não, não, vizinho! Vizinho, não, não, eu juro, não liguei, vizinho, não!
GERALDO
Eu te mato, eu te mato, seu caguetão do inferno, vou arrancar sua língua preta fora!
Geraldo alcança Lino e agarra seu pescoço com força. A outra mão segura a lâmina.
LINO
(engasgando) Não, por favor... por favor...
Geraldo olha lá para fora.
GERALDO
Se eu tivesse um pouquinho mais de tempo pra te matar e desovar essa sua carcaça miserável, fazia agora mesmo! Por ora, fique com esse aviso, pra aprender a não ser um dedo-duro.
Então Geraldo enfia a lâmina na coxa de Lino, que urra de dor. Retira-a e foge. Lino cai no chão gemendo.
CORTA PARA:
CENA 20: INT. RUA – CARRO/EXT. RUA – DIA
O carro com Sofia, Adriel e Romero se aproxima do estabelecimento de Lino.
ADRIEL
Ótimo. Espera, olha lá o Geraldo, Sofia! Ali!
Adriel aponta Geraldo caminhando pela calçada. O carro acelera. Adriel pega a arma de Sofia, sob o olhar atento dela. Alcançam Geraldo.
ADRIEL
(apontando a arma pela janela) Parado! Polícia, no chão!
Geraldo se assusta e corre na direção contrária. Um contratempo, pois Sofia precisa manobrar o carro. Feito assim, disparam.
Geraldo corre. Dobra a esquina. Várias crianças jogam futebol na rua, e alguns adultos as cuidam na calçada.
O carro dobra a esquina também. Acelera. Adriel não perde Geraldo de vista. Esse passa por entre as pessoas e entra em uma casa com portão aberto.
O carro freia bruscamente por causa das crianças. Sofia e Adriel descem.
ADRIEL
Tranque pro Romero não sair!
Sofia tranca e correm.
ROMERO
Ei! Isso não estava no acordo! Ei!
As pessoas apontam para a dupla a casa onde Geraldo entrou.
SOFIA
Obrigada! Adriel, fique aqui na rua. Ele pode sair ou tentar escapar pelo telhado e ir pros vizinhos. Eu vou entrar.
ADRIEL
Certo. Tome.
Adriel entrega o revólver e Sofia pega.
ADRIEL
Cuidado. Qualquer coisa dê um sinal.
Adriel dá uma palmadinha no braço de Sofia, que entra.

CENA 21: EXT./INT. CASA INVADIDA – DIA
Sofia se aproxima da porta da sala. Olha dentro e entra com a arma em punhos, em busca de Geraldo. Procura nos cantos. Nada. Dá uns passos na direção de outro cômodo, mas ouve um barulho vindo de cima. Então começa a subir a estreita escada em caracol.
Em cima, aparece cuidadosamente. Toma o corredor. Olha em uns dois quartos com as portas abertas, mas não entra. Prossegue. Sai em uma janela, que dá para uma varanda sem reboco, com várias roupas secando no varal. Sofia pula a janela. Olha os cantos da varanda; nada. Então vê na parede vários ferros horizontais fixados formando uma escada vertical que acaba em um estreito buraco na laje. Sofia começa a subi-la.
Devido à largura pequena tanto da escada como da abertura em cima, Sofia não consegue escalar apontando a arma. A mão segurando o objeto fica para o lado e para baixo.
Sofia finalmente atravessa a cabeça e o tronco. Quando está passando as pernas, o vulto de Geraldo aparece e... PAFF! Ele a chuta com força e corre para o telhado ao lado. Sofia, caída, aponta a arma, mas ele já sumiu de seu campo de visão. Ela se levanta e corre para o telhado.
CORTA PARA:
CENA 22: EXT. RUA/EXT. CASA INVADIDA – TELHADO – DIA
Adriel vê Geraldo correndo pelos telhados e começa a persegui-lo por chão.
ADRIEL
Ali! Ali! Sofia, no telhado, no telhado!
Sofia está no telhado no encalço de Geraldo.
SOFIA
Polícia Militar! Parado, Geraldo!
Geraldo não para. Corre em direção ao telhado vizinho.
Então POW! Sofia atira para cima. Geraldo estremece, diminui o passo mas volta a correr. POW! POW! POW! POW! Gritos dos moradores. Finalmente Geraldo para.
ADRIEL
Na cidade pode?!
Sofia se aproxima de Geraldo com o revólver firme nas mãos. Esse, muito furioso, não tem o que fazer a não ser permanecer com os braços levantados.
SOFIA
Adriel, sobe aqui. Vou precisar de uma mãozinha.
Sofia pega os braços de Geraldo e os põe para trás. De repente ele se desvencilha e tenta fugir, mas ela estende o pé e ele tropeça e cai com a cara no telhado.
GERALDO
(de bruços, sendo algemado) Ficou maluca?! Quer nos derrubar daqui?
SOFIA
Fique tranquilo. Daqui você só vai pra cadeia.
GERALDO
Não podem me prender. Vocês não tem nada contra mim.
SOFIA
Temos um depoimento. Com ele virá um mandado de busca. E aposto que você tem o que esconder em casa, não é? Levanta!
CORTA PARA:
CENA 23: EXT. CASA DE GERALDO – CALÇADA – DIA
Uma grande movimentação em frente à casa de Geraldo, com viaturas, ambulâncias e curiosos em torno. Vários funcionários da PM Ambiental entram e saem da residência, carregando caixas com os objetos encontrados por Sofia e Adriel. No banco de trás de uma viatura está Geraldo, algemado, assistindo a tudo.
Sofia e Adriel observam a poupa no interior de uma gaiola.
SOFIA
Você está a salvo agora, meu amiguinho. Aguenta só mais um pouco que logo você vai poder colorir e enfeitar o céu do Velho Mundo com toda a liberdade que merece.
ADRIEL
Ela tem razão, gringo. Azul e amarelo... ou castanho... gera um contraste formidável. Que o diga o vestido florido da Antonieta de Serra Negra. Ahh, festa junina de 2016...
Sofia apenas o observa.
ADRIEL
O quê? Serra Negra. Não? É uma cidade incrível em São Paulo, você adoraria, Sofia.
SOFIA
Hum, tenho certeza que sim.
Eles saem e caminham na direção de Lino, que está sentado na traseira de uma das ambulâncias sendo tratado da ferida, tendo a esposa e filhos ao seu lado.
ADRIEL
É verdade. Faz o seu estilo, você se daria muito bem lá. É forte no ecoturismo e tal...
SOFIA
(irônica) Já fiz as reservas, minhas próximas férias serão lá.
Eles se aproximam de Lino.
SOFIA
Queremos te agradecer, Lino. Seu apoio e sua garra foram fundamentais pra podermos prender Geraldo. Você prestou um grande serviço à Polícia de Manaus, e, tenho certeza, à toda sociedade. Pena que tenha custado esse inconveniente. Eu sinto muito. Mesmo.
LINO
Imagina. Se isso significa que mais nenhum bicho sofrerá nas garras daquele maluco, então me dou por satisfeito.
Sofia sorri.
SOFIA
Obrigada.
Sofia passa a mão na cabeça de um dos meninos e sai com Adriel, que dá um sorriso à família. Caminham em direção à viatura onde está Geraldo.
ADRIEL
E agora?
SOFIA
Preciso esclarecer uma coisa.
ADRIEL
Sei o que vai fazer. Quer saber dos outros animais.
SOFIA
Se é pra detestá-lo, que seja com boas razões.
ADRIEL
Geraldo prestará depoimento, Sofia. Será julgado. Oportunidades é o que não vão faltar pra ele abrir o bico.
SOFIA
Ele não tem bico.
Param ao lado da janela da viatura. Ao vê-los, Geraldo vira a cabeça para o outro lado.
SOFIA
O que você fazia com os animais quando não serviam mais aos testes?
Geraldo volta o rosto e a encara.
GERALDO
Eu quero um advogado.
Sofia também o encara. Adriel olha o entorno um tanto preocupado.
ADRIEL
Sofia, vamos embora...
SOFIA
Você vai ter um. Mas se acha tão importante ter seus direitos, porque com eles tem que ser diferente? O que te fazia achar que podia usá-los como bem entendesse e mata-los quando não atendessem mais às suas necessidades?
GERALDO
E o que é que eu devia fazer?! Se eu soltasse iam morrer de qualquer jeito, não servem pra viver aqui!
SOFIA
Você não devia nem ter começado!
GERALDO
Quando se tem mamãe e papai pra bancar os desejos desde cedo é muito fácil apontar o dedo e dizer o que os outros devem ou não fazer.
SOFIA
Francamente, ainda quer se sair como vítima. Pois eu te digo que dez minutos de conversa com meu superior iam te fazer refletir sobre como pobreza e falta de oportunidades não são sinônimos de mau-caráter e covardia.
GERALDO
É, e tomara que não descubram também sobre as criancinhas que cozinho e como no almoço todo dia.
Sofia ignora a ironia.
SOFIA
Havia um sonho, não é, Geraldo?
Geraldo nada diz.
SOFIA
Sonhos são muito preciosos. Pague pelos seus erros, reflita muito durante o tempo em que estiver preso e quem sabe haja redenção pra você.
Sofia sai. Geraldo é atingido pelas palavras dela e encara o nada. Adriel sai em seguida.
CORTA PARA:
CENA 24: EXT. ORLA DE MATA PRESERVADA – DIA
Sofia e Adriel estão na orla da mata. Perto dali, uma construção do IBAMA. O macaco-prego-de-cara-branca do início do episódio anterior está próximo a eles, pulando de galho em galho.
SOFIA
Veja só, Adriel, ele ainda nem está em casa e já dá pra ver que mudou de ânimo.
ADRIEL
Pois é...
Conforme para em um galho e outro, o macaco come um pedaço de uma banana que carrega.
SOFIA
Que carinha bacana! Olha só, vê o olho do menino. Poxa, basta um agradinho que já se consegue um brilho no olhar do bichinho. É tão fácil fazê-los amar...
Sofia chama o macaco fazendo uma série de barulhos com a boca. Caminha na direção do primata com uma fruta na mão.
ADRIEL
E o que vai ser dele agora?
SOFIA
(entre os chamados sonoros) Vai ficar mais um tempo aqui. Assim que finalizarem o check-up, e se tiver tudo ok, embarca pra casa. Lar doce lar. (vira o rosto contente para Adriel) Conseguimos salvar os dois, Adriel.
O jovem macaco e Sofia se aproximam. Adriel permanece um pouco afastado.
SOFIA
Ei, menino! Quer mais comida? (mais estalidos bucais)
O macaco observa atento Sofia e a fruta em sua mão. Ela olha para Adriel e sorri como uma criança. Então o primata começa a comer na mão dela.
SOFIA
Tão comportado... O moço vê e nem imagina o demoniozinho que você poder ser, né?
ADRIEL
Espera um minuto, eu ouvi bem? Você chamou o macaco de demônio?
SOFIA
Eu sou bióloga, Adriel. Tenho minha parte racional em algum lugar aqui dentro (ri). Esses macacos são pestinhas adoráveis, mas ainda assim pestinhas.
O macaco para de comer, pula para um galho, para outro e cai no cangote de Sofia, que se assusta mas mantém um semblante maravilhado.
ADRIEL
Parece que ele não gostou muito dos predicados.
SOFIA
Ei, amiguinho, eu só falei bem de você pro nosso hóspede! Não vai me envergonhar!
O macaco começa a revirar o cabelo de Sofia.
SOFIA
Você não vai achar nenhum insetinho aí...
O animalzinho desiste e pula de volta para um galho, deixando Sofia descabelada.
SOFIA
(oferecendo a banana) Quer mais? Não?
O macaco se afasta, já cheio.
SOFIA
Então nos vemos amanhã. Tá bom? Tchau! Bora, Adriel?
Sofia sai arrumando o cabelo e Adriel a segue. Ele passa pelo primata, ambos desconfiados, e então para. Os dois se encaram. De repente o macaco mostra a língua para Adriel e imediatamente sai, pulando pelas árvores e gritando, como se gargalhasse. Adriel observa o macaco se distanciar.
ADRIEL
Pestinha!
CORTA PARA:
CENA 25: INT. PRÉDIO BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ESCRITÓRIO DE OSVALDO – DIA
Uma mão escreve energicamente à caneta. É Osvaldo, em sua mesa. Som de batidas na porta.
OSVALDO
Entre.
A porta se abre e Sofia entra, seguida de Adriel. Osvaldo os olha com curiosidade e se levanta.
SOFIA
Senhor.
A dupla bate continência e o tenente responde com saudação análoga.
OSVALDO
Venham, sentem-se aqui, por favor.
ADRIEL
Licença.
Sofia e Adriel se aproximam e se sentam de frente para Osvaldo.
SOFIA
Deixa eu apresentar os senhores. Senhor, esse é o sargento Adriel, o responsável por todo esse burburinho no país. Claro que o senhor já o conhece por foto, mas aqui está, finalmente, o guerreiro. Adriel, esse é o tenente Osvaldo, meu superior, e logo o seu também. O nais bravo e condecorado oficial da PM Ambiental de Manaus. Aliás, provavelmente de toda a PM de Manaus.
OSVALDO
(sorrindo e estendendo a mão para Adriel) Às vezes Sofia se empolga e se estende um pouco além da conta...
ADRIEL
(apertando a mão de Osvaldo) Muito prazer, senhor. É uma honra estar aqui.
OSVALDO
Como foi a viagem? Tudo bem?
ADRIEL
Tudo certo, senhor. Voo tranquilo, sem imprevistos.
OSVALDO
Excelente. Meus parabéns pela nobre atuação nos céus de São Paulo. Tenho certeza que os eventos daquela manhã entrarão para os livros de História em breve.
ADRIEL
(não tão sorridente) Obrigado, senhor, muito obrigado.
OSVALDO
Impressão minha ou... Alguma coisa aconteceu por lá?
ADRIEL
Não, é só que... nem todos receberam bem a notícia de que um PM capturou Matias. Assim, senhor, se fosse pra eu fazer tudo aquilo de novo, faria sem hesitar. Qualquer um faria, acredito. É o Matias Paraná! E o Brasil em jogo. Mas tenho certeza que essa história não acabou e que vai me render alguns problemas...
OSVALDO
Então é uma pena, sargento, porque eu mesmo estou do seu lado. Ao meu ver era preciso um pouco mais de ambição nessa busca toda que eles vinham fazendo há tempos, e foi exatamente isso que o senhor teve. Só assim pra parar homens como Paraná.
ADRIEL
Muito obrigado pela confiança, senhor.
OSVALDO
Bom, apesar de tudo, presumo que o senhor já esteja ciente das suas reais funções enquanto estiver servindo em Manaus.
ADRIEL
Sim, sim. Sofia me contou no caminho...
SOFIA
(para Osvaldo) Me desculpe, senhor. Não teve jeito, ele acabou descobrindo. Eu tive que contar... E não gosto de estar nessa posição, ele não estava preparado pra saber. Ainda mais 1 dia depois do que fez...
OSVALDO
Eu disse que presumo que ele saiba, Sofia.
SOFIA
Ah, claro. Desculpe. Mas por quê?
OSVALDO
Qualquer um andando dez minutos com a senhora percebe sua admiração por tudo que tem pelos, penas ou folhas. Além disso o voo de Adriel chegou cedo, e agora é quase fim de tarde, e o caso do Geraldo já está resolvido...
SOFIA
(constrangida) Ah, senhor... eu... não, não... Nós nos encontramos no aeroporto e eu levei ele pra vila antes de assumir o caso que o senhor me passou ontem. Depois resolvi chamar ele pra conhecer o batalhão e o senhor.
Adriel percebe a mentira e fica constrangido, olha de um para o outro.
OSVALDO
É mesmo? Então vai me entregar um relatório dizendo que resolveu esse caso em tempo recorde e sozinha?
SOFIA
Tirando a parte do tempo, pretendo... naturalmente... senhor.
Osvaldo finge admiração.
OSVALDO
Meus parabéns, então. Aguardo seu relatório com ansiedade.
SOFIA
(sorrindo desconfortável) Obrigada.
OSVALDO
Afora, Sofia, gostaria que nos deixasse a sós, por favor. Preciso conversar com nosso recém-chegado.
SOFIA
Ah, tudo bem.
Sofia levanta rapidamente.
SOFIA
(para Adriel) Te espero lá embaixo.
Sofia bate continência para Osvaldo.
SOFIA
Permissão pra--
OSVALDO
(interrompendo) Permissão concedida, Sô.
Sofia faz que sim e sai. Osvaldo se levanta e busca uma jarra com água. Adriel permanece sentado.
OSVALDO
Sofia nunca soube convencer ninguém com suas eventuais inverdades. Não se engane, ela é uma excelente pessoa, mas coitada, seria uma péssima atriz.
ADRIEL
Eu tive a oportunidade de constatar essa caracte... Então o senhor realmente sabe.
OSVALDO
Claro, sargento.
ADRIEL
(constrangido) Senhor, eu não pretendia, eu... Eu só--
OSVALDO
(interrompendo) Não se preocupe, Adriel.
Adriel se surpreende com a resposta e para.
OSVALDO
Vou dar o jeito necessário para que quem não deva saber não saiba que o senhor se envolveu no caso extraoficialmente. Chega de problema por fazer o certo. Não é?
O olhar de Adriel é de surpresa.
ADRIEL
Claro... Obrigado... Nem sei como agradecer.
OSVALDO
Agora você é o parceiro de Sofia, por quem eu tenho grande apreço. E é o mínimo que posso fazer como pedido de desculpas por toda essa conspiração que partiu do comandante. Também não sou fã de deixar o senhor ainda mais deslocado, mas toda a Corporação passa por um momento de instabilidade. E o senhor foi a única solução imediata encontrada pelo conselho para substituir o sargento Marcos na DICAM sem realocar outros PMs daqui. “Antes os de fora”, disseram eles. Além do mais seu cargo ao lado de Sofia será temporário, Adriel. Assim que as coisas se normalizarem o senhor será transferido para o batalhão da Polícia Militar para o qual esperava ir.
ADRIEL
Bom, se eu dissesse que isso não me afetou estaria mentindo, senhor... Meu maior problema mesmo é não ter sido avisado antes da viagem.
OSVALDO
Eu lhe entendo perfeitamente, Adriel. Mas foram solicitações do próprio comandante. Diz ele que nenhum PM aceitaria isso de bom grado, ainda mais um do coração de São Paulo. Sofia estava muito preocupada, também.
ADRIEL
Em outra ocasião eu questionaria acerca do treino que um policial ambiental precisa ter, mas parece que o comandante pensou em tudo. Então foi por isso que ofereceram ao meu batalhão em São Paulo o curso de atuação no campo como PM Ambiental. (risadinha) Francamente, meu supe/ ex-superior tenente Roberto nem precisou dar uma justificativa decente pra me convencer a fazer. Fui lá e fiz. (percebe que falou demais) Mas nada contra, tenente Osvaldo. Falo meramente dos meus sentimentos anteriores a tudo isso. Eu sou um militar e devo seguir ordens sem questionar. Vou me apresentar na próxima segunda-feira, jurar à bandeira e fazer o meu trabalho ao lado de Sofia por quanto tempo o senhor determinar.
OSVALDO
Agradeço sua compreensão, sargento.
CORTA PARA:
CENA 26: CONT. – INT. TÉRREO – DIA
Sofia, escorada na parede, observa Romero – cercado por uma mulher e um rapaz – ser atendido por um policial em uma mesa.
Adriel sai do elevador e procura a parceira com o olhar. Encontra-a e vai até ela.
ADRIEL
Ei...
Sofia se vira.
SOFIA
Oi. Tudo certo?
Sofia volta a olhar o trio.
ADRIEL
Tudo. (nota o trio) E o figurão ali com o nosso delator, quem é?
SOFIA
Lembra da tal filha doente?
ADRIEL
Uhum.
SOFIA
Então. Na verdade é filho. E perfeitamente saudável.
ADRIEL
Caboclo safado...
SOFIA
Pelo menos está colaborando na resolução do caso. Mas eu odeio mentiras, Adriel!
Adriel não diz nada.
SOFIA
Fui muito hipócrita agora, nossa... Mas o que eu podia fazer, Adriel?! Não poderia arriscar sua carreira ainda mais!
ADRIEL
Sofia, agradeço muito pelo que fez por mim, mas... O tenente já...
SOFIA
Ele não acreditou em mim, né...
ADRIEL
Não.
SOFIA
Claro que não...
Começam a caminhar em direção à saída. Bárbara, de sua mesa, os nota.
SOFIA
(tapando o rosto com as mãos) Que vergonha, meu Deus, que vergonha! Agora sou uma mentirosa pro tenente. Adriel, preciso voltar lá, preciso me desculpar com o tenente!
ADRIEL
Não, não, Sofia, não. Não precisa. O tenente não diminuiu o apreço que sente por você. Ele te entendeu. Na verdade até achou engraçado.
SOFIA
Sério?
ADRIEL
Sim.
Adriel dá uma rápida olhada nos arredores.
ADRIEL
(baixinho) E ainda prometeu abafar o meu envolvimento.
SOFIA
Ah, que alívio. Tomara, Adriel, porque tanto o Romero quanto o Geraldo lembram bem da sua atuação. Aliás, toda a vizinhança animal da Praia do Japonês, né...
ADRIEL
Desculpa, aquilo não vai se repetir. Mas relaxa, porque ele garantiu que vai dar um jeito. Agora, por favor, será que você poderia me levar embora? Estou podre de cansaço e preciso logo de um banho. Se não for incômodo...
SOFIA
Não, claro que não, bora. Já passou da hora mesmo. Meu Deus...
Começam a andar.
BÁRBARA (O.S.)
Sofia!
A dupla para e vira.
SOFIA
Pois não?
Bárbara se aproximam. Diogo, da sua mesa, observa a cena atento.
BÁRBARA
Ah, oi. Queria só dar uma palavrinha rápida com você, não vou tomar muito do seu tempo...
SOFIA
Claro, pode falar, Bárbara...
Bárbara chega ali e ambas se cumprimentam com um beijo no rosto.
SOFIA
Tudo bem?
BÁRBARA
Tudo. (descontraída) É que... Faz tempo que você não recorre mais aos meus brinquedos... Tá sumida...
SOFIA
Ah... (ri) Pois é, Bá, tanta correria nesses últimos dias, e com a saída do Marcos ainda... É papelada pra assinar, documentos pra buscar... (para Adriel) A Bárbara é da área de Geoprocessamento. Quem vê ela ali no cantinho não dá nada, mas essa aí mexe com os satélites como se fossem brinquedos. Peça a imagem de um rastro de pneu numa estrada molhada no extremo da Amazônia e ela achará.
Bárbara aperta a mão de Adriel.
BÁRBARA
(sorridente) Prazer. Você deve ser o novo parceiro de Sofia. Adriel, certo?
ADRIEL
(sorridente) Exato.
SOFIA
O mais amado e odiado das últimas horas.
BÁRBARA
Injustamente odiado.
SOFIA
Que sorte a minha. (pegando nos ombros de Adriel e Bárbara) Cercada por profissionais competentíssimos.
BÁRBARA
Não se esqueça de você mesma. (com brilho no olhar) Uma investigadora incrível!
SOFIA
Tsc, você é um doce, Bá. Muito gentil.
BÁRBARA
Sou verdadeira, só isso. (para Adriel) Não que Sofia não precisasse de mim de vez em quando. Ela e Marcos, a dupla infalível.
ADRIEL
Vejo que trabalharemos juntos com frequência, então.
SOFIA
Sim, sim. Fique atenta então, Bárbara. A qualquer momento podemos aparecer por aí.
BÁRBARA
Vou estar esperando.
SOFIA
Agora tenho que ir, preciso levar nosso herói pro seu novo lar.
Diogo observa o trio se despedir e Sofia e Adriel partirem. Diogo passa mais tempo olhando raivoso para Sofia do que, em seguida, observando Bárbara, sorridente, retornar para sua mesa.
CORTA PARA:
CENA 27: MONTAGEM: EXT. MANAUS – NOITE
Ao som de “Manaus”, de Nicolas Jr., uma montagem destacando as paisagens urbanas de Manaus à noite.

CENA 28: MONTAGEM: EXT. VILA MILITAR – CASA DE ADRIEL – CALÇADA – NOITE
A montagem continua, ao som da mesma música. Vários cortes rápidos: o carro de Sofia encosta na frente da casa de Adriel. Esse, de dento, observa seu novo lar: pequena e modesta, porém aconchegante. Ambos descem. Entram.

CENA 29: MONTAGEM: INT. CASA DE ADRIEL – NOITE
A montagem continua. Adriel e Sofia arrumam, nos cômodos da casa, os poucos pertences do paulistano. Na entrada da mesma, apertam as mãos, com Adriel grato, e Sofia vai embora. Ele, parado na porta, observa o carro se distanciar.

CENA 30: MONTAGEM: INT. CASA DE SOFIA – QUARTO/INT. CASA DE ADRIEL – QUARTO – NOITE
A montagem continua. Sofia se joga em sua cama com os braços abertos, entre lençóis e travesseiros. Por uns segundos se estica e suspira. Em seguida rola pela cama, alcança seu celular ao lado do abajur e digita: “Oii amor! Cheguei agora. Me liga quando puder, bjoss! Te amo!” e manda para Fábio. Deita de bruços e espera um retorno com o celular na mão.
Adriel entra em seu quarto, onde a televisão está ligada exibindo uma reportagem sobre a captura de Matias Paraná. Deita na cama, escora na cabeceira e assiste sem muito ânimo. Seu celular toca e ele abre a mensagem, de Roberto: “Já esfriou a cabeça?? Sim ou não sinto muito, mas a corregedoria abriu um processo sobre o envolvimento de militares no caso do Paraná. Foi criado um conselho e muito em breve vc será convocado a prestar esclarecimentos. Não se preocupe, vc vai poder fazer tudo daí mesmo pela internet. Ah parabéns pela ajuda na solução do caso do pseudocientista. Tudo que vc e eu precisamos agora. Passar bem.”. Adriel vira a cabeça para o teto e respira fundo. Olha de volta para a TV, que agora mostra pessoas comuns comemorando a prisão do narcotraficante.
Sofia, na mesma posição de antes, está adormecida. De repente o celular em sua mão vibra e ela desperta de imediato. Olha esperando ser a resposta de Fábio, mas é uma notificação de Cátia. Apesar de decepcionada abre a mensagem: uma foto de Dudu – o cão do pet shop – feliz e cercado por um casal – JOAQUIM e CECÍLIA – e sua FILHA. Embaixo o texto: “Oie mamãe! Olha so minha família nova! <3 Linda né? Obrigadão por tudo, mamãe Sofia! Vem me visitar assim que puder, tô com saudade! Beijos!”. Sofia sorri e olha a foto mais uns segundos. Então escreve “Vou sim meu lindão” Vamos matar a saudade! BJÃÃÃÃÃO!!!!” e envia. Em seguida abre a conversa com Fábio, mas não há nada. Larga o celular e volta a deitar. A música para.
FIM DA MONTAGEM.
FADE OUT:
FADE IN:
CENA 31: EXT. PRAÇA LARGO SÃO SEBASTIÃO – NOITE
Na orla da praça Largo São Sebastião, em uma barraca de comidas, Sofia e Adriel são atendidos por um COMERCIANTE, que prepara uma porção de tacacá. Vários clientes em volta, é uma noite movimentada.
COMERCIANTE
O mano é da terrinha, ou veio de fora desbravar o reino?
SOFIA
É turista! Veio do sudeste.
COMERCIANTE
Ah, eu sabia! 17 anos aqui nessa praça, gente de todo lugar, não tem como errar! É por isso que esse aqui tá no capricho (entregando uma cumbuca a Adriel)! A especialidade da casa, para o nosso ilustre visitante! Bom apetite!
ADRIEL
Obrigado...
Adriel, hesitante, pega a cumbuca repleta de tacacá. Os camarões e as folhas de jambu boiam no caldo fumegante.
ADRIEL
Será que foi uma boa ideia pegar do grande?
COMERCIANTE
Foi não, meu patrão. É! Aqui tem o melhor tacacá de Manaus! O senhor vai ver, não vai aguentar comer só um! Vai querer outro grande! Quer ver só, vai, prova, manda pra dentro!
ADRIEL
Tá bom. A aparência está ótima, pelo menos.
Adriel hesita mais uma vez e olha para Sofia, que o encoraja com um aceno de cabeça. Então ele pega o talher de madeira e come. Mastiga. Sofia assiste empolgada.
SOFIA
E então, o que achou?
COMERCIANTE
Muito bom, não é?
ADRIEL
(com a mão da colher na boca) Meu Deus do céu! É horrível!
Sofia cai na risada.
COMERCIANTE
(ressentido) Ôôô, que isso, meu mano... Assim o senhor ofende o cabra aqui...
Adriel cospe e limpa a boca sem um guardanapo.
ADRIEL
Eu não sinto minha língua... Meu Deus, isso é terrível! Por que não me avisou, Sofia?!
SOFIA
(gargalhando) São as folhas de jambu, elas deixam a boca dormente mesmo. Faz parte do charme do prato, Adriel!
ADRIEL
Sinto muito. Me desculpe, senhor, mas não dá, não. Toma. Muito obrigado.
Adriel coloca a cumbuca no balcão.
SOFIA
(pegando a cumbuca) Não, me daí que eu como. Tô brocada!
COMERCIANTE
Isso, tá vendo? A moça aqui é raçuda, é da terrinha!
SOFIA
Só tira o camarão, por favor.
COMERCIANTE
(indignado) Ahh, mas hoje tiraram pra me mangar!
Adriel, esfregando a língua dormente nos dentes, cai na risada.
CORTA PARA:
CENA 32: EXT. PRAÇA LARGO SÃO SEBASTIÃO – NOITE – MINUTOS DEPOIS
Sofia e Adriel caminham pelo meio da praça, no largo propriamente, próximos ao Monumento Abertura dos Portos. Ainda riem do acontecido na barraca.
SOFIA
Nem adianta reclamar, tem muita coisa ainda pra você provar. A tapioca, a--
ADRIEL
(interrompendo) Ah, a tapioca eu como de vez em quando lá em São Paulo.
SOFIA
Pois aqui você vai conhecer uma diversidade de sabores e tipos. Viu, já estamos nos entendendo.
ADRIEL
É, desde que não me venha com comidinhas surpresas, nos entenderemos muito bem sim.
Sofia ri.
ADRIEL
(olhando o chão bicolor da praça) Ora, ora, e essa calçada?
SOFIA
Que que tem a calçada?
ADRIEL
A arte.
Sofia mexe a cabeça sem entender.
ADRIEL
(sorrindo) Você é tão ufanista pela terrinha, mas vai ter que confessar que esse chão foi feito inspirado/ não, copiado do calçadão de Copacabana.
Sofia o olha com um sorrisinho. Então passa na frente dele e vai para seu outro lado.
SOFIA
Ahh, meu parceiro, ainda bem, ainda bem que só eu te ouvi.
ADRIEL
E por quê?!
SOFIA
Do mais curumim ao mais ancião, praticamente todos aqui sabem que o chão da praça foi construído alguns anos antes do calçadão do Rio.
ADRIEL
(constrangido) Sério?
Sofia ergue uma sobrancelha afirmativamente.
SOFIA
Você não tinha pesquisado sobre a História da cidade? O de Copacabana foi inspirado no nosso que, aliás, faz referência ao Encontro das Águas, que é outro lugar que você precisa conhecer. Vamos marcar um outro dia aí, hein...
ADRIEL
(desconcertado) Legal. Legal. A gente marca.
Começam a caminhar na direção do Teatro Amazonas, separado da praça por uma ruazinha exclusiva de pedestres. De onde estão já se pode ver várias pessoas nas escadarias do Teatro.
ADRIEL
Agora, mudando de assunto... Pra tirar esse gosto da boca e recuperar a sensibilidade da minha língua, eu poderia comer uma tapioca né... Vi uma barraca que vende naquela rua...
SOFIA
Não, Adriel, já estamos atrasados... Toma água ou um suco lá dentro do Teatro, depois você come...
ADRIEL
Eu preciso de alguma coisa sólida, Sofia. Pra recuperar minha língua desse seu jumbu aí.
SOFIA
(descontraída) Jambu. Deve ter alguma coisa vendendo lá pra dentro, mas agora a gente precisa ir, senão vão nos barrar por atraso!
ADRIEL
Certeza que vendem lá dentro?
SOFIA
Sim. Agora bora, o espetáculo já vai começar!
A câmera fica no largo, próxima ao Monumento. Vemos Sofia e Adriel se afastar apertando o passo, passando pelas árvores plantadas ao longo do perímetro da praça, cruzando a ruazinha e subindo as escadarias do Teatro por entre a multidão.
FADE OUT:
Começam os créditos.
FIM


No próximo episódio:

Uma onda de desaparecimentos de cachorros em Manaus coloca Sofia e Adriel para trabalharem em seu primeiro caso oficial. Paralelamente, a amizade do menino Benjamin com o Golden Retriever Bolacha pode estar ameaçada.

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