CAPÍTULO 02
uma novela de
FELIPE LIMA BORGES
livre adaptação do livro de Rute
Edição da Versão Reprise por
RAMON FERNANDES
EDIÇÃO:
Capítulo 02 + Início do Capítulo 03 ORIGINAL (SEM CORTES)
CENA 1: EXT. PENHASCO – DIA
Noemi desaba a chorar e o anjo sorri. Ela mais uma vez cai aos pés dele.
NOEMI— Obrigada, senhor! Obrigada, obrigada!
Noemi levanta a cabeça, mas não há mais ninguém ali. Olha ao seu redor, nem sinal do anjo. Impressionada, leva as mãos à boca.
ZAIRA (O.S.)— Noemi! Noemi!
Noemi se levanta ao ouvir a voz de Zaira.
NOEMI— Estou aqui, Zaira! Aqui!
Zaira chega ali.
ZAIRA— Noemi! O que aconteceu, menina?! Por que está aqui?!
NOEMI— (maravilhada) Aconteceu algo extraordinário, Zaira! Extraordinário! Mal consigo me conter, não sei se vou encontrar palavras pra te contar, meu Deus...
ZAIRA— Respire, menina, que isso?!... Respire e me conte.
NOEMI— Tudo bem, tudo bem. (respira fundo) Zaira... apareceu um anjo pra mim! Um anjo, Zaira!
ZAIRA— Anjo?!
NOEMI— Sim! Eu escorreguei aqui e fiquei entre a vida e a morte! Foi quando ele apareceu, me salvou e... e falou comigo, Zaira! O anjo falou comigo!
ZAIRA— Meu Deus do céu... Como assim, Noemi?!
NOEMI— Foi assim mesmo, Zaira. E logo ele desapareceu, sumiu!
ZAIRA— Ah, pare com isso, Noemi! Que anjo o quê! Vamos embora, vamos!
NOEMI— Mas é verdade, Zaira! Foi aqui, agora mesmo! Ele estava bem aqui!
ZAIRA— Sei... (voltando com Noemi) Agora vamos, o pão está esfriando lá na mesa.
NOEMI— Depois dessa perdi até a fome, é como se nada mais importasse! É como se a presença dele tivesse preenchido todas as minhas necessidades! Mas eu sei que logo isso vai passar, porque sou carne... Mas foi maravilhoso, Zaira! Foi o melhor momento da minha vida inteira!
CENA 2: INT. CASA DE NOEMI – SALA – DIA
Noemi e Zaira entram.
NOEMI— E é verdade sim, Zaira! Você precisa acreditar em mim! Por favor, acredite! Você sabe que eu não mentiria!
ZAIRA— Está bem, sente aí e me conte direito.
Zaira e Noemi sentam nas cadeiras da mesa da sala. Noemi ajeita o cabelo.
NOEMI— Tudo bem. Foi assim: (pausadamente) Eu havia caído, como lhe contei. Um acidente. (aumentando a velocidade) E não estava mais aguentando meu próprio peso, mais um pouco e eu sumiria naquele abismo, olha as marcas na minha mão. Foi quando... quando ele apareceu do céu, cercado de luz e então... (rapidamente) e então ele apareceu, mandou eu, mandou eu tirar as mãos e tirei e fui e subi e/ e...
Noemi não consegue contar sentada. Levanta-se e anda pela sala.
ZAIRA— Eu não estou entendendo nada!
NOEMI— Eu ainda estou extasiada demais pra contar, Zaira. Eu... eu vou orar!
ZAIRA— (levantando) Tudo bem, vai mesmo. E eu vou atrás de uns comerciantes que devem chegar hoje na cidade. Estão todos na espera. Eles peregrinam por toda Israel e são conhecidos pela qualidade dos produtos.
Zaira olha, mas Noemi já não está ali; subiu a escadaria para seu quarto.
ZAIRA— Rum...
CENA 3: INT. CASA DE NOEMI – QUARTO DE NOEMI – DIA
Noemi fecha a porta do quarto e escora nela. Sorri para o nada. Então aproxima-se de sua cama e ajoelha. Levanta os braços para o céu e fecha os olhos.
NOEMI— Senhor! A Ti sou grata... eternamente grata... por esse maravilhoso livramento! E também pela Promessa, pelos planos que tens para mim. Eu confio em Ti, toda a minha confiança é no Senhor. E sei que em breve se cumprirá na minha vida.
ABERTURA
CENA 4: EXT. BELÉM – PRAÇA – DIA
Zaira e Noemi caminham por uma das ruas que cercam a praça olhando os produtos das barracas dos comerciantes locais.
ZAIRA— Finalmente, hein... Enfim conseguiu me contar.
NOEMI— Mas você não parece acreditar, Zaira...
ZAIRA— Tsc, ah, esse é o meu jeito, Noemi. Mas se você está dizendo, eu acredito. Bom, por enquanto tenho que cuidar das coisas da sua casa para que quando seus pais chegarem no final do dia esteja tudo pronto.
NOEMI— Tudo bem, Zaira, tudo bem. Eu vou dar uma volta, respirar um pouco...
Zaira faz que sim e Noemi toma outro rumo, sorridente e um tanto pensativa.
CENA 5: EXT. BELÉM – RUA – ENTRADA DA CIDADE – DIA
Uma caravana de carroças e diversos homens e mulheres adentram a cidade. Uma multidão de clientes ávidos por compras dificulta a passagem dos cavalos. Na carroça da frente, EBEDE (50 anos, de turbante), o chefe, se impressiona com o assédio dos moradores.
EBEDE— (para seus companheiros, rindo) Temos muitos clientes satisfeitos por toda Israel, mas nem em meu melhor sonho poderia ver belemitas tão afoitos por nossos produtos! Um dos rapazes, NEB (18 anos, espada na bainha), sorri também.
NEB— Pois o que mais vejo em meus sonhos, Ebede, é um monte de ouro como esse desejando o calor dos meus bolsos!
Ebede ri alto.
EBEDE— Pois levaremos muito tempo com esse povo! Portanto vai você atrás da hospedaria da cidade! Leve seu primo junto e arrumem quartos e comida para todos nós!
NEB— (para seu primo) Vamos, Elimeleque! Enfim de volta a Belém!
ELIMELEQUE— Enfim, primo, enfim!
EBEDE— E voltem logo! Precisaremos de ajuda!
Neb e ELIMELEQUE (18 anos, espada na bainha) pulam da carroça e atravessam a multidão.
CENA 6: EXT. BELÉM – RUA – DIA
Distraída e sorridente, Noemi caminha observando e tocando objetos pendurados nas barracas. De encontro a ela, também distraído, vem Elimeleque conversando com Neb. Nem Noemi percebe Elimeleque, nem ele a percebe. E se aproximam mais, e mais... pan! Braço no braço, ombro no ombro! Esbarram com força e Noemi quase cai em uma das barracas.
ELIMELEQUE— Perdão, moça, perdão! Você está bem?
Por uns três segundos os olhos de Elimeleque e Noemi se encaram como que em transe... até Noemi quebrar o clima.
NOEMI— “Bem”? Você não olha por onde anda, onde já se viu...
Neb ergue uma sobrancelha e Elimeleque sorri.
ELIMELEQUE— Ora, quanta braveza...
NOEMI— E tenho meus motivos, não é?
ELIMELEQUE— (olhando para o nada entre Noemi e Neb) Neb, sabe do que me lembrei agora? Daquela ovelha arisca que quase destruiu nossas mercadorias em Jerusalém, lembra? (rindo) Ninguém conseguia domá-la!
Noemi encara Elimeleque com os olhos semicerrados.
NOEMI— É impressão minha ou você me comparou a uma ovelha?
ELIMELEQUE— Não sei, só sei que esse comportamento arisco dessa ovelha veio à minha mente nesse exato momento.
NOEMI— Muito bem. Mas agora é minha vez. Sabe o que veio à minha mente agora mesmo?
ELIMELEQUE— O quê?
NOEMI— Um rinoceronte velho, daqueles bem grosseiros, sabe? E estou te comparando mesmo, ouviu bem?!
Elimeleque a escuta sorrindo.
NOEMI— Porque é isso mesmo que você é! Não, melhor: um gigante! Um gigante que sai por aí atropelando e derrubando tudo! E quer saber? Shalom!
Noemi vira as costas e sai pisando duro. Elimeleque, se divertindo com a situação, a observa se distanciar. Brava, Noemi ainda olha uma vez para trás antes de sumir por outra rua.
NEB— O que foi isso?
CENA 7: EXT. BELÉM – RUA – DIA
Noemi alcança Zaira comprando em uma barraca de outra rua.
NOEMI— Não vai guardar dinheiro para a caravana, Zaira? Pelo barulho das ruas eles já estão na cidade.
ZAIRA— É que esse doce aqui é de receita exclusiva de Belém! (pagando) Pronto, vamos até à praça.
Noemi e Zaira saem. Antes, Noemi olha feio para o lugar de onde veio.
NOEMI— Rum.
CENA 8: EXT. BELÉM – PRAÇA – DIA
Com as carroças da caravana já organizadas na praça, Ebede sobe em uma delas.
EBEDE— (para os companheiros) Agora sim poderemos trabalhar com ordem. (para a multidão) Primeiramente quero agradecer pela confiança dos senhores! (sorrindo) Sempre tive os belemitas em grande estima! Agora, por favor, formem filas em cada carroça, de acordo com o desejo de compra dos senhores!
Elimeleque e Neb voltam para as carroças.
ELIMELEQUE— Os quartos estão reservados, Ebede. Que bênção, hein! Quanta gente!
EBEDE— Finalmente voltaram! Vamos, atendam a carroça dos tecidos!
NEB— Haja trabalho...
ELIMELEQUE— Não reclame, Neb. Devia é agradecer a Deus pela prosperidade!
NEB— Sei...
Noemi e Zaira chegam na praça e se aproximam das filas formadas.
ZAIRA— Nossa, parece que Belém inteira veio gastar.
NOEMI— E nós vamos gastar um bom tempo esperando na fila.
Noemi não enxerga Elimeleque, lá na frente, vendendo. O tempo passa, e quando elas estão com apenas algumas pessoas à frente, Noemi finalmente o percebe e arregala os olhos.
NOEMI— Ai, não acredito!...
ZAIRA— O que foi, Noemi?
A garota respira fundo.
NOEMI— Nós precisamos mesmo de tecidos?
ZAIRA— Mas é claro! Não vê sua mãe reclamando quase todo dia?
O tempo passa mais e Elimeleque termina de atender a única pessoa que resta na frente das duas. Finalmente ele vê Noemi.
ELIMELEQUE— Ora, ora.
NOEMI— (descontente) Você.
ZAIRA— (intrigada) Já se conhecem?
NOEMI— Ele me atropelou na rua.
ELIMELEQUE— (se divertindo) Ah, foi mesmo?
NOEMI— Não sabia que estava com a caravana.
Maya, Iago e Tamires chegam na praça.
TAMIRES— Vamos logo, gente. As filas estão enormes.
MAYA— Sabe de uma coisa, Tamires?
TAMIRES— Hum.
MAYA— Acho que está na hora de você arranjar um noivo. Já estão falando por aí de você pra cima e pra baixo comigo e o Iago.
IAGO— É verdade, Tamires.
TAMIRES— Ah, que esse povo vá catar tâmaras secas! E nós viemos aqui para comprar tecidos, não para falar da minha vida amorosa. Por favor!
MAYA— Ih, olha só quem está lá. Noemi.
Tamires olha.
TAMIRES— Rum. Por que ela está falando com aquele moço bonito?
MAYA— Só deve estar sendo atendida. Quem em sã consciência se interessaria por uma sardenta como ela?
TAMIRES— Ela não está comprando coisa nenhuma. Não estão mexendo com nenhum tecido, eles estão é de conversa. Vamos lá!
Tamires, Maya e Iago passam pelas pessoas e vão até o início, na carroça.
TAMIRES— Gostou do novo creme de cabelo que eu te dei, Noemi? Direto da natureza...
Noemi olha séria. Maya e Iago com semblante de zombaria.
TAMIRES— E que tal o banho de rio? Foi por isso que veio comprar tecidos novos?
Elimeleque olha intrigado de Tamires para Noemi.
ZAIRA— O que você quer, mocinha?
TAMIRES— (ignorando Zaira) Ou será que você está à procura de cura para essas coisas esquisitas aí nesse seu rosto? Se eu posso ajudar, a carroça de cremes é aquela ali.
Vagarosamente e sem mudar sua posição, Elimeleque desembainha uma pequena parte da espada. Tamires vira os olhos para ele.
ELIMELEQUE— Cale sua boca. (para Iago) Você. Não está com ela? Contenha-a, ou será pior.
O semblante de Iago muda para raiva, mas ele não pode reagir.
ELIMELEQUE— Façamos melhor: sumam vocês daqui. Os três. Não fazemos questão de tê-los como clientes. Vamos!
Acuados e sem ter o que fazer, Tamires, Maya e Iago – esse deixando olhares ressentidos de raiva – vão embora. Noemi observa os três se distanciarem e volta a olhar para Elimeleque.
ZAIRA— Malcriados!
NOEMI— O que você pensa que está fazendo?
ELIMELEQUE— (ajeitando a espada) Por nada.
NOEMI— Eu não preciso ser defendida. Estou acostumada com isso.
ZAIRA— Noemi...
ELIMELEQUE— E posso saber porque se acomodou humilhação?
NOEMI— Porque sempre foi assim! Afinal, olhe o meu rosto! Não percebeu até agora?!
Elimeleque aperta os olhos analisando o rosto dela.
ELIMELEQUE — Eu deveria estar vendo algo em especial?...
NOEMI— As sardas! Não se faça. De certa forma eu mereço ouvir, afinal carrego essas coisas comigo.
ELIMELEQUE— Você não deveria se sujeitar a essas humilhações por causa de algo natural. Algo pintado no seu rosto aparentemente pelas pontas dos dedos de Deus. E se quer saber, a única coisa que vejo ao olhar seu rosto... é uma beleza sem igual.
Zaira sorri impressionada. Noemi fica tímida e perde as palavras. Ele, em pé na carroça, sorri olhando-os nos olhos.
Noemi se desfaz do embaraço e assume uma postura de desaprovação.
NOEMI— Além de um rinoceronte grosseiro é um atrevido!
ELIMELEQUE— (para Zaira) Senhora, não sei se é a mãe dessa delicada moça, mas
ZAIRA— (interrompendo) Sou apenas a serva da família.
ELIMELEQUE— Ah, sim. A senhora acha que fui... atrevido?
ZAIRA— De forma alguma, meu rapaz! Pelo contrário! (para Noemi) É um moço muito galante!
NOEMI— Ah, Zaira, sua traidora...
ELIMELEQUE— Mas é tudo verdade. Tudo que eu disse... É o que eu acho, é o que enxergo ao olhar pra você.
Noemi ergue uma sobrancelha.
ELIMELEQUE— Escuta, por que você não me encontra na hospedaria? Podemos jantar e conversar melhor.
NOEMI— Por que eu aceitaria? Nós mal nos conhecemos. Você me atropelou e agora me convida pra jantar... O último convite que aceitei de um homem não acabou nada bem.
ELIMELEQUE— Olha, se eu fosse você facilitaria as coisas e aceitaria de uma vez. A passagem de nossa caravana por Belém será breve. Melhor aceitar... pra que não se arrependa depois.
NOEMI— Rinoceronte, grosseiro, atrevido e cheio de si...
ELIMELEQUE— Mas não será hoje. Todos nós estamos muito cansados, a viagem foi longa e vocês belemitas se mostraram ávidos por nossos produtos. Mas se aceitar, poderemos nos entender melhor na noite de amanhã. Além de você poder conhecer os outros de nossa caravana. (apontando a moça na carroça ao lado) A Tani, por exemplo. Ela estará lá. Não seremos só nós dois, não se preocupe.
Noemi abre a boca para falar, mas Zaira é mais rápida.
ZAIRA— Fique tranquilo, meu rapaz. Pode aguardar que amanhã Noemi irá até à hospedaria para conhecer vocês. Não se preocupe.
Noemi olha brava para Zaira.
ELIMELEQUE— “Noemi”... Parece que a beleza a acompanha em todos os aspectos.
Noemi o encara como quem diz: “Conseguiu o que queria, né?” e IMAGEM CONGELA.
Obrigado pelo seu comentário!