CAPÍTULO 03
uma novela de
FELIPE LIMA BORGES
livre adaptação do livro de Rute
Edição da Versão Reprise por
RAMON FERNANDES
EDIÇÃO:
Restante do Capítulo 03 + Início do Capítulo 04 ORIGINAL (SEM CORTES)
CENA 1: INT. CASA DE TAMIRES – SALA – DIA
Tamires, Maya e Iago entram.
IAGO— Que ódio, que ódio! Quem aquele comerciantezinho pensa que é pra me afrontar daquele jeito?! Eu devia voltar lá e dar uma lição nele!
TAMIRES— Concordo plenamente, Iago.
IAGO— Se eu tivesse uma espada iria até lá agora mesmo!
TAMIRES— Se quiser eu pego a espada do meu pai.
MAYA— Não, não vai pegar nada, Tamires. (para Iago) E você, meu amor, pode ir acalmando os ânimos. Eu sei, eu entendo que fomos humilhados por Noemi e sua corja, mas esse orgulho não levará a nada, pelo contrário, é perigoso. Não quero você se envolvendo em brigas, correndo riscos, arriscando o nosso futuro.
Iago senta à mesa.
IAGO— (tentando aplacar a raiva) Tá bom, tudo bem. Tudo bem.
Maya e Tamires também sentam.
TAMIRES— Sendo assim, vamos mudar de assunto. Vamos falar de coisas mais leves, mais agradáveis... Puxando o gancho que você deixou, Maya, vamos falar de casamento. Já que o de vocês está meio encaminhado, falemos do meu.
MAYA— O seu? Pensei que não queria falar sobre isso.
TAMIRES— Eu estive notando lá na praça... O outro rapaz comerciante, na mesma carroça daquele estúpido que falou com Noemi. Nada mal... Bem interessante, ele...
MAYA— Humm, finalmente um rapaz que foi agradável aos seus olhos, Tamires.
TAMIRES— Precisou um vir de fora pra isso acontecer!
MAYA— Pois então vá à luta, minha amiga! Faça como uma boa moça, mostre a ele sinais discretos, porém perceptíveis, de que você está interessada.
TAMIRES— Sim, claro... Mas onde eu poderei encontrá-lo além da praça? Lá ele não terá tempo pra isso.
MAYA— A hospedaria, é claro. São viajantes, não devem ter morada aqui... Só podem ir pra lá.
CENA 2: INT. CASA DE NOEMI – SALA – DIA
Zaira passa e Noemi fecha a porta.
NOEMI— Zaira. Você não devia ter feito aquilo.
ZAIRA— Ah, Noemi, não comece... Estava estampado no seu rosto o interesse pelo rapaz. E ainda fica dificultando as coisas... Faça-me o favor!
NOEMI— Ah, e agora, Zaira?! O que eu faço?!
ZAIRA— Ora, faça o que está combinado! Amanhã vá até a hospedaria e encontre o moço. E se está preocupada quanto ao que vai vestir, não se preocupe mais, que eu te ajudo nesse detalhe.
NOEMI— Zaira, isso não é um encontro.
ZAIRA— Talvez não pra você. Ah, e agora acho que temos que nos preocupar com outra coisa: seu pai. Do jeito que ele é ciumento...
NOEMI— Eu queria que meu pai estivesse hoje lá na praça pra ver se esse atrevido iria falar as coisas que me falou.
ZAIRA— Ele não foi nada atrevido. Se for um homem honrado, tenho certeza que não teria problemas em te elogiar na frente de seu pai.
NOEMI— Rum.
CENA 3: INT. HOSPEDARIA – CREPÚSCULO
Com aparência cansada, os comerciantes da caravana comem e bebem sem falar muito. Entre eles Elimeleque, Neb e TANI (18 anos, cabelo com franja). Alguém do outro lado da mesa fala com Elimeleque, que se distrai conversando. Neb repara uma pequena bolsa de pano quase caindo do bolso do primo.
Discretamente ele olha para as pessoas ao redor e continua a cuidar a bolsinha. De repente, BAN! Neb se assusta, mas foi apenas Ebede batendo na mesa enquanto se levanta.
EBEDE— Bom, essa é a minha deixa! (irônico) Hora de me recolher aos meus aposentos!
ELIMELEQUE— Mas o sol mal se pôs, Ebede.
EBEDE— E eu lá dependo de sol pra ter sono, Elimeleque! Chega de conversa fiada, já está muito tarde pra mim. Vejo vocês amanhã, e teremos que vender ainda mais que hoje! Shalom!
Ebede sobe a escada.
TANI— Acho que chegou minha hora, também. Até amanhã, companheiros.
Os que ficam respondem a despedida.
NEB— Primo... Que tal darmos uma volta na cidade? Relembrar das ruas em que crescemos...
ELIMELEQUE— Sinto muito, Neb, mas terei que recusar. Minhas pernas estão doloridas de tanto andar... Vou subir e esticá-las, e se tiver sorte, dormir.
NEB— Entendo.
Elimeleque vira o resto de sua bebida, dá um tapinha no ombro de Neb e sobe. Neb o observa sumir pela escada, depois sorri para outro que também vai para o quarto e em seguida olha para o conteúdo em sua mão embaixo da mesa: o saquinho que estava no bolso de Elimeleque. Neb então se levanta e vai até o DONO da hospedaria (65 anos, baixinho, barbudo, carrancudo), atrás do balcão de madeira.
NEB— Senhor, por favor, onde eu posso encontrar um lugar mais privado?
O dono o encara com o olhar feio de sempre e de repente irrompe em risadas.
NEB— Qual é a piada, senhor?
Em decorrência das risadas, o dono tosse alto e pigarreia.
DONO— Está achando que isso aqui é a Babilônia, rapaz? (saindo e resmungando) “Lugar mais privado”... Cof, cof! (sem olhar para Neb) No máximo tem os fundos, o acesso é pela lateral.
Neb sai.
CENA 4: EXT. HOSPEDARIA – CREPÚSCULO
Discreto e rapidamente, Neb toma o corredor lateral e acessa o fundo da hospedaria. Lá ele vira a boca do saquinho na sua mão e seus olhos contemplam as várias moedas de ouro. Começa a contá-las.
Na rua, Tamires e Maya se aproximam da hospedaria.
MAYA— O Iago ficou curioso sobre pra onde estávamos indo.
TAMIRES— Eu estou indo atrás do que eu quero.
Elas entram na hospedaria.
CENA 5: INT. HOSPEDARIA – CREPÚSCULO
Já não há ninguém da caravana ali.
MAYA— Parece que vai ter que continuar atrás...
TAMIRES— Eles já devem ter subido para os quartos. Vou até lá.
Tamires vai na direção da escada.
DONO— Ei, mocinha, ei! Você não pagou por nenhum quarto, não pode subir.
TAMIRES— Eu quero falar com uma pessoa que está aqui.
DONO— Eu posso apenas chamar o hóspede. Quem é?
TAMIRES— Os comerciantes da caravana vieram pra cá?
DONO— Sim.
TAMIRES— Pois bem, é um deles. Um rapaz da minha idade.
DONO— Nesse caso não poderei te ajudar.
TAMIRES— Ora, e por que não?
DONO— Não vou incomodá-los, estão todos muito cansados, tiveram um dia árduo.
TAMIRES— Ah, seu velhote interesseiro... Que não quer perturbá-los o quê! Quer é tratá-los da melhor forma porque a presença deles atrai clientes pra essa sua espelunca aqui!
DONO— Ah, se não for comprar nada vai embora, vai!
TAMIRES— Vou mesmo! Velho safado interesseiro!
Tamires cospe no chão e sai, seguida de Maya.
CENA 6: EXT. HOSPEDARIA – CREPÚSCULO
As garotas saem para a rua.
TAMIRES— Velho fedorento.
MAYA— Você arruma cada uma, hein Tamires? Agora vamos.
TAMIRES— Que vamos o quê, vim atrás do que eu quero e só vou embora depois de vê-lo.
MAYA— Ah, é mesmo? E como pretende fazer isso?
TAMIRES— Eu tive uma ideia.
Segundos depois, Tamires e Maya caminham silenciosamente pelo corredor lateral da hospedaria.
MAYA— (sussurrando) Que ideia de calango, Tamires! Ficou maluca, ir pelo fundo?!
TAMIRES— Shh! Melhor ficar quieta!
No fundo, Neb ouve um barulho estranho vindo do corredor. Guarda as moedas rapidamente e pula para trás de umas tralhas jogadas. Nesse instante Tamires e Maya chegam ali. Tamires olha as janelas de madeira lá em cima, algumas fechadas e outras abertas.
TAMIRES— Em qual dessas ele deve estar?...
Neb, assustado, tampa a boca e o nariz, esforçando-se para permanecer escondido.
CENA 7: INT. CASA DE NOEMI – COZINHA – CREPÚSCULO
Escorada no balcão, Noemi seca objetos com o olhar distante enquanto Zaira prepara a comida.
NOEMI — Hoje foi um dia tão movimentado, Zaira... Um dia atípico, único, cheio de emoções fortes... O anjo, a Promessa, o comerciante/
Noemi se interrompe e Zaira olha para ela sorrindo.
NOEMI— Ele foi só um detalhe.
Nesse instante a porta da sala se abre e entram NINA (45 anos) e ABSALOM (50 anos), os pais de Noemi.
NINA— Shalom!
ABSALOM— Shalom!
ZAIRA— Shalom, senhor Absalom, senhora Nina!
NOEMI— Shalom, mãe, pai.
Nina beija a filha enquanto Absalom guarda suas coisas. Em seguida ele vai até ela e a beija também.
ABSALOM— Tudo certo por aqui?
NOEMI— Do jeito que o senhor gosta.
ABSALOM— (sorrindo) Então melhor, impossível.
NINA— Zaira, é impressão minha ou... tem um brilho diferente no rosto da Noemi?
ZAIRA— Ah, a senhora vai ter que perguntar pra ela...
ABSALOM— O que foi? Aconteceu algo a mais que o normal?
NOEMI— Ah, aconteceu, pai... (sorrindo) E vocês vão amar ouvir!
Nina e Absalom a olham ansiosos.
CENA 8: EXT. HOSPEDARIA – CREPÚSCULO
Tamires caminha observando as janelas lá em cima. Ela se aproxima mais das tralhas, mais... até passar e estar ao lado de Neb, mas sem notá-lo.
MAYA — Haja paciência pra te acompanhar...
TAMIRES— Calma, já vou encontrar.
Tamires dá mais alguns passos e Neb, desconfortável em sua posição, se mexe e faz barulho. Assustada, Tamires olha para trás e vê o rapaz encolhido no chão. Imediatamente seu semblante muda para alegria.
MAYA— (se aproximando) O que foi, Tamires?!
TAMIRES— Veja, Maya. É ele.
Constrangido, Neb se levanta. Tamires o encara apaixonada.
CENA 9: INT. CASA DE NOEMI – COZINHA – NOITE
ABSALOM— Eu fico muito feliz coma sua história do anjo, é realmente impressionante e digna de glorificar o Senhor. Mas o tal comerciante atrevido? Não gosto nem um pouquinho disso.
ZAIRA— (para Noemi, baixinho) Você tinha que usar “atrevido”!...
NOEMI— Ele é mesmo.
Absalom começa a andar em círculos.
ABSALOM— O rapaz volta de uma longa viagem... e diz que quer jantar com minha filha. Aposto todas as minhas economias que ele faz isso em todo vilarejo que passa.
NINA— Absalom, não fale assim... E isso pode ser bom pra ela, nem que seja apenas uma amizade. Há tempos Noemi vem sofrendo com comentários maldosos de muitos daqui.
ABSALOM— Não sei não, Nina.
NINA— E quem sabe não seja também o início do cumprimento dessa Promessa que o anjo fez a ela?...
ABSALOM— Não é bem assim que funciona. Quando promessas da parte de Deus são feitas, elas não cumprem de imediato, muito menos no mesmo dia em que são proferidas.
Zaira se aproxima mais de Absalom.
ZAIRA— Senhor Absalom, com todo o respeito, mas não é o senhor mesmo quem diz que os caminhos nossos são uns e os de Deus outros?
Absalom respira fundo. Por fim abre a boca.
ABSALOM— Tudo bem. Noemi pode ir jantar com o tal rapaz.
Zaira e Nina sorriem felizes.
ABSALOM— Desde que eu vá junto.
Zaira e Nina desanimam. É possível perceber um fio de decepção no semblante de Noemi. Uma leve mas visível frustração.
NINA— Absalom, por favor!...
ABSALOM— Não, não tem conversa, Nina. Não vou permitir que minha filha se arrisque por aí com um estranho, que há anos não pisa em sua cidade natal.
ZAIRA— Eles vão jantar na hospedaria, senhor Absalom. Não tem risco algum, lá é cheio até tarde da noite.
ABSALOM— Não interessa, Zaira. Noemi vai, mas vai comigo! E conversa encerrada.
Absalom sobe a escada. Respirando fundo, Nina abraça Noemi. Zaira é a mais descontente.
CENA 10: EXT. HOSPEDARIA – NOITE
Tamires, apaixonada, e Maya, intrigada, observam Neb, constrangido.
MAYA— Vamos, rapaz. Diga quem você é e o que está fazendo aqui. Por acaso é ladrão?
NEB— Claro que não...
MAYA— E esse saco de moedas aberto em seu bolso?
TAMIRES— É claro que ele não é ladrão, Maya! Faça-me o favor! Ele é o moço de quem eu falei.
Neb franze o cenho e Maya ainda está intrigada.
MAYA— Certo... Mas por que estava aqui acuado como um galinha fugindo de um lobo?
NEB— Eu vim pra contabilizar os meus ganhos com um pouco de privacidade, só isso.
MAYA— Mas se você está com a caravana, certamente tem um quarto aí em cima, com toda privacidade.
TAMIRES— Ô Maya, você não percebe que está importunando o moço não?
NEB— Tudo bem, eu entendo. É realmente estranho. Eu estou com meu primo no quarto, por isso vim até aqui.
MAYA— Hum...
NEB— Mas e quanto a vocês, por que estão aqui?... Não pareciam procurar privacidade.
As garotas se constrangem.
MAYA— Eu estou apenas acompanhando minha amiga, mas creio que ela já não precisa de mim. Shalom.
Rapidamente Maya vira as costas e sai sob os olhares raivosos de Tamires que, constrangida, volta o olhar devagar para Neb.
TAMIRES— Nós... já nos conhecemos, não é?...
NEB— Desculpe, mas eu não lembro...
TAMIRES— Eu o vi hoje na praça trabalhando... Pena que não foi um bom dia, porque aquele seu amigo nos expulsou de lá.
NEB— Ah, então era você... Foi o Elimeleque, é o meu primo. É o jeito dele--
TAMIRES— (interrompendo) Como você pode defender aquilo, moço? Seu primo estava ajudando a sardenta da Noemi!
NEB— Ah, não se importe com ele. Elimeleque é todo estranho, mesmo...
TAMIRES— Hum. (pequena pausa) Então... Vocês estão mesmo aqui na hospedaria?
NEB— Sim, sim...
Tamires diminui a distância entre eles e Neb franze o cenho levemente.
TAMIRES— (aproximando-se) E qual é o quarto em que está?...
NEB— Quarto?... Por que...
Tamires para a um palmo de Neb e o olha quase que em transe. De repente ela o abraça bem apertado. Repousa a cabeça no ombro do rapaz e fecha os olhos. Neb, confuso, logo leva a mão ao saquinho de moedas e o afunda no bolso, protegendo-o. Tamires o solta e permanece olho no olho.
TAMIRES— Agora eu preciso ir, mas... voltaremos a nos ver.
Tamires acaricia o rosto de Neb. Em seguida se afasta, o olha uma vez mais e vira para a rua. Neb fica parado, confuso, IMAGEM CONGELA.
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