CAPÍTULO 40
(Últimas Semanas)
uma novela de
FELIPE LIMA BORGES
livre adaptação do livro de Rute
poema sobre "a mulher virtuosa" adaptado de Provérbios 31
Edição da Versão Reprise por
RAMON FERNANDES
EDIÇÃO:
Restante do Capítulo 56 + Parte do Capítulo 57 ORIGINAL (SEM CORTES)
CENA 1: INT. PALÁCIO – SALA DO TRONO – DIA
Myra e o Capitão chegam aos pés do trono e fazem uma reverência.
CAPITÃO — Mandou nos chamar, soberano?
ZYLOM — Sim. Em relação a Myra, é por causa de meu sonho. O mesmo sonho de todas as noites. Faruk morreu e... agora...
MYRA — Como Sumo Sacerdotisa, cumprirei com minha obrigação e consultarei os deuses a respeito desse assunto.
ZYLOM — Isso já foi feito. E, além do mais, não quero interpretações de astrólogos, magos e feiticeiros de Moabe. Tenderão a me favorecer em suas respostas. Amnon, Edom... São reinos que servirão. Até mesmo Israel. Já ouvi falar sobre uma grande feiticeira que morava na capital Hebrom. Mas fica livre a escolha. Apenas espalhem que é uma grande missão, e por isso mesmo serão muito bem pagos.
MYRA — Entendido, senhor. Vou agora mesmo enviar um mensageiro. Com licença.
Myra faz uma reverência e sai. Zylom espera ela atravessar a sala e sair pela porta.
ZYLOM — Meu Capitão...
CAPITÃO — Senhor.
Zylom se levanta.
ZYLOM — Acompanhe-me. Vou fazer aquilo que disse.
Zylom desce as escadas e os dois saem juntos dali.
CENA 2: INT. HOSPEDARIA – QUARTO DE TAMIRES – DIA
Neb arruma suas coisas, está de saída. É quando a porta abre e Tamires entra. Ela fecha a porta na cara dos guardas.
TAMIRES — Ah, que ódio!
NEB — O que foi?...
TAMIRES — Aquele velho nojento daquele Ancião me fez passar mais uma noite na cela! Só por causa de uma maldita suspeita, ahn!!! E eu ainda os ajudei... (pequena pausa) Não sentiu minha falta, Neb?! A noite inteira!
Ele tenta disfarçar.
NEB — Ahn, eu... Você... os ajudou, foi?...
TAMIRES — Rum.
Tamires larga suas coisas e se aproxima devagar dele.
TAMIRES — Mas tudo bem. As coisas melhoraram agora que cheguei e te encontrei aqui. (toca seu rosto) Vai dar atenção para sua Tamires, hum?...
NEB — Eu sinto muito... Estou de saída.
TAMIRES — Como assim, Neb? Eu acabei de chegar, passei a noite presa...
NEB — Eu preciso trabalhar, Tamires. Preciso vender os meus produtos.
TAMIRES — Eu tenho dinheiro, Neb. Você não precisa vender nada, nem mesmo precisa trabalhar. Pode dedicar todo o seu tempo apenas para mim...
NEB — Não, não pode ser assim. Eu sou homem, eu sou o homem aqui. Não posso ser sustentado por você.
TAMIRES — Ah, não pode ser sustentado pela mulher... Pela mulher que ama ele.
Ele pigarreia.
NEB — Só uma coisa... Não é bem minha mulher.
TAMIRES — E você acha que não sei?! Que coisa, Neb!...
NEB — Mas isso muda tudo. Sendo um homem solteiro, preciso ter meu dinheiro, minhas coisas, minha liberdade financeira... é claro.
TAMIRES — Mas nós estamos juntos como se fôssemos casados, Neb.
Neb tosse e acaba espirrando.
NEB — Não, não é a mesma coisa. São coisas totalmente distintas, Tamires. Enfim, eu preciso ir.
Ele vai até ela e a beija.
NEB — Shalom. Até mais tarde.
Neb abre a porta e sai. Tamires fica ali, frustrada.
CENA 3: INT. PALÁCIO – PRISÃO – DIA
Um soldado abre a porta e entram o rei Zylom e o Capitão. Ao vê-los, Orfa se ajeita em sua cela, ainda sentada. Eles se aproximam. O soldado abre a grade e Zylom para na entrada, olhando-a com desprezo. Acuada, ela o encara.
ZYLOM — Você praticamente nasceu em meus domínios. Teve comida, bebida, educação, conforto, apenas o melhor.
Orfa continua a encará-lo.
ZYLOM — Tudo o que eu peço em troca agora, Orfa, é uma simples informação: para onde foram Rute e Noemi?
ORFA — Querem saber... para encontra-las e também chicoteá-las.
ZYLOM — Eu quero saber... pelo motivo de que existe uma lei. E a lei precisa ser cumprida. Eu sou a lei. Estou apenas agindo como tal.
ORFA — O senhor não deveria se sujeitar a isso apenas pela honra e memória de Faruk. Um homem que agia apenas em seu próprio benefício.
Irritado, Zylom lhe dá um bofetada. O rosto de Orfa é virado e ela fica encarando o chão.
ZYLOM — Como ousa me chamar de bobo?! E ainda desonrar a memória do Sumo Sacerdote!!!
Ela continua olhando para o chão.
ZYLOM — (para o Capitão) Quantas refeições ela está tendo?
CAPITÃO — Três.
ZYLOM — Corte a da tarde. Se ela insistir em não contar, corte a da noite.
Zylom sai. O guarda fecha a cela e o Capitão alcança o rei na saída.
CAPITÃO — Elas certamente já estão em Israel, senhor.
Zylom olha para ele e respira fundo.
ZYLOM — Continuem com as buscas. E, se for preciso, eu envio o exército todo para entrar em Israel e capturar aquelas duas, principalmente Rute! Quero ver se os hebreus ousarão resistir às minhas forças.
Encarando o nada, os músculos de sua face tremem de raiva.
CENA 4: INT. CASA DE LEILA – LOJA – DIA
Aylla modela com as mãos o barro que será transformado em alguma peça. Atrás, Leila a observa aflita. Parece estar buscando forças para falar algo. Leila fica de pé e se aproxima.
LEILA — Aylla, filha...
Aylla dá uma olhada rápida para ela.
AYLLA — Sim?
Leila parece buscar as palavras.
LEILA — Eu... Eu gostaria...
AYLLA — Gostaria...? Gostaria do quê?
Leila continua buscando forças.
AYLLA — Estou fazendo errado?
LEILA — Não, não, o serviço está ótimo, é que... Nada. Já passou.
Aylla franze o cenho e também fica de pé.
AYLLA — “Passou”?
LEILA — (fazendo que sim) Sim... Era só um mal-estar.
A garota parece acreditar.
AYLLA — Hum. É bom a senhora espairecer um pouco.
LEILA — Sim, vou fazer isso.
Leila sai imediatamente e para lá fora. Aylla volta ao seu serviço e a observa. Leila, com o rosto fora do alcance da filha, respira lamentando o fracasso.
CENA 5: EXT. ALDEIA HEBREIA – DIA
A aldeia, cercada por um pomar em quase todos os lados, é formada de poucas casas e bem espaçadas entre si, de forma que haja um amplo pátio no que seria a rua principal. Nesse, há diversas plantas ornamentais naturais e flores de cores diversas. Por ali, crianças correm, os moradores caminham tranquilamente, uma carroça passa logo à frente... Noemi e Rute caminham devagar por ali.
RUTE — E pensar que em pouco tempo estaremos em Belém, com a graça de Deus.
NOEMI — Não vejo a hora.
Elas então sentam em um canteiro bem embaixo dos galhos de uma das árvores do pomar ao redor, pegam uma fruta para cada uma e ficam ali, observando o pacato mas agradável movimento.
NOEMI — O que você espera de Belém, Rute?
Rute pensa enquanto mastiga a fruta. Então olha para ela.
RUTE — Não espero nada, senhora. Eu sei, eu entendo que sou uma estrangeira, não tenho esse direito.
NOEMI — Existem leis exclusivas para os estrangeiros. Leis que os diferenciam.
RUTE — Mesmo? Qual, por exemplo?
Noemi busca uma.
NOEMI — A colheita, por exemplo. Os pobres e os estrangeiros devem colher do resto que cair no chão no caminho da colheita. Essa porção é reservada a eles.
RUTE — Entendo.
Continuam a comer a fruta.
RUTE — Senhora Noemi... A senhora não tinha um pedaço de terra em Belém, antes de partir?
NOEMI — Sim, sim... Elimeleque tinha. E isso é algo que me preocupa.
RUTE — Por quê?...
NOEMI — Por causa da lei do remidor.
RUTE — Lei do remidor?...
NOEMI — Sim. Quando um homem morre sem ter deixado descendência, o parente mais próximo tem o direito e dever de comprar as posses e se casar com a viúva, salvando-a da miséria e dando descendência e honra ao falecido.
RUTE — Interessante.
NOEMI —Interessante? Eu não tenho certeza se você pode achar isso interessante.
Rute a encara querendo entender.
NOEMI — Pois quem teria que se casar, Rute, seria você. Eu dei descendência a Elimeleque, mas você infelizmente não...
Rute, um tanto triste, vira o rosto devagar e olha distante.
NOEMI — Rute, minha filha, eu não quero te ofender. Sei que é um assunto delicado para você, mas--
RUTE — (interrompendo) Eu entendo. Eu entendo perfeitamente, senhora. É a realidade.
Noemi a olha com pesar.
RUTE — Meu sentimento por Malom ainda é muito forte em meu coração. Não há um só momento em que eu não sinta falta dele.
Noemi se ajeita, virando melhor para a nora.
NOEMI — Rute, escute... Eu quero que entenda uma coisa. Você não deve se preocupar comigo no que diz respeito à sua vida. Eu sei que, independentemente do resgate, mais cedo ou mais tarde você se casará de novo.
RUTE — Não sei, é algo--
NOEMI — (interrompendo) Rute. Já disse para não se preocupar.
Rute não diz nada, permanece quieta.
NOEMI — Vamos nos preparar para partir.
Elas põe-se de pé. Cerca de uma hora depois, Marília, Eloã e alguns outros moradores estão na saída da vila despedindo-se de Noemi e Rute.
MARÍLIA — Que Deus as acompanhem nesse resto de viagem.
RUTE — Amém.
NOEMI — Muito obrigada por tudo. Nos resgataram, cuidaram de nós... Não temos palavras para lhes agradecer.
ELOÃ — É um prazer ajudar aos nossos irmãos.
Elas sorriem.
MARÍLIA — Vocês chegarão em boa hora, pois é tempo de colheita.
ELOÃ — Deverão chegar no princípio da colheita de cevada.
RUTE — Uau, sério?!
NOEMI — Mesmo? Cevada?
ELOÃ — Trigo e cevada é o que mais há em Belém, agora.
Rute olha para Noemi e sorri, mas sua sogra não demonstra muito.
NOEMI — Pois bem. Vamos, Rute. Shalom!...
MARÍLIA, ELOÃ, MORADORES — Shalom!
Noemi e Rute cruzam o pomar e partem dali.
CENA 6: EXT. VILA – ANOITECER
O dia vai passando e a noite começa a cair.
Na vila, quase todos os homens da Caravana, em roda, erguem suas taças de vinho para o alto.
SEGISMUNDO — Ao golpe sobre os Guardiões!
TODOS — Aeeehhh!!!
E tomam o vinho. Em seguida, eles se espalham. Segismundo sai caminhando com Gael.
GAEL — Segismundo... Agora precisamos nos preocupar mais com o Assassino.
SEGISMUNDO — Que Assassino?
GAEL — Aquele que deve estar entre nós.
Segismundo vira o resto de vinho.
SEGISMUNDO — Eu torci para esse maldito ser preso ou morto.
GAEL — Infelizmente, não acho que tenha acontecido...
Segismundo encara a movimentação, preocupado.
CENA 7: INT. CASA DE BOAZ – SALA – ANOITECER
Boaz, Josias e Tani comem e bebem, em pé, ao redor da mesa.
TANI — Ah, essa época!... Estou tão animada!
BOAZ — Época de colheita é época de benções!
JOSIAS — E já está tudo pronto para começarmos amanhã bem cedo.
TANI — Época maravilhosa!
JOSIAS — Para mim poderia ser ainda melhor se pudesse estar ao lado da mulher que amo...
TANI — Oh, Josias... Sinto muito por você.
Boaz se aproxima.
BOAZ — Josias, por que você não aproveita essa época em que todos estão com o espírito alegre, de bom ânimo, e não faz algo para conquistar Jurandir?! Ahn?! O que me diz?!
Josias parece pensar.
JOSIAS — Sabe que você tem razão, Boaz... É uma excelente ideia!
CENA 8: EXT. BELÉM – ARREDORES - ANOITECER
Noemi e Rute caminham sobre a relva... então param. Ambas olham para frente. Logo ali está Belém, com as primeiras chamas de iluminação. Ao redor, os campos de trigo e de cevada a perderem de vista. Emocionada, Rute sorri e Noemi começa a chorar.
NOEMI — Não sei se vou conseguir... Já faz muito tempo.
Rute respira fundo e olha firme para Noemi.
RUTE — A senhora vai conseguir sim! Vamos fazer isso juntas.
Enquanto limpa as lágrimas, Noemi faz que sim. Então elas entrelaçam os braços e caminham.
Ao se encaminhar para o portão da cidade, Noemi olha para o lado, para o trigo e cevada... Sorri.
NOEMI — Guardas... Soldados... Não havia na época.
E se aproximam.
Rute olha a cidade com curiosidade e uma certa dose de deslumbramento. Dali é possível ver as cores vivas, o povo alegre...
Se aproximam do portão da cidade.
CENA 9: INT. CASA DE BOAZ – SALA – ANOITECER
TANI — Bom, rapazes, eu já vou indo. Preciso me preparar para o início da colheita. Shalom!
BOAZ, JOSIAS — Shalom, Tani!
Tani abre a porta e sai.
CENA 10: EXT. BELÉM – ENTRADA DA CIDADE – ANOITECER
Juntas, Noemi e Rute passam pelos guardas e cruzam a entrada. Finalmente pisam no interior de Belém.
Nesse instante, a maioria dos belemitas olha para elas com curiosidade. Alguns não reconhecem, outros franzem o cenho, outros murmuram, e mais outros apontam... Rute olha para o povo e para as ruas contida, mas visivelmente alegre.
Nesse instante, um pouco à frente, Tani caminha tranquilamente. Mas, ao vê-las, paralisa instantaneamente. Noemi e Rute também param. Noemi olha contente para Tani, que a encara em início de grande surpresa.
TANI — Noemi?!
Noemi sorri minimamente e Tani continua encarando-a, impressionada.
CENA 11: INT. CASA DE BOAZ – SALA - ANOITECER
Josias, sentado à mesa, está pensativo. Boaz chega ali servindo vinho para os dois.
JOSIAS — É uma pena...
BOAZ — O que é uma pena, Josias?
Boaz senta na outra cadeira e Josias olha para ele.
JOSIAS — Que nós dois ainda estamos solteiros.
Boaz ri enquanto bebe.
BOAZ — Olha, seria muito bom se eu encontrasse a mulher certa logo, mas não tenho essa pressa.
JOSIAS — Mas eu tenho. Não quero casar velho não, Boaz. Não dá para desfrutar da vida à dois da mesma forma...
BOAZ — Ah, Josias... Acho que, apesar de tudo, você e eu estamos um pouco longe de sermos velhos.
JOSIAS — (rindo) É, você tem razão.
Eles bebem mais vinho.
JOSIAS — Boaz... O que é a mulher certa para você? O que ela precisa ter?
Boaz ri.
BOAZ — Pergunta difícil a sua, hein... Mas vamos lá... (pensando) A mulher certa... para mim, é a mulher virtuosa. É aquela em que o coração do marido está totalmente confiado.
JOSIAS — Essa não seria a pessoa certa? (ri) Todos os hebreus deveriam ser assim, confiáveis.
BOAZ — Sim, Josias, mas tem mais. A mulher virtuosa... é forte. Ela olha pelo governo de sua casa, não come o pão da preguiça. Seus filhos a chamam de bem-aventurada e seu marido a louva dizendo: “Muitas fazem obras de maneira virtuosa, mas você... você é superior.”.
JOSIAS — Uau... E eu pensando que ouviria algo sobre a formosura, a beleza...
BOAZ — A beleza é importante, mas não é o essencial; é vaidade. Mas a mulher que teme ao Senhor, essa será louvada. Josias, os vestidos da mulher virtuosa são a força e a glória. E ela não se aflige pelos dias futuros, porque sabe que toda a sua vida... está nas mãos do Senhor. Ela abre a sua boca com sabedoria, e a lei da bondade está em sua língua.
Josias o ouve admirado.
BOAZ — Essa mulher... é bondosa. Abre sua mão ao aflito, e ao necessitado as estende em auxílio. Ela não teme trabalhar, servir... pois está revestida de força. A mulher virtuosa... ela lhe faz bem, Josias, e não mal... todos os dias de sua vida.
JOSIAS — Uau, uau, uau... Boaz... Isso é lindo! Até me emociono... fico pensando em Diana...
Boaz ri e, contente, encara o seu vinho.
JOSIAS — Mulher assim, para você... onde se achará?!
BOAZ — Ah, Josias, eu tenho certeza que elas existem. Estão aqui, lá, por aí... Só não tive a oportunidade de conhece-la de forma suficiente ainda.
JOSIAS — O valor de uma mulher assim... excede o de muitos rubis!
Rindo, Boaz faz que sim.
JOSIAS — Bom, agora eu já vou. Vou pensar um pouco em como agradar o pai da minha virtuosa.
CENA 12: EXT. BELÉM – ENTRADA DA CIDADE – ANOITECER
Sorrindo, Rute olha de Noemi para Tani, lá na frente.
RUTE — Senhora... Essa é a sua amiga Tani?
Nesse instante, Tani larga tudo e corre a toda velocidade até Noemi, agarrando seu pescoço e quase derrubando a amiga em um braço apertado. Elas riem e choram ao mesmo tempo.
TANI — Noemi!...
Rute sorri. O povo, curioso, observa, e mais chegam. Josias passa por ali e nota a movimentação. Então se aproxima.
NOEMI — Como eu senti sua falta...
Em lágrimas, Noemi e Tani se soltam e se encaram sorrindo.
TANI — É real? É você mesma?!
NOEMI — Sou eu, minha amiga. De volta para casa...
Tani sorri e a abraça mais uma vez. Josias chega ali.
JOSIAS — (simpático, para Rute) Shalom...
Rute faz um reverência com a cabeça.
RUTE — Shalom.
Elas se soltam.
TANI — Minha amiga... Minha amiga está de volta!
Noemi sorri e limpa as lágrimas. Tani, preocupada, pega as mãos de Noemi.
TANI — Noemi... Onde estão... Malom e Quiliom?...
Noemi começa a chorar. Tani se aflige, parece entender perfeitamente. Logo chora também...
NOEMI — O Senhor... também os levou...
TANI — (soluçando) Não...
Tani mais uma vez abraça Noemi com extrema ternura. Os olhos de Rute, vermelhos, lacrimejam. Josias as observa. Tani, emocionada, olha fixamente nos olhos da amiga.
TANI — Eu sinto muito... Eu sinto muito, Noemi...
Noemi faz que sim e tenta diminuir o choro.
TANI — Não esperava... por tudo isso...
Noemi aperta as mãos de Tani como querendo dizer para ela ficar tranquila. Tani então olha para Rute, e de volta para Noemi.
TANI — Quem é ela?...
NOEMI — Ela... é o oásis no meu deserto de dor.
Rute a observa com carinho.
NOEMI — Rute, minha nora... Viúva de Malom.
Tani vai até Rute e pega as mãos dela com delicadeza.
TANI — Seja bem-vinda a Belém, filha.
Rute faz outra reverência com a cabeça.
RUTE — Obrigada, minha senhora.
Tani sorri minimamente.
TANI — E a outra? Orfa?...
NOEMI — Orfa preferiu ficar em Moabe... e recomeçar sua vida.
O burburinho das pessoas ao redor começa a aumentar e a ficar mais entendível.
BELEMITA — ...Noemi?...
BELEMITA 2 — ...de Elimeleque, um dos...
BELEMITA 3 — Foi embora há muito tempo...
BELEMITA 4 — ...não sei se é mesmo...
BELEMITA 5 — ...me lembro, é ela...
BELEMITA 6 — Não é esta Noemi?
BELEMITA 7 — ...Noemi...
Neb, atraído pela aglomeração, passa por ali. Ao notar Noemi, para e olha com o cenho muito franzido.
NEB — Noemi?... Noemi, é você?!
Noemi está visivelmente abatida; olha para baixo.
TANI — Minha amiga!... O que foi?...
Noemi olha para Tani e para o povo.
NOEMI — (chorosa) Ver todos vocês... fazendo isso... não me faz bem...
Neb e o povo estão confusos.
TANI — Não entendo, Noemi...
NOEMI — (com desdém) “Noemi”...
Eles a encaram sem entender.
NOEMI — Sabem o que significa esse nome? Encantadora... Aprazível... Amável...
Rute sorri um pouco.
NOEMI — Todas características das flores do campo... Mas eu... (chora mais) O meu espírito está distante das flores e... próximo às amargas águas de um lago pantanoso.
Tani a olha com muito pesar. Balança a cabeça como que implorando para que ela não diga essas coisas.
NOEMI — A partir de agora que eu estou de volta, que vou tentar recomeçar... não me chamem de Noemi. Chamem-me de Mara, que significa amarga.
TANI — Noemi--
NOEMI — (interrompendo) Porque grande amargura me tem dado o Todo-poderoso.
Os belemitas não gostam do que ouvem.
TANI — Noemi, eu entendo, mas pense no que está dizendo...
NOEMI — Não, Tani... É essa a verdade. Cheia parti de Belém... mas vazia o Senhor me fez voltar. Por que me chamariam de Noemi, que não tem nada a ver comigo?! (traços de raiva) O Senhor testemunha contra mim! Deus!... O Todo-poderoso tem me afligido muito!
TANI — (se aproximando, tocando-a nos braços) Deus!... é bondoso, é misericordioso... doce...
NOEMI — (sorrindo e chorando) Com você, com os outros... Mas não comigo.
Rute se aproxima mais e fica ao lado dela, abraçando-a.
TANI — Como que Deus poderia ser ruim com você, Noemi, se deixou ao seu lado uma nora?! Quantos filhos fariam isso?! Poucos!
Noemi olha para os olhos de Rute.
NOEMI — Rute é a bênção de minha vida... A única coisa de boa que restou.
Tani respira fundo e dá uma olhada no povo ao redor.
TANI — Noemi... Eu vou leva-las à sua casa.
NOEMI — Tudo bem.
TANI — Vamos.
Rute entrelaça seu braço com o de Noemi e ambas seguem Tani, que abre caminho pelos belemitas. Neb as observa por mais alguns instantes e vai embora. O povo ainda comenta, aponta, murmura... e elas continuam.
Noemi anda quase que alheia às pessoas ao redor, e Rute ainda parece um tanto admirada.
CENA 13: INT. HOSPEDARIA – QUARTO DE TAMIRES – NOITE
Tamires está arrumando suas roupas quando Neb abre a porta, entra, e fecha-a na cara dos guardas no corredor.
NEB — Tamires!... Você não vai acreditar em quem está de volta à cidade!
Tamires o olha. Franze o cenho.
TAMIRES — Quem?
NEB — Tente acertar!...
TAMIRES — Segismundo?!
NEB — Não!...
Tamires se levanta.
TAMIRES — E eu lá sou alguma feiticeira para adivinhar, Neb?! Fale de uma vez!
NEB — Escute só: Noemi.
TAMIRES — QUÊ???!!!
Tamires cai sentada na cama. Neb se aproxima.
NEB — É isso mesmo que você ouviu!
TAMIRES — Noemi está de volta?!
NEB — Ela e sua nora...
TAMIRES — E o que é que ela está fazendo aqui?! Por que voltou de Moabe?!
NEB — Não faço ideia, só sei que a cidade está um alvoroço.
TAMIRES — (baixinho) Então a maldita viúva voltou... Pronto... Agora sim vai ficar fácil acabar com ela de uma vez por todas...
NEB — Do que você está falando?...
TAMIRES — Ahn, nada, Neb. Só estou pensando alto, alto demais!
De pé, ele a encara. Ela o olha.
TAMIRES — Eu estou um pouco... eufórica! Aqui por dentro... Por causa dessa notícia que você me deu. (sorri) Preciso satisfazer essa sensação!
Ela se aproxima dele de uma vez e intenta agarrá-lo, mas ele se esquiva.
NEB — Não, Tamires.
TAMIRES — Quê? Por que está fazendo isso comigo, Neb?! O que foi dessa vez?!