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LÁGRIMAS EM SILÊNCIO - Capítulo 19

 



Novela de Adélison Silva 

Personagens deste capítulo

JANA
LAURA
ELIETE
PAULO
RAIMUNDA
MOISÉS
RAVENA
MACIEL
CÁSSIA
MAURÍCIO
MARIA
PANDORA


Participação Especial:
PASSAGEIROS do ônibus


CENA 01/ INT/CASA DA JANA/ QUARTO DA MARIA/ DIA

Maria está sentada no chão brincando com suas bonecas, a porta do quarto se abre suavemente, e Paulo entra. Ele traz um chocolate nas mãos.

 

PAULO

(mostrando)

- Olha só que painho trouxe!

 

Maria, com timidez nos olhos, observa o pai. Paulo estende o chocolate para ela.

 

PAULO

- Pegue meu amor, é seu.

 

Maria pega o chocolate com cuidado, olhando-o meio de canto de olho, ainda um pouco amedrontada.

 

PAULO

- E como se diz?

 

MARIA:

- Brigada, painho!

 

PAULO:

- E não mereço nem um cheiro?

 

Maria, toda sem graça, se levanta e se aproxima de Paulo, dando-lhe um beijo tímido no rosto. Paulo sorri e a coloca em seu colo, acariciando seus cabelos enquanto conversa com ela.

 

PAULO

- Sabe, minha princesinha. Sua mainha tá querendo fazer uma viagem, mas ela tá querendo ir sozinha com... com o painho, né? Mas não achei muito certo, o bom seria todo mundo junto. Cê que acha? Cê gosta tanto de praia. Já pensou nós dois lá no mar, brincando com as ondas, fazendo castelo de areia? Olha que delícia.

 

Maria, com um sorriso tímido, responde:

 

MARIA

- Eu quero ir a praia.

 

Paulo coloca Maria em pé e olha diretamente em seus olhos.

 

PAULO

- Pois então, minha princesa. Fale pra sua mainha e insiste que cê também quer ir. Senão ela não vai querer te levar. Vai ser muito divertido todo mundo junto?

 

Maria sorri, se animando.

 

PAULO

- Vem cá. Me dê um abraço aqui.

 

Maria se aproxima e abraça Paulo. A CAM corta para mostrar o rosto de Paulo, revelando um sorriso sarcástico, sugerindo que talvez suas intenções não sejam tão genuínas quanto aparentam. 

 

CENA 02/ INT/ CASA DA RAVENA/ COZINHA/ DIA

Ravena está concentrada, mexendo em panelas no fogão, enquanto Laura está sentada, com o computador aberto à sua frente. A expressão curiosa de Laura se transforma em surpresa ao ver um e-mail que foi enviado para Ravena.

 

LAURA

- Oh Ravena, o que é isso aqui, hein? Um e-mail das "Amazonas"?

 

Ravena, ainda concentrada na preparação dos alimentos, olha para Laura e sorri.

 

RAVENA

(simultaneamente)

- Ah, esse e-mail, né? Pois então, é um convite que recebi de um grupo de feministas lá do Acre, chamado "As Amazonas". Elas tão buscando apoio e ajuda para suas causas.

 

Laura arqueia uma sobrancelha, interessada na explicação de Ravena.

 

LAURA

(surpresa)

- Feministas do Acre? Oxente, isso é algo novo é?

 

RAVENA

(explicando)

- Na verdade, nem tanto, meu amor. “As Amazonas" é um grupo feminista antigo que já existe em vários outros países e tá se expandindo para o Brasil agora. Elas têm um trabalho incrível e acredito que podemos contribuir com as nossas experiências aqui da Bahia, né?

 

LAURA

(voltando a olhar o e-mail)

- E cê tá pensando em aceitar esse convite?

 

Ravena se aproxima de Laura.

 

RAVENA

(afirmativa)

- Cê quer mesmo saber? Tô pensando em aceitar sim, Laura. Acredito que é uma oportunidade de unirmos forças e lutar pelas mesmas causas que já nos importam aqui na Bahia.

 

LAURA

(levemente chateada)

- Tá certo então, né? Só me diga uma coisa Ravena. E quando cê pretendia me contar sobre isso?

 

RAVENA

(explicando)

- Oh meu amor, não tomei nenhuma decisão concreta, ainda. E também Laura, tava um pouco insegura sobre como abordar o assunto com cê, levando em considerção sua relação com sua mãe. Pois se a gente for mesmo pro Acre vai ficar meio difícil pra cês duas se verem.

 

Laura continua olhando para o e-mail e percebe algo.

 

LAURA

(mencionando)

- É verdade mesmo. Pois não posso simplesmente ir pro Acre sem pensar em mainha. Mas não venha me dizer que cê se preocupou comigo Ravena. Pois tô vendo aqui no e-mail que cê já deu uma resposta positiva a elas.

 

Ravena fica sem jeito e respira fundo, buscando palavras.

 

RAVENA

(um pouco constrangida)

- Bem... Eu acabei respondendo sem lhe falar. Oh Laura, deixe de bobagem, viu? Eu já lhe disse que sua família agora sou eu e Pandora. Adoro sua mãe, tenho nada contra. Mas não podemos parar nossa vida por conta dela, não é mesmo?

 

LAURA

- Mas a gente é um casal, né não? Só acho que essas decisões deveríamos tomar juntas.

 

RAVENA

- Tá certa minha linda, me desculpe. Não vamos ficar discutindo por uma bobagem dessa.

 

LAURA

- Não vamos discutir. E pode esquecer, viu Ravena? Não vou pro Acre e nem pra lugar nenhum.

 

RAVENA

- Depois a gente conversa melhor sobre isso, vá bem? Deixa eu cuidar das minhas panelas que já tão queimando.

 


 

CENA 03/ INT/ CLÍNICA BIO IN VITRO/ CONSULATÓRIO DO MAURÍCIO/ TARDE

Maurício está concentrado em seu trabalho no computador, digitando e fazendo anotações. Cássia entra na sala com uma batida suave na porta.

 

CÁSSIA

- Com licença, meu amor!

 

Maurício levanta os olhos do computador, um sorriso caloroso iluminando seu rosto.

 

MAURÍCIO

- E aí meu bem? Alguma paciente pra agora?

 

CÁSSIA

- Não, nenhuma. Vim só lhe trazer o resultado do teste de uma paciente.

 

Cássia entrega um envelope a Maurício, seus olhos brilhando de curiosidade.

 

MAURÍCIO

- Ah, claro. Deixe-me dá uma olhada.

 

Maurício pega o envelope com interesse genuíno, seus dedos o abrindo cuidadosamente para revelar seu conteúdo. Um sorriso radiante se espalha por seu rosto ao ver o resultado positivo.

 

MAURÍCIO

(entusiasmado)

- Quem é a paciente? Ela pode comemorar, o tratamento deu certo, ela tá grávida!

 

CÁSSIA

- Olhe mais de perto o envelope e veja o nome da paciente por si mesmo.

 

MAURÍCIO

(emocionado)

- Oxe, mas é o seu nome!

(se dando conta)

- Cássia, é sério? Cê tá grávida, é? Ave Maria, isso significa que vou ser pai?

 

CÁSSIA

(assentindo)

- Quis lhe fazer uma surpresa. Eu já tinha feito um teste rápido de farmácia, e deu positivo. Resolvi fazer o exame de sangue e trouxe aqui pro cê ver. Sim, meu amor, vamos ter um filho.

 

A emoção enche o ambiente enquanto Maurício puxa Cássia para um abraço suave, dominado pela ternura.

 

 

CENA 04/ INT/ CASA DA RAVENA/ SALA DE ESTAR/ TARDE

Ravena está se preparando para sair, enquanto Laura a observa, um tanto confusa com seus planos.

 

LAURA

(perplexa)

- Oxente, mas já não tá tarde pro cê abrir a boutique? O que houve, porque não abriu mais cedo.

 

Ravena, parando por um momento, se volta para Laura e explica seu verdadeiro propósito.

 

RAVENA

(com calma)

- Na verdade, não tô indo abrir a boutique. Tenho um encontro com um comerciante interessado em comprar ela. Achei que seria uma boa oportunidade, né? Ele me fez uma boa proposta, vou analisar direitinho.

 

LAURA

(curiosa)

- Vender a boutique? Então é isso mesmo, né? Cê tá realmente decidida em ir pro Acre?

 

RAVENA

- Meu amor vai ser melhor pra nós duas. E melhor ainda pra Pandora, vamos poder criar ela do nosso jeitinho sem sofrer nenhuma influencia. Já dei uma olhada, tem escolas muito boas pra ela no Acre.

 

LAURA

(irritada)

- Tô impressionada, Ravena. Cê tá fazendo tudo às escondidas! Nunca me comunicou nada sobre vender a boutique ou seus planos de ir pro Acre. Também tenho o direito de ser incluída nas decisões, não acha?

 

RAVENA

- Ser incluída pra que, Laura? Cê realmente sabe o que é melhor pro cê? Parece que esqueceu o caminho que percorreu até chegar aqui, né?

 

LAURA

- Vai ficar me jogando isso na cara até quando?

 

Ravena, sentindo a tensão aumentar, decide interromper a discussão e sai da casa em direção à boutique.

 

RAVENA

(resoluta)

- Preciso resolver algumas coisas agora. Conversaremos mais tarde, tá certo?

 

Ravena sai da casa, deixando Laura para trás, com um misto de frustração e preocupação.

 

 

CENA 05/ EXT/ RUA/ ÔNIBUS/ TARDE

Moisés está de pé dentro do ônibus, com uma Bíblia aberta em suas mãos, pregando fervorosamente para os passageiros. Sua expressão é séria e fervorosa, enquanto ele critica e condena em sua forma de pregar. Ao seu lado, Eliete e Raimunda o apoiam, balançando a cabeça e ocasionalmente murmurando "amém".

 

MOISÉS

(pregando de maneira intensa)

- Irmãos e irmãs, é chegada a hora de refletirmos sobre nossos pecados! O fogo do inferno tá a arder, esperando por aqueles que não prestam atenção à palavra do Senhor, viu? Oh, sim, a maldição recai sobre aqueles que preferem as trivialidades deste mundo à graça divina!

 

Moisés focaliza sua atenção em um jovem distraído mexendo em seu celular, apontando o dedo e falando em um tom de condenação.

 

MOISÉS

- Meus irmãos e irmãs, abram seus olhos! Jesus virá em sua glória, e cê aí, distraído em seu mundinho, não estará pronto pra encontrá-lo! Arrependa-se, pois o fim tá próximo!

 

O jovem olha sem graça, mas continua mexendo em seu aparelho. Eliete se aproxima do jovem e lhe estende a mão sobre a cabeça.

 

ELIETE

- Aleluia! Que todo espírito ruim saia! Irmãos e irmãs, não podemos nos perder nas distrações deste mundo pecaminoso!

 

O jovem arregala os olhos assustado, guarda o celular e se ajeita em sua cadeira.

 

MOISÉS

- Irmãos para fazer essa obra temos gastos. Por isso carecidamente pedimos a ajuda de todos vocês. Se temos é porque Deus nos concedeu, então temos que ajudar uns aos outros, né mesmo?  As irmãs tão passando aí e cês depositam tanto que puderem. Aleluia!

 

RAIMUNDA/ ELIETE

- Aleluia!

 

CORTA PARA:

CENA 06/ EXT/ RUA/TARDE

 

O ônibus para na parada e os três descem.

 

MOISÉS

- Cês viram? O povo tá mesmo mergulhado no pecado, é Deus falando e todos ignorando presos em suas vidinhas medíocres.

 

ELIETE

- E não vi? Quando o nosso Senhor voltar, vão todos implorarem para subir aos céus. Mas aí vai ser tarde demais, né mesmo? Vai ser a hora da colheita, a separação do joio do trigo. O crente vai subir com o nosso Senhor e se deleitar no Paraíso, mas os pecadores vão direto para o inferno. Né mesmo irmã Raimunda?

 

Raimunda continua caminhando, claramente absorta em seus próprios pensamentos.

 

MOISÉS

- Oh Raimunda, irmã Eliete tá falando com cê?

 

RAIMUNDA

(distante)

- Tá falando comigo, varão?

 

MOISÉS

- Ó paí, o que tá acontecendo mulher?

 

ELIETE

- Deixe tá, pastor Moisés. Irmã Raimunda tá meio aérea hoje.

 

RAIMUNDA

- Me perdoe irmã Eliete. Oh Moisés temos que apressar, pois já tá dando a hora de Rebeca sair do colégio.

 

CENA 07/ EXT/ PLANO GERAL

A tela mostra a Praia de Itapuã à tarde, com pessoas desfrutando das atividades à beira-mar. Conforme o sol se põe, a luz suaviza, criando um cenário pitoresco. À noite, luzes de bares e restaurantes se acendem, criando um ambiente aconchegante. A CAM se move para a Ladeira da Barra, onde o Farol da Barra brilha sobre o oceano. A vida noturna começa, com música ao vivo e luzes da cidade alta. A transição termina com a tela escura, destacando as luzes da cidade e dos barcos na baía.

 

CENA 08/ INT/ CASA DA RAVENA/ QUARTO DA PANDORA/ NOITE

O quarto de Pandora está mergulhado em uma suave penumbra, a luz do abajur lançando sombras delicadas nas paredes. Laura está sentada na beirada da cama, tentando acalmar Pandora, que reluta em dormir.

 

PANDORA

(franzindo o cenho)

- Mas nem tô com sono, mainha!

 

LAURA

(carinhosamente)

- Mas se deitar e ficar quietinha, o sono logo chega.

 

PANDORA

- E que queria esperar a mainha Ravena.

 

LAURA

- A mainha Ravena ligou e disse que vai demorar pra chegar. Vamos fazer o seguinte, tá: quando ela chegar, peço pra ela vir aqui lhe dar um cheiro de boa noite. Que cê acha?

 

PANDORA

- Vá bem, então.

 

Um estrondo repentino ecoa através da porta, fazendo Laura se sobressaltar.

LAURA

(tranquilizando Pandora)

- Fique aqui, viu? Mainha vai ver quem é na porta.

 

Laura sai do quarto e se dirige à porta da frente.

 

 

CENA 09/ INT/ CASA DA RAVENA/ SALA DE ESTAR/ NOITE

Um estrondo violento ecoa mais uma vez pela porta, fazendo Laura se sobressaltar.

 

LAURA

(exasperada)

- Já vai! Que afobação é essa?

 

Com cuidado, Laura abre a porta e é surpreendida ao dar de cara com Maciel.

 

LAURA

(surpresa)

- Maciel! Mas que cê tá fazendo aqui? Cê não tava preso?

 

MACIEL

(eufórico)

- Eu fugi! A polícia tá atrás de mim, cê precisa me esconder aqui.

 

LAURA

(preocupada)

- Oxe homem, cê pode ficar aqui, não! Tá maluco? E se Ravena lhe encontrar aqui?

 

Maciel ignora as palavras de Laura e entra na casa com determinação.

 

MACIEL

(com um tom de desdém)

- Quanta servergonhice, hein Laura! Então cê e a sapatona resolveram se juntar de vez?

 

LAURA:

(irritada)

- Parta a mil, viu Maciel? Senão irei chamar a polícia.

 

Maciel pega Laura pelo braço, pressionando uma arma contra a sua cabeça.

 

MACIEL

(ameaçador)

- Vai não, se cê fizer isso, lhe mato.

 

No meio da tensão, Pandora aparece na sala.

 

PANDORA

(chegando)

- Mainha!

 

Maciel estranha ao ver Pandora chamando Laura de mãe.

 

MACIEL

(soltando Laura)

- Oxente, ela lhe chamou de mainha?

(confuso)

- Mas que é isso? Cê tem uma filha?

 

Laura corre até Pandora e a abraça.

 

LAURA

(assustada)

- Sim. É filha minha e de Ravena.

 

Maciel fica surpreso e um tanto esnobe.

 

MACIEL

- Oxe! Diga aí como fizeram, com o dedo?

 

LAURA

- Olhe bem as palavras que cê fala na frente da criança.

(virando-se pra Pandora)

- Vá pra cama meu amor. Daqui a pouco mainha vai lá, viu?

 

PANDORA

(assustada)

- Tô com medo mainha!

 

LAURA

- Oh minha linda, precisa ficar com medo, não viu? Mainha só vai conversar com o moço e já vai lá deitar com cê. Vá lá meu bem!

 

Pandora volta para o quarto, e Laura se vira para Maciel.

 

LAURA

- Cê precisa ir embora, Maciel. Pelo amor de Deus, se saia antes que Ravena chegue.

 

MACIEL

(desconfiado)

- Sou eu o pai dessa criança, né Laura?

 

LAURA

- Oxente! Zuretou de vez, foi? Claro que não! Pandora foi adotada ainda bebezinha. Agora se saia logo, cê já ficou tempo por demais.

 

MACIEL:

- Não vou a lugar nenhum. Cê vai ter que me amoitar aqui.

 

LAURA

- Maciel, não complique as coisas.

 

MACIEL

(apontando a arma)

- Daqui não saio!

 

LAURA

- Vá bem, vem comigo.

 

CORTA PARA:

 

CENA 10/ INT/ CASA DA RAVENA/ DESPENSA/ NOITE

Laura guia Maciel apressadamente para a despensa, onde o ambiente é escuro e apertado. Ela fecha a porta com cautela, mantendo a voz baixa.

 

LAURA

(sussurrando)

- Fique aqui e não saia de jeito nenhum. Se Ravena descobrir que cê tá aqui, vai ser um desastre.

 

Maciel olha ao redor e suspira, mas logo seu olhar se volta para Laura com um olhar curioso.

 

MACIEL

- E quem é a criança? Me diga a verdade Laura, ela é nossa filha, não é?

 

LAURA

(nervosa)

- Já lhe disse, Pandora foi adotada. Ela é filha minha e de Ravena, cê não tem nada com isso.

 

MACIEL

- Cê tá mentindo, Laura. Sei bem disso, viu...

 

LAURA

- Eu nem devia lhe esconder aqui, tô me arriscando muito. Mas já que tô fazendo isso, lhe peço uma caridade. Mantenha-se escondido aqui e, quando for seguro, eu vou dar um jeito de cê sair daqui. Vá bem?

 

MACIEL

- Lhe agradeço demais, viu. Oh Laura, ainda penso muito na gente, sabia?

 

LAURA

(interrompendo)

- Tenho que olhar minha filha, ela ficou assustada. Não saia daqui.

 

Antes que Maciel possa continuar a questionar, Laura sai da despensa e fecha a porta, deixando-o sozinho na escuridão.

 

 

CENA 11/ INT/ CASA DOS SIRQUEIRAS/ QUARTO DO CASAL/ NOITE

Moisés aparece com uma gravata queimada de ferro.

 

MOISÉS

- Que isso mesmo, heim Raimunda?

 

RAIMUNDA

- Na hora que eu tava passando sua camisa não vi a gravata e acabei colocando o ferro em cima. Pegue outra aí na gaveta, varão. Cê tem uma outra aí igualzinha.

 

MOISÉS

- Essa gravata foi cara Raimunda. Eu comprei pra usar no congresso de pastores que teve no Rio de Janeiro. E cê me estrague ela assim?

 

RAIMUNDA
- Pelo o amor de Deus Moisés, vai se apegar a coisa material agora?

 

MOISÉS

- O que tá acontecendo com cê mulher? Cê anda avoada demais.

 

RAIMUNDA

- Tô avoada sim. Como não tá, se meus pensamentos tá em Laura? Oh Moisés tô aqui aflita sem saber como tá minha filha.

 

MOISÉS

- Sua filha tá bem, tá lá no quarto dormindo. E já essa outra a qual cê se refere, escolheu sua própria sorte e não há nada que possamos fazer.

 

RAIMUNDA

- Cê nunca teve curiosidade de conhecer sua neta, Moisés?

 

MOISÉS

- Que neta? Um ser sem alma fabricado em laboratório? Raimunda, assim diz a palavra do Senhor, “seja quente ou seja frio, não seja morno que eu lhe vomito”. Deus não se alegra com as bizarrices desse mundo. Laura fez mal uso de seu livre arbítrio e não posso me condenar pelos pecados dela. Agora se cê quer ir atrás dela, pode fazer sua mala e se mandar. Agora lhe digo uma coisa, viu? Nessa casa cê não entra mais é nunca.

 

 

 

CENA 12/ INT/ CASA DA JANA/ QUARTO DA MARIA/ NOITE

Jana está sentada na beira da cama, acariciando os cabelos da filha enquanto ela se ajeita debaixo das cobertas.

 

JANA

- E esse soninho que não vem, heim?

 

MARIA

- Queria viajar com a senhora e painho.

 

Jana fica intrigada com o pedido inesperado da filha. Ela olha para Maria com curiosidade.

 

JANA

(surpresa)

- Oxe! E quem foi que lhe contou dessa viagem, meu amor?

 

MARIA

- Foi painho.

 

Neste momento, Jana vira lentamente a cabeça em direção à porta do quarto. Ali, parado, está Paulo, com um sorriso constrangido e um brilho travesso nos olhos. Paulo dá um passo à frente, ainda sorrindo, mas agora um pouco envergonhado.

 

PAULO

(tentando explicar)

- Oh meu amor, achei que não seria justo deixar Maria de fora de nossa viagem, sabe como é. Ela quer muito ir.

 

JANA

(sem graça)

- Paulo, parece que cê não entendeu o contexto da viagem. Poxa, planejei um programa de casal, véi...

 

PAULO

- A gente faz um programa de casal em outro momento. Olhe a carinha dela... Tadinha, não vamos deixar ela pra trás. Vai ser divertido nós três.

 

Jana olha para sua filha, que está agora com um olhar tímido e suplicante. Jana suspira, ainda um pouco desconcertada, mas resolve ceder.

 

JANA

- Está bem, então. Cês me convenceram. Vamos levar Maria junto.

 

PAULO

(vibrando)

- Oba, passeio em família!

 

Maria sorri de forma acanhada para Paulo, ele responde com um sorriso de canto de boca e olhar penetrante, no mesmo instante que desliza a mão alisando seu peito. Jana agasalha melhor a sua filha, sem perceber a expressão preocupada que passa pelo rosto de Maria.

 

JANA

(dando um beijo na testa)

- Mas agora é olha de dormir, viu minha linda.

 

 

CENA 13/ INT/ CASA DA RAVENA/ SALA DE JANTAR/ NOITE

Laura e Ravena estão sentadas, compartilhando o jantar. Laura está apreensiva e distraída.

 

RAVENA

- Fechei negócio com o comerciante que havia lhe falado. Meu amor, sei que cê ficou chateada por não ter lhe contado antes. Mas sei que fiz um bom negócio, não sabe? Ele pagou a metade à vista, o restante, fizemos um contrato e ele vai ficar pagando parcelado. Não poderia perder um negócio desse, né Laura?

 

Laura tenta forçar um sorriso, mas seus pensamentos parecem distantes.

 

LAURA

- Ah, sim, claro. É ótimo que tenha dado certo. Cê sempre sabe o que é melhor pra nós duas, né mesmo?

 

RAVENA

(estranhando)

- Laura, cê tá agindo de forma estranha. E isso não é só porque vendi a loja. Aconteceu alguma coisa? Tá tudo bem?

 

Laura hesita por um momento, olhando nos olhos de Ravena.

 

LAURA

- Não se avexe, não é nada demais. Só tô um pouco cansada hoje.

 

RAVENA

- Tem certeza? Cê parece preocupada.

 

Laura respira fundo, buscando manter a calma.

 

LAURA

- Tô bem, de verdade. Não se preocupe.

 

Ravena a observa com uma expressão desconfiada, mas decide não pressionar mais.

 

RAVENA

- Vá bem, então. Se cê tá dizendo, né? Vamos terminar a nossa janta.

 

Elas continuam com a refeição, o silêncio ocasionalmente preenchido pelo som dos talheres. Ravena fica olhando para Laura enquanto come.

 

LAURA

(ao terminar)

- Terminei, vou dá uma ajeitada nessa cozinha... Ah, antes de ir para o quarto, passe no quarto de Pandora. Eu disse a ela que cê iria lá antes de dormir.

 

RAVENA

- Claro, vou fazer isso.

 

Laura se levanta e sai da sala levando o seu prato. Enquanto Ravena fica terminando sua refeição pensativa, ainda intrigada com o comportamento de Laura.

 

 

 

CENA 14/ INT/ CASA DA RAVENA/ DESPENSA/ NOITE

Maciel está na escuridão da despensa, explorando o pequeno espaço com curiosidade e ansiedade. Entre algumas caixas empilhadas, ele encontra uma foto antiga em que Laura está grávida, com um sorriso radiante no rosto. Seus olhos se fixam na imagem e a compreensão começa a se formar em sua mente.

 

MACIEL

(murmurando para si mesmo)

- Laura mentiu. A menina não foi adotada, e tá aqui a prova. Meu Deus... Então eu tava certo, a menina é minha filha.

 

Maciel sente uma mistura de emoções - choque, surpresa e uma pitada de alegria. Ele examina a foto com um misto de encanto e nostalgia, seu coração parecendo se aquecer com a revelação. Lágrimas se formam em seus olhos enquanto ele observa a foto.

 

MACIEL

(emocionado)

- Ave Maria, eu e Laura temos uma filha. E é a coisa mais linda, meu Deus!

 

Ele fecha os olhos por um momento, deixando as lágrimas caírem livremente. A foto lhe traz uma conexão inesperada com a vida que ele nem sabia que tinha.

 

CENA 15/ EXT/ PLANO GERAL

A cena começa à noite, com a cidade agitada, bares iluminados e música alta, amigos sentados a mesa brindando.

A CAM se move para cima, revelando o céu estrelado. A noite avança. Corta para a manhã. O sol nasce, pintando o céu de cores quentes. A cena da noite anterior agora está sob a luz suave do amanhecer. A cidade de Salvador acorda lentamente, com pessoas na praia e vendedores ambulantes montando barracas.

 

CENA 16/ INT/ CASA DA RAVENA/ DESPENSA/ DIA

A luz do dia ilumina a despensa enquanto Laura abre a porta, revelando Maciel ainda escondido. Ela suspira, visivelmente nervosa.

 

LAURA

- Maciel, cê precisa ir embora. Não podemos arriscar que Ravena descubra que cê tá aqui.

 

Maciel pega a foto que encontrou e segura com firmeza mostrando pra Laura.

 

MACIEL

- Cê mentiu. Aquela menina é nossa filha, né Laura?

 

Laura fica surpresa, e sua expressão é tensa. Ela toma a foto da mão de Maciel.

 

LAURA

- Tá azuado, é? Eu já lhe disse que Pandora é minha filha com Ravena.

 

Maciel olha fixamente para Laura, cético.

 

MACIEL

- Quem aqui tá azuado é você. Até onde eu sei duas mulher não faz filho. E cê tá grávida nessa foto, isso é prova suficiente.

 

Laura hesita por um momento, sua mente trabalhando rapidamente para encontrar uma saída.

 

LAURA

- Deixe de bestagem, não é o que cê tá pensando. Pandora foi concebida por inseminação artificial. Sabe o que é isso não? É o que costumam fazer casais homoafetivo quando querem ter filhos. Mas cê é ignorante demais pra entender isso.

 

Maciel parece desconfiado, mas antes que ele possa responder, Laura continuou falando.

 

 

LAURA

- Escute, agora cê precisa ir embora antes que Ravena acorde.

 

Laura pega uma quantia de dinheiro e entrega para Maciel.

 

 

LAURA

- É tudo que tenho em casa, não é muito mas vai lhe ajudar. Agora suma da minha vida e da vida de Pandora. Nunca mais nos procure.

 

Antes que Maciel possa responder, a porta da despensa se abre bruscamente, revelando Ravena com um olhar de choque e raiva.

 

RAVENA

- Que diabos tá acontecendo aqui, Laura?

 

Laura olha para Ravena, em pânico, buscando explicar rapidamente a situação.

 

LAURA

- Oh meu amor, fiquei sem saída. Maciel chegou aqui de repente. Eu não sabia o que fazer.

 

Ravena fica furiosa e puxa o celular.

 

RAVENA

(ligando)

- Mas eu sei, pra bandido a gente chama a polícia.

 

Maciel fica desesperado e puxa uma arma de sua cintura.

 

MACIEL

- Desliga essa porra, desgraça! Ninguém aqui vai chamar a polícia não, viu? E cês duas vão fazer o que eu mandar.

 

Ravena assustada guarda o celular.

 

MACIEL

- Eu quero ver minha filha.

 

RAVENA

- Filha? Mas de que filha cê tá falando?

 

Laura e Ravena se olham, enquanto Maciel continua de arma apontada para elas.

 

MACIEL

- Pandora, a minha filha que cês tão tentando me esconder.

(empurrando as duas)

- Saiam da minha frente!

 

CORTA PARA:

 

CENA 17/ INT/ CASA DA RAVENA/ QUARTO DA PANDORA/ DIA

Maciel entra no quarto da Pandora com a arma ainda na mão, mas pendendo ao lado do corpo. Pandora está sentada na cama, olhando assustada para o homem estranho que invadiu seu quarto. Maciel se aproxima de Pandora, sua expressão alternando entre determinação e hesitação.

 

MACIEL

(emocionado)

- Oi minha linda! Não tenha medo, não lhe farei mal não. Sou eu o seu painho, viu?

 

Enquanto isso, Ravena e Laura chegam logo atrás, observando a cena com apreensão.

 

LAURA

- Maciel, pelo o amor de Deus, ela é só uma criança. Deixe a bichinha em paz!

 

MACIEL

- Cê acha que faria mal a minha filha?

(virando-se para Pandora)

- Não se preocupe, painho vai lhe machucar não.

 

Quando ele se aproxima ainda mais de Pandora, sua confiança vacila por um momento, suas mãos relaxam com a arma. Ravena percebe esse vacilo e age rapidamente. Ela aproveita o momento de distração de Maciel e com agilidade, pega a arma da mão dele. Ele fica momentaneamente atordoado com a reviravolta.

 

 

RAVENA

(firme)

- Afaste-se da minha filha agora!

 

Maciel olha para Ravena, compreendendo que a situação se voltou contra ele. Ele dá alguns passos para trás, parecendo derrotado. Com a arma agora em mãos seguras, Ravena mantém uma postura defensiva, pronta para agir caso Maciel tente alguma manobra arriscada.

 

MACIEL

- Calma, não precisa atirar! Vou embora.

(virando-se pra Laura)

- Mas vou voltar, viu Laura? Vou vim buscar minha filha!

 

Maciel olha para Pandora uma última vez, sua expressão refletindo uma mistura de emoções conflitantes. Ele então se vira e sai correndo do quarto.  Laura corre até Pandora e a abraça, segurando-a com força. Ravena pega o celular e disca o número da polícia, enquanto vai saindo do quarto.

 

LAURA

(tentando acalmar Pandora)

- Vai ficar tudo bem minha bichinha. Mainha tá aqui viu?

 

CENA 18/ EXT/ PLANO GERAL

Corte rápido mostrando uma praia em Salvador com o Farol da Barra em destaque. Céu azul, areia dourada, ondas suaves. Pessoas nadando, relaxando e brincando na praia. Close-up do Farol da Barra, com detalhes arquitetônicos e vista panorâmica.

 

 

CENA 19/ INT/ CASA DA RAVENA/ SALA DE ESTAR/ DIA

Ravena está ao telefone, falando com a polícia sobre a situação que acabou de ocorrer.

 

RAVENA

(ao telefone)

- Agora estamos seguras, a situação foi exatamente como lhe contei... Tá certo, muito obrigada viu!

 

Enquanto Ravena fala ao telefone, Laura se aproxima, claramente preocupada.

 

LAURA

- Servi o café dela lá mesmo na cama. Tadinha, toda assustada com o que aconteceu.

 

Ravena encerra a ligação e se vira para Laura.

 

RAVENA

- Arrume suas coisas, Laura. Nós vamos pegar o primeiro voo disponível pro Acre.

 

A ordem de Ravena é firme e determinada, deixando claro que a situação agora exige ação imediata.









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