INFERNO
URBANO – CAPÍTULO 01
RIO DE
JANEIRO – 2022
CENA 01. COMPLEXO DO DESALENTO. BECO. NOITE
SONOPLASTIA
ON: RAP DA FELICIDADE – CIDINHO E DOCA
A luz amarela incendeia os becos, deixando um ar sombrio.
Algumas crianças descalças andam descendo as escadarias, elas sentam-se em um
dos degraus e começam a brincar de “papel, pedra e tesoura”. Elas sorriem. O
sorriso delas são interrompidos por tiros que são ecoados, elas se assustam e
correm.
CORTA PARA:
CENA 02. COMPLEXO DO DESALENTO. MONTE. NOITE
Cerca de seis homens estão amordaçados. Três homens que estão em
pé e sem camisa seguram metralhadoras, um outro, esse com cabelos grisalhos e
cordão de ouro surge segurando um revólver.
JAGUAR – Eu quero
saber quem foi o filho da puta que roubou o meu dinheiro. Se vocês acham que eu
vou engolir qualquer desculpa esfarrapada estão enganados. O papo é reto.
HOMEM 1 – Qual foi,
Jaguar? Eu juro que não sei de nada. Eu só tava de boa, não tenho nada a ver
com essa parada aí não.
Jaguar ri e atira em um homem que está no canto esquerdo, o que
faz os outros se desesperarem. Ele pega o Homem 1 pelos cabelos e leva até o
corpo alvejado.
JAGUAR (RAIVA) – Olhe muito
bem o que vai acontecer com você se não me disser a verdade seu viado!
HOMEM 1 (CHORANDO) – Eu juro, Jaguar,
não fui eu e também não sei quem pegou, papo reto!
JAGUAR(RAIVA) – Seu bosta!
JAGUAR dá sucessivos tapas na cara do homem e o puxa pelos
cabelos, arrastando sua cabeça na barriga do corpo alvejado.
JAGUAR (RAIVA) – Viado de
merda! Ou um de vocês me diz onde está a porra do meu dinheiro, ou eu vou dar
um tiro na cabeça de cada de um!
HOMEM 2 – Foi o
Rocha, senhor.
JAGUAR (INDAGA) – Rocha?
Quem merda é Rocha?
HOMEM 2 – O deputado Renato Rocha,
ele mandou aquele ali (aponta para o homem 3) pegar o dinheiro de todo o caixa
da sede na casa daquela viúva.
JAGUAR (SURPRESO) – Mas que
porra é essa? O deputado resolveu me trair?
O Homem 2 assente. Jaguar puxa o rapaz que está de camisa regata
que começa a gritar, mas leva um tapa na cara.
JAGUAR – Seu filho
da puta! Você me traiu seu viado de merda!
HOMEM 3 – Não tive
escolha, senhor, foram ordens superiores! Eu não queria fazer isso, mas ele me
obrigou, pediu para que o restante do pessoal que estava trabalhando na casa da
viúva pegasse o dinheiro do caixa.
JAGUAR (FÚRIA) – Vagabundo!
Peguem esse otário, o restante pode metralhar!
Jaguar puxa o Homem 3 pela regata. Os traficantes tomam a frente
e atiram em direção ao restante dos homens.
JAGUAR – Você vai
ser o meu recadinho para o deputado.
CORTA PARA:
CENA 03. MORRO. EXT.NOITE
O homem está dentro de uma pilha de pneus e seus olhos estão
saindo lágrimas. Os bandidos jogam gasolina nele. Ele grita copiosamente e leva
um murro na cara de Jaguar.
JAGUAR (ACENDE UMA TOCHA) – Que bom que já sabe qual será o seu fim, mané. Lugar de X9 é junto com o capeta, seu filho da puta!
HOMEM (CHORA) – POR FAVOR, NÃO ME MATA.
JAGUAR (RI) – Vai pro inferno!
Jaguar joga a tocha nos pneus que começa a pegar fogo
instantaneamente e o grito do homem é ensurdecedor.
Plano geral do alto do morro, mostrando as luzes da favela.
CORTA PARA:
CENA 04.RIO DE JANEIRO.EXT.DIA.
SONOPLASTIA
ON: ZÓIO DE LUA – CHARLIE BROWN JR.
A CAM faz uma panorâmica da cidade, mostrando o movimento
frenético de um dia normal. De repente, o céu se fecha e a chuva começa a cair com
força.
Pessoas correm pelas ruas, buscando abrigo da chuva. Algumas se
protegem com guarda-chuvas, enquanto outras se agacham sob marquises e
telhados.
Em um ponto de ônibus, um grupo de pessoas espera ansiosamente
pelo transporte. A chuva cai com força, encharcando a todos.
CORTA PARA:
CENA 05. BARZINHO. INT. DIA.
Senhores bebem uma cerveja, enquanto a chuva cai lá fora. Na TV,
uma notícia aparece.
“6 CORPOS
CARBONIZADOS SÃO ENCONTRADOS NO COMPLEXO DO DESALENTO”.
CORTA PARA:
CENA 07. JORNAL. ESCRITÓRIO. INT. DIA.
Patrícia (25 anos), com um olhar furioso, entra no escritório de
MARCELO (38 anos). Ela joga um jornal em cima da mesa de Marcelo, que se
assusta com o barulho
MARCELO – O que é
isso?
PATRÍCIA – Você ainda
não viu as notícias da concorrência, Marcelo? Estamos tentando dar um furo
jornalístico há meses e simplesmente o “Rio em Ação” consegue ser o primeiro em
tudo.
MARCELO – Patrícia,
olha o tipo de notícia que você quer que a gente publique. Eu amo minha equipe
o suficiente para saber que não quero perder ninguém.
PATRÍCIA – Pra mim,
isso soa como covardia, Marcelo.
MARCELO – Covardia,
Patrícia? Sabe quantos jornalistas foram ameaçados só no mês passado? Aposto
que você como a exímia profissional que acha que é, não procurou saber disso.
PATRÍCIA – Marcelo,
eu não estou questionando o seu jeito de se importar com as pessoas, mas eu
prefiro ser uma jornalista investigativa.
MARCELO – Escuta
aqui, presta muito bem atenção. O Rio de Janeiro está fadado ao fracasso, sabe
por quê? Porque o estado está ganhando com essas mortes de inocentes e
principalmente com o dinheiro que entra e sai das favelas dessa cidade, mas
parece que isso não entra na sua cabeça, não é?
PATRÍCIA – É por isso
que temos que...
MARCELO (GRITA) – Chega! Não
quero que esse assunto continue, Patrícia. Se você quiser trabalhar no “Rio em
Ação”, boa sorte, até faço uma carta de recomendação, mas não venha querer
mandar no jeito que eu conduzo esse jornal.
Patrícia pega o jornal da mesa e rasga na frente de Marcelo. Ela
puxa o seu crachá e joga na direção do jornalista.
PATRÍCIA – Vai a
merda!
CORTA PARA:
CENA 08. GABINETE DO PREFEITO. INT. DIA.
O prefeito está sentado em sua mesa fumando um cigarro, quando a
porta de sua sala abre e sua secretária deixa um pacote.
PREF. LOPES – Um
presente? Quem foi que deixou?
RENATA – Não sei,
não tem remetente, nem nada, apenas pediram para entregar ao senhor.
PREF. LOPES – Certo,
pode sair.
Renata assente e sai. O prefeito posiciona a caixa e a abre, mas
leva um susto e grita. Ele derruba a caixa longe que mostra um crânio
carbonizado no chão. CLOSE EM LOPES APAVORADO.
ABERTURA
CENA 09 – APARTAMENTO. SALA. INT. DIA.
Patrícia está sentada no sofá em frente a TV. Seu olhar está
distante. Ela tem um rompante ao ouvir a porta se abrindo e se deparar com seu
esposo.
PATRÍCIA – Que susto!
Por alguma razão achei que fosse alguém tentando invadir.
CAP. VASCONCELOS (RISOS) – Com a
chave?
PATRÍCIA – Deixa de
ser idiota. (Ela levanta-se).
Vasconcelos vai em direção a Patrícia e a puxa por sua cintura
para perto de si.
CAP. VASCONCELOS – Parece que
tem alguém aqui que não está de bom humor hoje. Aconteceu alguma coisa?
PATRÍCA – Eu pedi
demissão do jornal.
CAP VASCONCELOS (SURPRESO) – Mas por
qual motivo?
PATRÍCIA (VAI ATÉ A GELADEIRA) – Eu não
aguento mais ver essa cidade caindo nas desgraças e ninguém está fazendo nada!
Você acredita que aquele cuzão do Marcelo olhou na minha cara e simplesmente se
acovardou diante do que está acontecendo?
CAP. VASCONCELOS – Eu ainda
estou tentando entender, Patrícia...
PATRÍCIA – Diego, eu
estou sendo o mais esperançosa possível, você sabe que essa cidade está tomada
por milicianos e bicheiros, mas não dá para aceitar tudo.
CAP. VASCONCELOS – Porra,
Patrícia. Eu te amo, mas preciso que você entenda que o sistema é difícil de
ser batido. Luto todos os dias para que essa merda não estoure. Sabe quantos
atentados tivemos só hoje de pessoas que sabem o mínimo? SETE!
PATRÍCIA (RESPIRA) – E o que o
B.O.P.E está fazendo para combater isso?
CAP. VASCONCELOS – Estamos
lutando, mas não dá pra prender e ver que o caralho da justiça brasileira vai
lá e solta o bando de filha da puta.
PATRÍCIA – Muita
coisa não faz sentido, não faz mesmo.
CAP. VASCONCELOS – Vem cá.
Capitão Vasconcelos puxa Patrícia para próximo dele novamente e
a beija lentamente
CENA 10. COMPLEXO DO DESALENTO. ONG. EXT. – DIA.
SONOPLASTIA ON: DANDARA – NINA OLIVEIRA
A ONG tem uma fachada colorida e com uma faixa “O SEU FILHO PODE
SER O PRÓXIMO. DIGA NÃO AS ARMAS”. Há uma intensa movimentação de senhoras em
frente. Uma mulher negra (45) alta vai entregando a cada mulher que está na
fila cestas básicas.
DANDARA (Sorriso no rosto) – Calma,
gente. Não precisa empurrar ninguém, tem cesta básica pra todo mundo, tá?
A movimentação continua.
CENA 11. COMPLEXO DO DESALENTO. ONG. SALA. INT. DIA
Dandara senta-se em uma cadeira e abre uma gaveta do armário ao
lado de sua escrivaninha. A porta abre.
JHONATAN – Posso
entrar?
DANDARA – Mas é
claro. Entre.
JHONATAN (SENTA-SE) – Eu vi que
teve uma verdadeira muvuca hoje aqui na porta da ONG, né?
DANDARA – Nem me
fale. Desde que os homens do Jaguar foram até o centro espírita e mandaram
fechar, a ONG tem sido um refúgio para essas mulheres, maioria esmagadora são
mães que não tem condição alguma para manter os filhos.
JHONATAN – Espera, os
homens do Jaguar mandaram fechar o centro espírita do Alberto?
DANDARA (Triste) – É,
mandaram. A intolerância religiosa reina por aqui quando se tem dinheiro
envolvido.
JHONATAN – Mas você
vai fazer alguma coisa?
DANDARA – O que eu
poderia fazer, Jhonatan? Se eu subir o morro pra tratar desse assunto é capaz
que eu nem volte. Prefiro guardar minhas fichas para o Jaguar para um outro
momento.
JHONATAN – Bom, eu
concordo... Mas espero que não tenha bagunça hoje.
Dandara vai até um armário verde no outro lado da sala e abre
uma gaveta e encontra uma pasta amarela.
DANDARA – Mas o que
tem hoje?
JHONATAN – Hoje é o
baile da Boladona. O Morro da Mangueira vai ferver!
DANDARA (Olha os papéis) – Jhonatan,
você sabe se o vereador Ulisses fez a transferência do valor combinado?
JHONATAN – Bom, pelo
que eu fiquei sabendo, ele só disse que iria fazer, mas nunca mais tocou no
assunto.
DANDARA – Que
canalha...
Dandara olha fixamente para os papéis furiosa. Ela pega sua bolsa
que está ao lado e sai furiosa pela porta.
CENA 11. BATALHÃO DO BOPE. QUADRA. INT. DIA.
IDEOLOGIA – CAZUZA.
Há uma intensa movimentação de soldados do BOPE fazendo flexão.
O Sol adentra toda a quadra. Uma fileira de cinquenta homens faz o exercício,
enquanto o Major Ramalho (50) passa por eles.
MAJ. RAMALHO (GRITA) – Parece que
as bonequinhas estão realmente cansadas. Não esperava que fossem tão fracas a
esse ponto. Querem desistir?
SOLDADOS (CORO) – NÃO,
SENHOR!
MAJ. RAMALHO (GRITA) – O primeiro
a desistir vai ter que comer os restos das comidas do pelotão, estão ouvindo?
SOLDADOS (CORO) – SIM,
SENHOR.
Capitão Vasconcelos adentra a quadra e bate continência para o
Major Ramalho.
CAP. VASCONCELOS – Major,
sinto muito atrapalhar o treino dos soldados, mas preciso falar sobre a
operação.
MAJ. RAMALHO – Alguma
dúvida?
CAP. VASCONCELOS – Sim. Por
que somente seis homens irão cobrir o baile de hoje?
MAJ. RAMALHO – Porque
confio no seu trabalho, capitão, aliás, posso te garantir que confio de olhos
fechados. Sei que a quantidade é necessária e sabemos que alguma coisa vai
feder nesse baile hoje.
CAP. VASCONCELOS – Mas
justamente por sabermos que vai feder, precisaríamos de mais pessoas na
operação.
MAJ. RAMALHO – Seu
raciocínio hoje está lento, capitão. Espero que não esteja desperdiçando seu
tempo de sono. A ‘coisa’ vai feder hoje, porque os policiais civis, com certeza
irão fazer uma merda e precisarão cobrir.
Capitão Vasconcelos bate continência em retirada. Close no rosto
do Major Ramalho preocupado.
CENA 12. COMPLEXO DO DESALENTO. BAR DA GEANE. INT.
DIA.
Um bar nas cores verde e rosa. Está com pouco movimentado,
apenas dois homens jogando sinuca. Geane (55) aparece detrás do balcão e
caminha pelo bar.
GEANE – Espero que
vocês estejam pagando as fichas do sinuca, viu? Não quero marmanjo passando
perna em mim não.
Ela sorri e vai para frente do bar e fica olhando o movimento da
rua. Solange, uma mulher de 50 anos aparece ofegante.
GEANE – O que foi,
mulher? Até parece que viu uma assombração.
SOLANGE – Não está
sabendo ainda? Roda os boatos por aí que o Hércules vai subir o morro hoje.
GEANE (ENGOLE SECO) – O quê? O
Hércules?
SOLANGE – Sim!
Nossa, tô toda arrepiada só de imaginar ele por aqui novamente.
GEANE – Mas esse
cretino não tinha pegado vinte e tantos anos de cadeia?
SOLANGE – Ele fugiu
né, Geane?! Os capangas dele já passaram a ordem para fechar tudo antes das
18h, não querem ver ninguém fora de casa.
GEANE – Mas é
muito cinismo mesmo, né? Quero só ver se ele vai ter coragem de fechar o meu
bar. Ele tá pensando que é quem? Meu bar fica aberto.
Nesse momento, ao fundo, homens sem camisa e fortemente armados
passam com armamento pesado. Pessoas ao redor olham com apreensão.
GEANE – Ainda tem
quem ache bonito uma coisa dessas. Que Ogum nos proteja.
CENA 13. MANSÃO AGOSTINI. JARDIM. DIA.
Ísis (55) está sentada em um banco colhendo algumas rosas e
colocando em um cesto que está ao seu lado. Um rapaz (33) aparece e dá um beijo
em sua cabeça.
ÍSIS (SURPRESA) – Miguel!
Meu filho, eu nem percebi você chegando.
MIGUEL – Acabei de
chegar, não se preocupe, não estava te observando. O que está fazendo?
ÍSIS – Estou
tirando algumas rosas para fazer o buquê do casamento da sua irmã. Ela fez
questão que todas as rosas do buquê fossem do nosso jardim.
MIGUEL – Os
preparativos estão adiantados? Porque a última vez que eu a vi, ela estava
completamente surtada.
ÍSIS – Dê um
tempo para sua irmã. A Alice é perfeccionista, nada mais do que justo dela
querer que saia do jeito dela.
MIGUEL – Ela
precisa de terapia, isso sim. Bom, vou nessa, ainda tenho que passar na
delegacia.
ÍSIS – Tudo bem,
Miguel. Cuidado.
Miguel assente e sai. Ísis segura uma rosa vermelha e a deixa
cair. Ela fica pensativa e sua expressão é de preocupação e angústia.
CENA 14. COMPLEXO DO DESALENTO. CENTRO ESPÍRITA.
INT. DIA.
Dandara está sentada no salão principal em uma cadeira verde.
Ela observa tudo ao redor. O silêncio toma conta do local, até que um homem
alto (60) adentra o local e vai em sua direção. Eles se cumprimentam.
ALBERTO – Dandara!
Não estava esperando por sua visita. Em que posso ajudar?
DANDARA – Senhor
Alberto, eu...
ALBERTO (INTERROMPE) – Por favor,
somente Alberto. Não vamos nos tratar com tanta formalidade.
DANDARA – Ah, me
desculpe. O motivo da minha visita é que fiquei sabendo que o Jaguar mandou
fechar o centro e quero reverter essa situação.
ALBERTO – Vamos
combinar que o centro não está fechado. Ainda estamos atendendo as pessoas,
principalmente as mais carentes que chegam até aqui, mas muitas delas tem medo
dos homens do Jaguar verem.
DANDARA – E eles
estão certos, não sei o que o Jaguar pode fazer se descobrir isso. É
justamente, por isso que eu vim até aqui. Quero subir o morro e falar com o
Jaguar.
ALBERTO (NEGA) – Não,
Dandara! Você não pode fazer isso! Ele é muito perigoso e se você for, eu vou
também.
DANDARA – Não se
preocupe, Alberto, eu prometo que vou fazer com que o centro seja reaberto,
afinal várias pessoas precisam daqui e não tenho medo do Jaguar, nós crescemos
juntos, sei muito bem com que peça estou lidando.
Alberto levanta-se da cadeira e põe a mão na testa e sorri.
ALBERTO – Não vou
conseguir mudar sua opinião, não é?
DANDARA – Não! Eu
vim até aqui não para pedir sua permissão, mas para avisar que o centro será
reaberto.
Dandara levanta-se e Alberto aperta sua mão.
ALBERTO – Muito
obrigado! Você não sabe o quanto isso é importante para diversas famílias,
Dandara.
Dandara sorri, assente com a cabeça e sai.
CENA 15. COMPLEXO DO DESALENTO. CASEBRE. INT. DIA.
Jaguar está sentado à mesa fumando um cigarro, um homem armado
com um fuzil abre a porta do casebre e vai em direção a ele.
PIABA – E aí,
chefe. Tá tudo preparado para o Boladona de hoje. Já fiquei sabendo que os homi
vão aparecer lá no baile.
JAQUAR – Eu tô
ligado, mas papo reto, eles não vão fazer nada. Tamo no nosso território e quem
manda somos nós.
PIABA – O Hércules
tá vindo também, se eles tentarem fazer alguma bagunça, o Hércules não vai ter
pena não, vai sentar a bala na cabeça deles.
JAGUAR – Ele não
vai fazer porra nenhuma. Já basta a notícia dos jornais com o massacre de hoje,
fiz uma bagunça e tenho que arrumar agora, precisamos de um pouco de paz, morô?
PIABA – Fica
tranquilo, chefe. Vou pedir para os manos cobrirem o Hércules.
JAGUAR – Acho bom!
Quero saber mais de bagunça na minha favela não.
PIABA – Chefe, com
o Hércules voltando, ele não vai chiar não?
JAGUAR – Ele faça o
que quiser, mas quem manda nessa porra toda sou eu!
Jaguar pega um canivete e enfia na mesa. Seus olhos são de fúria
JAGUAR – Avise pra
geral que o dono do Desalento se chama JAGUAR!
CENA 16. DELEGACIA. ESCRITÓRIO. INT. DIA.
Miguel está em pé olhando através da janela. A porta abre e uma
mulher (30) entra e senta-se na cadeira, fazendo com que ele vire-se pra ela.
MIGUEL – Olha só
quem apareceu, pensei que tivesse esquecido do seu trabalho.
SAMIRA – Sentiu
minha falta? Achei que esse coração de pedra não esboçava sentimentos por
ninguém.
MIGUEL – Inspetora,
vamos ser sinceros, nem se eu estivesse à beira da morte, eu demonstraria
qualquer afeto por você.
SAMIRA – Ai! Que
rude. Do jeitinho que eu gosto.
Miguel vai até as janelas do escritório e fecha a persiana. O
ambiente fica com pouca luz e ele ascende no interruptor.
MIGUEL – Tem alguma
coisa pra mim?
SAMIRA – Tenho sim.
Hoje vai ter o baile no Desalento e alguns policiais estarão lá, mas fiquei
sabendo que o BOPE também vai, precisamos estar atentos para que não aconteça
nada, sabe muito bem que o BOPE sempre deixa bagunça.
MIGUEL – Eu sei...
Agora estou preocupado, a probabilidade de dar uma merda é muito grande.
SAMIRA – O que
vamos fazer?
MIGUEL – Não fale
nada com ninguém, as chances de um dos nossos explanar a operação para os
traficantes do Desalento são grandes.
SAMIRA – Você acha
que tem traíra aqui?
MIGUEL – Nunca tive
dúvidas disso, principalmente depois da operação no inicio do mês quando teve
aquela chacina na Rocinha.
SAMIRA – E espero
que já esteja sabendo que os bandidos que fugiram do presídio vão todos para o
Desalento.
MIGUEL (PENSATIVO)- É, eu sei.
CORTA PARA:
CENA 17. COMPLEXO DO DESALENTO. CASEBRE. INT. DIA.
Jaguar está deitado no sofá. Piaba com o fuzil entra na sala.
PIABA – Chefe, tem
uma moça aí querendo falar contigo.
JAGUAR – E quem é?
PIABA – Aquela
moça da parada lá das ONG.
JAGUAR (SURPRESO) – A Dandara?
Mande ela entrar.
Piaba assente e sai. Dandara entra e fecha a porta com cuidado. Jaguar
em um rompante levanta.
JAGUAR – Qual foi,
Dandara? A que devo a honra da sua visita no meu cafofo?
DANDARA – Eu preciso
falar com você.
JAGUAR – Já tá
falando, princesa. O que manda? Como tá a Dona Açucena?
DANDARA – Ela está
bem... Jaguar, vou ser direta. Preciso que você reabra o Centro Espírita do
Alberto.
JAGUAR (BALANÇA A CABEÇA) – Ih,
sabia que desse papo ia vir coisa chata. Isso aí não posso fazer, tá ligada? A
igreja nova que entrou pagou e o pastor pediu para que não tivesse nada de
concorrência.
DANDARA – O Pastor deve ser seu
amigo, né? Não faz o menor sentido pra mim. Jaguar, eu preciso que você reabra
o centro. Tem pessoas passando fome e a ONG não tem dinheiro para ficar
alimentando tantas famílias assim. O centro era o único lugar onde essas
pessoas podiam ter algum tipo de assistência.
JAGUAR – Não adianta, Dandara. Já
tá decidido. Só se o mano lá dos espíritos quiser pagar mais, daí posso pensar
no caso dele.
DANDARA – A Igreja é laranja, né?
JAGUAR – Que papo de laranja é
esse? O que você tá dizendo?
DANDARA – Você precisa da Igreja,
não sei por qual motivo, mas sei que o dinheiro não é o único motivo, né?
JAGUAR – Tá insinuando o que,
Dandara?
DANDARA – Nada, mas estou tentando
ser civilizada. Jaguar, por favor, eu nunca te pedi nada, pense em todas as
famílias que estão passando por necessidade nesse momento, por favor.
Jaguar pega um copo e joga na parede.
JAGUAR (GRITA) – É melhor tu ficar
esperta e tomar cuidado com o que pede e fala. Acha que eu não sei onde tá a
cova do seu pai? Pra eu te mandar pra lá só preciso de uma bala no meio da tua
testa.
DANDARA – Se você acha que eu tenho
medo de você, Jaguar, está enganado. Ou você abre o centro, ou...
JAGUAR (FÚRIA) – Ou o quê?
DANDARA – Faço uma denúncia formal
a polícia que você e o seu bando estão escondendo os fuzis e outras armas na
igreja.
Jaguar grita. Ele vai em direção a mesa, pega a cadeira e joga
na parede. Seu olhar está em fúria.
JAGUAR – Você está me ameaçando,
Dandara?
DANDARA – Encare como quiser, mas
meu recado está dado. Não tenho medo de você e tampouco dos seus capangas, eu
vim pedir educadamente, mas a sua linguagem é essa, uma pena, porque por um
tempo eu tive pena de você, o menino que cresceu comigo se tornou isso aí...
Amanhã o Alberto já irá começar abrir o centro.
Dandara respira, abre a porta da sala e sai. Jaguar passa a mão
na cabeça e começa a esmurrar a parede.
CORTA PARA:
CENA 18. RUAS DO RIO DE JANEIRO. EXT. NOITE.
Patrícia está dentro do seu carro esperando o sinal abrir. Ela
olha pela janela um rapaz fazendo malabarismo. Um carro para ao lado do seu, os
vidros do veículo baixam e armas são postas para fora e disparam tiros contra o
carro de Patrícia que abaixa. Pessoas correm ao ouvir o barulho dos disparos.
PATRÍCIA (GRITA) – QUE PORRA
É ESSA?
Os disparos continuam e cessam e ouve-se o carro cortando pneu.
Alguns curiosos aparecem. Ela abre a porta do carro atordoada e cai no chão
assustada. Patrícia tira o telefone do bolso e liga para Vasconcelos.
PATRÍCIA (TEL.) – TENTARAM
ME MATAR.
CORTA PARA:
CENA 19. RUA DESERTA. EXT. NOITE.
A rua está com pouca luz. Um carro para no canteiro e os faróis
iluminam. Um outro veículo chega e estaciona no canteiro também. Um homem (40)
desce do carro e outros três homens do outro carro também saem.
RENATO – Como foi? Deu pra dar um sustinho na piranha?
HOMEM 1 – Deu sim. Ela deve ter se borrado toda. O marido dela com toda certeza vai receber o recado.
RENATO – Muito corajoso da parte de vocês terem aceitado o trabalho, mesmo sabendo que ela é esposa de um soldado do BOPE.
HOMEM 2 – Vamos cortar esse papo, deputado, nós queremos a grana, cadê?
RENATO – Sinto que vocês são um pouco ansiosos, mas esperem, eu vou pegar.
Renato vai até o porta-malas, abre e puxa um revólver e atira a
sangue frio nos três que não tem tempo para reagir. Ele se aproxima dos corpos
e cospe na cara de um dos homens.
RENATO – Tão burros.
Neste momento, uma mulher desce do carro e vai em direção ao
deputado.
SAMIRA – Não acredito que você não deixou nenhum pra mim.
Ela sorri diante da cena.
FADE OUT
FIM DO CAPÍTULO 1
Obrigado pelo seu comentário!