INFERNO
URBANO – CAPÍTULO 02
CENA 01. DELEGACIA. SALA. INT. NOITE.
Patrícia está sentada em uma cadeira, enquanto olha para a
parede branca. Ela mexe os dedos e respira fundo. A porta é escancarada por
Capitão Vasconcelos que vai ao seu encontro e a beija.
CAP. VASCONCELOS – Você tá
bem? Tem certeza?
PATRÍCIA – Eu estou
melhor agora, apenas estarrecida com o que aconteceu.
CAP. VASCONCELOS (GRITA) – Filhos da
puta!
Ele vai até a parede e esmurra. Patrícia vai em sua direção e o
abraça.
PATRÍCIA – Eu estou
bem, não precisa ficar assim. Eles não queriam me matar, afinal de contas.
CAP. VASCONCELOS – Como você
pode ter tanta certeza disso, Patrícia? Bandido não atira pra matar.
PATRÍCIA – Exatamente.
Não foram bandidos comuns, foram matadores de aluguel. Se eles quisessem
realmente me matar, teriam atirado em todo carro, mas eles só atiraram na parte
detrás do carro.
CAP. VASCONCELOS – O quê?
PATRÍCIA – Também
fiquei confusa quando fiquei sabendo. Eles só queriam me dar um susto, mas não
tem motivos, o único motivo para me darem esse sossega é apenas por eu ser sua
esposa.
CAP. VASCONCELOS – Milicianos
filhos da puta.
PATRÍCIA – Você acha?
CAP. VASCONCELOS – Não tenha
dúvidas. Me escute, você vai prestar o depoimento, tudo certinho, eu vou
precisar ir para uma operação daqui a pouco, enquanto isso, você não sai daqui,
entendido?
PATRÍCIA – Você tem
certeza que precisa ir nessa operação?
CAP. VASCONCELOS – Sim, eu
preciso. Tenho certeza que os PMs vão fazer alguma merda.
Vasconcelos beija a testa de Patrícia que segura forte sua
camisa.
PATRÍCIA – Eu te amo.
CORTA PARA:
CENA 02. COMPLEXO DO DESALENTO. CASA. SALA. INT.
NOITE.
Açucena está assistindo televisão, enquanto Dandara verifica uns
papéis sentada à uma mesa que está perto do sofá.
AÇUCENA – Fiquei
sabendo que o Alberto vai reabrir o Centro. Isso é bom.
DANDARA – Sim, eu fui falar com o
Jaguar, mãe.
AÇUCENA (ASSUSTADA) – Como é,
Dandara?
DANDARA – Não sei o motivo do
espanto, mãe. Eu precisava intervir. A senhora sabe muito bem que o Jaguar está
querendo tomar conta da favela e alguém precisa pará-lo.
AÇUCENA – E você não é essa pessoa,
minha filha. Já acho arriscado esse seu trabalho na ONG, falando das coisas que
acontecem no Desalento. Isso é trabalho da polícia!
DANDARA (DEBOCHA) – Da polícia,
mãe? Você acha mesmo que eles irão subir no Desalento para proteger as famílias
que estão aqui? Boa parte deles são coniventes do que acontece no complexo. Já
cansei de ver PMs subindo a favela e voltando com o sorriso de canto a outro,
porque receberam propina dos traficantes.
AÇUCENA – Mas mexer com isso é
perigoso, Dandara.
DANDARA – Não tenho medo de
traficante, mãe. Tenho medo dos que moram lá embaixo, lá na cidade, porque eles
são o real problema.
AÇUCENA – O que você falou para o
Jaguar?
DANDARA – Eu pedi para que o centro
fosse reaberto e ele aceitou, nada demais.
AÇUCENA – Algo que me diz que não
foi só isso, Dandara. Cuidado, por favor, minha filha.
Dandara vai em direção a sua mãe e abraça e dá um beijo em sua
bochecha.
DANDARA – Não precisa se preocupar,
mãe. Estou lutando por cada morador do Desalento.
CORTA PARA:
CENA 03. RIO DE JANEIRO. BAIRRO DE JACAREPAGUÁ.
NOITE.
SONOPLASTIA
ON: MAL DE AMOR – TIM MAIA
As luzes dos postes dão o contraste da vida urbana. Na cena
mostra diversas pessoas caminhando, outras brincando com seus filhos, enquanto
os faróis dos carros tomam conta das avenidas. No alto, o contorno das
montanhas entra em contraste com a luz da noite.
CORTA PARA:
CENA 04. APARTAMENTO DE LUXO. SALA DE JANTAR. INT.
NOITE.
Há seis pessoas sentadas à mesa. Elas jantam tranquilamente.
MILTON – Olha só, não quero ver
ninguém chegando tarde em casa, viu? Os seguranças vão estar com vocês, então,
nada de gracinhas.
CARMEM – Isso mesmo. Ouçam o pai de
vocês.
GUTO – Não esquenta, mãe. Nós só
vamos para ver um pouco do baile, mas juro que voltaremos logo.
MILTON – Acho bom mesmo. Se
perguntarem qualquer coisa, não digam o sobrenome de vocês, inventem, mas nunca
fale o nome da nossa família, tranquilo?
CACAU – Pai, ninguém vai fazer nada
contra a gente, tá? Fica tranquilo, por favor. O carro é blindado e os
seguranças vão estar com a gente.
PITAYA – Falando nisso, já estamos
atrasados.
Os três se levantam e se despedem dos pais.
AUZIRA – Esses meninos de hoje não
tem jeito, né? Sair de casa para ir atrás de um baile funk?
CARMEM – Ah, Dona Auzira, mas
sabemos bem que seu filho também não era flor que se cheire, hein? Eu vivia
correndo atrás dele no barracão da União da Ilha.
MILTON – Mas que porra, sobrou pra
mim?
AUZIRA – E você acha que eu não
conheço essa criatura?
Carmem sente uma tontura e seu corpo pende para o lado, mas
Milton levanta-se rápido e fica ao seu lado.
MILTON (PREOCUPADO) – Tá tudo bem,
princesa?
CARMEM (PASSANDO A MÃO NO PEITO) – Não sei, uma angústia no
peito, não sei explicar. Milton, por favor, não deixa nada acontecer com os
nossos filhos.
MILTON – Não vai acontecer nada, tá
bem? Os meninos estão muito bem protegidos.
Milton beija a testa de Carmem que o abraça fortemente.
ABERTURA
CENA 05. COMPLEXO DO DESALENTO. EXT. NOITE
Dois carros da polícia militar andam pelas ruas do Complexo.
Moradores olham e cochicham entre si. Os policiais param o veículo e descem.
PEDRO – Temos que fazer o máximo
possível para não entrar em confronto com ninguém, beleza?
Os outros policias assentem.
XAVIER – O que fazemos agora?
PEDRO – Vamos descer para o baile.
Nada de levantar a arma para ninguém, eles vão estar armados com armamento
pesado, então, não quero policial meu levando tiro de fuzil, entendidos?
POLICIAIS (CORO) – Sim, senhor!
Um barulho de som é ouvido ao norte do Complexo do Desalento.
Alguns jovens passam pelos policiais.
XAVIER – Já sabemos pra onde ir.
CORTA PARA:
CENA 06. COMPLEXO DO DESALENTO. BAR DA GEANE. EXT.
NOITE.
Geane observa os policiais subindo a ladeira e balança a cabeça
negativamente.
GEANE – Vê se pode, Solange, os
policiais resolveram baixar aqui bem no dia que tem baile. Pode ter certeza que
isso não vai prestar.
Solange com um copo de cerveja na mão, observa os policiais.
SOLANGE – Mas vai ver que eles só
vieram para conferir se tá tudo certinho, precisa ter medo não.
GEANE – Não estou com medo.
Decretaram o toque de recolher, mas ninguém respeitou, sabe por quê? Porque
essa comunidade virou uma verdadeira zona.
SOLANGE – Eu tô com medo, não vou
mentir. O Jaguar vai surtar quando ficar sabendo que ninguém respeitou o toque
de recolher.
GEANE – Mas veja só que bandido
burro. Como que eles decretam toque de recolher, sendo que hoje tem baile?
Olha, é cada coisa, hein?
Uma Hilux preta se aproxima em velocidade amena. Há em torno de
cinco homens na carroceria portando metralhadoras e fuzis. Eles passam gritando
e rindo.
GEANE (APREENSIVA) – Solange, vamos
fechar o bar. Tô com um mal pressentimento.
Solange assente e adentra o bar e começa a falar com os
clientes. Geane segura sua corrente com a imagem de Iemanjá.
GEANE – Por favor, Mãe, nos
proteja.
CORTA PARA:
CENA 07. COMPLEXO DO DESALENTO. BAILE. INT. NOITE.
SONOPLASTIA
ON: MC MARCINHO – RAP DO SOLITÁRIO
A música ecoa no ambiente. Pessoas dançando. É possível ver mãos
levantadas no ritmo da música, em contraste, são vistas metralhadoras sendo
estendidas. Pitaya, Cacau e Guto andam de mãos dadas.
PITAYA (GRITA) – Meu Deus,
eu não consigo ver nada direito, a fumaça tá tomando conta.
GUTO (GRITA) – O
importante é começar a sentir a batida da música e tá ótimo.
Guto pega Pitaya e Cacau para dançar. Eles começam a se envolver
com a batida da música. Na parte superior do baile, Jaguar está sentado em um
sofá com duas mulheres e seus capangas ao seu lado.
JAGUAR – Não quero
saber de problema hoje. Já basta aquela vagabunda da Dandara ter atormentado
meu juízo hoje. Tô pra brincadeira não.
PIABA – Calma,
chefe.
JAGUAR – Calma é o
caralho. O primeiro vacilão que buzinar meu ouvido vai levar no meio da testa
pra geral ficar ligado.
Piaba percebe Guto, Pitaya e Cacau no centro da pista do baile.
Ele arregala os olhos.
PIABA (ASSUSTADO) – Chefe, puta que
pariu.
JAGUAR – Qual foi, mermão?
PIABA – Os filhos do Milton estão
aqui.
JAGUAR – Quem porra é “Milton”?
PIABA – Milton, o bicheiro.
Caralho.
JAGUAR (SURPRESO) – E por qual
razão o Milton deixaria os filhos baixarem aqui? Você consegue ver se os
moleques estão com seguranças.
PIABA (OLHA ATENTAMENTE)- Estou
vendo dois homens grandes, provavelmente devem ser os seguranças.
JAGUAR – Menos mal! Faz o seguinte,
não tira olho dos moleques. Não quero que aconteça nada com os filhos dele.
(APRENSIVO)Se algo acontece com os filhos dele, vai todo mundo pra vala.
Jaguar apreensivo continua observando, enquanto a música estala
de fundo.
CORTA PARA:
CENA 08. AVENIDAS DO RIO DE JANEIRO. NOITE.
Três viaturas do BOPE percorrem as avenidas do Rio de Janeiro em
alta velocidade com as sirenes em aviso sua passagem. De dentro de uma das
viaturas, Capitão Vasconcelos olha com ódio para a longa avenida.
CAP. VASCONCELOS – 03, quantos
minutos até chegarmos no Desalento?
SOL. LUÍS – Cerca de dez minutos,
senhor.
CAP. VASCONCELOS – Acelera essa
porra.
O Soldado acelera o carro e começa a passar pelos carros que
estão em sua frente.
CORTA PARA:
CENA 09. DELEGACIA. SALA. INT. NOITE.
O Delegado Miguel está sentado em sua cadeira de couro e olha
para Patrícia que está com uma expressão séria.
MIGUEL – Bom, vamos
começar. Primeiramente, como você está?
PATRÍCIA – Estou
ótima, delegado. Será se podemos pular toda essa parte? Eu preciso dormir.
MIGUEL – Não posso
te liberar sem antes colher o seu depoimento, Patrícia.
Miguel acena para o escrivão que fica apostos.
MIGUEL – Você em
algum momento recebeu alguma ameaça?
PATRÍCIA (REVIRA OS OLHOS) – Delegado,
vou ser sincera com o senhor, tá bem? O que aconteceu hoje não foi um atentado,
mas sim, um verdadeiro susto. Eles não queriam me matar.
MIGUEL – Patrícia,
entendo que esteja furiosa com a situação, mas eu sou o delegado aqui, ou seja,
sou eu quem conduz esse depoimento.
PATRÍCIA – O senhor
sabe que meu marido é capitão do Bope, não sabe? Se der uma olhada no meu
carro, irá ver que ele está cheio de balas, mas não na parte da frente, somente
atrás, logo não foi uma tentativa de assassinato.
Miguel observa Patrícia cautelosamente. Há um silêncio na sala.
MIGUEL – Pode sair.
PATRÍCIA – Obrigada.
Patrícia pega sua bolsa, abre a porta da sala e sai. Miguel está
com o olhar apreensivo.
CORTA PARA:
CENA 10. DELEGACIA. EXT. NOITE.
Patrícia caminha até a rua e olha angustiada para os lados até
que vê um táxi e o chama. Ela entra no veículo.
PATRÍCIA - Boa noite.
Toca para o Desalento, por favor.
TAXISTA - Moça, não
posso subir até o Desalento.
PATRÍCIA (SURPRESA) - O mais
próximo que você conseguir me deixar, está ótimo. Pode cobrar mais caro, não
tem problema.
O taxista olha pelo retrovisor e vê os olhos de Patrícia em
desespero e balança a cabeça em afirmação.
CORTA PARA:
CENA 11. COMPLEXO DO DESALENTO. NOITE.
Policiais continuam subindo o complexo. Eles observam para todos
os lados com cautela. A música vai ficando mais próxima deles.
CORTA PARA:
CENA 12. AVENIDAS DO RIO DE JANEIRO. NOITE.
O carro do BOPE continua cortando caminho pelo meio dos carros.
O suor no rosto do Capitão Vasconcelos é visto. Ele engole seco.
CAP. VASCONCELOS - Mais
rápido, porra!
O veículo ultrapassa um caminhão. É possível ver o complexo do
Desalento no horizonte.
CORTA PARA:
CENA 13. COMPLEXO DO DESALENTO. BAILE. INT. NOITE.
SONOPLASTIA
ON: VERMELHO - MC DALESTE
Pitaya, Guto e Cacau vão em direção ao bar, enquanto a música
fica de fundo.
PITAYA - Não sei vocês, mas tô
achando esse baile uma chatice, hein?
GUTO - Vou ter que concordar com a
Pitaya, Cacau. Pensei que seria coisa de outro mundo, mas não tá legal.
CACAU - Calma, gente. Não é
possível que vocês já querem ir embora, praticamente acabamos de chegar. Vamos
fazer o seguinte, só mais cinco músicas.
GUTO - Depois vamos pra casa, tá?
Não tô sentindo coisa boa.
CACAU - Isso porque você é um
cagão, Guto. Está com medo de quê? Das armas? Você vê isso lá em casa todos os
dias.
PITAYA - Acho que não se trata
disso, Cacau.
GUTO - Só mais cinco músicas e
vamos pra casa.
Cacau assente e ri. Ela vai em direção a pista e começa a dançar
com um homem.
PITAYA (BALANÇANDO A CABEÇA
NEGATIVAMENTE) - Ela não toma jeito. Se deixarmos ela fazer o que quiser, vamos
para o limbo.
Guto continua olhando para a irmã que se diverte na pista.
CORTA PARA:
CENA 14. COMPLEXO DO DESALENTO. BAILE. EXT. NOITE.
Há uma intensa movimentação na entrada do baile. Homens com
fuzis estão na frente fazendo a segurança. Os policiais chegam e vão em direção
aos homens que fazem a guarnição.
MACAXEIRA - Qual foi, patrão? Vocês
não podem entrar lá não.
Pedro que estava atrás do grupo de policiais, atravessa para
falar com os traficantes.
PEDRO - Precisamos entrar. É uma
ordem para verificar se não está acontecendo nada de errado aí dentro.
MACAXEIRA - Não posso deixar vocês
entrarem. O combinado desde sempre é que os homi não passam daqui, tá ligado?
Política da boa convivência, patrão.
Xavier toma a frente e vai em direção a Macaxeira. Eles ficam a
centímetros de distancia.
XAVIER - Nós vamos entrar,
entendeu? Acho bom você colaborar.
Piaba surge preocupado e intervém antes que algo pior aconteça.
PIABA - Posso saber o que tá
acontecendo aqui?
MACAXEIRA - Os homi tão querendo
entrar.
PIABA - O acordo não é esse, vocês
tão ligados, né?
PEDRO - Se não está acontecendo
nada lá dentro, não tem motivos para não permitirem nossa entrada.
PIABA - Beleza. Morô. Mas fiquem
espertos, hein? Não temos medo de atirar em farda cinza não.
PEDRO (CONFRONTA) - Mas deveriam.
Eles se olham e confrontam com o olhar. Pedro e os demais
policiais adentram o baile. Piaba e Macaxeira ficam olhando a entrada deles.
MACAXEIRA - Vai dar merda.
O olhar de Piaba está apreensivo.
CORTA PARA:
CENA 15. COMPLEXO DO DESALENTO. NOITE.
As viaturas do BOPE param na entrada do Complexo. Eles descem do
veículo e colocam suas armas em suas mãos.
CAP. VASCONCELOS - Precisamos
saber a real situação do que está acontecendo aqui hoje.
SOL. LUÍS -
Aparentemente tudo tranquilo. Mas não eram para ter viaturas da polícia aqui?
CAP. VASCONCELOS (REVIRA OS OLHOS)
- PM só faz merda. Vambora.
A equipe de operação do Capitão Vasconcelos acata a ordem e o
seguem. Eles começam a subir o Complexo do Desalento.
CORTA PARA:
CENA 16. COMPLEXO DO DESALENTO. CASA. INT. NOITE.
Dandara está parada em frente a janela da sala. Ela observa o
movimento da rua e vê o BOPE passando e estranha.
DANDARA - Estranho...
AÇUCENA - O quê minha filha?
DANDARA - O BOPE está subindo o Desalento. Isso não é um procedimento padrão. Com certeza vieram
para amedontrar as famílias.
AÇUCENA - Será?
DANDARA - Todas as vezes que o BOPE
sobe o morro, eles acabam deixando rastro de sangue.
Dandara fecha as cortinas da janela e vai em direção a porta.
Ela tenta empurrar um móvel.
AÇUCENA - O que está fazendo?
DANDARA - Sem perguntas, mãe. Me
ajuda aqui, por favor. Algo me diz que o Complexo hoje vai estar em chamas.
Açucena desesperada levanta-se do sofá e vai ajudar Dandara.
Elas conseguem empurrar o móvel até a porta.
CORTA PARA:
CENA 17. COMPLEXO DO DESALENTO. NOITE.
O táxi para na entrada do Complexo do Desalento. Patrícia paga o
taxista e desce do veículo.
TAXISTA - Moça, toma cuidado, por
favor.
PATRÍCIA - Pode deixar. Obrigada!
O taxista assente e dá a ré com o carro e sai cortando pneu.
Patrícia olha a imensidão do Complexo, respira fundo e começa a caminhar.
CORTA PARA:
CENA 18. CASA. QUARTO. INT. NOITE.
O prefeito Lopes está sentado na ponta da cama com a cabeça
baixa. Sua esposa (45) de camisola surge e vai em sua direção. Ela senta-se no
chão ao lado do marido.
LUCÍLIA - O que foi, meu amor?
PREF. LOPES - Lucília, eu vou ter
que renunciar o cargo.
LUCÍLIA (SURPRESA)- Mas que
brincadeira sem graça é essa?
PREF. LOPES (GRITA) - Não é
brincadeira, Lucília! Você tem noção o que aconteceu comigo hoje?
O prefeito Lopes levanta-se e fica desesperado.
PREF. LOPES - Mandaram um crânio
carbonizado em uma caixa pra mim como aviso.
LUCÍLIA (PERPLEXA) - Você tem que
denunciar, Lopes. Isso não pode acontecer! É um crime grave, ainda mais você
sendo o prefeito.
PREF. LOPES - Eles estão tentando
me intimidar de todas as formas, não sei o que fazer mais.
LUCÍLIA - Você acha que é algum
traficante?
PREF. LOPES (RI) - Traficante,
Lucília? Isso é gente poderosa que não aceita que não passei para o lado deles
e nem deixei eles fazerem o que queriam.
LUCÍLIA (VAI EM DIREÇÃO AO MARIDO)-
E o que você vai fazer? Tem certeza que quer desistir?
PREF. LOPES - Meu medo é continuar
e respingar em você ou no Enzo.
Lucília toca no rosto do marido e olha em seus olhos
LUCÍLIA - Não se preocupe com a
gente. O que importa é o exemplo que você vai dar ao seu filho. Ele merece ter
um pai que tenha coragem e enfrente os desafios de perto. Eu entendo que isso
pode ser angustiante agora, mas vamos passar por isso juntos. Não deixe jamais
que o medo vença, entendeu? Vamos ficar bem.
PREF. LOPES (RESPIRA FUNDO) - Não
sei o que eu faria sem você.
LUCÍLIA - Vamos traçar a melhor
estratégia, tá bem?
PREF. LOPES - Vou fazer uma
coletiva de imprensa e vou anunciar o que fizeram comigo, não posso confiar na
polícia, com certeza vai ter gente infiltrada lá e querendo barrar qualquer
tipo de investigação.
LUCÍLIA - Eu tenho muito orgulho de
quem você é, meu amor.
Eles se beijam levemente.
CORTA PARA:
CENA 19. COMPLEXO DO DESALENTO. NOITE.
SONOPLASTIA
ON: HEAVEN AND HELL - BLACK SABBATH
O BOPE começa a entrar em vielas e se camuflar ao local. Eles
analisam tudo com cautela. O Capitão Vasconcelos toma a frente e faz um gesto
para os soldados seguirem.
Eles sobem uma escadaria que dá acesso para um pequeno parque.
No local, há três homens armados com metralhadoras sentados em um banco
cheirando pó.
Capitão Vasconcelos faz um sinal com a mão e em contagem
regressiva eles vão para cima dos homens. Eles atiram em dois e deixam apenas
um vivo que se jogou no chão.
CAP. VASCONCELOS (GRITA) - Perdeu,
filho da puta. Se reagir vou dar um tiro de doze no meio da sua testa, seu
arrombado.
O homem protege a cabeça com os dois braços.
Capitão Vasconcelos puxa o homem pela blusa e o coloca
ajoelhado.
CAP. VASCONCELOS - Quem fornece
essa merda para vocês? (APONTA PARA A COCAÍNA)
HOMEM - Eu só arrumei, chefe.
CAP. VASCONCELOS (DEBOCHA)- Só
arrumou? Então das duas uma, ou você é o traficante dono do morro, ou você
trabalha pra alguém, quem é o seu chefe?
HOMEM - Sei de nada não, chefe.
O Capitão Vasconcelos dá um tapa na cara do homem que o olha.
CAP. VASCONCELOS - Coloca ele no
saco.
O soldado Luís pega um saco plástico no bolso e coloca na cabeça
do homem. Eles começam a asfixiar.
CAP. VASCONCELOS (GRITA) - Se tiver
culhão de verdade, vai me falar agora quem é o filho da puta que tá financiando
toda essa merda.
Os soldados do BOPE apertam o saco fortemente. Sangue começa a
escorrer da boca do homem. Eles tiram e o traficante dá uma respirada profunda.
CAP. VASCONCELOS - Vai me dizer, ou
vai precisar que eu enfie aquele cabo de vassoura em você?
O homem assustado, respira de forma ofegante e puxa forças para
falar algo.
HOMEM (OFEGANTE) - É... É o
Jaguar... Ele está no baile.
CAP. VASCONCELOS - É assim que eu
gosto. Levem ele.
CORTA PARA:
CENA 20. AEROPORTO INTERNACIONAL DO RIO DE JANEIRO.
INT. NOITE.
SONOPLASTIA
ON: BRASIL – GAL COSTA
Há movimentação de pessoas com malas. Uma mulher branca (60)
está trajada com uma roupa elegante e uma bolsa ao seu lado. Seu olhar é
penetrante. Ela vai de encontro com um homem de terno que segura uma placa
“VICTORIA AGOSTINI
FELÍCIO – Senhora
Victoria, a sua irmã pediu para que eu viesse te buscar.
VICTORIA (REVIRA OS OLHOS) – Ainda bem.
Não posso nem imaginar em botar meus pés em um táxi no Rio de Janeiro, tenho amor a minha
vida, afinal não se pode confiar em qualquer um, né? Vai que um desses
motoristas é aliado ao tráfico e resolve me sequestrar. Nossa, mas eu morro se
eu pisar meus pés em uma favela. (ELA SUSPIRA) Sabia que lá nos Estados Unidos
sempre tem noticias falando sobre sequestros relâmpagos aqui no Brasil? (ELA RI
EM DEBOCHE) Não sei como vocês chamam essa cidade de maravilhosa.
FELÍCIO (T) - Vou pegar as suas
malas para irmos.
Victoria não responde e Felício pega as malas. Ela olha em
direção a um banner que está escrito “RIO DE JANEIRO 40 GRAUS”. CLOSE NELE.
CORTA PARA:
CENA 21. MANSÃO AGOSTINI. SALA. INT. NOITE.
Felício abre a porta principal da sala e carrega suas malas.
Isis está sentada em um sofá cor de rosa que ocupa boa parte do ambiente. Atrás
do móvel, há um buffet com algumas garrafas de vinho. Victoria entra e Isis
entusiasmada vai abraça-la.
ISIS (OLHA NOS OLHOS DE VICTORIA) – Minha
irmã! Até que enfim você chegou. Comentei com a Alice e ela desacreditou quando
eu disse que você realmente viria.
VICTORIA – Bom, sua
filha parece ser a única lúcida da história, não é? (RISOS). (T) Nossa, mas
como pode o Rio de Janeiro feder tanto?
Victoria vai até o buffet, pega um copo e uma garrafa de vinho e
serve-se.
ISIS – Felício,
pode subir com as malas da Victoria.
Felício assente e sobe as escadas
com as malas.
ISIS – Mas me conta, como foi a viagem?
VICTORIA (ELA SENTA-SE NO SOFÁ)– Ah, foi um verdadeiro tormento. Acredita que não existia um voo sequer com conexão direta pra cá? Eu tive que parar em Brasília, esperei seis horas no aeroporto, porque parece que realmente nada funciona nesse país, logo em seguida, tive que esperar as minhas malas serem despachadas. Esse país tem um problema grave com entregas.
Isis também senta-se no sofá e
observa a irmã.
VICTORIA – Você tem
que agradecer muito a sua filha por eu ter vindo, se não fosse esse bendito
casamento... (RESPIRA FUNDO) Ai, nem sei. Estou cansada e só quero tomar um bom
banho quente e quem sabe ficar bêbada com um bom copo de vinho francês.
ISIS – O seu
quarto já está preparado. Pedi que a camareira fosse cuidadosa.
VICTORIA (RECLAMA) – Como pode
o Rio de Janeiro ter tanto turista, né? Cada lugar aqui fede a lixo, a pobre,
nossa, realmente insustentável, Isis. Você deveria vir morar comigo no
Hamptons, se bem que agora, parece que a gentalha dos Estados Unidos resolveu
achar que tem dinheiro e começaram a alugar hotéis perto. Qualquer dia, eu me
mudo. Enfim, vou dormir.
Isis ri e Victoria beija a testa da irmã e coloca o copo do
drink no porta-copos em cima da mesa de centro. Ela começa a subir as escadas e
Felício desce.
CORTA PARA:
CENA 22. COMPLEXO DO DESALENTO. BAILE. INT. NOITE.
Os policiais observam tudo com cautela. A música estala cada vez
mais. Os fuzis anteriormente levantados, agora não aparecem. Jaguar de cima
observa tudo.
JAGUAR – Se esses filhos da puta
pensam que vão fazer o que querem na minha favela, estão enganados.
Jaguar dispara tiros e os policiais se armam prontamente. As
pessoas começam a correr em direção a porta. Pedro observa o traficante que o
olha de cima furioso.
PEDRO (GRITA PARA OS POLICIAIS) –
Baixem as armas.
Os policiais assentem.
CENA 23. COMPLEXO DO DESALENTO. BECOS. NOITE.
O BOPE continua subindo os becos. Eles estão fortemente armados.
Há uma tensão no ar. Capitão Vasconcelos está com um Fuzil T4 em mãos. O suor
desce de sua testa. Ele ouve alguns gritos e vai em direção ao som.
CAP. VASCONCELOS (GRITA) – VAMBORA,
PORRA!
CENA 24. COMPLEXO DO DESALENTO. CASA. INT. NOITE.
Dandara está com um terço em mãos e faz uma oração. Açucena está
de joelhos também em oração.
DANDARA(PREOCUPADA) – Mãe, eu
sinto que vai ter muito sangue derramado no complexo.
AÇUCENA – Minha
filha, vamos orar para Deus e pedir a ele que proteja essa favela hoje.
Dandara vai em direção a janela e observa o movimento. Seu olhar
é de aflição e apreensão.
CENA 25. COMPLEXO DO DESALENTO. BAILE. INT. NOITE.
O local está um caos. Há gritos e pessoas tentando sair, mas a
porta é pequena. Há pessoas caídas no chão. Pedro sobe até o andar de cima e
fica cara a cara com Jaguar.
JAGUAR – Quem é tu
pra entrar no meu baile e amedrontar o povo de bem?
PEDRO – Povo de
bem? Esses favelados aqui todos estão no lugar errado. Acha mesmo que são povo
de bem?
JAGUAR – Já vi que
o mauricinho metido a policial se acha especial, né? Cê pensa que é quem? (SE
APROXIMA DE PEDRO) Você não passa de uma carniça que acha que é bom em algo,
mas na verdade, eu mando em você, meu parceiro.
PEDRO (RI ALTO) – Escute bem
o que eu vou dizer, pode anotar, eu vou dar um tiro bem no meio da sua testa,
vai ser de doze que é para ninguém reconhecer...
Um tiro é disparado. Jaguar arregala os olhos. Close em Hércules
que está segurando um revólver. Ele sorri de canto de boca.
HÉRCULES (GRITA) – VOLTEI, CARALHO!
A imagem congela no rosto de Hércules
FIM DO CAPÍTULO 02
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