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INFERNO URBANO - CAPÍTULO 03

 


WEB-NOVELA

CAPÍTULO #003

ESCRITA POR:

WANDERSON ALBUQUERQUE

CENA 01. COMPLEXO DO DESALENTO. BAILE. INT. NOITE.

Os traficantes olham a poça de sangue que se forma em volta deles. Hércules está com um olhar de ódio e satisfação. Pedro observa com cautela e segura o cinto da arma.

HÉRCULES – Pode baixar essa porra aí. Vai ter merda nenhuma contigo não... Claro, só se você se meter no caminho.

PEDRO – Eu posso te dar voz de prisão aqui mesmo.

HÉRCULES (FÚRIA) – Mas não, tá ligado? Tu não vai querer que sua cabeça esteja na minha estante, morô?

Jaguar continua olhando apavorado para o corpo de Jaguar. O sangue agora começa a pingar na parte debaixo.

HÉRCULES – O chefe do complexo sou eu. Hércules! Fale lá para seus bonequinhos que se eles tentarem fazer alguma coisa, vai rolar tiro na cabeça de cada um.

Pedro sai correndo imediatamente. Ele desce as escadas e vai de encontro com os outros policiais que o esperam.

PEDRO (PARA OS POLICIAIS) – Quando eu disser três, vocês atiram na direção do camarote e saem correndo pela esquerda (ELE APONTA). Ali tem a saída pelo fundo, então, eles só vão conseguir atirar de volta se descerem as escadas. Certo?

Os policiais assentem. Tensão no ar. As expressões são de apreensão.

PEDRO – Um... dois... três. AGORA!

Os policiais disparam em direção ao camarote no qual Hércules e o restante dos traficantes estão. Os traficantes caem no chão para se protegerem, enquanto os policiais correm.

HÉRCULES (GRITA) – Filhos da PUTA!

CORTA PARA:

CENA 02. COMPLEXO DO DESALENTO.EXT. NOITE.

Os policiais correm em direção a um poste que está a alguns metros de distância. É escuro e a visão deles é totalmente parcial. A porta se abrindo é ouvida atrás deles. Tiros são disparados em suas direções.

XAVIER – FODEU, CARALHO.

Pedro está apreensivo e os tiros continuam.

CORTA PARA:

CENA 03. COMPLEXO DO DESALENTO.EXT. NOITE.

Patrícia paga um vendedor de água. Ela abre a garrafa e dá um gole. Ela se assusta ao ouvir tiros ao lado leste. Pessoas correndo apavoradas surgem. Algumas caem. O vendedor larga suas coisas e corre.

PATRÍCA (ASSUSTADA) – Mas que raios está acontecendo?

Ela corre. Close na garrafa de água no chão que ela deixa cair.

CORTA PARA:

CENA 04. COMPLEXO DO DESALENTO. EXT. NOITE.

O Bope começa a se aproximar ainda mais do barulho dos tiros.

CORTA PARA:

CENA 05. APARTAMENTO. SALA. INT. NOITE.

Renato está próximo ao buffet e pega uma garrafa de whisky e coloca em um copo de vidro. Ele vai em direção a Samira que observa tudo sentada no sofá.

RENATO – Podemos brindar?

SAMIRA – Grande dia, hein?

RENATO – Imagina só... Seria perfeito se o Bope fizesse uma verdadeira varredura naquela favela.

SAMIRA – Deputado Renato, o senhor deveria ser mais compreensível. Está faltando um pouco de amor nesse coração, afinal são seus eleitores.

RENATO – São tudo um bando de encostados. Vivem esperando ação do governo para dar uma migalha. Você tem noção quantos bilhões esse país gasta com políticas assistenciais?

SAMIRA – Isso é verdade, mas nem sempre podemos ter tudo que queremos. Sugiro que já deixe um discurso pronto contra a violência, sobre essa baboseira que vocês amam falar para mostrarem que se importam com o povo.

RENATO – Amanhã mesmo chamo a imprensa para uma coletiva e dou a entrevista do meu gabinete.

Renato vai em direção a varanda do seu apartamento. Lá no horizonte é possível ver as luzes do Complexo do Desalento.

SAMIRA – Amanhã será um grande dia, deputado.

Close no rosto de Renato que sorri. O barulho do relógio de parede na sala ecoa no ambiente.

CORTA PARA:

CENA 06. COMPLEXO DO DESALENTO. BAR DA GEANE. INT. NOITE.

SONOPLASTIA ON: ANGELUS – HARPA DEI

Geane olha fixamente para uma imagem da Virgem Maria que está na parede. As portas do bar estão fechadas. Apenas uma luz que clareia uma parte do ambiente está acesa. Ela ora bem baixinho e sente um arrepio e um frio que a faz levantar-se da cadeira em um rompante.

GEANE (ASSUSTADA) - O que foi isso, Meu Deus?

Sua feição parece séria. Ela olha mais uma vez para a imagem da santa.

GEANE (SÉRIA) - O derramamento de sangue vai começar.

Geane faz o sinal da cruz. O ambiente está em completo silêncio.

CORTA PARA:

CENA 07. COMPLEXO DO DESALENTO. EXT. NOITE.

Os policiais continuam correndo. Um dos oficiais é atingido na cabeça por um tiro de fuzil.

PEDRO - CONTINUEM CORRENDO, CARALHO.

Os policiais olham assustados e ficam em transe. Mais um disparo é ouvido. Pedro continua gritando. Ele e os demais oficiais entram em uma viela e se escondem.

XAVIER (DESESPERADO) – Nós vamos morrer, Pedro.

O olhar de Pedro é de preocupação e medo. Os policiais estão suados e ofegantes.

CORTA PARA:

CENA 08. CENTRO ESPÍRITA. FACHADA. EXT. NOITE.

Tomada rápida.

CENA 09. CENTRO ESPÍRITA. SALÃO. INT. NOITE.

O salão está com pessoas deitadas no chão com expressão de medo. A luz no local é uma cor verde que ilumina boa parte do espaço. Ao fundo, Alberto observa com apreensão e Elizabeth se aproxima dele.

ELIZABETH (APREENSIVA) – O que vamos fazer? Não podemos deixar todas essas pessoas deitadas no chão assim, Alberto.

ALBERTO – Pensei em levá-los para a cozinha. É pequena, mas acho que cabe todo mundo, além de ser bem mais seguro.

ELIZABETH – O senhor quer que eu fale com eles?

ALBERTO – É melhor, Elizabeth. Precisamos salvar o máximo de pessoas que pudermos.

ELIZABETH – Está sabendo de algo, Alberto?

ALBERTO – Não, pior que não. Não me comunicaram de nada, por isso estou tão apreensivo.

Elizabeth olha para Alberto e vê tristeza em seu olhar. Ela coloca a mão em seu ombro.

ELIZABTH – Vai dar tudo certo.

Alberto vai até a mesa que fica no centro do salão e pega uma flor branca que está em um vaso. Ele a observa com cautela.

ALBERTO – Eu sempre amei as flores de cravo branco. Desde sempre foram as minhas favoritas, minha mãe quando trabalhava na fazendo do patrão dela sempre ia no jardim colher para colocar na mesa do jantar. Quando a mesa estava posta era belíssima. Depois de ver aquilo, todos os dias eu ajudava minha mãe a buscar os cravos no jardim.

Alberto cheira o cravo.

CORTA PARA:

CENA 10. COMPLEXO DO DESALENTO. EXT. NOITE.

Os traficantes observam cada canto a procura dos policiais. Hércules dá uma risada que ecoa os becos.

HÉRCULES (GRITA) – CADÊ VOCÊS?

Ele atira diversas vezes para cima.

HÉRCULES (GRITA) – Se vocês não aparecerem vou entrar no primeiro barraco e vou meter tiro.

Pedro observa a cena e bate na cabeça desesperado.

HÉRCULES – Eu vou contar até três. Um... dois... três...

Pedro aparece com as mãos pra cima e vai em direção a Hércules que dá uma gargalhada alta. Os cinco traficantes que o acompanham levantam seus fuzis em direção ao policial.

HÉRCULES – Chegou a hora de tu morrer, seu merda.

Pedro está com o olhar aflito. Ele respira fundo. Ao fundo, são ouvidos tiros.

JAGUAR (GRITA) – CARALHO, HÉRCULES! É O BOPE.

Hércules tem um rompante e olha para trás e observa os oficiais do BOPE descendo o beco.

HÉRCULES (GRITA) – ATIRA NESSES MERDAS (RISADA ALTA).

Os traficantes disparam contra os oficiais do BOPE que revidam. Pedro tenta correr, mas é baleado no braço esquerdo. Ele se esconde atrás em um vão e pressiona contra o ferimento.

CORTA PARA:

CENA 11. COMPLEXO DO DESALENTO. BECOS. EXT. NOITE.

Uma mulher chora ao lado do corpo de um homem que está ensanguentado no chão. Ela grita copiosamente e seu grito é ecoado aos quatro cantos. Mais disparos são ouvidos. Patrícia observa tudo atrás de uma lavanderia. Ela corre em direção a mulher.

PATRÍCIA – Nós precisamos sair daqui.

MULHER (CHORA/GRITA) – NÃO! Não vou sair daqui. Era meu marido! Ele foi assassinado pelos caveiras.

PATRÍCIA – Por favor, senhora, precisamos realmente sair daqui. Olha a quantidade de tiros que estão sendo disparados e parecem ser muito perto daqui. Vamos.

MULHER (CHORA) – NÃO POSSO SAIR DAQUI SEM MEU MARIDO!

PATRÍCIA (CALMA) – Olha, eu prometo que ninguém vai mexer no corpo dele, tá? Mas precisamos sair daqui, caso contrário, seremos as próximas.

Patrícia levanta a mulher e a apoia em seu braço. Elas saem correndo pelos becos.

CORTA PARA:

CENA 12. COMPLEXO DO DESALENTO. BECOS. EXT. NOITE.

Guto, Pitaya e Cacau correm desesperados juntamente com outras pessoas. Cacau e Pitaya param em frente a uma loja que tem um letreiro “LOJÃO R$1,99”.

PITAYA (OFEGANTE) – Os tiros já estão mais distantes. Precisamos dar um jeito de descer até a saída.

CACAU (OFEGANTE) – Depois de uma dessa, não piso mais nunca em uma favela.

PITAYA (OLHA AO REDOR) – Ué, cadê o Guto?

Elas olham para trás e Guto está estático. Ele ajoelha-se e cai de bruços no chão. Cacau e Pitaya arregalam e gritam pelo irmão.

CORTA PARA:

CENA 13. APARTAMENTO DE LUXO. SALA. INT. NOITE.

Há velas em um altar. A imagem de Nossa Senhora da Conceição está no centro. Carmem ajoelhada, ora.

CARMEM (ORA) – Minha Nossa Senhora da Conceição, por favor, proteja meus filhos, meu marido e minha sogra. Não deixe nada de ruim nos vigiar...

Carmem sente um aperto no peito e ela geme de dor. Ela leva sua mão esquerda ao pescoço e percebe sua respiração falhar.

CARMEM (GRITA) – MILTONNNN! O GUTO MORREU! MILTON!

Ela se debruça no altar e começa a gritar cada vez mais alto.

SLOW MOTION: Milton aparece desesperado e vai em direção a sua esposa. Ela se acolhe em seu peito e grita. Milton acaricia sua cabeça e também chora.

CORTE CONTÍNUO:

CENA 14. COMPLEXO DO DESALENTO. BECOS. EXT. NOITE.

SONOPLASTIA ON: O CONVITE – PONTO DE EQUILIBRIO

SLOW MOTION: Pitaya e Cacau se debruçam no corpo. Suas expressões são de dor. Elas choram. As lágrimas caem no rosto de Guto que está morto.

CORTA PARA:

CENA 15. HOTEL. BANHEIRO. INT. NOITE.

Alice (30) está segurando um teste de gravidez que marca positivo. Ela olha diretamente para o espelho em sua frente e respira fundo. Seu olhar é de tristeza. Alguém bate na porta.

IVAN – Meu amor, está tudo bem aí?

ALICE (MENTE) – Está sim, já vou sair.

Alice olha mais uma vez para o espelho. Ela abre a lixeira e joga o teste.

CORTA PARA:

CENA 16. COMPLEXO DO DESALENTO. CASA. SALA. INT. NOITE.

Dandara anda de um lado para outro e sua mãe está de joelhos orando.

DANDARA (NERVOSA) – Mãe, estou preocupada com o Jhonatan. Ele costuma chegar tarde da faculdade e se ele entrar no morro com esse conflito?

AÇUCENA – Calma, minha filha. O Jhonatan é um menino responsável e como você mesma disse, ele deve estar na faculdade, ou seja, está mais seguro que nós duas que estamos aqui.

DANDARA – Tomara, mãe. Estou farta dessa violência nesse morro. Já percebeu que depois que aquele deputado Renato Moura começou a panfletar que é o defensor do povo pobre tudo aqui piorou?

AÇUCENA – Aposto com você que ele financia o tráfico, não só isso, mas também deve fazer parte de alguma milicia. Eu mesma não fazia ideia quem era esse homem antes da eleição, então do nada ele desponta como favorito e vira o deputado mais bem votado? Tem caroço nesse angu, minha filha.

DANDARA – Mas é claro que tem e pelos boatos, o cretino já quer despontar como prefeito.

AÇUCENA – Então é verdade, ele é o candidato da milicia.  

Dandara olha para a janela mais uma vez.

CORTA PARA:

CENA 17. COMPLEXO DO DESALENTO. BECOS. EXT. NOITE.

SONOPLASTIA ON: DEVIL PRAY - MADONNA

Os tiros continuam. Capitão Vasconcelos faz um disparo e acaba acertando na cabeça de Piaba que cai imediatamente no chão.

MACAXEIRA (GRITA/ASSUSTADO) – Caralho, cuzão! Mataram o Tapioca.

Os tiros continuam. Hércules recarrega sua arma. Ele olha fixamente para a bala e dá uma gargalhada. Os tiros continuam mais constantes.

CAP. VASCONCELOS – Atirem e se protejam!

Hércules sobe em um portão e consegue acessar uma laje e corre olhando para trás. Os tiros continuam.

CORTA PARA:

CENA 18. COMPLEXO DO DESALENTO. BECOS. EXT. NOITE

Patrícia e a mulher continuam a correr. Elas gritam desesperadamente.

PATRÍCIA (GRITA) – Socorro!

Um homem (38) armado com um revólver aparece na frente delas e elas escorregam ao tentar parar.

MULHER (CHORA) – Moço, por favor, meu marido acabou de falecer vítima de uma bala perdida. Não faz nada com a gente!

RAEL (RI MALICIOSAMENTE) – Eu acho que vou me divertir um pouquinho com vocês.

PATRÍCIA – Não ouse se aproximar da gente. Você vai se arrepender.

RAEL – Está me ameaçando, gatinha?

Rael se aproxima e puxa Patrícia pelo cabelo e dá dois tapas fortes em sua cara.

RAEL – Você vai ver o que irá acontecer.

Rael puxa a mulher para o canto. Ele com muita fúria baixa a saia dela que fica nua. Ele abre as pernas dela com os pés. O tempo todo ele aponta a arma para Patrícia.

PATRÍCIA(CHORA) – Solta ela seu desgraçado!

RAEL – Se você der um piu, ou tentar fazer alguma coisa, eu dou um tiro bem no meio da boceta dela.

Ele desabotoa a calça com uma mão. Patrícia olha para um tijolo que está ao seu lado. Ela cuidadosamente o pega e joga na cabeça de Rael que fica atordoado. A mulher desaba. Patrícia dá um chute na região da barriga dele e coloca suas unhas nos olhos dele que urge de dor.

PATRÍCIA (GRITA) – FOGE E VAI BUSCAR AJUDA!

A mulher assente. Ela levanta a saia e sai correndo. Patrícia dessa vez dá um chute na região íntima de Rael que se ajoelha de dor.

PATRÍCIA (COSPE) – CANALHA! DESGRAÇADO!

Ela pega a arma que Rael deixou cair e aponta para ele.

PATRÍCIA (FÚRIA) – Eu poderia agora mesmo dar um tiro em você, mas não vou desperdiçar minha vida por causa de um sujo como você,

Patrícia olha para Rael e vê uma tatuagem de palhaço no seu pescoço e se desespera.

PATRÍCIA (SUSSURRA) – MERDA.

Ela dá passos para trás e começa a correr.

CORTA PARA:

CENA 19. DELEGACIA. ESCRITÓRIO. INT. NOITE.

Del. Miguel observa uns relatórios e está concentrado. Um oficial abre a porta rapidamente desesperado.

POLICIAL (DESESPERADO) – Delegado, a operação está sendo um verdadeiro fracasso. Temos homens baleados no Desalento. Parece que o BOPE chegou, mas não obtive mais informações depois disso.

DEL. MIGUEL – Já tentou entrar em contato com o Pedro ou Xavier?

POLICIAL – Nenhum deles atenderam ao telefone.

DEL. MIGUEL (BATE NA MESA) – MERDA! Vamos aguardar. Não podemos levar mais oficiais para o Desalento.

POLICIAL – Sim, senhor.

O policial assente e sai. O Delegado fica com um olhar preocupado.

CORTA PARA:

CENA 20. COMPLEXO DO DESALENTO. RUAS. NOITE. EXT.

Patrícia corre segurando a arma. Ela parece perdida e grita.

PATRÍCIA (GRITA) – SOCORRO! ALGUÉM ME AJUDA.

Dandara surge na porta.

DANDARA (SUSSURA) – EI, PSIU! Entra aqui! Rápido.

Patrícia assente e corre para dentro da casa de Dandara que observa os lados.

CORTA PARA:

CENA 21. COMPLEXO DO DESALENTO. BECOS. NOITE. EXT.

Jaguar sobe em um barril e consegue acessa uma laje. Um oficial do BOPE vê e dá um tiro que acerta o braço do traficante. Ele sente o impacto da bala, mas continua a sua fuga.

CAP. VASCONCELOS – Baixem as armas!

Os oficiais do BOPE baixam suas armas. Os tiros param e apenas latidos de cachorros são ouvidos.

CAP. VASCONCELOS – Olha só para isso, uma verdadeira limpeza.

Há vários corpos no chão. Capitão Vasconcelos vai até os policiais.

CAP. VASCONCELOS - Viram a merda que fizeram? Graças a vocês, estaremos todos nos jornais e para piorar, ainda sairemos como os errados da situação. O pessoal dos direitos humanos vai cascar em cima da gente. Já carregaram corpos? Vão descer esse morro carregando todos os corpos desses lixos. Andem!

Os policias assentem e começam a pegar os corpos dos traficantes. O sangue toma conta da escadaria do beco.

CORTA PARA:

CENA 22. COMPLEXO DO DESALENTO. CASA DE DANDARA. SALA. INT. NOITE.

Patrícia ofegante leva as duas mãos aos joelhos e tenta respirar fundo.

DANDARA - Você está bem?

PATRÍCIA - Estou… É que quase fui morta por um cara, mas estou bem, consegui escapar.

Açucena aparece com um copo d’água e entrega para Patrícia que bebe rapidamente.

AÇUCENA - Calma, minha querida. Desse jeito você pode se engasgar.

PATRÍCIA - Eu estou bem. Muito obrigada por me salvarem.

DANDARA - Meu nome é Dandara e essa é minha mãe: Açucena.

PATRÍCIA - O meu é Patrícia. Sou jornalista. Acho que foi um péssimo dia para fazer qualquer coisa investigativa aqui, né?

DANDARA - Menina, se você quer saber, foi um ótimo dia. De qual jornal você é?

PATRÍCIA - Bom, eu pedi demissão hoje, então estou desempregada. Queria que fôssemos mais afundo nas matérias sobre corrupção e crimes no jornal, mas meu ex-chefe era totalmente contra. Detesto ver o Rio de Janeiro dominado por corrupção e milícias.

AÇUCENA - Pra mim, isso é coisa de gente doida.

DANDARA (REPREENDE) - MÃE!

PATRÍCIA - Sua mãe está certa. Não sei o que me deu para vir até aqui, mas eu sentia que algo me chamava pra cá e que eu iria conseguir algo, bom, quase consegui. Quase fui assassinada (Risos).

Dandara olha Patrícia com cautela. Ela vai até uma escrivaninha ao lado de uma TV de 32 polegadas e pega uma pasta verde e entrega para a jornalista.

DANDARA - A gente não se conhece, mas me parece uma jornalista séria. Assim como você, não aguento ver a minha cidade do jeito que está. Não podemos mudá-la, mas podemos fazer toda diferença.

PATRÍCIA (ESTRANHA) - O que é isso?

DANDARA - Nessa pasta tem fotos, razonetes, planilhas e documentos que comprovam que a Igreja evangélica aqui do Desalento faz lavagem de dinheiro, tráfico de armas e outras coisas. O Pastor é totalmente conivente com a situação.

PATRÍCIA (ELA FOLHEIA A PASTA) - Isso aqui é um prato cheio! Como conseguiu isso?

DANDARA - Acredite em mim, o crime organizado é a única instituição que funciona nesse país. Eles têm desde o setor contábil até uma equipe de marketing. Por favor, cuide disso com a sua vida e faça bom proveito. Olha, vou te dar meu número e podemos tomar um café juntas para conversar melhor.

Dandara entrega um cartão para Patrícia que agradece com um sorriso.

CORTA PARA:

CENA 23. APARTAMENTO DE LUXO. SALA. INT. NOITE.

Milton está andando de um lado para o outro e Carmem com uma feição de tristeza continua orando no altar. Auzira está pensativa. O telefone toca e Milton corre para atender.

MILTON (TEL) – Alô? Ramiro, por favor, me dê notícias de como estão meus meninos... O quê? No hospital?

Carmem rapidamente vai até o marido.

CARMEM(CHORANDO) – Quem está no hospital? É o Guto, né? FALA, MILTON!

MILTON (TEL.) – Por favor, Ramiro... Não... Não...

Milton desliga o telefone e o joga na parede.

MILTON – O Guto. Ele está morto.

CARMEM (GRITA) – NÃOOOOOOOOOOOOO! MEU PEQUENINO! NÃOOOOO, MEU FILHO NÃO! POR QUÊ, MEU DEUS? POR QUE O MEU FILHO?

Auzira vai até Carmem e a abraça. Carmem se debate muito.

AUZIRA (CHORA) – Onde está o corpo dele, Milton?

MILTON (FRIO) – Está no IML. Eu vou até lá para cuidar da liberação e tudo mais. As meninas estão no hospital, elas estão bem, só estão nervosas. Assim que eu sair do IML, eu vou busca-las.

CARMEM (CHORA) – Eu quero ir com você, Milton. Por favor!

MILTON (FRIO) – Por favor, Carmem. É melhor você ficar aqui com a minha mãe. Você não vai querer ver o corpo do Guto do jeito que ele está.

AUZIRA (CHORA) – É, Carmem. O melhor é ficarmos aqui. Eu vou te dar toda força possível. Por favor.

Carmem assente e continua a chorar. Milton pega um casaco que está em um móvel ao lado do buffet, abre a porta e sai. Close no rosto de Carmem que chora.

CORTA PARA:

CENA 24. RUAS DO RIO DE JANEIRO. EXT. MADRUGADA.

As ruas estão relativamente desertas, mas a cidade não está completamente silenciosa. O ronco de motores de carros que ainda circulam ecoa pelas avenidas vazias fazem o barulho. Prostitutas no calçadão. Táxis circulando.

Uma chuva fraca começa a cair na cidade, o suficiente para molhar o asfalto.

CENA 25. APARTAMENTO. QUARTO. INT. MADRUGADA.

Patrícia está deitada em sua cama com um babydoll branco. Ela observa o teto. O seu transe é interrompido pela porta que é aberta por Vasconcelos.

CAP. VASCONCELOS - Ainda acordada? Hoje à noite foi bastante longa. Invadimos o Desalento e você não vai acreditar, estava rolando tráfico dentro de baile e a porra toda.

Patrícia permanece imóvel.

CAP. VASCONCELOS - Patrícia? Você me ouviu falar?

PATRÍCIA - Desculpe… Diogo, eu preciso te contar uma coisa, por favor, sente-se.

Capitão Vasconcelos senta-se na beira da cama com uma expressão curiosa em seu rosto.

CAP. VASCONCELOS - Estou começando a ficar preocupado, meu amor. Tanto suspense.

PATRÍCIA - Antes de você brigar comigo, espero que me ouça. (PAUSA). Eu fui até o Desalento e acompanhei de perto toda a confusão.

CAP. VASCONCELOS (GRITA) - VOCÊ O QUE?

PATRÍCIA - Por favor, me escuta primeiro. Eu sei que fui completamente inconsequente, mas eu precisava ir até lá e ver se eu conseguia algum furo, mas eu não sei o que deu em mim. Simplesmente, enquanto eu estava correndo dos tiros, eu conheci uma mulher, aliás, não sei nem o nome dela. Ela estava chorando em cima do corpo do marido, provavelmente foi morto por bala perdida ou os traficantes mataram, ou até mesmo vocês do BOPE. Fugimos juntas e depois fomos abordadas por um homem que tentou estuprá-la. Obviamente eu fui pra cima dele e entramos em confronto, acabei acertando um tijolo na cabeça dele e fugimos.

Capitão Vasconcelos levanta-se da cama e leva as mãos até o rosto. Ele dá um soco na parede, o que faz Patrícia dar um pequeno pulo de susto.

CAP. VASCONCELOS (GRITA) - VOCÊ TEM NOÇÃO QUE PODERIA TER MORRIDO? CARALHO, PATRÍCIA!

PATRÍCIA (CHORANDO) - Eu sei! Eu fui imatura, mas eu precisava e se eu não tivesse ido até lá, essa mulher poderia ter morrido ou violentada por algum homem.

CAP. VASCONCELOS - Você não podia ter ido até lá, Patrícia. Os caras querem te matar, justamente porque você é minha esposa! Não pode dar bobeira nessa, meu amor.

PATRÍCIA - E o que você quer que eu faça? Sorria e finja que minha vida é maravilhosa? Eu não casei para ser esposa troféu e você sabe muito bem disso. Minha carreira é importante e preciso que me apoie. Estou sem emprego, mas se eu conseguisse algum furo, era minha chance de provar que estou indignada com essa cidade.

CAP. VASCONCELOS - Meu amor, eu te amo. Quase te mataram e meu coração já foi até o céu da boca só de imaginar minha vida sem você. Eu prometo que vou descobrir quem foram os caras que te deram esse susto e tenho certeza que vai encontrar um emprego em outro jornal.

PATRÍCIA - Eu vou conseguir, sim. Eu peço desculpas por ter sido tão imatura, mas assim como é seu trabalho, o meu também é. Não vou descansar até ver poderosos irem para cadeia.

Capitão Vasconcelos respira fundo e dá um beijo na testa de Patrícia. Ele anda lentamente até o banheiro, para, respira fundo e fecha a porta. Patrícia pega o seu notebook na cômoda que está ao lado da cama e coloca em seu colo e abre. Ela lê o título do e-mail.

“IGREJA FAZ LAVAGEM DE DINHEIRO DENTRO DA FAVELA”

Ela clica no botão de enviar.

CORTA PARA:

CENA 26. AVENIDAS DO RIO DE JANEIRO. EXT. DIA.

SONOPLASTIA ON: ABRIGO DE VAGABUNDO – ADONIRAN BARBOSA

O dia amanhece no Rio de Janeiro. Nas avenidas, o trânsito ainda é escasso. Os ônibus começam a circular com maior frequência. Corredores e ciclistas aumentam em número, aproveitando a brisa fresca da manhã
CORTA PARA:

CENA 27. PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO. SALA DE IMPRENSA. INT. DIA.

Há diversos jornalistas sentados em cadeiras de madeiras. Eles estão com blocos de notas, enquanto fotógrafos estão na frente. O Prefeito Lopes chega e começa o disparo de flashs. Ele vai para frente do microfone que está em um balcão que contém a logo da prefeitura do Rio de Janeiro.

PREF. LOPES – Bom dia a todos. Bom dia a todos os cidadãos do Rio de Janeiro. Convoquei essa coletiva de imprensa para deixar claro para toda a população que a qualquer momento, eu posso morrer. Podem me matar!

Lucília que está sentada em uma das cadeiras em cima do palco fica séria. Um burburinho começa e mais flashs são disparados.

PREF. LOPES – O Rio de Janeiro é dominado por milicias há anos e acabar com boa parte delas foi um dos meus desejos. Hoje, enfrento eles de frente, arriscando a minha vida e a da minha família. Mas tenho plena consciência que a voz da resistência ecoa em cada canto dessa cidade e eu sou uma delas. Se eu morrer, podem ter certeza, haverá outras vozes que estão prontas para gritarem e não deixarão jamais que milicianos cheguem ao poder.

Os jornalistas começam a conversarem alto e mais flashs sobre o Prefeito continuam.

PREF. LOPES – Hoje, declaro oficialmente que cada miliciano irá para trás das grades.

A imagem congela no Prefeito.

FIM DO CAPÍTULO 03


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