Débora
CAPÍTULO 24
uma novela de
FELIPE LIMA BORGES
escrita por
FELIPE LIMA BORGES
baseada nos capítulos 3 a 5 do livro
de Juízes
FADE
IN:
CENA 1: EXT.
VILAREJO – DIA
Ao ver Débora segurando a espada em
posição de luta, os 2 soldados hazoritas gargalham. Lapidote, que segura o
homem com Jaziel, olha preocupado.
SOLDADO 1
Vivi para
ver isso! Uma escrava segurando uma espada!
SOLDADO 2
Largue
isso, mulher, ou vai se machucar!
Jaziel então se levanta e fica ao
lado da amiga.
JAZIEL
Prepare-se,
Débora. Será como nos treinamentos... mas pior.
DÉBORA
Não,
Jaziel. (olhando o marido e o homem) Fique com eles. Proteja-os.
Lapidote não luta e esse senhor precisa dele. Cuide-os, por favor.
Jaziel não parece gostar da ideia
e, preocupado, olha para os dois soldados, de volta para Débora... e volta para
junto de Lapidote e do homem.
Os soldados então riem mais.
SOLDADO 2
Os covardes
recuam... e a mulher é quem pega a espada! (ri) Já ouviu falar disso?!
Eles continuam com as zombarias
enquanto Débora permanece quieta e em posição. Suas mãos estão firme no cabo da
espada.
SOLDADO 1
Mas chega
de brincadeira, a graça acabou. Você! Escrava maldita e imunda! Coloque essa
espada no chão e morra como uma mulher: ajoelhada perante seus superiores!
DÉBORA
Eu prefiro lutar
como uma mulher.
SOLDADO 2
Maldita!
DÉBORA
Vocês não
gostam de usar de violência com indefesos? Venham. Tentem usar comigo.
SOLDADO 1
Pois então que
seja como queira!
Segurando suas espadas, os dois
disparam contra Débora que, parada, se prepara para o choque. Jaziel observa
com apreensão e Lapidote fica aflito.
LAPIDOTE
(murmurando) Senhor,
proteja Sua serva!
Cada um dos soldados desfere um golpe
de cima a baixo contra Débora, mas ela consegue bloquear ambos, ao mesmo tempo,
com sua espada. Rapidamente ela chuta um na altura do peito e o outro na boca
do estômago. Enquanto eles, abaixados, tentam se recuperar do golpe, ela toma
distância. Os dois a olham assombrados...
SOLDADO 1
Quem é
essa?!
SOLDADO 2
Não sei...
SOLDADO 1
Você disse
que a conhecia!
SOLDADO 2
De vista! Não
sabia que ela era capaz disso!
SOLDADO 1
Como é
possível?...
Os dois se põe de pé e a encaram.
Débora novamente segura a espada em posição.
SOLDADO 1
Posso não
saber quem ela é, mas não serei humilhado por uma selvagem maldita que adora um
único Deus!
Os dois novamente disparam contra
Débora, mas ela está preparada. Golpes em cima, embaixo, desvios, bloqueios,
giros... Sob o olhar preocupado de Lapidote e o apreensivo de Jaziel e do homem
sobrevivente, ela luta contra os dois soldados.
Então eles começam a usar pedaços
dos destroços como arma, mas Débora ou desvia ou bloqueia. Quando o soldado 1
se afasta para pegar uma pedra, ela fere a mão do outro. Assustado, o primeiro
para e olha... Mas Débora já vem em sua direção e, com a espada, faz um corte
na mão dele, prestes a agarrar a pedra.
JAZIEL
Ganhe
distância, Débora!
Ela se afasta rapidamente dos dois,
que ficam abaixados olhando para os cortes na mão.
SOLDADO 1
Nunca ouvi
falar disso!... Argh!...
SOLDADO 2
É muita
humilhação... O que vamos fazer?! Hein?!
SOLDADO 1
Lembre-se
do Capitão... (com dificuldade, coloca-se de pé) Lembre-se de Sísera... (ajuda
o outro a se levantar) E lute!!!
O primeiro sai na frente e, com a
distância por vantagem, Débora consegue afastá-lo com um forte chute no peito.
O outro vem em seguida e suas espadas se encontram violentamente. Os dois
gritam conforme golpes mortais são desferidos, bloqueados e desviados.
O primeiro soldado corre novamente
contra ela, mas entre um golpe e outro com o segundo ela consegue novamente
chutá-lo. Isso distrai o segundo soldado, que então tem a mão da espada
agarrada por Débora, que a torce, torce...
SOLDADO 1
Aaaahhh!!!...
Ela continua virando a mão dele,
até que ela se abre e a espada cai no chão. Com um movimento rápido ela gira sua
espada e faz um corte rápido e comprido no peito do homem, que cai sem forças.
O segundo, recuperado dos dois
chutes, volta a ataca-la com a espada, mas ela desvia com facilidade e usa um
golpe fazendo sua espada arrancar a espada inimiga da mão. Assustado, o soldado
olha para ela, que mete-lhe um soco no rosto, fazendo-o cair. Débora aponta a espada
para o rosto dele.
SOLDADO 2
Clemência...
(tosse) Clemência...
Débora então o agarra pelas vestes
e o arrasta deitado até o outro, ferido no peito.
DÉBORA
(para o
soldado 2) Ajude seu amigo e sumam daqui. Vocês abandonarão seus postos,
abandonarão o exército e desaparecerão da face da Terra!
O soldado 2, caído, olha-a com
dificuldade.
DÉBORA
Se contarem
a verdade para seus superiores e para Sísera, sabem que eles os matarão.
Portanto, fujam! E nunca mais apareçam por aqui! Acabou pra vocês! Vamos, de
pé! Sumam daqui!
O soldado 2 então se levanta e
coloca seu companheiro ferido de pé. Olha para ela.
DÉBORA
Vão!
Finalmente ele sai arrastando o
outro e, pouco a pouco, se distancia dali. Cansada, Débora observa-os ir.
LAPIDOTE
Amor...
Débora vira para ele. Lapidote se
levanta e se aproxima rapidamente.
LAPIDOTE
Você está
bem?! Está ferida?!
DÉBORA
Estou
bem... Eu estou bem, meu amor...
Então sua mão se afrouxa e a espada
cai. Imediatamente abraça o marido, um abraço longo e apertado...
Por fim eles se soltam.
LAPIDOTE
Ainda não
sei direito o que vi aqui...
Segurando o velho sobrevivente,
Jaziel se aproxima deles e pega a espada que Débora deixou cair.
JAZIEL
Não
aprendeu o que te ensinei? (entregando a espada) Nunca abandone sua
espada.
Débora o olha por alguns
segundos... e então pega novamente a espada.
DÉBORA
Mas não é minha...
Porém ela olha novamente para a
arma em sua mão... e uma ideia parece surgir em sua mente. Olha para o homem.
DÉBORA
Nós o
levaremos para Betel, para os anciães. Lá os curandeiros tratarão do senhor.
HOMEM
Muito bem.
Obrigado, senhora. Obrigado a vocês todos. Que Deus os abençoe e os proteja!
DÉBORA
Amém.
Jaziel... Leve-o, vá na frente. Já é dia e podemos chamar atenção em muitos.
JAZIEL
(para o
homem) Vamos, senhor.
Jaziel e o homem vão.
Ali, Lapidote olha para a esposa.
LAPIDOTE
E então,
meu amor? O que vai fazer agora?
Débora
olha novamente para a espada...
CENA 2:
INT. PALÁCIO – CASA – QUARTO – DIA
Deitada, Darda acorda.
Esfrega os olhos e se ajeita na
cama. Olha ao redor. Há ali mais 4 camas onde estão dormindo as outras 4 candidatas.
Olhando para as moças e para o
quarto, Darda fica pensativa...
DARDA
(murmurando) Está dando
certo...
De repente um barulho na entrada, e
Darda deita e fecha os olhos subitamente. A porta se abre e uma figura
masculina entra ali: Sísera. O Capitão dá uma olhada nas 5 moças e, gostando do
que vê, fecha a porta e se aproxima devagar.
Sísera passa por entre as camas
admirando as moças, cujos vestidos de dormir, amarrotados, deixam visíveis
partes de seus corpos. Ele então se aproxima de uma e olha para o rosto dela...
Passa a mão de leve em seu cabelo e no rosto da garota, que permanece em
profundo sono.
Depois ele vai para outra cama e se
senta. Leva sua mão ao braço da moça e o acaricia... Vai descendo seus dedos
devagar pelo corpo dela... até a coxa visível. Nesse instante ela treme e
desperta. Assustada, se afasta para a parede o máximo possível.
SÍSERA
Shhh...
Ela o encara um tanto apavorada.
SÍSERA
Não precisa
ter medo. (sorrindo) Sou eu... O seu Capitão. E possível futuro senhor
seu.
Na cama ao lado, aproveitando que
Sísera está distraído com a outra, Darda puxa sua coberta, cobrindo-se bem
devagar.
SÍSERA
(para a
moça) Vocês devem encarar isso como parte do teste. Preciso saber se
estão aptas a me servirem. A serem minhas damas sempre que eu quiser.
Sísera sorri para a moça ainda
retraída e se levanta. Olha para Darda, que finge dormir, e se aproxima
devagar.
SÍSERA
Esse também
é o papel de uma serva. A lealdade... O pronto atendimento. A boa vontade. O
“sim” no lugar do “não”, a fim de satisfazer seus senhores.
Então ele senta na cama, bem ao
lado de Darda.
SÍSERA
Cada...
abençoado... dia.
Passa a mão no cabelo e no pescoço
de Darda... Inclina-se e a cheira... Respira bem fundo. Então olha para as
acordadas.
SÍSERA
Por ora, as
deixarei.
Rindo, ele se levanta e caminha
para a porta.
SÍSERA
Nem sei
ainda se são dignas do meu toque.
Passa pela porta e a fecha.
Darda
então se levanta e olha séria para as moças que já acordaram. Ainda apreensivas,
elas se encaram sem saber o que dizer.
CENA 3:
INT. CASA DO AMOR – QUARTO – DIA
Gadi acorda. Logo vira para o lado
e vê a dançarina com quem passou a noite, sentada se vestindo. Ao percebê-lo
acordado, ela vira.
DANÇARINA
(sorrindo) Bom dia...
Gadi sorri enquanto passa as mãos
no rosto ainda sonolento.
GADI
Por que
acordou tão cedo?
DANÇARINA
Sua hora
acabou, soldado. Sou uma profissional da noite.
Ele faz que sim com um leve
sorriso. Então escorrega para a beira da cama e se senta ao lado dela.
GADI
(olhando o
nada) Foi uma noite e tanto. Nunca tive isso na minha vida...
E olha para ela.
Ela arruma o cabelo e olha para
ele.
DANÇARINA
Devo levar
isso como um elogio às minhas habilidades profissionais?
Gadi ri.
GADI
Mas sabe...
Parece... Parece ter havido mais. (buscando palavras) Era como se...
Como se... Como...
Ela aguarda ele falar com um
sorriso bonito... Mas Gadi não consegue.
DANÇARINA
Só espero
que não esteja apaixonado, soldado.
GADI
(rindo) Não...
Não, é claro que não. Não foi isso que eu quis dizer.
DANÇARINA
(sempre
sorrindo) Ainda bem...
GADI
Como
poderia? Eu nem mesmo sei o seu nome...
Ela diminui um pouco o sorriso, mas
continua simpática.
DANÇARINA
Laís.
GADI
Laís... Que
lindo.
Ela faz que sim.
GADI
Bem, Laís...
O que eu queria dizer... basicamente... é que foi como se você e eu... nós
dois... déssemos certos demais!
Ela parece querer contestar, mas se
contém e limita-se a encará-lo. Então busca outras palavras.
LAÍS
(sorrindo) Você
também não foi ruim, não...
GADI
Gadi.
LAÍS
Gadi.
Os dois riem juntos.
LAÍS
Contente-se
com esse genuíno elogio. É o primeiro cliente que recebe um de mim. Ah, melhor
eu parar, estou amaciando o seu ego duas vezes...
GADI
O que é
isso, Laís, imagine... Obrigado.
LAÍS
Bem... Eu
estou disponível. Todas as noites, aqui, no palco da Casa do Amor. (sorrindo)
Basta pagar. E por falar nisso...
GADI
Ah,
claro...
Gadi procura algo no meio das suas
vestes jogadas. Tira um saquinho de moedas e entrega a ela, que dá uma rápida
olhada no conteúdo.
LAÍS
Te vejo por
aí.
Ela se levanta, abre a porta,
passa, dá uma última olhada simpática para ele e fecha.
Gadi fica ali, pensativo...
Sorri
sozinho...
CENA 4: INT.
FORTALEZA – SALÃO – DIA
A manhã avança...
No grande salão da fortaleza, onde
as crianças, em absoluto silêncio, comem sentadas à uma grande mesa, Sísera
entra e caminha na direção de Bogotai, parado imponente do outro lado. Ao longo
de todo o salão soldados fazem a guarda.
No meio do caminho, uma menina vira
para Sísera.
MENINA
Senhor...
Sísera, enojado, para e olha para
ela.
MENINA
(tristonha) O senhor
sabe onde está o brinquedo que a minha mãe me deu?...
Sem abrir a boca, Sísera empurra a
menina para trás, que derruba sua pouca comida na mesa. E segue.
Quando ele se aproxima de Bogotai,
esse lhe faz uma reverência com a cabeça.
BOGOTAI
Capitão.
SÍSERA
Bogotai,
tenho um comunicado para você. A ordem do rei agora é que mulheres hebreias
morem aqui na Fortaleza e cuidem das avaliações das crianças.
Os olhos de Bogotai, logo acima da
máscara, se estreitam.
BOGOTAI
(testa
franzida) Hebreias?
SÍSERA
Sim.
BOGOTAI
E para onde
eu irei?
SÍSERA
Você ficará
disponível para tudo o que eu precisar. Trabalhos em campo, (olhando para os
músculos de Bogotai) onde as suas habilidades terão grande serventia.
BOGOTAI
Entendido,
senhor.
SÍSERA
E agora eu
preciso de você para irmos capturar essas hebreias em suas cidades e vilarejos.
Vamos.
Bogotai
faz que sim e os dois saem dali. As crianças mais corajosas arriscam uma breve
olhada nos dois homens mais poderosos do exército indo embora.
CENA 5:
INT. PALÁCIO – CASA – COZINHA – DIA
ELOÁ (40 anos) e DANILO (45 anos)
caminham pela cozinha da casa de Sísera e Najara. É um cômodo mais baixo que o
restante da casa, espaçoso e cheio de prateleiras com diversos tipos de
temperos, legumes, condimentos e outras especiarias. Ao fundo está o balcão de
barro com o forno à lenha e o forno de assar pães.
O casal não está trabalhando,
apenas andando por ali.
ELOÁ
(gesticulando
como se jogasse ar para as narinas) Sinta, meu amor, sinta! Respire e
sinta isso!
Ele cheira o ar.
DANILO
Não estou sentindo
nada...
ELOÁ
Exatamente!
Nada! Não há nada na cozinha sendo preparado porque não há nada para
fazermos hoje!
Eles sorriem e se abraçam.
DANILO
Dia de
folga!...
ELOÁ
Há tempos
estávamos precisando, não é? Ainda bem que surgiu essa vaga à serva da senhora
Najara. As candidatas que se virem para prepararem a comida. Terão que dar o
seu melhor se quiserem se mostrar aptas.
DANILO
É, e com
isso teremos ou estragos colossais ou comidas maravilhosas. Só essas duas
coisas podem sair quando se cozinha sob pressão.
ELOÁ
Mas isso
não é um problema nosso, meu amor. (sorrindo) E sabe o que eu quero
fazer para aproveitar nosso dia de folga?
DANILO
(ansioso) O quê?!
ELOÁ
Massagens!
DANILO
Ahhh, amei
a ideia, meu amor!
ELOÁ
Pois vamos!
Vamos, vamos, vamos pro quarto! Vou fazer muita massagem nos pezinhos lindos do
meu amor!
Rindo
como duas crianças, Eloá e Danilo saem da cozinha.
CENA 6:
EXT. BETEL - PLANTAÇÃO – DIA
Jaziel e Éder preparam a terra
próximos um do outro. Vários hebreus em volta trabalham sem parar.
ÉDER
(baixo) Você ouviu
algo sobre o vilarejo?
Jaziel dá uma rápida olhada para
ele.
JAZIEL
Não. Mas
acho que já foi resolvido.
ÉDER
Resolvido?
Como?...
JAZIEL
Só acho...
ÉDER
Como
poderia estar resolvido, Jaziel? Por que acha isso?
JAZIEL
Chega, Éder.
(olha os capatazes e os guardas) Melhor não falarmos mais sobre isso.
Vamos voltar ao trabalho antes que nos ouçam e venham nos chicotear.
Jaziel
volta a mexer na terra. Éder o olha com estranhamento... Mas também volta a
trabalhar.
CENA 7:
EXT. QUEDES – RUAS – DIA
Quedes é uma cidade muito maior que
Betel, e o movimento de pessoas várias vezes mais intenso. Não à toa as ruas
viram um caos quando Sísera, Bogotai e vários soldados chegam à rua principal.
SAMA (42 anos), segurando sua filha
de 3 anos no colo, observa assustada os inimigos recém-chegados. Todos sabem
que a presença daqueles homens significa algo muito ruim.
Perto dali, SARA (40 anos) corre e
se junta à sua família.
Os soldados já contiveram o povo, que
agora olha com medo para Sísera.
SÍSERA
(sorrindo) Por que a
correria, hebreus? Por que o pavor? Gazelas precisam estar acostumadas com as
raposas.
Os soldados riem.
SÍSERA
É dia de
alegria, pois tenho novas para vocês. As mulheres... Várias de vocês... Serão
levadas para trabalharem em um lugar chamado Fortaleza. E nunca mais voltarão
para cá.
Assustadas, várias mulheres tentam
fugir dali, mas os soldados as impedem e começam a captura-las. Gritaria,
desespero, famílias sendo separadas... Sísera faz sinal para Bogotai e esse
avança. Com muita facilidade ele agarra hebreus que tentam proteger as mulheres
e os jogam longe. Outros têm seus membros quebrados pelo Primeiro Oficial de
Sísera.
Ao ver isso tudo, Sama, desesperada,
vira e corre segurando firme sua filha no colo... Corre... Até que alguém a
agarra. Ela se assusta, mas é seu marido IRU (44 anos).
IRU
Sama!
Venha!!! Eles querem levar a todas!
Sama e Iru correm, mas Bogotai os
percebe e avança. Não demora muito e encurrala os dois.
BOGOTAI
(irônico) Por que
corre, mulher?
Desesperado, Iru olha para Sama,
que entrega a filha a ele.
SAMA
Vá!!!
Confuso, assustado e apressado, Iru
pega a filha e corre de qualquer jeito. Bogotai, apesar de olhá-lo, não o
persegue. Aproxima-se de Sama, a agarra pelos braços e a leva arrastada.
RENÊ (62 anos), a sogra de Sara,
olha para essa.
RENÊ
Corra,
Sara! Fuja ou eles vão leva-la! Vá!
SÍSERA
(alto) Basta! Já
temos mulheres suficientes.
Bogotai e soldados se reúnem atrás
de Sísera, cada um segurando pelo menos duas mulheres, que choram e gritam.
Outros soldados ameaçam com espada os homens revoltados com a situação.
SÍSERA
Vocês,
familiares dessas mulheres, que a partir de agora são verdadeiras servas do
magnífico rei Jabim, poderão visita-las na Fortaleza a cada lua. Tudo com ordem
e decência. E todas as conversas serão assistidas de perto por um soldado. Se
houver qualquer tentativa de perturbação à ordem estabelecida, elas morrem e
são fácil e rapidamente substituídas.
Deixa uma última olhada em todos
ali e vira para ir embora. Sob os choros dos familiares que ficaram, os
soldados vão levando embora as capturadas. Sama se debate, mas os braços de
Bogotai prendendo-a são como pedras.
Nas ruas, o burburinho aumenta
rapidamente.
A sogra de Sara olha para a nora.
RENÊ
Graças a
Deus você não foi levada!... Nem imagino como Baraque reagiria...
Sara,
ainda assustada, olha para o tumulto ao seu redor.
CENA 8:
INT. SAPATARIA DE LAPIDOTE – DIA
Lapidote, sentado e consertando um
sapato, olha para Débora, de costa para ele e de frente para a rua. Ela examina
a espada que usou no confronto com os soldados. Ele a olha com certa
desconfiança...
Então ela vira para ele, que desvia
o olhar e disfarça em seu serviço.
DÉBORA
Lapidote...
Meu amor...
LAPIDOTE
Sim?
DÉBORA
Eu... tenho
algo muito sério para lhe falar.
Lapidote larga seu serviço... E faz
sinal para sentar de frente para ele; assim ela o faz.
LAPIDOTE
Pode dizer,
Débora.
DÉBORA
Bem... É
sobre a voz... O chamado... E a questão de minha missão não ser aqui.
LAPIDOTE
A questão
de você achar que a sua missão não é aqui.
Ela faz que sim.
DÉBORA
Depois do
que aconteceu nessa manhã, um pensamento novo surgiu em minha mente. Essa minha
habilidade com espada... não pode ser em vão. Os treinos com Jaziel, nada disso
pode ser em vão. Eu preciso usar isso para alguma coisa. Algo real, que faça a
diferença.
LAPIDOTE
(desconfiado
e preocupado) Do que você está falando exatamente?
Débora respira fundo.
DÉBORA
Há muita opressão
na nação, e Israel é grande demais. O povo está sofrendo, as pessoas estão
morrendo... São descartadas como animais de caça. Crianças separadas das mães,
comida escassa, seca... A miséria e a opressão de Sísera e Jabim só aumentam.
Os soldados fazem o que querem e não há ninguém para lhes colocar limite.
LAPIDOTE
Não. Não,
Débora. Você não pode estar achando que o que Deus quer é você lutando por aí.
DÉBORA
Eu senti
muita alegria com isso em meu coração, Lapidote.
LAPIDOTE
Você buscou
a Deus?
DÉBORA
Você sabe
que sim, meu amor. Eu sinto isso. Eu tenho esse poder em minhas mãos, eu
posso salvar outros hebreus!
LAPIDOTE
Débora, meu
amor, você não pode colocar todo o peso nas suas costas! É duro dizer, é triste,
mas você não pode salvar a todos!
DÉBORA
Eu o
entendo perfeitamente. Mas se eu salvar um único hebreu da morte lenta, do
sofrimento, da angústia de alma... já terá valido todo o esforço e toda a luta.
E eu tenho condições de fazer isso.
Lapidote, inconformado, aperta as
têmporas com os dedos.
LAPIDOTE
É muito
perigoso, Débora.
DÉBORA
Eu preciso
tentar... É um chamado de Deus. Sei que Ele me protegerá.
LAPIDOTE
E o que
você pretende fazer depois com as pessoas que salvar? Elas voltarão para casa e
o quê? Mudam as identidades dos algozes, mas a escravidão e a opressão
continuam. E aí?!
Débora abre a boca, mas não sabe
bem o que dizer.
LAPIDOTE
Ou então
você quer libertar Israel toda da escravidão?! Sozinha! Uma única
pessoa! Se com um exército armado e preparado já seria difícil...
DÉBORA
Seria sim
difícil, Lapidote, mas sem a ajuda de Deus. Com Ele não há nada que possa nos
impedir.
LAPIDOTE
Acontece,
meu amor, que esse não é o povo de Deus. Não nos dias de hoje. Esse povo aí
está mergulhado na idolatria, no erro, mal sabem quem é Deus. As histórias dos
nossos antepassados são tratadas quase como lendas! (pequena pausa) E
além do mais... tem a nossa própria luta. Nossa busca. Você se esqueceu?
Débora parece se entristecer.
DÉBORA
Já faz
tantos anos que tentamos... e nunca engravidei... Não queria dizer assim,
mas... talvez... talvez até isso seja um sinal de Deus... Um sinal de que eu
não posso me preocupar com filhos, porque preciso partir e cuidar desse povo.
Lapidote, entristecido, encara o
nada.
DÉBORA
(chorosa) Eu sinto
muito, meu amor... Muito! Não desisti de ser mãe, não desisti de forma
alguma! É o que mais quero em minha vida... Mas podemos continuar tentando
depois... Não tenha dúvidas de que tentaremos. Enquanto houver vida haverá
esperança! Mas... agora... eu sinto que preciso mesmo partir.
LAPIDOTE
É tão
perigoso, meu amor, é tão perigoso... São tantos que podem ataca-la,
encurralá-la!
DÉBORA
Eu treinei,
Lapidote. Desde minha mocidade eu treino... Sei que Deus estará ao meu lado. Eu
sinto. Porém... a verdade é que se você não concordar... eu ficarei e não farei
nada disso.
Lapidote não esperava por essa. Olha-a
diretamente nos olhos.
DÉBORA
Insatisfeita
e triste, mas ficarei. Não farei nada sem você estar ao meu lado. (respira
fundo) E então, meu amor? O que você quer que eu faça?
Na aflição e indecisão de Lapidote,
IMAGEM CONGELA
CONTINUA...
FADE OUT:
No próximo capítulo: Lapidote faz uma recomendação a Débora. Éder se
desentende com Josafe, com quem tem uma questão relacionada a um terreno.
Começa a competição das candidatas à serva de Najara. E Sama e as mulheres são
levadas à Fortaleza.
Obrigado pelo seu comentário!