CAPÍTULO 21
uma novela de
FELIPE LIMA BORGES
livre adaptação do livro de Rute
Edição da Versão Reprise por
RAMON FERNANDES
EDIÇÃO:
Restante do Capítulo 33 + Parte do Capítulo 34 ORIGINAL (SEM CORTES)
CENA 01: INT. TEMPLO – PÁTIO – NOITE
Rute, querendo quebrar o constrangimento, se afasta.
RUTE— Venha.
Malom a segue e eles vão até um banco embaixo de uma árvore, onde se sentam.
ORFA— (para o servo) Limpe tudo e vá.
O servo obedece enquanto Orfa e Quiliom vão para outro banco, a algumas dezenas de metros de Rute e Malom.
RUTE— Você é contra disciplinar servos?
Malom a olha, pensando no que responder.
MALOM— Talvez eu não deva responder... Posso ofendê-la.
RUTE— Não mais do que já ofendeu Orfa.
Malom a encara...
Quiliom olha para Orfa e, um tanto nervoso, se ajeita. Ela, por sua vez, mantém a postura fina.
QUILIOM— Então você é... sacerdotisa.
ORFA— Sim... Já faz muito tempo.
QUILIOM— Muito?... Quanto?
ORFA— Bom, pouco depois que nascemos, Rute e eu fomos trazidas ao templo por nossos pais, como forma de adoração aos deuses.
QUILIOM— Então vocês... são irmãs?
ORFA— (rindo) Não, não... Simplesmente aconteceu que viemos na mesma época. Mas somos como irmãs, sim.
QUILIOM— Mas então não sabem quem são seus pais...
ORFA— Uma vez Rute e eu fomos atrás e descobrimos que já estavam todos mortos, tantos os dela quantos os meus.
QUILIOM— Eu sinto muito...
ORFA— Oh, não se preocupe com isso.
No outro banco, Rute e Malom continuam a conversar.
RUTE— É evidente que você não é adepto da violência.
MALOM— Não mesmo. A não ser quando ela é extremamente necessária.
RUTE— E quanto aos sacrifícios humanos?
MALOM— Uma abominação.
Rute perde as palavras e apenas o encara. Admirada, ela se ajeita no banco, mais de frente para ele.
RUTE— Como “abominação”? Como... Como chegou a esse pensamento?
MALOM— Pela crença em um Deus misericordioso. A violência vai contra os mandamentos de Deus.
RUTE— Deus... Que deus é esse? Mostre-me, por favor!
MALOM— Não é assim que funciona. Ele é invisível.
Por alguns segundos ela o encara... e então ri. Ri...
RUTE— Você é engraçado...
Malom não fica nervoso.
MALOM— Desculpe-me, mas não estou brincando. É a verdade.
Rute para de rir e olha novamente para ele.
RUTE— Certo... E esse Deus tem um nome?
MALOM— Bom, ele é conhecido por alguns... Elohim, Adonai, Jeová... Mas o nome não é o que mais importa.
No outro banco...
QUILIOM— E o que vocês fazem aqui? Vocês têm uma casa?
ORFA— Nós somos sacerdotisas, temos muitas funções. Não tantas como a grande Sacerdotisa Myra, e nada se comparar ao Sumo Sacerdote Faruk, mas somos responsáveis pelas preparações dos santuários para rituais, sacrifícios, auxiliamos nas seleções de novos envolvidos na arte do sacerdócio, temos nossos momentos de orações... Nosso compromisso é trabalhar com os deuses... em função do reino. Portanto, moramos, vivemos aqui.
QUILIOM— Devem ter um dia bem corrido...
ORFA— (sorrindo) Um pouco... Mas vocês comentaram... São hebreus...
QUILIOM— Sim...
ORFA— E por que decidiram vir para Moabe? O que aconteceu?...
QUILIOM— Uma fome gravíssima acometeu nossa terra... Não tivemos escolha a não ser partir... E Moabe é o reino próspero mais próximo de nossa cidade, Belém.
ORFA— Como é que seus deuses deixaram isso acontecer?
QUILIOM— O único Deus castigou nosso povo por imensa corrupção e idolatria.
ORFA— Ah, é verdade... Eu me recordo: os hebreus adoram apenas o Deus invisível.
Quiliom faz que sim. No banco de Rute e Malom...
RUTE— Eu ainda estou admirada de você não ter esse Deus no bolso para carregar por onde for... Todos os moabitas tem um.
MALOM— Me responda uma coisa... Como você faz quando precisa orar aos deuses?
RUTE— Eu vou até o santuário.
MALOM— Certo. E como é que um soldado ferido em batalha ou então alguém que se acidenta no campo faria para pedir ajuda?
Rute então fica pensativa.
MALOM— Como é que um deus cuja cabeça se quebra pode curar os ossos partidos de seus servos?
Rute tenta falar, mas perde as palavras. Então engole e finalmente fala.
RUTE— Pra vocês hebreus essa tarefa também é impossível, pois se o seu Deus é invisível, não fazem ideia de onde Ele está.
MALOM— Aí é que está o segredo... Ele está em todos os lugares, ao mesmo tempo.
Rute fica admirada... Olha para o lado, refletindo no que ouviu.
Nesse momento, Myra chega ao pátio. Ao percebê-la, Rute e Orfa, cada uma em seu banco, põe-se de pé. Myra se aproxima e fica a uma distância igual das duas. Por respeito, Malom e Quiliom também se levantam.
MYRA— Sacerdotisas...
RUTE— Sim, minha senhora...
MYRA— Preciso que vocês me acompanhem. Vamos fazer uma oração aos deuses com o rei.
ORFA— Certo.
RUTE— Entendido.
MYRA— Esperarei por vocês.
Orfa e Rute viram para seus pares.
ORFA— Preciso ir. Com licença. Tenha uma boa noite, Quiliom.
Quiliom fica sem saber o que dizer.
RUTE— Eu quero encontrá-lo novamente.
Malom sorri.
MALOM— Eu já ia dizer isso.
RUTE— Amanhã.
MALOM— Eu virei.
RUTE— Então até amanhã.
Rute faz uma pequeno aceno com a cabeça e sai. Orfa se afasta de Quiliom.
QUILIOM— Espere.
Ela para e ele se reaproxima dela.
QUILIOM— Eu voltarei para vê-la.
Orfa faz que sim e sai novamente. As duas alcançam Myra e as três vão, com Myra no meio e um pouco à frente.
MYRA— Quem são eles?
ORFA— (olhando para Rute) Sacerdotes hebreus...
MYRA— Hebreus no reino?
RUTE— Recentemente uma pequena família chegou à cidade. E nós queremos aprender mais sobre os deuses de outras nações.
MYRA— É uma intenção muito boa essa de vocês. Mas lembrem-se: jamais devem dar as costas aos nossos deuses.
RUTE— Claro, senhora...
ORFA— Isso está completamente fora de cogitação.
MYRA— Ótimo.
Rute e Orfa se entreolham e as três continuam a andar.
CENA 02: INT. CASA DE LEILA – SALA – NOITE
Sentados à mesa, Elimeleque cochila, mas Noemi está acordada e aflita.
De repente um barulho na frente da loja, e Malom e Quiliom entram. Noemi se levanta.
NOEMI— Graças a Deus!
Elimeleque desperta e se levanta também. Noemi abraça os filhos.
NOEMI— Vocês estão bem? Está tudo certo, não fizeram nada com vocês?!
QUILIOM— Fique tranquila, mãe.
MALOM— Não fizeram mal algum conosco, pelo contrário... Fomos muito bem recebidos pelas sacerdotisas.
ELIMELEQUE— O que fizeram todo esse tempo no templo?
MALOM— Apenas conversamos com as duas...
QUILIOM— Nos conhecemos um pouco... Infelizmente não durou mais porque elas tinham um compromisso.
NOEMI— Compromisso? Mas não fizeram um compromisso com vocês? Como podem trata-los dessa forma? Não são honradas?
MALOM— Calma, mãe... Elas são sacerdotisas e acumulam muitas responsabilidades. No momento em que conversávamos surgiu uma tarefa que elas precisavam fazer.
NOEMI— E sobre o que conversaram com essas mulheres?
QUILIOM— Não acha que isso é um pouco demais, minha mãe?...
MALOM— Nada demais, mãe. Rute e eu falamos apenas do nosso Deus. Ela se mostrou bem interessada...
QUILIOM— É perceptível em Orfa o potencial que ela tem pra se converter às nossas crenças.
NOEMI— Ah, com certeza você enxergaria isso, Quiliom.
MALOM— Apenas entendam que elas podem sim mudar, mesmo sendo sacerdotisas de um reino pagão.
Noemi os encara.
CENA 03: EXT. TEMPLO – PÁTIO – NOITE
Myra se despede de Rute e Orfa.
MYRA— Obrigada, sacerdotisas. Passar bem.
RUTE, ORFA— Obrigada.
Myra sai. Rute e Orfa caminham atravessando o pátio.
ORFA— Pensando longe, Rute? Está com a cabeça lá fora, em alguma das ruas?
Rute sorri.
ORFA— Sobre o seu amigo, o Malom, só tenho um porém.
RUTE— A questão do servo.
Orfa faz que sim.
RUTE— A violência vai contra as leis do Deus deles, Orfa.
ORFA— Mesmo?
Rute olha para Orfa e faz que sim.
ORFA— Que diferente...
RUTE— “Diferente”, essa é a palavra...
De repente Aylla chega ali no pátio.
RUTE— Aylla?
AYLLA— Oi, senhora Rute. Oi, senhora Orfa.
ORFA— Oi, Aylla.
Rute se aproxima de Aylla.
RUTE— Aylla... Como você está? Como foi lá com o rei?
Aylla pensa por alguns segundos.
AYLLA— Foi bom. É uma honra servir ao grande rei Zylom.
Rute a observa e seus beiços até se mexem iniciando uma frase de desaprovação àquela resposta de Aylla, mas, por fim, diz outra coisa.
RUTE— Eu sinto muito.
Aylla olha para ela estranhando.
AYLLA— Sente muito? Por que, senhora Rute?
Rute não sabe o que responder. Olha para Orfa que, com seu olhar incisivo, deixa claro sua desaprovação ao comportamento de Rute. Então olha de volta para Aylla.
CENA 04: INT. CASA DE LEILA – QUARTO DE NOEMI – NOITE
Noemi e Elimeleque estão deitados e abraçados.
ELIMELEQUE— Depois de muitas noites no chão duro, finalmente uma cama de verdade. Macia...
NOEMI— Eu nem lembrava que era tão bom assim...
Elimeleque ri.
NOEMI— Nossa primeira noite em Moabe. Primeira noite em outro reino, outra terra... Tão longe de casa...
ELIMELEQUE— Essa é a nossa casa agora, meu amor.
Noemi pensa uns segundos e faz que sim.
NOEMI— Nossa vida mudou muito. Há 1 ano a situação era completamente diferente...
ELIMELEQUE— Assim é a vida... Não tem como sabermos o que o Senhor reservou para nós, o que há no nosso caminho... O fato é que, independente do que há lá na frente, precisamos procurar estar sempre preparados. Seja uma boa coisa, ou mesmo uma má.
NOEMI— No nosso caso, uma ótima coisa. Porque mesmo estando tão longe de onde nascemos, eu estou com você. Com os meninos, com o meu Deus...
Elimeleque sorri e a beija.
CENA 05: EXT. BELÉM – RUA – NOITE
Pouca movimentação pelas ruas. Por ali, Tani e o Ancião conversam.
ANCIÃO— Eles não param... Todo dia acontece um novo ataque. Mal conseguimos ir investigar um ocorrido e já surge falatório de outro...
TANI— E o mais estranho é que esses homens devem viver aqui mesmo, em Belém, já que todos os assassinatos ocorreram aqui e nos arredores... E fazem tudo isso sem despertarem desconfianças, passam completamente despercebidos. Sinto que eles estão mais próximos do que imaginamos. Bem debaixo de nossos narizes.
ANCIÃO— No templo estamos orando a cada dia mais. O povo já está temendo até mesmo sair de suas casas. Veja como a rua está parada...
TANI— É, se bem que desde aquela tempestade, nada nunca mais foi o mesmo por aqui.
ANCIÃO— Sim, sim, é tudo isso... Mas tudo deriva de um mesmo problema.
TANI— A desobediência do povo.
ANCIÃO— Sim!
TANI— Vamos manter a esperança, senhor. Muitos estão aderindo ao plano de Boaz e Raabe, há diversos grupos de orações por aí... Eu sei que o senhor carrega muita responsabilidade e, não sei, quem sabe até algum sentimento de culpa, mas não fique assim... O povo está aprendendo. São os filhos de Deus, são como aquelas crianças difíceis, mas, no fundo, ainda são os filhos do Senhor. E, por essa razão, sei que vão conseguir sair desse pântano de pecado.
O Ancião sorri, mais ameno.
TANI— Uma vez que o povo e seu comportamento já estão meio encaminhados, atente-se à tal Caravana da Morte...
ANCIÃO— Sim, sim... Vamos nos concentrar nisso. Acredito que logo mais os soldados chegarão.
TANI— E aí quem sabe as ruas voltem a se encherem...
Observando o baixo movimento, o Ancião faz que sim...
CENA 06: INT. CASA DE SEGISMUNDO – SALA – NOITE
Satisfeitos com o banquete, os homens lambem os dedos. Um deles, Besta Louca, com seu habitual olhar sanguinário, observa Tamires, logo ali, comendo uma fruta. Ele bate no braço de outro e a aponta com a cabeça. Outros percebem e também começam a observá-la. Besta Louca então se levanta e vai até ela.
BESTA LOUCA— A fruta está gostosa?
Mastigando, Tamires apenas olha para ele.
BESTA LOUCA— Por que não me deixa provar dela?...
Com sorrisos maliciosos, os outros homens fazem companhia a ele e a cercam.
HOMEM— Comemos, mas ainda estamos famintos... Queremos todos uma mordida na sua fruta... Deve ser tão suculenta...
Levemente tensa, Tamires põe-se de pé. É quando Segismundo e Gael vem de outro cômodo e notam eles ao redor dela.
SEGISMUNDO— O que está acontecendo aqui?
Eles olham para seu chefe e dão uma recuada. Tamires os encara com fúria.
TAMIRES— Pra me tratarem como um prostituta babilônica, acho que seus homens perderam a noção da hierarquia que existe nesse grupo!
Segismundo se aproxima deles.
SEGISMUNDO— Como ousam?!
Eles ficam cabisbaixos.
SEGISMUNDO— Essa mulher--
TAMIRES— (interrompendo) Tamires!
SEGISMUNDO— Tamires... Tamires tem todo o meu apoio e toda minha proteção!
Ele passa olhando para cada um deles.
SEGISMUNDO— E não admito que nenhum de vocês, - nenhum! – a incomodem de qualquer forma que seja!
Tamires, cheia de si, os olha de cima para baixo. Então ela se aproxima do mais próximo, Besta Louca.
TAMIRES— Ajoelhe-se.
Ele a olha nos olhos, confuso.
BESTA LOUCA— Como?
TAMIRES— Ajoelhe-se. Agora.
Sob o olhar fulminante de Tamires, Besta Louca se ajoelha diante dela.
TAMIRES— Caso tenham se esquecido, eu criei esse grupo! Eu dei início à essa era de prosperidade que chegou às nossas vidas! Portanto, é a mim que cada um de vocês deve, acima de tudo, gratidão!
Segismundo e Gael se entreolham discretamente.
TAMIRES— A Gael vocês darão seus ouvidos. A Segismundo darão suas vidas e sua obediência. A mim... vocês darão seus ouvidos, suas vidas e sua obediência.
Os homens continuam cabisbaixos. Segismundo, quieto, olha de Tamires para eles. Gael permanece observando. Tamires então olha para Besta Louca, ajoelhado à sua frente.
TAMIRES— Você... É de Belém?
BESTA LOUCA— Não, senhora... Sou de um vilarejo a algumas luas daqui.
TAMIRES— Qual é o seu nome?
Devagar ele levanta a cabeça e olha para ela.
BESTA LOUCA— Pode me chamar de Besta Louca.
Tamires franze o cenho.
TAMIRES— Por que te chamam assim?
BESTA LOUCA— (leve sorriso) Porque eu matei meu pai e comi seu coração. Todos os dias ele chegava bêbado e espancava minha mãe. Um dia resolvi dar fim a esse problema.
Tamires tenta disfarçar seu desconforto e manter a pose superior.
TAMIRES— E então as pessoas do seu vilarejo passaram a te chamar assim...
BESTA LOUCA— Não, senhora. Foi minha mãe quem me chamou assim. Ela chegou em casa e me encontrou jantando. Fiz um ensopado delicioso com o coração do meu pai.
Tamires sorri chocada...
TAMIRES— Não é pra menos! Mesmo sendo sua mãe, é claro que ela se horrorizaria!
BESTA LOUCA— Minha mãe jantou comigo, senhora.
Tamires se esforça para disfarçar o incômodo.
BESTA LOUCA— E depois pediu para eu matar a irmã dela, a quem ela odiava desde criança.
TAMIRES— E você...
BESTA LOUCA— Eu a matei. E a enterrei no quarto da minha mãe, conforme ela pediu.
Tamires começa a descontrolar sua pose... De repente, transformando aquela sensação em superioridade, ela agarra o pescoço de Besta Louca e o aperta firme.
TAMIRES— Escute bem. Dentro desse grupo você poderá ser o que quiser. Agir conforme quiser quando estiver enfrentando nossos inimigos. Mas quando se trata de mim, é nariz pra baixo e olho no chão! Entendeu?!
Ele a encara.
BESTA LOUCA— Sim...
TAMIRES— Não ouvi!!!
BESTA LOUCA— Sim!
Quase tremendo, Tamires solta o pescoço dele, que leva a mão ao local.
TAMIRES— Todos vocês! De joelho, agora!
Segismundo faz que sim e eles se ajoelham diante de Tamires. Ele e Gael ao lado dela.
TAMIRES— Quem eu sou?!
CARAVANA— Tamires!
TAMIRES— QUEM EU SOU???!!!
CARAVANA— Tamires, nossa senhora!!!
Satisfeita, Tamires olha para eles com superioridade.
CENA 07: EXT. BELÉM – RUA – NOITE
Boaz, Josias e Neb caminham pela rua.
BOAZ— Neb, e aquela história de você ajudar com as moças?
NEB— Eu conheço algumas. Posso mostrá-las, apresenta-las. O problema... é que por agora estou muito atarefado.
JOSIAS— Atarefado? Com o quê?!
NEB— Ora, eu sou um homem ocupado! Amanhã ou depois eu os ajudo. Agora preciso ir. Shalom!
Neb então toma outra rua e vai embora.
BOAZ— Acho que ele está se fazendo de difícil assim por causa do que o meu pai falou pra ele.
JOSIAS— Rum, só pode...
CENA 08: INT. TEMPLO – QUARTO DAS SACERDOTISAS – NOITE
De frente para o espelho, Orfa mexe no próprio cabelo. Sentada em sua cama, Rute está pensativa.
RUTE— Uma coisa não sai da minha cabeça...
ORFA— Malom?
Rute continua pensativa... então olha para Orfa.
RUTE— Estou falando do Deus único. Que não requer sacrifícios. Um Deus que não necessita da morte de pessoas, de crianças...
ORFA— Não há dúvidas de que é tudo muito curioso, mas o seu interesse parece diferente, Rute.
RUTE— Pra você, tudo em mim é diferente, é estranho, é esquisito, é suspeito--
ORFA— (interrompendo) Mas é verdade, minha amiga!
Rute respira fundo. Então olha para Orfa novamente.
RUTE— Vem aqui... Vem aqui, Orfa.
Orfa se levanta, vai até a cama de Rute e se senta. Rute olha para ela quase como se fosse fazer um apelo.
RUTE— Diga-me... Não é maravilhosa a ideia de um Deus que não requer morte alguma?! Que requer apenas a obediência e o fazer do bem?!
ORFA— Sim, é claro que é, Rute! Mas isso não passa de uma fantasia, não existe! Deuses são vários, e sedentos por sangue! É assim que funciona, essa é a vida!
Insatisfeita, Rute vira para o lado. Aperta os beiços, franze o cenho...
RUTE— Será?...
Orfa a olha fazendo que não.
CENA 09: INT. CASA DE LEILA – SALA – DIA
O dia amanhece...
Encontramos Noemi, Elimeleque, Malom, Quiliom e Leila desjejuando à mesa.
NOEMI— Vocês falaram tudo isso para elas?!
MALOM— Sim, mãe.
ELIMELEQUE— (admirado) E dentro de um templo pagão, ainda...
NOEMI— Meus filhos... Estou impressionada!...
QUILIOM— Nos subestimava, não é, minha mãe?
NOEMI— Não é que eu os subestimava, mas dado o comportamento de vocês ontem, completamente encantados por essas mulheres, jamais esperaria que iriam até onde elas habitam e falariam assim de nosso Senhor.
MALOM— E pretendo falar ainda mais.
ELIMELEQUE— Isso mostra a maturidade de vocês.
NOEMI— Mas o que aconteceu?! O que foi que fez meus meninos peraltas se transformarem em homens maduros?!
QUILIOM— Mãe, você se lembra da nossa idade?
LEILA— É assim mesmo, Noemi. Eles nos surpreendem. E há de se levar em conta também a viagem de vocês.
NOEMI— Como a viagem se encaixa nisso?
LEILA— O deserto. Ele muda as pessoas. Ninguém o atravessa e chega do outro lado da mesma forma que saiu.
ELIMELEQUE— Você tem razão.
LEILA— O maior exemplo disso está no seu próprio povo. Na época em que saíram do Egito... 40 anos no deserto. Saíram como escravos e chegaram à Terra Prometida como guerreiros conquistadores!
MALOM— Às vezes Leila fala do nosso povo de uma forma que nem nós hebreus pensamos.
Eles riem.
NOEMI— Bom, mas sendo assim, fico um pouco mais aliviada com o fato de vocês retornarem lá hoje à noite. Continua não sendo de meu total agrado, mas...
Malom se levanta, vai até Noemi e a abraça.
MALOM— Ah, senhora Noemi, pode ir parando de se fazer de difícil... Quiliom e eu sabemos que você está encantada conosco e que já não sente incômodo algum.
NOEMI— Ah!...--
Noemi não consegue falar porque Malom a enche de beijos. Todos riem.
CENA 10: EXT. MOABE – RUA – DIA
Escondidos em um beco e atrás de uma barraca, Faruk e seu servo conversam baixo.
SERVO— Que bom que o senhor veio.
FARUK— Diga o que quer.
SERVO— Apenas pergunta-lo sobre os sacrifícios... Desde aquilo não fizemos mais nenhum.
FARUK— É ouro que você quer? A sua parte habitual?
SERVO— Não, meu senhor. Estou apenas preocupado.
FARUK— Pois imagine eu!
SERVO— Mas não havia ninguém lá, senhor. Eu mesmo chequei.
FARUK— E o anel?! Você também o ouviu caindo no santuário. Você o pegou da minha mão!
SERVO— Bom, se realmente havia alguém, o anel então não ajudaria a identificar o intruso?
FARUK— Não. Aquele tipo é usado por vários.
SERVO— Então bastaria ver quem está sem...
FARUK— Acha que não pensei nisso?! Eu sou o Sumo Sacerdote de Moabe! É claro que pensei em todas as possibilidades. O problema nesse caso é que eu não sei quem usa e quem não. São muitos no templo, e cada um com diversos anéis... Poderia ser qualquer um. E isso é que é o problema... Em quem confiar?
SERVO— Bom, eu sei que o senhor está receoso de continuar com os sacrifícios, mas acho que devo lembra-lo de todas as grandiosidades que o senhor tanto almeja, de tudo que o senhor quer alcançar...
Por alguns segundos os olhos de Faruk brilham... até que ele volta à realidade.
FARUK— Não me esqueço, não me esqueci de nada! É tudo o que eu mais quero. Mas, por enquanto, precisamos esperar um pouco mais.
O servo o encara, e IMAGEM CONGELA.
Obrigado pelo seu comentário!