Saudações, caros mancebos!
Bem-vindos a mais uma crítica do Primeira Impressão!
Como passaram da semana
passada? Confesso que essa minha semana não foi das melhores, principalmente
nos últimos dias, em que ficamos sabendo da partida do grande ator Chadwick
Boseman, conhecido mundialmente pelo papel do Pantera Negra no Universo
Cinematográfico da Marvel. Ao longo dos milênios perdi diversos ídolos
envolvidos na arte de contar histórias, mas poucos me tocaram dessa forma. Seu
trabalho significou muito em termos de representatividade e seu legado
certamente será eterno. O que me conforta é que ele está bem, está melhor e
entre os seus, em algum lugar dentro ou fora do frágil, mas arrojado tecido
existencial.
Bom, vamos tentar secar as
lágrimas por um pouco de tempo para que possamos falar sobre a webnovela de
hoje, que se trata de Força de um Sonho, escrita por Diego Silva e exibida aqui
no Ranable Webs. Confiram a sinopse:
“Janaína é moradora da
Rocinha, e vive em uma casa muito simples com sua mãe Leonor, seu pai Augusto e
seu irmão Wesley. Após a morte de Augusto, que foi brutalmente assassinado por
Jadson, Leonor fica viúva e precisa assumir a família; com isso as dificuldades
financeiras aumentam. Então, junto com Janaína, ela vai trabalhar na casa de
Paula. É quando Janaína conhece André, morador da Zona Sul do Rio de Janeiro.
Paula, ex-namorada do rapaz e racista, ao descobrir que foi trocada por Janaína
mostrará seu lado intolerante. No meio de toda essa história virá à tona um
debate relacionado às classes sociais e à toda desigualdade existente no nosso
país.”
Mancebos, hoje eu vou
apresentar a vocês um dos problemas mais recorrentes das produções artísticas
ficcionais, mesmo nas de grande orçamento: o diálogo expositivo. Vamos fazer um
pequeno exercício mental: você acorda pela manhã, encontra sua família à mesa
e, durante o desjejum, vocês conversam sobre o seu trabalho, que é em uma
central – chamada Cevavi – para onde as pessoas ligam a fim de desabafarem suas
angústias. Detalhe: você está lá há 1 ano. Então, mancebo, você diz que está
muito satisfeito com o seu emprego, que ouvir as pessoas é algo muito
importante e que em você as pessoas podem encontrar um escape para suas
aflições de alma... Daí você ainda diz que não se cansa, pois a Cevavi é muito
cuidadosa com a jornada de trabalho de seus funcionários, que segue as leis
corretamente, que você consegue ter seu tempo de descanso, de banheiro, de refeição
e tudo mais.
Vejam bem. Por que é que você
está dizendo tudo isso para sua família, que sabe há 1 ano onde você trabalha?
Se tem com eles intimidade o suficiente para falar tudo isso agora, certamente já
disse antes, já contou várias vezes sobre a natureza do seu emprego. A vocês
isso soa natural? Ou será que não parece que você está tentando informar uma 3°
pessoa ou grupo de pessoas, uma plateia invisível que está ali em sua cozinha e
que nada sabe sobre seu passado e presente?
Bom, de fato há uma
3° pessoa ali: o leitor. Uma das funções do autor de uma história é nos contar
sobre a vida daqueles personagens, mas isso não pode de modo algum ficar
artificial. Há maneiras e maneiras de expor um personagem sem que seja por meio
de uma auto narração. Querem identificar isso mais vezes em filmes e afins? O
termo “Você sabe que” é um dos maiores indicadores de diálogos expositivos. Se
a pessoa “sabe que”, então não tem porque dizer isso novamente, a não ser que o
autor queira desesperadamente informar o público sobre tal. E, infelizmente,
esse problema acomete os diálogos de Força de um Sonho.
Diálogos como os das cenas
de introdução de Paula e André e de Gael e Douglas dão um show de exposição. O
leitor sai bem informado sobre as opiniões e parte da vida dos personagens? Sim.
Mas de modo nenhum sente que presenciou uma conversa real entre duas pessoas reais.
O único diálogo que me soou de fato real foi aquele da cena 2, quando Augusto
vai até a boca de fumo do traficante Jadson. Nessa sequência o autor soube dar
personalidade a cada um dos envolvidos e a tensão do momento foi construída com
realismo.
Ainda sobre essa cena, a
descrição do cenário é igualmente competente, quase sendo possível sentir o
cheiro de drogas no ar. Mas não posso dizer o mesmo da cena anterior, a 1°, que
apenas indica, de maneira fria, que estamos na sala da casa de Augusto e Leonor.
E não é como se o autor quisesse dar um choque de realidade em nós, mostrando na
cena 2, após a demora de Augusto em voltar para casa, que é na comunidade da Rocinha que eles estão,
aumentando significativamente a tensão por conta do que pode ter ocorrido com o
homem. Pois mesmo essa 2° cena sendo bem ambientada, a indicação do local ocorre
como se dissesse que água faz bem para a saúde. Uma breve descrição do local em
que estão seus personagens é sempre bom, não tão essencial quanto a descrição dos
personagens, mas é sim bom.
Quem me acompanha desde o
início pode estar se perguntando se essa webnovela, assim como todas as 3 produções
criticadas anteriormente, também apresenta o problema de introdução dos
personagens. Bom, a resposta é: sim e não. E o que essa afirmação napolitana significa?
SIM, em Força de um Sonho diversos personagens são apresentados apenas por seus
nomes mais a ação que estão praticando. “X, Y e Z estão arrumando o objeto K em
cima da mesa”. Quem é X, Y e Z? Nem os sábios da lua de Éfhasus poderiam
adivinhar. NÃO, em Força de um Sonho diversos personagens são apresentados com
uma breve descrição sobre sua vida. “A é um jovem de 21 anos que, nos momentos
livres do estudo, adora ouvir pop e curtir uma praia para esquecer as
dificuldades financeiras de casa”. O mancebo pode estar se perguntando então qual
é o critério usado para escolher quais personagens são agraciados com uma digna
apresentação e quais não. É o mesmo usado pela alta e corrupta cúpula do reino
de Etrúria para me expulsarem por apoiar um poeta crítico ao governo: nenhum.
Em relação à parte mais
técnica do capítulo, infelizmente temos uma formatação problemática com rubricas
em excesso e espaços entre as palavras e os parênteses. E também frases da
narração que ora estão no passado, ora no presente. Mancebos, tomem muito cuidado
com o texto de vocês. É necessário decidir se a história será narrada no pretérito
ou no presente. Eu sou atemporal, seus personagens provavelmente não.
Uma das promessas dessa novela é tratar causas
sociais que estão em foco já há algum tempo, e, por isso, nessa estreia já
temos um episódio de (neologismo à parte) semi-racismo da vilã Paula para com
uma faxineira de um shopping. “Semi” pois o racismo ficou no olhar e no
pensamento, sem se transformar em uma ação. Ao contrário do que poderia acontecer,
a cena não soou forçada. Pelo contrário, se o autor fizesse de forma caricata,
talvez ainda assim continuaria realista, visto as barbáries que ainda ocorrem
por aí. E, por fim, chegamos ao final do capítulo com um gancho surpreendente e
muito bem descrito. A cena impressiona não apenas pela sequência gráfica, mas
também pela inesperada morte de um personagem que aparentemente protagonizaria
a novela; muito corajoso da parte do autor.
No geral, após essa estreia,
Força de um Sonho parece um conjunto de diversas histórias paralelas sem muita
relação entre si. Temos o núcleo da família de Leonor, o principal, e os outros
núcleos correndo em paralelo. E também não é possível identificar qual é a
trama central. Vejam bem, temos os personagens principais, sim, mas não a história
principal, que, nesse caso, deve se apresentar só nos capítulos subsequentes. E,
como já falamos antes, uma das funções da estreia é apresentar sua trama central.
Resta a mim torcer para que quem
acompanhe o restante da obra se depare com mais diálogos de personalidade, como
há sim nesse capítulo (mas pouco), e menos com textos expositivos. E aí caberá
a vocês me dizerem se o problema é ou não sanado no decorrer da trama.
Como eu disse na estreia do
nosso programa, o que me fascinou na obra escrita do planeta Terra há muito e
muito tempo foi a terrivelmente divertida esperança humana. Como então não
poderia me atrair por uma história com um título como esse, que exala a espera
por um futuro melhor? Dando-me ao luxo de molhar os lábios de meu espírito com o
inesperado frescor de tal esperança, anseio por futuras obras do autor com uma
evolução significativa em relação ao que vi aqui. E, agora que já estou
consumido por essa esperança, digo com certeza: acredito que isso acontecerá.
Novela: Força de um Sonho
Autor: Diego Silva
Capítulos: 21
Emissora: Ranable Webs
Clique aqui para ler o 1° capítulo
E essa foi a crítica de hoje. Concordam,
discordam? Leram a web? Comentem abaixo. Querem dar sugestões de obras a terem
suas estreias criticadas aqui? Também é só dizerem abaixo. Perderam a crítica da semana passada? É só clicar aqui para lê-la. Por hoje é só,
mancebos. Cuidem-se, protejam-se e até o próximo domingo com mais um programa
imperdível!
Em memória de Chadwick Boseman
#WakandaForever
Obrigado pelo seu comentário!