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Entre Laços Quebrados - Capítulo 06

 

 


Entre Laços Quebrados – 06

Criada e escrita por: Vicente de Abreu

Direção Artística: Ezel Lemos


Essa obra pode conter representações negativas e estereótipos da época em que é ambientada



CENA 01: QUIOSQUE DE SERGINHO – BÚZIOS | EXT. - DIA

Luciana está sentada em uma das mesas, visivelmente nervosa, enquanto Serginho, seu melhor amigo, serve uma xícara com água e açúcar.

LUCIANA: (nervosa) Serginho, eu não sei se consigo fazer isso...

SERGINHO: Você consegue sim, Lu! Você tem que contar ao Otto e à sua mãe. Eles vão te apoiar, tenho certeza!

Luciana balança a cabeça, ainda incerta.

LUCIANA: E se eles não aceitarem? E se ficarem decepcionados comigo?

SERGINHO: Eles te amam, Lu. Eles vão entender. E além do mais, você não está sozinha nessa. Eu estou aqui, sempre.

Luciana sorri, sentindo-se reconfortada pelo apoio de Serginho.

LUCIANA: (suspirando) Eu sei que posso contar com você, Serginho. Você é como um irmão pra mim.

SERGINHO: É claro, Lu! E agora, vamos lá. Você precisa tirar esse peso das costas.

Luciana respira fundo e se levanta da mesa, determinada.

LUCIANA: (virando-se para Serginho) Você está certo. É hora de encarar isso de frente.

Serginho sorri, orgulhoso da coragem de Luciana.

SERGINHO: Vai lá, Lu. Eu estou com você, não importa o que aconteça.

Luciana dá um último sorriso e sai do quiosque, pronta para enfrentar as revelações que estão por vir.

A câmera se afasta enquanto Serginho observa Luciana se afastando, com uma expressão de apoio e preocupação em seu rosto.


CENA 02: RUA DA LAPA - EXTERIOR - DIA


O sol escaldante do Rio de Janeiro ilumina as ruas movimentadas da Lapa. Leona, uma mulher transgênero de meia-idade com um sorriso acolhedor, caminha pela calçada em direção a um imponente casarão antigo. Seus cabelos longos e cacheados balançam suavemente ao vento. Enquanto ela se aproxima do casarão, seu olhar atento percebe uma pequena confusão.


Um morador de rua, sujo e desgastado, está agarrando a mochila de um jovem rapaz. O rapaz, visivelmente nervoso e desesperado, tenta resistir, mas parece estar em desvantagem.


LEONA: (com voz firme) Ei! Solte-o agora!


O morador de rua se vira para encarar Leona, surpreso pela intervenção. Ele hesita por um momento antes de soltar a mochila e recuar, lançando um olhar ameaçador antes de se afastar.


Leona se aproxima do jovem rapaz, colocando uma mão reconfortante em seu ombro.


LEONA:  Você está bem?


O rapaz olha para Leona, seus olhos ainda cheios de tensão e desconfiança.


RAPAZ: Acho que sim... Obrigado.


LEONA:  Não há de quê. Você parece precisar de um lugar para ficar. Venha comigo.


Ela oferece ao rapaz um sorriso caloroso e o acompanha em direção ao casarão.


CENA 3: CASARÃO NA LAPA - INTERIOR - DIA

O rapaz entra no casarão com cautela, observando atentamente o ambiente ao seu redor. A luz do sol entra pelas janelas antigas, iluminando a sala espaçosa e decorada com móveis antigos e coloridos. Leona coloca as bolsas do mercado na cozinha e volta com uma jarra de água. Seu sorriso continua radiante enquanto ela se aproxima do rapaz.*


LEONA: Bem-vindo ao meu lar.


O rapaz olha ao redor, ainda um pouco desconfiado, mas a presença acolhedora de Leona começa a tranquilizá-lo.


RAPAZ: Obrigado por me acolher.


LEONA: Aqui é um refúgio para aqueles que precisam. Sou Leona.


Ela estende a mão para cumprimentá-lo.


RAPAZ: (aceitando o gesto) Eu sou... Tiago, mas todos me chama de Tigre.


Os olhos de Tigre mostram um misto de gratidão e curiosidade enquanto ele observa Leona.


LEONA:  (com um sorriso gentil) Vamos conversar, Tigre. Você está seguro aqui.


[ Leona se senta em uma poltrona, enquanto Tigre permanece em pé. Leona acende um cigarro.]

LEONA: Quando eu era jovem, fui expulsa de casa por ser quem sou. Ser transgênero não era aceito na minha família. Eu estava perdida, sem ter para onde ir.

TIGRE: Deve ter sido difícil.

LEONA: Foi. Mas então, eu conheci Madame Carmen. Ela era uma figura notável na Lapa, uma cafetina respeitada. Ela me acolheu como se fosse sua própria filha. Me ensinou tudo sobre sobreviver nas ruas, sobre ser forte, sobre cuidar dos que são como nós.


*INICIO DO FLASHBACK*

INT. CASA DE MADAME CARMEN - SALA - NOITE

Leona, está sentada em uma poltrona ao lado da cama de Madame Carmen, uma mulher mais velha e imponente. Madame Carmen está deitada, visivelmente doente, mas sua voz ainda é firme.

LEONA: (preocupada) Madame, como a senhora está se sentindo?

MADAME CARMEN: (sorrindo fraco) Não se preocupe comigo, querida Leona. Eu já vivi muitas estações, e esta é apenas mais uma.

Leona segura a mão de Madame Carmen com ternura.

LEONA: (comovida) A senhora sempre foi como uma mãe para mim. Nunca poderei esquecer tudo o que fez por mim.

MADAME CARMEN: (olhando nos olhos de Leona) E nunca esquecerei o que você representa, minha querida. Você é uma mulher forte, corajosa e determinada. Uma mulher que a sociedade prefere ignorar, mas que tem mais valor do que muitos jamais poderão entender.

Leona abaixa os olhos, emocionada com as palavras de Madame Carmen.

LEONA: Eu não sei se mereço tanto elogio, Madame. Eu... eu só tentei sobreviver da melhor forma que pude.

MADAME CARMEN: (com voz firme) E é exatamente por isso que você é especial, Leona. Porque mesmo diante das maiores adversidades, você manteve sua dignidade e sua força. E é por isso que decidi confiar a você algo muito importante.

Leona olha para Madame Carmen, surpresa.

LEONA: O que quer dizer, Madame?

MADAME CARMEN: (com um sorriso fraco) Querida, este lugar, esta casa, este negócio... tudo isso um dia será seu. Porque você é a verdadeira herdeira do meu legado. Não por sangue, mas por tudo o que você representa. Por ser uma mulher que desafia os padrões impostos pela sociedade. Por ser uma mulher como eu, e como tantas outras que passaram por aqui.

Leona mal consegue conter as lágrimas que começam a brotar em seus olhos.

LEONA: (emocionada) Eu... eu não sei o que dizer, Madame. Não sei se serei capaz...

MADAME CARMEN: (com carinho) Você será capaz, minha querida. Porque você já mostrou ao mundo do que é feita. E agora é hora de você assumir seu lugar de direito.

Leona sorri através das lágrimas, sentindo um peso sendo retirado de seus ombros.

LEONA: Obrigada, Madame. Eu prometo honrar seu legado, com toda a minha força e determinação.

MADAME CARMEN: (com ternura) Eu sei que irá, minha querida Leona. Eu sei que irá.

A cena se desvanece enquanto Leona segura a mão de Madame Carmen com carinho, sabendo que um novo capítulo está prestes a começar em sua vida.


EXT. CEMITÉRIO. DIA. - DIAS DEPOIS…


No cemitério, uma neblina densa envolve o ambiente, dando uma aura sombria à cena. Leona e Rubi, vestidas de preto, estão de pé ao lado do caixão, onde Madame Carmen repousa em silêncio. Seus olhos vermelhos e inchados denunciam as lágrimas já derramadas, enquanto seguram lenços brancos entre os dedos trêmulos.

O vento sussurra entre as lápides, ecoando o lamento silencioso das duas mulheres. Leona, com a cabeça abaixada, passa a mão trêmula pelo cabelo de Rubi, buscando consolo mútuo. Rubi, com os olhos fixos no caixão, tenta conter soluços que escapam de sua garganta cerrada.

Ao fundo, o som abafado de terra caindo sobre o caixão ecoa como um lembrete da inevitabilidade da morte.


*FIM DO FLASHBACK*.

[Tigre olha para Leona com admiração.]

TIGRE: Ela soava como uma mulher incrível.

LEONA: Ela era. E agora, eu tento seguir seus passos. Eu abro as portas deste casarão para aqueles que foram rejeitados, para aqueles que precisam de abrigo, de amor, de família. Assim como Madame Carmen fez por mim.

[Tigre sorri, tocado pela história de Leona.]

TIGRE: Você é uma pessoa extraordinária, Leona. Eu não fazia ideia de tudo que você já passou.

LEONA: Nós todos temos nossas histórias, Tigre. E é isso que nos torna quem somos. Eu só espero poder fazer pelos outros o que Madame Carmen fez por mim.

[Tigre se levanta e abraça Leona.]

LEONA: Seja bem-vindo a família, Tigre. 


CENA 04: INT. LOJA DE SHOPPING - DIA

[TRILHA ON: https://www.youtube.com/watch?v=gte3BoXKwP0 -  Pocketful of Sunshine (Natasha Bedingfield) ]

Rubi, adentra o movimentado shopping com determinação estampada em seu rosto. Ela caminha pelas diversas lojas, seu olhar atento vasculha cada placa de "contrata-se" que encontra.

CENA 05: INT. LOJA DE ROUPAS - DIA

[TRILHA OFF]

Rubi para em frente a uma loja de roupas com uma placa chamativa: "Contrata-se Moças". Ela respira fundo e entra na loja. Dentro da loja, vendedoras e clientes lançam olhares curiosos na direção de Rubi, alguns discretamente sussurrando entre si. Rubi, ciente dos olhares sobre si, mantém sua postura firme e caminha até a gerente, que está organizando algumas peças de roupa.

RUBI: (com confiança) Com licença, eu vi que vocês estão contratando. Estou interessada na vaga.

A gerente, ao se virar e notar Rubi, parece hesitar por um momento, antes de formar um sorriso forçado.

GERENTE: (com frieza) Sinto muito, mas não estamos contratando no momento.

Rubi percebe a hesitação nos olhos da gerente e a falsidade em seu sorriso. Ela sente o peso do preconceito no ar.

RUBI: (com uma pontada de decepção) Entendi. Obrigada de qualquer forma.

Rubi vira-se para sair da loja, sentindo o olhar julgador das pessoas ao seu redor.


CENA 06: CASARÃO DE LEONA | INT. | DIA.

Rubi chega em casa, e ao abrir a porta se assusta ao ouvir Leona, que costumava ficar sozinha, conversando com alguém. Ela caminha até a sala. 

LEONA: (entusiasmada) Rubi, finalmente você chegou! Estava ansiosa para te apresentar ao Tigre.

Rubi sorri e demonstra uma certa desconfiança.

RUBI: (ironicamente) Oh, mal posso esperar para conhecer o Tigre. Espero que ele não seja muito selvagem.

Leona ri, enquanto guia Rubi pela casa até uma sala espaçosa onde Tigre está parado junto à um aparador onde vê as fotos dali, seu olhar é penetrante e confiante.

LEONA: (apresentando) Tigre, esta é Rubi. Ela é uma grande amiga, irmã. Minha filha, assim como você. Rubi, esse é Tigre, seu novo irmão.

Tigre vira-se para encarar Rubi, seu olhar é intenso, mas há uma faísca de curiosidade por trás da seriedade.

TIGRE: (com um sorriso enigmático) Bem-vinda, Rubi. É um prazer finalmente conhecê-la.

Rubi devolve o olhar de Tigre com igual intensidade, mantendo sua postura confiante.

RUBI: (erguendo uma sobrancelha) O prazer é todo meu, Tigre. Sempre é interessante conhecer novos "irmãos".

Há uma tensão palpável no ar enquanto os três permanecem na sala, cada um calculando o outro com cautela, mas também com uma curiosidade inegável.


CENA 07: INT. CONSULTÓRIO DO DR. VIRGINIA - TARDE

Heloísa está sentada na sala de espera, mexendo nervosamente em suas mãos. Ela olha para o relógio na parede, o tic-tac parece ecoar em seu peito acelerado. Finalmente, a porta se abre e Dra. Virginia aparece, com uma expressão séria.

DRA. VIRGINIA: (com tom sério) Heloísa, por favor, entre.

Heloísa se levanta rapidamente e segue até o consultório.

CENA 08: INT. CONSULTÓRIO DO DR. VIRGINIA - CONTINUO

Heloísa senta-se, ansiosa, enquanto a Dra. Virginia pega um envelope da mesa.

DRA. VIRGINIA: Recebemos os resultados dos seus exames, Heloísa. E infelizmente, eles confirmaram nossas suspeitas. Você tem endometriose.

Heloísa engole em seco, seu rosto empalidece instantaneamente.

HELOÍSA: (com voz trêmula) Endometriose? O que isso significa?

DRA. VIRGINIA: Significa que as células do revestimento do útero crescem fora dele, causando dor, cicatrizes e, no seu caso, infelizmente, pode afetar a sua capacidade de conceber.

Heloísa se sente atingida em cheio pelas palavras do médico. Seus olhos enchem-se de lágrimas enquanto ela tenta processar a notícia.

HELOÍSA: (lutando contra as lágrimas) Isso... isso quer dizer que eu não posso mais ter filhos?

O Dr. Virginia abaixa o olhar, sabendo que suas palavras serão devastadoras.

DR. VIRGINIA: Eu temo que sim, Heloísa. A endometriose pode tornar a concepção muito difícil, senão impossível.

Heloísa solta um soluço angustiado, uma onda de desespero tomando conta dela. Ela cobre o rosto com as mãos, incapaz de conter a torrente de emoções que a inundam.

HELOÍSA: (entre soluços) Não... não pode ser verdade...

O Dr. Virginia tenta oferecer palavras de consolo, mas parece impotente diante da dor de Heloísa.

DR. VIRGINIA: Eu sei que é uma notícia difícil de aceitar, Heloísa. Mas você não está sozinha. Há opções de tratamento e apoio disponíveis para ajudá-la a lidar com isso.


[INSTRUMENTAL ON: Dark Piano - Schizophrenia]

A câmera lentamente se afasta, mostrando Heloísa ainda em choque. Seu olhar vazio fixa-se no chão, onde uma tempestade de emoções agita-se como um mar revolto.

As paredes parecem se contrair ao seu redor, como se o próprio espaço estivesse conspirando para esmagá-la. E então vemos Heloísa olhando ja fixamente para Dra. Virginia, que conversa, mas não conseguimos entender por que Heloísa se concentra na sua própria mente.

VOZES (em sussurros incessantes): Você falhou. Você é incapaz. Uma alma fadada ao vazio.

Os sussurros se transformam em gritos, cada palavra como um punhal perfurando a alma de Heloísa.

VOZES (gritando): Nunca serás mãe! Nunca serás mãe!

Lágrimas escorrem pelos olhos de Heloísa, mas ela se recusa a sucumbir ao desespero. Seu coração, dilacerado pela notícia devastadora, ainda pulsa com uma determinação feroz.

As vozes continuam seu assalto implacável, enchendo o consultório com sua cacofonia cruel.

VOZES (num coro infernal): Fracasso! Fracasso! Fracasso!

Heloísa cobre os ouvidos, tentando abafar o clamor angustiante que a consome por dentro. Mas as vozes persistem, envolvendo-a como uma névoa sombria que ameaça sufocá-la.


Heloísa se levanta abruptamente, jogando todas as coisas da mesa no chão. Uma mistura de raiva e desespero em seu rosto.

HELOÍSA: (com crescente desespero) Eu não pedi por isso! Eu não mereço isso!

Close no rosto de Heloísa demonstrando a expressão de dor e raiva pela notícia.


FIM DO CAPÍTULO









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