CAPÍTULO 14
uma novela de
FELIPE LIMA BORGES
livre adaptação do livro de Rute
Edição da Versão Reprise por
RAMON FERNANDES
EDIÇÃO:
Restante do Capítulo 21 + Capítulo 22 ORIGINAL (SEM CORTES)
CENA 01: EXT. BELÉM – RUA – NOITE
Salmon, Raabe, Boaz, Josias e Neb caminham observando a cidade.
SALMON— É lamentável que nosso povo tenha deixado a situação chegar a esse ponto...
RAABE— Acha que isso é consequência de atos malignos, Salmon?
SALMON— Você ouviu Elimeleque e Noemi... Os hebreus estão distantes do Senhor em todas as tribos.
Neb caminha ao lado dos rapazes, mas alonga os passos e alcança Salmon e Raabe.
NEB— Meu tio, minha tia, gostaria apenas de dizer-lhes que estou aqui para o que precisarem. Não nasci nessa cidade maravilhosa, mas como morador há 25 anos, creio que posso ser-lhes mui útil aqui.
RAABE— Agradecemos muito, Neb. É um homem prestativo.
NEB— Estou às ordens. Por favor, me acompanhem. Eu os levarei à hospedaria.
Salmon e Raabe sorriem. Boaz joga um olhar de cumplicidade a Josias e continuam a caminhar.
CENA 02: EXT. BELÉM – CAMPOS – ALVORADA
Os primeiros raios de luz começam a surgir no horizonte. Pouco a pouco, o escuro da noite vai dando lugar ao azul.
Elimeleque guia o cavalo que puxa a carroça onde está Noemi e a maioria dos objetos de casa. Malom e Quiliom vem logo atrás, guiando as ovelhas. Caminham pelo campo desolado. É extremamente nítido as marcas dos raios e do vendaval que deixou o chão em solo nu.
Pouco depois, eles passam por uma carroça retorcida e que ainda arde melancolicamente em chamas. É aquela que foi carregada da cidade e atingida por um raio no ar. Elimeleque e Noemi olham com certa angústia e continuam a caminhar.
No horizonte ao lado deles já há uma claridade considerável, mas o céu acima ainda é escuro e as estrelas persistem em brilhar. Notam, ao longe, animais à procura de comida, aves fugindo...
Então chegam ao pé de uma elevação. Elimeleque olha para a subida, abraça Noemi e vão.
Alguns momentos depois, eles chegam no alto da elevação e param cansados. Malom nota algo lá atrás e olha. Todos o percebem e fazem o mesmo: é Belém. A destruição é perceptível, e de alguns pontos ainda sobe uma fumaça escura.
Noemi soluça enquanto lágrimas escorrem por seu rosto. Elimeleque a abraça e a vira para que partam.
E eles partem.
FADE OUT:
FADE IN:
CENA 03: FLASHBACK: EXT. PLANÍCIE DESÉRTICA – DIA
Rute está de volta ao dia da batalha contra os amorreus. Ela mais uma vez despeja um pouco de óleo na testa da menina deitada na mesa de pedra. Depois espalha com o dedo enquanto Orfa amarra as mãos da garota.
A Sacerdotisa Myra desembainha um punhal, se aproxima e ergue a arma apontada para a menina.
MYRA— Deuses de Moabe!
Diferente do que aconteceu na realidade, Rute começa a se mexer incomodada. Balança a cabeça, franze o cenho...
MYRA— Menina, prepare-se para conhecer o bafo quente de Mot, o grande e invencível senhor da morte!
Rute se desespera, mas não reage a altura. Continua a olhar pra lá, pra cá e para a lâmina prestes a desferir o golpe.
MYRA— Salve Baal!
A voz de Myra escoa.
MYRA— Baal, Baal, Baal, Baal...
Rute está tremendamente aflita.
MYRA— Que essa morte seja a morte de todos os amorreus!
Então Rute olha para a menina, mas já não é ela que está ali, e sim Aylla!
Rute arregala os olhos. Também desesperada, Aylla olha com dificuldade para Rute.
AYLLA— Me ajude...
Myra corta o ar com a lâmina na direção do peito de Aylla.
RUTE— (desesperada) NÃO!!!
CENA 04: INT. TEMPLO – QUARTO DAS SACERDOTISAS – AMANHECER
Rute acorda subitamente. Assustada, respira ofegante. Logo percebe que está suada. Os primeiros raios de luz adentram o quarto.
Olha para Aylla, que dorme confortavelmente em seus braços. Por alguns segundos, como que de forma a se confortar, ela contempla a menina dormindo. Acaricia seu cabelo.
RUTE— (sussurrando) Aylla. Aylla. Aylla...
Aylla se mexe e abre os olhos um pouquinho.
RUTE— Você precisa ir, Aylla... Ninguém pode nos ver aqui, ou seremos eternamente castigadas... Preciso leva-la.
Momentos depois, Rute acompanha Aylla, grogue de sono. Certifica-se de que Orfa está dormindo e vai para a porta. Rute abre, olha para os dois lados do corredor e sai com a menina. O que não percebem é que no meio tempo, Orfa acordou e as notou.
CENA 05: INT. TEMPLO – CORREDOR – AMANHECER
Guiando Aylla, Rute se espreita silenciosamente pelo corredor. Caminham com discrição, atentas.
De repente, um barulho vindo de um corredor que acaba naquele. Rute paralisa.
RUTE— (sussurrando) Alguém está vindo...
AYLLA— (com medo) E agora?...
Rute está visivelmente apavorada. Olha para a porta do quarto lá atrás, mas muito distante.
RUTE— É nossa única chance, não temos escolha. Vamos logo.
Rute e Aylla vão o mais rápido que podem. A todo momento ela olha para trás. O quarto ainda está muito longe quando ela nota sombras vindo daquele corredor. Então para.
AYLLA— Por que parou?! Não íamos voltar?!
RUTE— Shh.
O dono da sombra aparece e vira o corredor: é Myra. Ao nota-las, Myra para.
MYRA— Rute?...
Rute e Aylla olham para Myra.
MYRA— O que está fazendo com a candidata à oferenda?
Rute engole em seco.
CENA 06: EXT. CAMPOS – AMANHECER
Até onde se pode ver, não há coisa alguma no campo para se aproveitar, apenas o gramado e montes. A família de Elimeleque continua a caminhar por essa grande terra. Na carroça onde estão os pertences da família, Noemi vai sentada. Elimeleque guia o cavalo e Malom e Quiliom vão levando as ovelhas.
ELIMELEQUE— Podemos aproveitar pra avançar até próximo do sol à pino. E então paramos pra comer algo que eventualmente encontrarmos...
QUILIOM— “Eventualmente”...
MALOM— Não será fácil...
ELIMELEQUE— Ânimo, meus rapazes! Força! Tenham fé! Não pensem nas dificuldades, não olhem apenas para o que seus olhos se limitam a ver. Confiem! Creiam! E apenas avancem! Sem desanimar!
Malom e Quiliom fazem que sim e continuam. Elimeleque olha para Noemi, que sorri muito discretamente, e segue em frente.
CENA 07: EXT. CASA DE SEGISMUNDO – AMANHECER
Tamires bate forte na porta da casa. Alguns segundos e nada. Ela bate de novo.
SEGISMUNDO (O.S.)— Já vai, já vai!
Um barulho lá de dentro e Segismundo abre a porta. Está com roupa de dormir e semblante de sono.
SEGISMUNDO— Mas o que é isso, mulher?! Como pode bater na minha porta dessa forma tão cedo?!
TAMIRES— É Tamires! E se faço isso é porque não há tempo a perder!
Tamires passa por Segismundo e entra na casa.
CENA 08: INT. CASA DE SEGISMUNDO – SALA – AMANHECER
Ele fecha a porta e a olha.
SEGISMUNDO— Do que está falando? Explique as coisas bem certinho porque você acabou de me tirar da cama e eu estou lento ainda...
TAMIRES— Pois trate de ficar esperto. O Elimeleque, Segismundo! Ele e sua família já partiram de Belém!
SEGISMUNDO— Eu estava dormindo tão bem, e vem você--
TAMIRES— (interrompendo) Prepare todos os homens que conseguiu e partam imediatamente atrás deles! Foram na direção noroeste.
SEGISMUNDO— Não tenho muitos homens ainda.
TAMIRES— Não interessa. Vá com os que tem. Mas não deixe de fazer o que combinamos. Agora vá!
CENA 09: INT. TEMPLO – QUARTO DAS SACERDOTISAS – AMANHECER
Orfa vem da sua cama e para grudada à porta mal fechada. Olha para o corredor pela frestinha.
CENA 10: INT. TEMPLO – CORREDOR – AMANHECER
No corredor, Rute e Aylla olham receosas para a Sacerdotisa Myra, que mantém um olhar interrogador.
MYRA— E então, sacerdotisa? Estou esperando sua resposta.
RUTE — O que aconteceu, senhora, foi que me levantei para beber um pouco de água e encontrei a menina aqui no corredor, grogue e sem saber onde estava... Aparentemente ela é sonâmbula.
MYRA— Sonâmbula... (para Aylla) Isso é verdade?
Aylla tem um pequeno susto com a pergunta feita diretamente para ela e engole em seco. Logo em seguida balança a cabeça confirmando. Myra parece acreditar; então olha para Rute.
MYRA— Apesar do destaque que ela vem tendo na seleção, não é bom que uma sonâmbula seja sacrificada aos deuses. Sua alma pode lhes causar indigestão.
RUTE— Perdão, grande Sacerdotisa, mas acredito que podemos tratar isso com relativa facilidade. E visto os resultados que Aylla vem tendo, vejo como um esforço que compensa.
MYRA— Certo. Pois então cuide disso. Mas agora voltem para a cama, pois falta pouco para dar o momento de se levantarem.
RUTE— Com todo o respeito, senhora, mas por que já está de pé?
MYRA— Minhas obrigações de Sacerdotisa exigem que eu esteja bem acordada antes mesmo de o sol nascer. Quem sabe um dia você esteja no meu lugar e saiba como é.
Rute faz que sim sorrindo.
MYRA— Tenham um bom dia.
Elas abaixam o olhar e Myra passa elegantemente por elas. Da fresta da porta, Orfa vê a Sacerdotisa passar. Em seguida, Rute olha para Aylla.
RUTE— Você está bem?
AYLLA— Sim...
RUTE— Venha aqui.
Rute e Aylla caminham de volta para o quarto. Orfa não tem tempo de sair dali, e Rute abre a porta e a vê de pé.
RUTE— Orfa?...
ORFA— Rute... (olha uma vez para Aylla) Você não a encontrou no corredor.
Rute é mais uma vez surpreendida e engole em seco.
CENA 11: INT. HOSPEDARIA – SALÃO – AMANHECER
Sentados à mesa comendo, estão Salmon, Raabe, Boaz, Josias e Neb um tanto deslocado. O dono se aproxima menos carrancudo que normalmente.
DONO— Sei que não é muito, senhor Salmon, e tampouco está perto do que normalmente sirvo a quem vem até minha hospedaria, mas nesses tempos de crise, acredito que dê pra enganar o estômago...
Salmon lambe os dedos.
SALMON— Está maravilhoso.
RAABE— De onde você disse que essa comida veio mesmo?
DONO— Consegui com alguns mercadores que vieram mais cedo. Parece que trouxeram de outros reinos. Mas fiquem à vontade, qualquer coisa é só me chamarem.
RAABE— Obrigada.
O dono volta para trás do balcão. Neb tenta chamar a atenção de Salmon.
NEB— E a viagem, como foi, tio? Passaram bem?
SALMON— Tudo muito bem, graças ao bom Deus.
NEB— E Laquis, como está? Nos meus tempos de mercador passei algumas boas vezes por aquela cidade.
SALMON— (lento) Apesar de tudo, Laquis continua sendo um ótimo lugar pra se viver.
NEB— E agora que o senhor e a sua família vieram pra Belém, quais são as expectativas?
SALMON— Tento manter as melhores possíveis... Neb, meu sobrinho, você vai me desculpar, mas agora eu só quero dormir um pouco. Andamos muito durante essa noite.
NEB— Claro, claro...
RAABE— Você foi o que mais andou, meu amor. Pode ir, eu vou daqui a pouco.
SALMON— Certo. Com licença.
Salmon se levanta, beija a esposa e vai para a escadaria.
BOAZ— Eu estou indo... E acredito que Josias também.
JOSIAS— Mal sinto minhas pernas, meu amigo!...
BOAZ, JOSIAS— Shalom.
Os dois também saem. Na mesa ficam Raabe e Neb com os braços na mesa e mantendo um semblante alegre.
RAABE— Você não comeu nada todo esse tempo, Neb... Não vai comer?
NEB— (desconcertado) Ahn, não, eu... Bem, é que, na verdade, eu não... não tenho como pagar...
RAABE— Neb, por que não disse?! Francamente, ficou todo o tempo nos vendo comer e não se manifestou!
NEB— Ahn, senhora, não se preocupe comigo--
RAABE— (para o dono) Senhor! Por favor, sirva este homem, ele está faminto! Ficará por nossa conta.
Neb mal disfarça o contentamento e o dono o olha meio desconfiado, mas logo começa a preparar a comida.
RAABE— Não deixe restos, ouviu bem? Agora vou repousar um pouco. Shalom, Neb.
NEB— Shalom, senhora Raabe.
Raabe se levanta e vai para a escadaria. O dono, a contragosto, se aproxima com a comida e serve.
DONO— Vê se come tudo, a comida é escassa!
Com aquela comida em sua frente, Neb mal percebe o dono. Feliz, ele começa a se fartar comendo e bebendo.
CENA 12: INT. CASA DE SEGISMUNDO – AMANHECER
Segismundo vem da rua e entra em sua casa. Ali estão Gael e quatro homens fortes e mal-encarados.
SEGISMUNDO— Gael... Então? São esses?
GAEL— Por enquanto sim.
Segismundo começa andar ao redor deles, olhando cada um.
SEGISMUNDO— Creio que Gael já tenha deixado vocês cientes de qual foi o motivo da criação da nossa Caravana da Morte.
ALGUNS— Sim.
SEGISMUNDO— Ótimo. Pois isso tem que estar extremamente enraizado na cabeça de cada um. Qual é a nossa luta, porque fazemos o que fazemos. No campo, os animais se viram pra sobreviver, e prevalece aquele que for o mais forte. Agora, se quiserem continuar pisando sobre a relva do campo, e não comendo-a pelas raízes, terão que lutar, lutar até o último momento. São tempos sombrios, de fome, escassez... Não podemos deixar que também a morte nos alcance. Todos têm isso em mente?!
TODOS— Sim!!!
SEGISMUNDO— Maravilha!... Nossa primeira missão tem não apenas nome, mas localização. Elimeleque e sua família saíram hoje da cidade em mudança. Nós sairemos, os alcançaremos, pegaremos toda sua comida e seus bens que podem ser trocados em comida, e então os mataremos.
MEMBRO— A todos?
Segismundo se aproxima devagar do homem e o encara, olho no olho.
SEGISMUNDO— Sem (pequena pausa) exceção.
O homem faz que sim e Segismundo sorri.
CENA 13: EXT. BELÉM – ARREDORES – AMANHECER
Segismundo, Gael e os quatro homens já estão montados em seus respectivos cavalos. Tamires também está ali, observando-os.
TAMIRES— (para Segismundo) Eu vou estar esperando pelas boas novas. Não me decepcione, Segismundo. Acabe com todos eles. Mas não se esqueça de deixar Noemi pra morrer por último.
Segismundo acena com a cabeça e vira o cavalo.
SEGISMUNDO— Avante!
Cavalgando, Segismundo passa à frente dos homens e os guia para longe dali. Tamires observa sorrindo.
TAMIRES— Finalmente você vai ter o que merece, sardenta imunda.
Ela cospe no chão.
CENA 14: EXT. CAMPOS – MANHÃ
O pequeno grupo continua a andar incessantemente. Noemi já não está na carroça, mas caminhando próximo a Elimeleque. Eles estão cruzando um vale.
MALOM— Estou chegando em lugares onde jamais pisei...
ELIMELEQUE— Não estamos nem próximos da terra mais distante em que estive nos tempos de mocidade.
Elimeleque olha para a esposa e percebe que ela está séria.
ELIMELEQUE— Meu amor... Está cansada? Não quer voltar para a carroça?
NOEMI— Eu estou bem, Elimeleque... Aguento caminhar.
Elimeleque se preocupa.
ELIMELEQUE— Meu amor, não fique angustiada... Vai dar tudo certo. Estamos indo para um lugar melhor.
NOEMI— Que lugar?
Elimeleque não tem essa resposta. Ele olha para os lados, para a frente... E continuam a caminhar.
CENA 15: INT. TEMPLO – QUARTO DAS SACERDOTISAS – MANHÃ
Esperando por uma resposta, Orfa encara Rute.
RUTE— Eu não vou enrolar com você, nem ficar mentindo. Aylla me procurou à noite, pois estava com medo.
ORFA— Rute, francamente, você não devia deixar ela entrar! Ela não devia entrar aqui--
Orfa se interrompe por causa da presença da menina. Rute percebe.
RUTE— Aylla, por favor, vá para o seu quarto. Aproveite o pouco de tempo que ainda resta pra ficar deitada.
Aylla faz que sim e sai. Orfa fecha a porta e segue Rute adentrando o quarto.
ORFA— Rute, o que você fez é expressamente proibido. Se aproximar, dessa forma, de uma das candidatas... No mínimo, no mínimo, podem te acusar de privilegiar essa menina! O que talvez não fosse mentira...
RUTE— Assim você me ofende, Orfa. Não quero privilegiar ninguém, apenas recebi uma menina com medo.
ORFA— Uma menina que não pode ter medo. Se ela quer ter o privilégio de ter sua alma servida aos deuses, então que se comporte como tal. E vir até aqui com o rabinho entre as pernas, feito uma plebeia qualquer, é muito baixo.
RUTE— Olha, Orfa, eu sei que eu errei. Sei mesmo. E por isso te digo que isso não vai acontecer de novo, tudo bem?
ORFA— Hum.
RUTE— Pode guardar esse segredo?
ORFA— Claro, Rute, claro. Mas, por favor, me ajude a te ajudar!
Jogada na cama, Rute faz que sim.
CENA 16: EXT. DESERTO – MANHÃ
Conforme a manhã avança, Elimeleque e sua família avançam pelas paisagens deslumbrantes de Israel. Estão passando por uma região de árvores com grandes sombras. Então vão para baixo de uma delas, e começam a beber água.
ELIMELEQUE— Certo, precisamos pensar em um lugar específico para irmos.
MALOM— Hebrom está do mesmo jeito, Laquis idem...
QUILIOM— Será que as outras tribos também foram afetadas?
MALOM— Provavelmente...
QUILIOM— Pense em alguma que tem a fama de ser mais justa diante do Senhor...
ELIMELEQUE— Não existe isso, Quiliom. Se em Belém havia pessoas retas como nós, e todos foram atingidos, imagine se alguma tribo de Israel também não seria afetada por essa fome.
MALOM— Mas meu pai, se for assim, estamos andando em vão.
ELIMELEQUE— Talvez haja algum lugar que tenha sido menos afetado, não sei... Ou que, por ter menos pessoas, a comida que conseguirem seja maior por boca.
MALOM— Então vamos na direção dos vilarejos ao norte...
ELIMELEQUE— É uma boa ideia. O que acha, meu amor?
Noemi está sentada em uma pedra, bebendo água.
NOEMI— O que você decidir, meu amor...
QUILIOM— Oh, mãe...
Quiliom se aproxima da mãe e a abraça. Ela acaricia a mão do filho e a beija.
ELIMELEQUE— Então está decidido: vamos em direção ao norte. Serão alguns dias de viagem.
De repente, um barulho vindo dos arbustos atrás deles; olham assustados. Malom e Quiliom levam a mão às espadas. As folhas se mexem, e então surge um rapaz carregando algumas bolsas de couro. Ele se assusta ao encontrar os quatro ali e para.
RAPAZ— Oi...
ELIMELEQUE— Olá... Quem é você?
RAPAZ— Eu... me chamo Dov. E vocês?
ELIMELEQUE— Sou Elimeleque. Essa é minha esposa Noemi e nossos filhos, Malom e Quiliom.
DOV (30 anos) se aproxima mais.
DOV— Parece ser uma ótima família...
ELIMELEQUE— São sim. Vamos, sente-se, beba um pouco de água.
DOV— Ah, não se preocupe, senhor, tenho o suficiente aqui. Abasteci no último riacho que cruzei. Ao menos eles não foram afetados.
ELIMELEQUE— E de onde você vem? Para onde está indo?
DOV— Estou fugindo da fome, em busca de um lugar melhor onde possa levar meus velhos paizinhos para cuidar deles. Pretendia ir até os vilarejos ao norte, mas estão completamente arrasados. Então intentei viajar até as tribos vizinhas, mas soube que várias delas estão na mesma situação que Judá.
ELIMELEQUE— Então a fome é mesmo em toda Israel.
DOV— Sim, senhor, é o que parece. Todas as tribos foram castigadas.
ELIMELEQUE— Pouco antes de você chegar, nós resolvíamos justamente ir para os vilarejos ao norte. Parece que teremos que mudar nosso trajeto.
DOV— Exatamente, senhor Elimeleque. Ir até lá será em vão. Por causa disso eu tomei uma decisão drástica: vou para outro reino.
MALOM— Outro reino?...
QUILIOM— Isso pode ser perigoso... Para qual reino pretende ir?
DOV— Moabe.
ELIMELEQUE— Moabe?
DOV— Sim, senhor.
NOEMI— Por mais que lá não haja fome, eles são nossos inimigos antigos. Não o receberão bem.
DOV— Mas acredito, senhora, que é preferível arriscar. É minha única chance de salvar meus paizinhos. Por que não veem junto comigo?
Elimeleque olha para Noemi e para os filhos.
ELIMELEQUE— Parece que não temos escolha...
DOV— Ótimo! Será um prazer ter companhia nessa longa viagem. Vocês acabaram de animar o meu dia!
Dov pega suas bolsas.
DOV— Eu tenho um pouco de comida aqui. Um pouco de carne de um animal que abati...
NOEMI— Isso é seu, Dov. É pra você.
DOV— Tsc, mas o que é isso, senhora? Se vamos viajar juntos, precisamos compartilhar!
Todos eles se acomodam e começam a preparar as coisas.
DOV— Apesar disso, precisaremos economizar e comer apenas o suficiente. A comida precisa dar para a viagem toda, ou ao menos até às fronteiras de Moabe.
ELIMELEQUE— Enquanto preparamos as coisas, conte-me mais, por favor, sobre o caminho. Já viajei muito nessa minha vida, mas jamais saí de Israel.
Dov começa a explicar. A certa distância dali, no alto de uma elevação, Gael, montado, os observa preparar a comida. Faz um sinal e logo Segismundo e os quatro cavaleiros se aproximam.
GAEL— Eu os encontrei.
Segismundo olha, identifica e sorri.
SEGISMUNDO— Que maravilha...
GAEL— Quais são as ordens?
SEGISMUNDO— Vamos esperar o momento certo.
Pouco tempo depois, lá embaixo da árvore, Dov fala.
DOV— Eu vou procurar lenha para melhorarmos esse fogo.
Dov sai.
QUILIOM— Muito legal esse Dov, hein...
MALOM— E muito companheiro, também.
NOEMI— Como todo hebreu deveria ser.
De repente, um novo barulho vindo dos arbustos.
ELIMELEQUE— Dov?
Elimeleque, atento, tenta ouvir algo... Silêncio...
VOZ— AAAAAAHHHHHHH!!!!
No susto, Elimeleque, Malom e Quiliom sacam as espadas. Noemi se levanta e fica atrás deles.
QUILIOM— O que é isso?!
O barulho de movimentos nos arbustos começa a aumentar, a se intensificar... até que a Caravana da Morte surge ali! Gael, com seu habitual semblante tranquilo, carrega Dov de refém mantendo um punhal em seu pescoço. Segismundo, à frente e empunhando uma espada, se aproxima da família, que recua levemente.
SEGISMUNDO— (sorrindo) Elimeleque... Lembra de mim?
Dov aflito e preso no braço de Gael. Atrás deles, os quatro membros da Caravana apontando as espadas. De frente para eles, Elimeleque, Malom e Quiliom com suas espadas prontas para o uso, e Noemi atrás. IMAGEM CONGELA.
Obrigado pelo seu comentário!