Capítulo
02
Cena 01 – Porto de Pedras, Alagoas
[Externa/Tarde]
(Atônita, Luiza observa os destroços
do avião enquanto curiosos se aproximam da cena do acidente impressionados com
a cena que acabaram de presenciar).
LUIZA HELENA: Santo Deus, eu não posso ficar aqui parada, só olhando... Eu
preciso fazer alguma coisa! (Luiza vai até o mar e empurra seu barco rumo ao
local do acidente, em seguida liga o motor e segue rumo aos destroços na
tentativa de ajudar as vítimas).
(Em meio aos destroços, Luiza encontra o corpo de um homem
boiando e envolvido num colete salva-vidas, trata-se de Demétrio. Em seguida,
ela desliga o motor do barco, pula na água para ajuda-lo).
desvira o corpo do homem e vê o rosto de Demétrio, que está
desacordado. Em seguida, Luiza checa se o homem está respirando e constata que
ele ainda está vivo) Moço, acorda! Vai, precisamos sair daqui, você precisa de
ajuda médica...
Cena 02 – São Paulo - Ruas
[Externa/Tarde]
Música da cena: Flores No Jardim -
Llari
(Um ônibus estaciona em uma das paradas solicitadas por uma
passageira. As portas traseiras se abrem e alguém desce. Pelos passos que
percorrem a calçada, notamos as sapatilhas de uma moça. De costas, a moça
adentra em um prédio de aparência humilde e se direciona para um dos
apartamentos).
JUDITH: (Enquanto faxina, bate uma almofada na outra para tirar o excesso de
poeira).
FERNANDA: (Abre a porta do apartamento e logo começa a tossir) Credo! O que é
isso? Uma tempestade de areia do Saara?
JUDITH: Tem jeito não, Fernanda. Eu já fiz tanta gambiarra no aspirador de pó, só que o bichinho olhou na minha cara e pediu socorro. Então eu deixei o coitadinho
partir, ele morreu. Limpeza aqui agora, só do jeito tradicional.
FERNANDA: (Ri da explicação de Judith) Ai, Judith! Você tem cada história... Onde
está todo mundo? Meu irmão, minha mãe?
JUDITH: Seu irmão chegou de manhã da farra e até agora não levantou. Já a sua
mãe... Ela está no quarto apreciando os “recebidos”. (Ironiza).
(Fernanda abre a porta do quarto de
Glória bruscamente).
FERNANDA: Fazendo a limpa na casa do tio Demétrio de novo, mãe?
GLÓRIA: (Vestida em um hobby com plumas, Glória está deitada em sua cama com
rodelas de pepino cobrindo os olhos) Eu não sei porque você está usando esse
tom comigo, mocinha! (Diz ao descobrir os olhos).
FERNANDA: Mãe, o pouco que a gente tem é graças ao titio... Se a senhora continuar
se comportando desse jeito, ele vai romper de vez com a gente.
GLÓRIA: Eu não fiz nada demais, Fernanda. Tudo o que tem dentro daquela mansão
no Morumbi me pertence, por direito. Se hoje vivemos nesse antro de suburbano,
é realmente por conta do seu tio, mas ele ainda vai me pagar muito caro por
tudo que tem nos negado.
FERNANDA: Será que realmente a culpa é dele? A senhora nunca demonstrou um pingo
de carinho por ele e olha que ele é o seu único irmão, tudo sempre foi
dinheiro, jóias, luxos e viagens. Depois veio o que o papai roubou... Porque o
que ele fez foi um roubo! Aquele desfalque financeiro quase quebrou a revista,
o titio teve muito jogo de cintura para não quebrar.
GLÓRIA: Vai começar com essa ladainha de novo, minha filha? Por que você não
pode ser como o seu irmão? Eu investi tanto em você, como naquela vez que te
empurrei para os filhos dos Prado Guimarães.
FERNANDA: Em que ano você acha que estamos, mãe? Acorda! Estamos em 2021, eu sou
uma mulher independente, com objetivos... Eu não vou me casar interessada nos
bens futuros, no dia em que eu me casar, será por amor.
GLÓRIA: Amor? E você acha que aquele cara sem eira nem beira que você chama de
namorado vai te proporcionar o que? Ele vai te proporcionar miséria, um monte
de filhos, uma casa quente na favela e uma penca de filhos. (Debocha).
FERNANDA: Pois então que bom que temos ideias totalmente diferentes sobre esse
assunto, eu prefiro viver na pobreza e com amor, do que nessa vida sem
objetivos e cheia de miséria moral. (Dispara e em seguida se retira do quarto,
deixando Glória furiosa).
Cena 03 – Chesca’s – Comida Italiana
[Interna/Noite]
Música da cena: Tarantella Napoletana
(Instrumental)
(Durant e Francesca conversam no balcão do caixa. O pintor ri
das últimas aventuras entre a italiana e o vizinho da frente).
FRANCESCA: Pois foi isso, mesmo Durant! La polizia quase me leva todo
mundo preso, mas quem tinha que ir preso mesmo era aquele ordinário.
DURANT: (Sorri ouvindo a história) Olha, sinceramente vocês vão acabar
provocando a terceira guerra mundial aqui na Mooca. Vocês não se entendem
nunca, vivem em pé de guerra.
FRANCESCA: Olha Durant, lo giuro, lo giuro pela minha Madona que não
consigo entender como você consegue ser amigo dele.
DURANT: O Zeca é um cara incrível, o que acontece é que você ainda não deu uma
oportunidade de conhece-lo direito. Ele veio da Paraíba sem perspectiva
nenhuma, apenas com a roupa do corpo, viúvo, com um filho pequeno e o irmão a
tira colo. Olha quanta coisa ele já alcançou, é admirável... E outra coisa,
tanta implicância de vocês dois é estranho, hein?
FRANCESCA: Estranho? Mas como estranho? O que você quer dizer com isso?
DURANT: Não me leve a mal, mas eu acho que quem desdenha quer comprar!
FERNANDA: (Fernanda adentra no restaurante) Desculpa incomodar, gente... Durant,
eu bati lá na sua casa, mas ninguém saiu... Sabe do Rafael? Eu gostaria de
falar com ele?
DURANT: Ele ainda não voltou da faculdade, Fernanda. Aconteceu alguma coisa?
Você tá com uma carinha triste.
FERNANDA: Não é nada, vai passar... Não precisa se preocupar!
FRANCESCA: Uma mocinha tão linda assim, não quer tomar alguma coisa? É
por conta da casa...
DURANT: Eu acho melhor irmos lá pra casa, eu faço um café e nós dois esperamos
pelo Rafael... Além disso, pela hora ele já deve está chegando. Vamos?
FERNANDA: Vamos! (Responde sem jeito).
Cena 04 – Apartamento de Evandro, Heliopólis [Interna/Noite]
(Evandro observa um mural na parede
com diversas reportagens sobre Demétrio em fases distintas de sua vida).
EVANDRO: Tudo o que você tem, absolutamente tudo... Um dia, não muito distante
será meu! (Diz ao anexar a capa de revista que comprara no mural). Em breve
vocês terão notícias minhas, é questão de tempo!
Cena 05 – Hospital de Porto de
Pedras, Alagoas [Interna/Noite]
(Betinha anda pelos corredores do
hospital agitada, até chegar à recepção).
BETINHA: Você ficou louca? Não se fala em outra coisa nessa cidade. Que história é
essa de bancar a heroína? Você quer morrer também? Você poderia ter morrido,
sabia Luiza? (Dispara ao se aproximar da irmã).
LUIZA HELENA: Eu estou bem, Betinha! Eu vou relevar sua recriminação, pois
sei que no fundo é preocupação comigo, mas eu não me arrependo de nada, fiz o
que o meu coração pediu que eu fizesse.
BETINHA: Você arriscou a sua vida por um homem que nem sabe quem é!
LUIZA HELENA: Olha, aí vem o médico que está cuidando dele.
MÉDICO: Boa noite! (Diz ao se aproximar).
LUIZA HELENA: E então, doutor? Como ele está? Ele vai sobreviver, não vai?
(Questiona).
Cena 06 – Casa de Durant [Interna/Noite]
(Ao entrar em casa, Rafael estranha a presença da namorada
tão tarde em sua casa).
RAFAEL: Fernanda? Você aqui e essa hora, aconteceu alguma coisa? (Diz ao se
aproximar).
FERNANDA: O de sempre, a minha mãe...
DURANT: Bom, agora que você chegou eu vou para o meu ateliê no sótão. Se
precisarem, estarei lá. Com licença! (Sai em seguida).
RAFAEL: E então, agora que estamos sozinhos, você não quer me contar o que houve?
FERNANDA: (Beija e abraça Rafael) Eu só quero ficar assim com você,
grudadinha, até tudo ficar bem de novo. Eu não sei o que seria de mim sem você!
RAFAEL: (Abraça Fernanda e tenta consolar a namorada).
Cena 07 – Na Boca do Povo - Redação
[Interna/Noite]
(Ângelo sai do escritório, apaga a luz e fecha a porta. Logo
em seguida, ele se depara com Suzana em sua mesa).
ÂNGELO: Não está tarde para a senhorita ainda estar aqui?
SUZANA: Não podia ir embora sem olhar a edição que vai sair amanhã, está
imperdível... Tem treta da Anitta com o produtor, tem separação atriz da novela
das nove, relacionamento abusivo do cantor de axé e a modelo... Só bomba!
ÂNGELO: Não é o meu gênero de leitura favorito, mas felizmente é o que tem nos
sustentado, não é mesmo?
SUZANA: Eu adoro, não perco uma edição. Será que um dia eu serei capa de uma
revista dessa? Deve ser tudo... Mudando de assunto, teve notícias do Demétrio?
ÂNGELO: Nada, parece que ele queria sumir. Cavou um buraco no centro da terra e
afundou nele.
Cena 08 – Hospital de Porto de
Pedras, Alagoas[Interna/Noite]
(Demétrio está deitado em seu leito
de hospital de costas para a porta. O médico abre a porta e dá passagem para
que Luiza entre).
MÉDICO: Então Demétrio, como prometido...
Aqui está a sua heroína, essa é a Luiza Helena.
DEMÉTRIO:
(Vira-se e se
surpreende com a beleza de Luiza).
LUIZA HELENA: Prazer! Sente-se melhor? (Diz ao estender a mão em tom de
cumprimento).
DEMÉTRIO: O prazer é todo meu. Demétrio Martins de Andrade, eu estou
bem graças a você. Se não fosse você, teria morrido afogado. Não sei nem como
começar a te agradecer.
LUIZA HELENA: Ficando completamente recuperado, esse será o meu melhor
pagamento. Tenha certeza disso!
MÉDICO: Bem, acho que vocês têm bastante coisa para conversar, vou deixá-los a
sós. Com licença! (Sai do quarto em seguida).
DEMÉTRIO: E então Luiza, o que você faz da vida nessa cidade tão
bonita?
LUIZA HELENA: Ah, não é nada de tão interessante como o senhor deve fazer
na cidade grande. Eu sou pescadora!
DEMÉTRIO: Não precisa se diminuir... O seu trabalho é muito mais
honesto e digno do que o de muita gente. Aliás, eu não consigo imaginar uma
mulher com a aparência tão delicada fazendo tanto esforço braçal.
LUIZA HELENA: O nome disso é sofrimento, senhor. O sofrimento muda as
pessoas e consequentemente nos fazer ficar mais forte para não afundar... Eu
tenho que levar dinheiro lá pra casa, se não fizesse isso, nem sei o que seria
da minha família. Eu aqui falando de mim, mal deixei o senhor falar... Veio a
passeio?
DEMÉTRIO: Primeiramente, não me chame mais de senhor. Eu não sou tão
velho, sou? Me chame de Demétrio, é o mínimo depois de tudo o que você fez por
mim. Eu precisava fugir um pouco de coisas que me afligiam, viajei sem rumo,
não sabia ao certo qual seria o destino final, mas o destino escolheu que seria
aqui. Sabe Luiza, eu sinto que seremos bons amigos!
LUIZA HELENA: O senhor? Quer dizer... Você? Amigo de uma pescadora como eu?
Você elegante, percebe-se de longe que é culto e tem dinheiro. Como um homem
assim gostaria de ser amigo de uma mulher como eu?
DEMÉTRIO: Ah minha cara, tem tantas coisas que o dinheiro não compra...
Caráter é uma delas! (Conclui).
Cena 09 – Umbu-Cajá, Restaurante
Nordestino [Interna/Noite]
Música da Cena: Sampa – Caetano
Veloso
(Durante a transição de cenas,
imagens de São Paulo são apresentadas até surgir como plano de fundo o bairro
da Mooca. Zeca faz algumas contas no balcão, enquanto seu irmão Marcelo varre o
restaurante que já está fechado).
ZECA: (Para de anotar e observa o irmão varrer) Limpa isso direito, Marcelo!
Daqui eu estou vendo sujeira embaixo da mesa sete. Será possível?
MARCELO: Deixa de reclamar homem, esse chão está tão limpo que dá pra ver a sua
cara feia refletida nele. Você está precisando de óculos!
ZECA: (Sorri) Me ver refletido no chão de tão limpo? Pareceu a nossa mainha
falando. Que saudade dela e da nossa terra, que Deus a tenha.
MARCELO: Ô tempo bom... Já fazem tantos anos que chegamos aqui, mas eu ainda
lembro como se tivesse sido ontem. Laura sua esposa tinha acabado de falecer,
eu, você e Itinho viajando naquele ônibus clandestino... Quase três dias para
chegar aqui, mas chegamos e conseguimos construir a nossa casinha.
ZECA: Não me arrependo de ter escolhido vir para cá. Esse lugar nos rendeu
excelentes oportunidades, tenho certeza que o Ítalo ainda vai me dar muito
orgulho e vai deixar de ser avoado.
MARCELO: Não pressione o menino, Zeca. Ele ainda é muito jovem, vai conhecer uma
moça, vai colocar a cabeça no lugar e tomar juízo, você vai ver só.
ZECA: Assim eu espero! Meu filho é o meu bem mais precioso, tudo o que eu fiz
foi por ele.
MARCELO: Ele não disse quando volta de viagem?
ZECA: Você sabe como são os jovens de hoje em dia, quando eu pergunto ele diz
sempre a mesma coisa... “Pode crê”.
Cena 10 – Hotel, Porto de Pedras,
Alagoas [Interna/Manhã]
Música da cena: Rock And Roll Lullaby
– Alexandre Poli
(Após ter alta do hospital por estar fora de perigo, Demétrio
resolve se hospedar em um dos hotéis da cidade e Luiza o ajuda).
LUIZA HELENA: (Luiza oferece seu ombro para que Demétrio se apoie enquanto
caminha) Isso, muito bem... Devagar, devagar... Chegamos! (Diz ao abrir a porta
do quarto onde Demétrio ficará hospedado.
DEMÉTRIO: Foi muita gentileza da sua parte ter se oferecido para me
acompanhar até aqui.
LUIZA HELENA: Ué, não foi você que disse que seríamos bons amigos? Amigos
não abandonam os outros. Além disso, você ainda não conhece bem a cidade, é o
mínimo que eu poderia fazer.
DEMÉTRIO: Não gostaria de tomar café da manhã comigo? Eu não aceito não
como resposta, eu não gosto de comer sozinho.
LUIZA HELENA: (Olha para Demétrio surpresa com o convite).
Cena 11 – Ruas de São Paulo [Externa/Tarde]
(Durant caminha pelas ruas de São Paulo com um de seus
quadros embalados para fazer uma entrega a um de seus clientes. Do outro lado
da rua, Glória caminha distraída enquanto mexe no celular, sem perceber que
está sendo observada).
GLÓRIA: (Digita em seu celular completamente distraída).
ASSALTANTE: (Se apressa e segura a bolsa de Glória) Perdeu, perdeu... É
melhor soltar a bolsa, se não a chapa vai esquentar sua dondoca de merda!
GLÓRIA: Mas o que é isso? Eu não vou te dar a minha bolsa, me solta seu marginal!
Socorro... Socorro! (Grita)
ASSALTANTE: Solta, solta sua vagaba!
DURANT: (Ouve os gritos de Glória e percebe que ela está em perigo) Ei, ei...
Solta ela!
ASSALTANTE: (Empurra Glória que cai no chão e em seguida foge com a bolsa
dela).
DURANT: (Corre e atravessa a rua para ajudar Glória a se recompor) Você está bem?
(Diz ao estender a mão).
GLÓRIA: Era só o que estava me faltando para completar a maré de azar, perder
minha última Gucci... (Ao levantar a cabeça, Glória olha fixamente para
Durant).
Cena 12 – Praia do Patacho, Alagoas
[Externa/Tarde]
(Demétrio e Luiza Helena caminham
pela praia enquanto conversam).
DEMÉTRIO: Então quer dizer que seu pai faleceu há pouco tempo e você é
a única responsável pela sua irmã.
LUIZA HELENA: Exatamente, minha mãe morreu quando eu era muito jovem, devia
ter uns dezessete anos na época.
DEMÉTRIO: E você nunca pensou em mudar de vida? Proporcionar uma
situação financeira melhor para sua irmã, fazer com que ela estudasse, fizesse
uma faculdade?
LUIZA HELENA: Sim, esse é o meu maior sonho! Eu não pude estudar, porque
sempre que tive que trabalhar desde muito nova, mas eu quero muito que o
destino da minha irmã seja melhor, que ela possa ter um rumo diferente do meu.
DEMÉTRIO: Eu tenho certeza que você pode conseguir tudo isso, basta
você querer.
LUIZA HELENA: Como assim? Eu não entendi.
DEMÉTRIO: (Fala consigo mesmo em pensamento) Mas eu entendi, eu posso
te dar uma vida muito melhor do que essa que tem tido, cheia de privações e miséria...
É, acho que estou começando a ter uma excelente ideia!
A imagem foca em Demétrio olhando
fixamente para Luiza Helena. A cena congela e vira uma capa de revista.
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