Escuridão.
Sons
distantes... São vozes. Muitas vozes bradando incansavelmente, mas o que dizem
é incompreensível.
FADE
IN:
CENA
1: EXT. CAMPO – MORRO – DIA
Os
olhos castanho-claros estão bem abertos, e parecem fazer a função dos ouvidos
de absorver o que dizem as vozes. Agora conseguimos compreender o que dizem, e
trata-se de uma única palavra.
MULTIDÃO
(O.S.)
Débora!
Débora! Débora! Débora! Débora!
Ali,
ao pé do pequeno morro relvado, está apenas DÉBORA (38 anos) e JAZIEL (40
anos). Ela, apreensiva, parece não acreditar que a multidão invisível repete
incessantemente seu nome, como se a invocassem. Ele, sorrindo, a encoraja a
subir até o topo do morro.
JAZIEL
O que você
está esperando, Débora?! Suba! Vá, minha amiga! Todo o povo de Israel está do
outro lado te esperando!
DÉBORA
(nervosa) Mas...
JAZIEL
Débora! Não
vê que a clamam como juíza?! Vá, mostre-se a todos e tome o cargo que é teu por
direito!
DÉBORA
Não sei se
consigo!
JAZIEL
Débora,
escute... Você tem o dom da profecia, Deus falou com você, foi escolhida por
Deus! Como ainda pode ter dúvidas?!
Débora,
nervosa, encara o morro à sua frente e respira fundo. Toma coragem... e
finalmente começa a subi-lo. Enquanto isso, ouvimos sua narração.
DÉBORA (NAR.)
Ao longo da
história do meu povo, grandes homens estiveram à nossa frente. Homens valentes,
homens de Deus... Homens.
O
som da multidão aumenta conforme Débora se aproxima do topo do morro.
DÉBORA (NAR.)
Por um
instante, ouvindo o meu nome repetido incessantemente na boca do povo...
A
silhueta de Débora finalmente surge no alto do morro e a multidão vibra!
Recebem-na com palmas e gritos de aclamação!
DÉBORA
(NAR.)
...eu quase
me esqueço de tudo pelo que passei para chegar até aqui. Quase,
apenas... Pois jamais poderia esquecer.
ISRAEL, séc. XIII a.C.
Os
olhos de Débora, contemplando os milhares de hebreus homens, mulheres e
crianças espalhados pela planície, imediatamente marejam, transbordam e riscam
o seu rosto com lágrimas cristalinas. Nas fileiras mais próximas, rostos
conhecidos lhe sorriem orgulhosos. Involuntariamente seu sorriso de retribuição
se alarga para os amigos e parentes.
DÉBORA (NAR.)
Obediente.
Reservada. Quieta. São as qualidades que uma boa mulher deve ter. São as
qualidades que eu não tive... para me levantar como líder de minha nação... e mãe
do meu povo.
Débora,
emocionada, continua a encarar com carinho os milhares de rostos exultantes.
DÉBORA
(NAR.)
Esse é o
meu destino. É a vontade de Deus.
MULTIDÃO
Débora!
Débora! Débora!
DÉBORA
(NAR.)
Porém, nem
sempre foi assim.
Tela
escura imediatamente.
DÉBORA (NAR.)
Nem o
povo... nem eu.
Débora
CAPÍTULO 01
uma novela de
FELIPE LIMA BORGES
escrita por
FELIPE LIMA BORGES
baseada nos capítulos 3 a 5 do livro
de Juízes
FADE
IN:
CENA
2: EXT. CAMPO – DIA
Um
homem caminha por um campo puxando e guiando, por meio de uma corda, um
jumentinho sobre o qual está sentada sua esposa grávida. Ela, TAMAR (22 anos),
com a mão na barriga, parece aflita. ELIAN (25 anos) sabe do estado da mulher,
e por isso tenta ir rápido.
ELIAN
(preocupado) Já estamos
chegando em casa, meu amor...
TAMAR
(sentindo
dores) Elian... Eu não sei... se vou aguentar!...
Elian
para e olha para ela, que se aflige e cai do jumento. Ele corre e a segura
pelos braços, impedindo que ela desabe no chão.
ELIAN
Tamar!
Tamar, meu amor! Você está bem?!
TAMAR
(rosto
suado e olhos lacrimejando) Elian... Está nascendo, Elian...
O
semblante de Elian é um misto de euforia e desespero... Por alguns instantes
ele congela com os olhos fixos nos dela.
TAMAR
Elian...
ELIAN
(para si)
Nascendo... Nascendo, nascendo... Vai nascer... (para ela) Calma, Tamar,
calma! Eu vou... Eu vou chamar as parteiras e... meus irmãos também já devem
ter chegado... Espere aqui, fique bem quietinha que vou correndo até Betel
chamar a todos! Tudo bem?!
TAMAR
(ainda com
dificuldades) Tudo bem...
ELIAN
Ali...
Melhor. Embaixo de uma das palmeiras... Vou coloca-la na sombra. Venha, segure
em mim... Vamos...
Com
dificuldade, Elian apoia Tamar em seus braços e a ajuda a caminhar até o pé da
palmeira mais alta e bonita daquele local. Ali, senta-a escorada no caule da
árvore.
ELIAN
Espere por
mim. Eu já volto!
Ainda
com dores, Tamar faz que sim.
ELIAN
Não se
preocupe, meu amor! É dia de alegria! (sorrindo) Nosso filho... vai
nascer!
Tamar
força um sorriso amargo.
ELIAN
Já volto!
Elian
se levanta e sai correndo.
CENA
3: EXT. CAMPO – PALMEIRA – DIA – MAIS TARDE
Um
grupo de parteiras e ajudadoras cercam Tamar que, deitada com a cabeça apoiada
na palmeira, se esforça para parir o bebê. Mantendo certa distância, há um
grupo de homens que aguardam apreensivos. Entre eles está Elian, também aflito
com os gritos de esforço de sua esposa Tamar.
HOMEM 1
(preocupado) Se não for
agora, lá se vai a dignidade de nossa família, Elian.
DÉBORA (NAR.)
Estes são
os irmãos e primos de meu pai Elian. Todos eles tiveram filhas, meninas.
Nem um único varão. Meu pai era a última chance de haver um primogênito homem
na família e salvá-la da desonra. Todos confiavam que ele alcançaria tal
feito... inclusive ele próprio.
De
repente, o choro de um bebê. Elian, de costa para as mulheres, arregala os
olhos e encara o nada.
HOMENS
Nasceu!!!
Nasceu!!! NASCEU!!!
Todos
os homens pulam de alegria e abraçam Elian, que logo se desvencilha deles,
corre até as mulheres e para diante de Tamar (cansada e sorrindo suavemente)
segurando a criança. Mas, pouco a pouco, o semblante de Elian começa a cair e a
amargura da decepção toma seu olhar. Tamar olha para o marido.
TAMAR
É uma
menina...
As
parteiras sorriem e Elian expira. Inconformado, balança a cabeça negativamente.
TAMAR
Aproxime-se,
meu marido... Veja a nossa filha...
Elian
se afasta. Olha para a filha com desprezo e certa raiva.
PARTEIRA 1
Ela é
linda!
PARTEIRA 2
(para
Elian) Não vai pegar sua filha no colo?
Triste
e preocupada, Tamar encara Elian, que continua se afastando e mantendo seu
olhar negativo.
ELIAN
Não.
Imediatamente
ele vira as costas e vai embora para longe, deixando todos ali confusos e Tamar
triste...
CENA
4: INT. CASA DE TAMAR – QUARTO – NOITE
Na
grande cidade hebreia chamada Betel, em uma das casas, Tamar, sobre a cama,
brinca com a filha recém-nascida enquanto Elian, afastado, de pé e de costa
para elas, toma vinho encarando o nada com revolta. Ela olha para o marido.
TAMAR
Precisamos
escolher um nome para ela, Elian...
Elian
engole o vinho sem apreciar o sabor.
ELIAN
Eu tinha
vários. Todos nomes de menino.
Tamar
percebe o jeito insistente de Elian.
TAMAR
É sua
filha.
ELIAN
(virando
para ela) Eu não a pedi! Eu não queria essa menina!
Os
olhos de Tamar começam a lacrimejar.
TAMAR
Elian, não
fale assim...
ELIAN
Essa
criança é uma indesejada. Que decepção! Que desgosto passei na frente da minha
família! Você não imagina a sensação, Tamar, de ter que olhar nos olhos deles
sabendo que fracassou, que sua última esperança afundou na lama!
Tamar,
chorando, abraça a bebê.
TAMAR
Pare de
falar assim dela!
Elian
encara o nada.
ELIAN
Minha
família não tem futuro. Vamos ser apagados da memória. Não valemos nada.
Tamar
então pega a filha no colo e a olha com carinho.
TAMAR
(chorosa) Eu lhe
darei um nome... Débora. Como as abelhas: doce... e valente.
Encarando
a filha no colo, Tamar sorri em meio às lágrimas. Elian, ainda afastado,
balança a cabeça em desaprovação.
CENA
5: INT. CASA DE TAMAR – COZINHA – DIA
DIAS DEPOIS...
Trata-se de um único cômodo, o qual
chamam de cozinha. Além dos móveis, há ali um fogão de pedra emendado a um forno
de barro e a um balcão onde a comida é preparada. No centro, a mesa onde são
feitas as refeições e onde as visitas são recebidas.
Elian desce a escada
silenciosamente. Percebe que Tamar cozinha cantarolando enquanto a bebê,
deitada em um amontoado de panos na mesa, observa a mãe.
DÉBORA
(NAR.)
Naquele
tempo, se o filho primogênito morresse, o próximo a nascer adquiriria todos os
direitos de progenitura. Baseado nisso, meu pai tinha um plano para recuperar a
honra de sua família. Ele não aceitava ter perdido a última chance, queria mais
uma.
Sem
fazer se perceber, Elian se aproxima da filha e olha para Tamar, que continua
distraída com as tarefas de casa. Então, bem devagar, ele leva as mãos aos
panos e pega Débora no colo, que se mantém quietinha. Ainda sem a esposa ver,
caminha para a porta, abre-a e sai levando a filha. Tamar, alheia a toda a
movimentação, continua a trabalhar e a cantarolar.
CENA
6: EXT. BETEL – ARREDORES – DIA
A alguns metros da muralha da
cidade, Elian caminha levando Débora em seus braços. Nota que, ali próximo, uma
caravana de comerciantes se aproxima com suas carroças, jumentos e ovelhas.
Então ele para e os observa passar como quem não quer nada. Um ou outro oferece
algo, mas ele dispensa com um aceno.
Quando eles passam e se afastam,
Elian começa a andar na direção deles. Apressa os passos, mas de forma
silenciosa.
Finalmente
alcança a última carroça do grupo, cheia de tecidos novos. Confere se não estão
olhando para trás e, de forma rápida e eficiente, coloca a filha dentro da
carroça, em meio aos panos macios. Feito isso, sai correndo para o lado. Os
comerciantes não percebem nada e Débora, chupando os próprios dedinhos, vai
sendo levada pela carroça que se distancia cada vez mais de Betel.
CENA
7: INT. CASA DE TAMAR – COZINHA – DIA
Terminado
o serviço, Tamar limpa as mãos em um pano.
TAMAR
Pronto!
Então
ela vira para pegar a filha, mas paralisa ao ver que não há nada ali na mesa
além dos panos!
TAMAR
Débora?!
Débora! Débora!!!
Tamar
revira os panos, olha nos arredores, embaixo e em cima de tudo!
TAMAR
Débora,
minha filha!!! Débora, cadê você???!!! DÉBORA!!!
Nesse
instante a porta se abre e Elian entra calmamente.
TAMAR
Elian!!!
Elian, cadê a Débora???!!!
ELIAN
O que
aconteceu, Tamar?
TAMAR
Débora!!!
Ela sumiu!!! Eu a coloquei ali, estava trabalhando, ela estava logo atrás de
mim!... Eu... Eu não sei, não havia como ela sumir!... Ai, meu Deus!...
Elian
se aproxima.
ELIAN
Calma,
Tamar, calma. Respire! Respire e me explique direito o que aconteceu.
Tamar
então olha diferente para o marido. Desconfia de sua calmaria...
TAMAR
(chorosa e
desconfiada) Eu posso não ter explicado direito, mas ficou claro
que Débora sumiu.
Elian
engole em seco.
ELIAN
Eu sei,
mas... Preciso entender o que aconteceu, precisamos ter clareza para
procurarmos, para tomarmos uma providência...
Tamar
continua a encarar Elian.
ELIAN
O quê,
Tamar?
TAMAR
O que você
fez com ela, Elian?
ELIAN
Quê?! (pequena
pausa) Mas do que você es--
TAMAR
(interrompendo) O QUE VOCÊ
FEZ COM A MINHA FILHA???!!!!
ELIAN
Calma,
mulher, se acalma!
TAMAR
(batendo no
peito do marido) CADÊ A DÉBORA???!!! ME FALA ONDE VOCÊ A COLOCOU!!!
CADÊ ELA???!!! CADÊ ELA, ELIAN???!!!
ELIAN
(tentando
contê-la) Eu não sei! Eu não sei do que está falando!
TAMAR
FALA!!!
FALA, ELIAN!!! EU SEI QUE PEGOU ELA!!! SÓ PODE SER VOCÊ!!! CADÊ ELA???!!!
ELIAN
Na
caravana!
Tamar,
descabelada e com o rosto vermelho e repleto de lágrimas, para de bater nele e
o encara.
TAMAR
Quê?! Que
caravana?!
Elian
respira fundo.
ELIAN
Uma
caravana de comerciantes que passava pela cidade.
TAMAR
Onde
estão???!!! Para onde foram???!!! Fala!!!
ELIAN
Leste.
Tamar
mantém nele um instante de olhar de ódio imediatamente antes de sair em disparada
para fora de casa. Elian limpa o rosto absorvendo tudo o que aconteceu ali.
CENA
8: EXT. CAMPO – DIA
A
caravana de comerciantes continua caminhando tranquilamente pelo campo. Lá
atrás, Tamar aparece de entre as árvores e se aproxima correndo.
TAMAR
Parem!!!
Parem!!! Esperem!!!
Os
comerciantes a ouvem, param e olham para trás.
TAMAR
Parem!!!
Devido
à velocidade, Tamar para ao lado da antepenúltima carroça e começa a revirar
tudo. Os comerciantes estranham e se aproximam rapidamente para contê-la.
COMERCIANTE
Ei, ei!
Mulher! Você não pode fazer isso!
COMERCIANTE
2
Quem é essa
louca?!
TAMAR
Minha
filha! Minha filha está aqui! Cadê minha filha?! Soltem-me, preciso
encontrá-la!
COMERCIANTE
2
Filha?!
COMERCIANTE
Deve
realmente estar louca.
TAMAR
Não estou
louca! Eu--
Ela
é interrompida por um barulho, um choro... o choro de Débora. Num misto de
alívio e surpresa, Tamar vira para as últimas carroças e as revira, rastreando
o choro. Até que chega à última e finalmente encontra a bebê chorando em meio
aos panos.
TAMAR
Débora!!!
Minha filha!!! Graças a Deus!...
Chorando,
Tamar pega a filha e a aperta em seus braços. Os comerciantes estranham aquilo.
COMERCIANTE
Como aquela
bebê foi parar ali?
COMERCIANTE
2
Eu não faço
a menor ideia...
Confusos,
os outros homens também fazem que não.
TAMAR
Minha filha
amada... Meu amor... Mamãe está aqui, minha filha...
Alheia
a eles, Tamar vira as costas e, enquanto fala com Débora, toma o caminho de volta.
CENA
9: INT. CASA DE TAMAR – COZINHA – DIA
Sentada
à mesa, Tamar acaricia a filha que acaba de dormir em meio aos panos em que
estava antes de Elian pegá-la. Ele, meio receoso, se aproxima.
ELIAN
Como ela
está?...
Tamar
olha para ele.
TAMAR
Por que
quer saber? (pequena pausa) Você é um monstro.
ELIAN
Eu só
pensei na honra e reputação de minha família--
TAMAR
(interrompendo) Para o
inferno sua família!
Elian
arregala os olhos.
TAMAR
Como ousa
fazer isso comigo?! Com sua própria filha!
Elian
mexe os lábios, mas não encontra palavras. Tamar então se levanta e vai até a porta.
TAMAR
Fora daqui.
ELIAN
Tamar--
TAMAR
(interrompendo) Fora
daqui, Elian! Nunca mais vou viver sob o mesmo teto que você!
Elian
faz que não na esperança de que ela desista da ideia.
TAMAR
Você é
muito, mas muito pior do que eu pensava. Jamais poderia imaginar que faria algo
assim, Elian.
ELIAN
Tamar, por
favor--
TAMAR
(interrompendo) Você não
tem coração! É como... É como uma besta do campo, sem compaixão alguma, sem
afeto! Eu não quero mais ver você na minha vida!
Tamar
abre a porta.
TAMAR
Fora,
Elian! Agora!!! Suma dessa casa! Se possível, suma dessa cidade!
ELIAN
Eu sou o homem
da casa! Não pode me expulsar assim!
TAMAR
Então
procure os anciães! Fale tudo para eles! Mas não se esqueça de contar o ato
vil, baixo e covarde que cometeu, letra por letra! Aqui você não entra mais!
ELIAN
Meu odre.
Tamar
vai até um móvel, pega um odre e, ao invés de entregar ao marido, joga lá para
fora de casa.
TAMAR
Esqueça que
um dia teve esposa e filha.
Elian olha para Débora dormindo,
mas logo Tamar o empurra para fora. Ele ainda vira para ver a filha, porém Tamar
fecha a porta com força. Mentalmente exausta, ela se deixa escorar na porta e
cair sentada.
Então
se levanta, vai até a filha, senta-se ao lado e a acaricia devagarinho.
FADE OUT:
FADE
IN:
CENA
10: EXT. ISRAEL – CAMPOS E DESERTOS – DIA
Vemos
as paisagens montanhosas dos desertos e campos (esses cheios de palmeiras) de
Israel.
DÉBORA (NAR.)
Naquele
tempo, o meu povo vivia espalhado pela terra de Israel e cercado por diversos
povos inimigos que tentavam, a todo custo, se apossar de nossos campos
extremamente férteis. Como o nosso exército acabou após a conquista de grande
parte de Canaã há muitos anos (rebatizando essa área de Israel), algumas nações
conseguiram nos dominar com relativa facilidade. Foi o caso dos filisteus, povo
que viu em nós, hebreus, a chance de aumentar suas riquezas. E, por meio da
força, cobravam abusivos impostos. O motivo? Nenhum, é claro. E para manter o
povo pagando e desmotivar qualquer intenção de rebelião, não raramente atacavam
um povoado, destruindo tudo o que viam pela frente e até mesmo promovendo
chacinas. Era exatamente essa a situação na época em que eu tinha 12 anos de
idade. Porém, nesse tempo, minha maior preocupação era se safar das peraltices
que aprontava com o meu melhor amigo Jaziel, uma espécie de irmão mais velho, só
que sem o mesmo sangue.
CENA
11: EXT. BETEL – RUAS – DIA
Nas movimentadas ruas de Betel, a
população se divide entre continuar seus trajetos à pé e parar para ver as ofertas
dos diversos vendedores atrás de suas chamativas barracas.
Carregando
em seus rostos a clara intenção de aprontar alguma, dois adolescentes param na
esquina de uma rua e observam um vendedor de frutas na rua ao lado, um homem
baixinho e careca. Ela é DÉBORA (12 anos) e ele é JAZIEL (14 anos).
JAZIEL
(observando
o vendedor) Teodoro... Tenho certeza que esse sujeito fornece seus
produtos frescos para os filisteus a fim de poupar sua barraca em caso de
ataque. Velho safado e traidor.
DÉBORA
Você tem
certeza disso, Jaziel?
JAZIEL
É claro que
não. Mas quando foi que nós dois já tivemos certeza de algo, hum?
Débora
faz que sim.
JAZIEL
Está
pronta?
DÉBORA
Sim.
Jaziel
sorri e caminha até a barraca de Teodoro.
TEODORO
O que quer,
garoto?
JAZIEL
Ora, o que
todos querem quando vêm até aqui. (sorrindo) Minha pouca idade não
diminui o valor do meu dinheiro.
TEODORO
Rum...
Então, que fruta quer?
JAZIEL
Hum... Me
dê duas dessa.
Teodoro
pega as frutas, coloca-as em um saco de pano e entrega a Jaziel, que lhe dá uma
moeda.
JAZIEL
Shalom.
Rapidamente
Jaziel se afasta, mas Teodoro percebe algo de estranho na moeda recebida.
TEODORO
Ei... Isso
aqui é falso!
Nesse
instante Débora se aproxima por outro lado e, com toda sua força, empurra a
barraca do homem, fazendo desabar todas as frutas, sacos e moedas.
TEODORO
EI!!!
Débora
sai correndo e rindo e Teodoro dispara atrás dela.
TEODORO
Peguem essa
garota!
Débora
joga para trás o que encontra no caminho, mas o vendedor continua em seu
encalço. Em determinada altura, Jaziel sai de outra rua e se junta a ela.
DÉBORA
Ele é mais
resistente do que imaginava!
JAZIEL
Deixa
comigo!
Apesar da correria, Jaziel consegue
pegar uma banana em uma barraca no caminho, rasgá-la e jogá-la para trás. O
golpe é um sucesso, e Teodoro escorrega e desaba na rua. O povo, confuso e
assustado, olha dele para os dois adolescentes correndo dali.
Pouco
depois, em outra rua, eles param de correr com um sorriso no rosto.
JAZIEL
Cansei!...
DÉBORA
Ah!...
Ufa... Dessa vez pensei que não íamos escapar...
TEODORO
Mas não
escaparam!
Olham
na direção contrária e se surpreendem! Teodoro, sujo, está ali, de pé, olhando
para eles com ar de vitória.
CENA
12: EXT. CASA DE TAMAR – FRENTE – DIA
Segurando
Jaziel pela nuca com uma mão, Teodoro empurra de leve Débora na direção de
TAMAR (34 anos), que encara a filha com olhar de desaprovação.
TEODORO
Agora vou
levar essa outra peste para seu responsável. Shalom!
Pisando
duro, Teodoro sai puxando Jaziel. Tamar fulmina Débora com os olhos.
TAMAR
Pra dentro.
Débora
respira fundo e entra.
CENA
13: INT. CASA DE TAMAR – COZINHA – DIA
As
duas entram em casa.
TAMAR
(fechando a
porta) Débora, o que é que está acontecendo?! Você não é mais criança,
minha filha, está virando uma mocinha!
Débora
respira fundo e se senta.
TAMAR
Você
precisa se comportar como tal. Logo os moços estarão olhando para você de uma
forma diferente, de uma forma que as crianças não conhecem... Mas você passará
a conhecer.
DÉBORA
(emburrada) Sei do que
a senhora está falando e eu não quero casar! E não quero crescer também.
TAMAR
Oh, minha
filha... Débora, escuta... Eu já sou malvista por ser mãe solteira, daqui a
pouco vão querer me obrigar a casar para que um homem possa criar você!
DÉBORA
Nós não
precisamos de homem nenhum, mãe! Durante toda a nossa vida fomos só nós duas,
sem pai nenhum pra mim! Nunca precisei!
Tamar
parece pensar em coisas para falar, mas fica quieta.
DÉBORA
A senhora
fez muito bem em expulsar aquele homem horrível que foi seu marido. Estamos bem
sozinhas, juntas... Não precisamos de mais nada.
Tamar
a olha por um instante... Então, levantando-se, abre a boca.
TAMAR
Muito bem. Agora
vamos até lá pagar o estrago que você ajudou a causar.
DÉBORA
(se levantando) Mãe,
aquele homem, o Teodoro, é um traidor!
TAMAR
Não
interessa. Você também vai pedir desculpas a ele. Vamos.
DÉBORA
Mãe, ele
nem deve ter voltado à barraca ainda...
TAMAR
Vamos,
Débora.
DÉBORA
Mas mãe--
TAMAR
(interrompendo) Sem “Mas”.
E saiba que os seus serviços aumentarão aqui em casa, ouviu?
CENA
14: EXT. BETEL – RUAS – DIA
Tamar
e Débora caminham pela rua em silêncio quando, de repente, o som de galope
denuncia a chegada de vários cavaleiros vindo da entrada da cidade: soldados
filisteus, vestidos de couraças vermelhas e com espada nas bainhas. O pavor se
espalha pelas ruas e as pessoas começam a correr desordenadamente.
DÉBORA
Mãe! Vamos
por ali!
Elas
tentam ir na direção de uma rua lateral, mas a quantidade de pessoas correndo
em pânico faz com que elas esbarrem, trompem e se separem. Débora olha...
DÉBORA
Mãe! Mãe!!!
Nem
sinal de Tamar! Sumiu em meio ao povo desesperado. Débora então começa a correr
atrás de um abrigo, mas é difícil se locomover com as pessoas naquele estado.
De repente, uma figura a agarra e começa a arrastá-la dali em uma direção bem
específica.
DÉBORA
(tentando
ver quem a pegou) Ah!... Ah! Me solta! Me solta!... Ah!
Então
a figura misteriosa a arrasta para trás de uma mesa caída na rua e a esconde.
Com a mão do estranho pressionando sua cabeça, Débora olha por uma frestinha da
madeira e vê os soldados filisteus agredindo as pessoas e destruindo as
barracas. Então vira a cabeça e olha para a pessoa que a levou para ali:
trata-se de um homem de uns 35 anos. Rapidamente tira a mão dele de sobre a sua
cabeça e se ajeita, apesar de continuar escondida.
HOMEM
Você está
bem, Débora?
Débora
o encara com a testa franzida.
DÉBORA
Como sabe
meu nome?! Eu nunca o vi!...
O
homem se ajeita e a encara.
DÉBORA
Por que me
salvou, por que me trouxe?... Quem é você?!
O
homem engole em seco.
HOMEM
Meu nome é
Elian.
Débora
conhece esse nome, já o ouviu muitas vezes de sua mãe. Sabe bem de quem se
trata...
ELIAN
E eu sou
seu pai.
No semblante surpreso e confuso de
Débora, IMAGEM CONGELA
CONTINUA...
FADE OUT:
No
segundo capítulo: Os hebreus da cidade de Betel correm perigo com o
terror provocado pelos filisteus. E a reação de Débora e Tamar com o retorno de
Elian.
Obrigado pelo seu comentário!