Débora
CAPÍTULO 34
Últimas Semanas
uma novela de
FELIPE LIMA BORGES
escrita por
FELIPE LIMA BORGES
baseada nos capítulos 3 a 5 do livro
de Juízes
Sama e outras mulheres estão ali
limpando o chão quando chega um soldado acompanhado de outros; elas olham.
SOLDADO
Espero que
estejam cientes de que as crianças que não passaram nos testes devem morrer
ainda hoje.
Algumas mulheres franzem a testa e
se entreolham confusas e assustadas.
SOLDADO
Aqui está o
veneno.
O soldado coloca um pequeno frasco
na mesa.
SOLDADO
Vocês devem
misturá-lo à água e dar a elas. E quero isso pra logo.
Ele olha feio para todas elas, dá
meia volta e vai embora com os outros.
Chorosa, Sama olha para as
mulheres.
SAMA
Irmãs...
Por favor... Já que temos que fazer isso... vamos diminuir o sofrimento dos
pequenos.
MULHER
Do que você
está falando? O que propõe?
SAMA
Que
coloquemos o veneno na comida. A água envenenada seria amarga, mas na comida o
sabor é amenizado. E ao mesmo tempo já damos um último momento feliz e de
prazer a eles... (com dificuldade) Sofrerão menos...
Abatidas,
as outras fazem que sim concordando. Sama, amargurada, funga e limpa as
lágrimas.
CENA 2: EXT.
PALÁCIO – PÁTIO – DIA
De pé e com Elisa ao seu lado,
Darda, impressionada, encara Eloá e Danilo, sentados no banco.
DARDA
Por que
vocês fizeram isso?!
Eloá dá uma olhada por ali
conferindo se não há ninguém por perto.
ELOÁ
Fiquei interessadíssima
na figura de Débora e em todo o mistério que cercava aquela mulher. E o destino
cruzou os nossos caminhos... Tinha de significar algo.
Darda faz que não muito de leve.
ELOÁ
E,
principalmente depois de ouvi-la falar com suas próprias palavras, pensei mais
no Deus de Israel. Um Deus diferente... Que abriu o Mar Vermelho para o seu
povo passar... Que fez chover pão do céu... Que fez brotar água da rocha...
DARDA
Que deixou
seu povo ser escravizado pelo nosso povo.
ELOÁ
Ao que
parece, e se entendi bem tanto Débora quanto tudo o que já ouvi dizerem por aí,
foram os hebreus que se afastaram de seu Deus.
DARDA
Espere...
Quer dizer que o fato de os hebreus serem escravos é uma consequência de seu
afastamento de Deus?
DANILO
Exatamente.
DARDA
Uau...
Nossos deuses teriam nos matado se os abandonássemos. Não sobraria um em Hazor.
Mas isso que vocês estão falando... é como se fosse um castigo.
ELISA
E castigo é
sinal de amor.
DARDA
Sim...
ELISA
Será que...
Será que esse Deus... poderia ouvir a nós hazoritas? Me ouvir?
ELOÁ
Não sei...
É “Deus de Israel” que O chamam, não é?
DARDA
E o que
Débora queria aqui no palácio, Eloá? Você ainda não contou.
Eloá fica um tanto sem jeito...
Olha para Danilo. Por fim respira fundo e olha para Darda.
ELOÁ
Ela queria...
matar o senhor Sísera.
Darda
pisca, se ajeita, finge uma leve surpresa... Ela se identifica com o objetivo
de Débora.
CENA 3:
EXT. RIO – DIA
Débora e Jaziel estão sentados na
margem do rio. Ela se levanta de uma vez.
JAZIEL
O que foi?
DÉBORA
Se a chance
de derrota-lo é a máscara, é isso mesmo que eu farei.
Jaziel põe-se de pé também.
JAZIEL
Débora,
enlouqueceu?! Depois do que você passou, do que aconteceu, você precisa
descansar! Eu irei. Chamarei outros homens para me ajudarem.
DÉBORA
Não.
É quando ela nota o rasgo na veste
e a ferida na lateral da barriga dele. Também percebe que ele não está
totalmente ereto.
DÉBORA
O que foi
isso, Jaziel? Não parece nada bom.
JAZIEL
Quando
estava vindo para cá encontrei Bogotai, e ele me feriu.
DÉBORA
Vocês
lutaram?!
JAZIEL
Não. Eu
corri para te procurar.
DÉBORA
E, com isso
daí, ainda acha que pode enfrenta-lo? É claro que não.
JAZIEL
Você não
está muito melhor do que eu.
DÉBORA
Levei uma
surra, mas não fui ferida dessa forma. A sorte foi que o rio não era nada raso
naquele ponto.
JAZIEL
Foi sorte
ou foi Deus?
Débora o encara por alguns
segundos.
DÉBORA
É...
JAZIEL
Pois bem,
Débora. Se for, vá logo. Bogotai já está em Betel. Quem sabe já até matando... Não
gosto nem de falar! Se quer agir, vá de uma vez!
DÉBORA
Vou agora
mesmo.
JAZIEL
E saiba que
esse homem, o Bogotai... ele sabe sobre as crianças. As tais crianças
desaparecidas e sequestradas. Sísera sugeriu isso quando eu estava na cela.
Bogotai é o Primeiro Oficial. Sabe de muita coisa.
DÉBORA
Entendido.
JAZIEL
E
lembre-se: a máscara.
Débora faz que sim. Eles se encaram
por um momento... Até que ela vira e dispara a correr.
DÉBORA
(NAR.)
Eu tinha
ciência de que o que estava indo fazer não era muito inteligente. Porém, Jaziel
me trouxe um ínfimo fio de esperança. E era nela que eu confiaria com quase todas
as minhas forças. Quase todas, pois, por mais que eu não aceitasse muito bem,
ainda estava contando com o meu Deus.
Jaziel,
com dificuldade, olha para sua ferida.
CENA 4:
INT. FORTALEZA – SALÃO – DIA
Visivelmente com muita dificuldade,
Sama abre a porta e traz as crianças para comerem.
SAMA
Sentem-se
todos.
Ordenadamente os meninos e meninas
vão até os compridos bancos das mesas e se sentam comportadamente. Sama os
observa com os olhos bastante vermelhos e marejados.
SAMA
Não se
preocupem, crianças. Muito em breve... vocês estarão libertas... de todo
sofrimento.
Sem
compreender, as crianças a olham com um olhar inocente.
CENA 5:
EXT. BETEL – PRAÇA – DIA
Com quase todo o povo contido ali
em volta pelos soldados – deixando apenas a rua para o portão principal livre
-, Bogotai anda de um lado para o outro. Tamar e Lapidote, angustiados, estão
juntos de Elian, inconformado com aquilo tudo. Perto, Éder abraça a esposa
Isabel e o filho Mireu, que está ao lado de Laila, abraçada por uma chorosa
Adélia. Afastado desses, mas não menos receoso, Aliã, junto aos outros anciães,
clamam em silêncio.
Bogotai olha para cada um ali.
BOGOTAI
Sinto
informar, povo de Betel, que a ilusão de todos vocês chegou ao fim. Até agora
pensaram que do seio de sua cidade havia se levantado uma heroína. Uma mulher
que pensou que seria capaz de lutar por todos vocês, de defende-los... Mas, por
mais alto que um pássaro vá, uma hora ele precisa cair.
Lapidote e Tamar estão cada vez mais
aflitos.
BOGOTAI
Eu fiz com
que sua heroína caísse.
Um murmúrio toma o povo.
BOGOTAI
Débora está
morta, e fui eu quem a matou.
LAPIDOTE
NÃO!!!
Lapidote sai do meio do povo e
avança correndo, mas logo dois soldados o seguram.
LAPIDOTE
Não, me soltem!!!
Não!!!
Aproveitando a distração, outros hebreus
mais fortes ou corpulentos avançam e atacam Bogotai por todas as direções. Os
soldados jogam Lapidote de volta ao seu lugar. Bogotai, sem muita dificuldade,
derrota cada um dos homens com um único soco, chute ou empurrão.
Nisso, um menininho de uns 8 anos
se solta dos pais e vai até Bogotai, que já derrotou todos os que o atacaram. O
Primeiro Oficial olha para ele.
MENINO
Mentiroso.
Os pais do menino, encurralados
pelos soldados, gritam desesperados para que o filho volte imediatamente.
MENINO
Deus jamais
deixaria isso acontecer com a senhora Débora.
Apesar da máscara, todos notam que
Bogotai sorri ironicamente.
BOGOTAI
Com esse
menino eu começo a fazer o que farei com toda essa cidade.
O menino o encara sério. Bogotai
então levanta o braço, preparando-se para dar um soco. Quando ele tenta
desferir o golpe, seu braço não vai. Bogotai estranha. Duas mãos o seguram. Ele
olha e... Débora está ali, ao seu lado, usando de toda sua força para impedir o
soco.
Bogotai arregala os olhos e todo o
povo grita vibrando. No exato mesmo instante, Bogotai mete um soco nela com a
outra mão e ela tira uma das suas do braço dele e mete-lhe um soco: com os dois
golpes simultâneos, ambos caem para trás, cada um para um lado. O menino corre
para seus pais.
Débora e Bogotai se levantam, um
pouco distantes, mas um de frente para o outro. Lapidote abre a boca, quase não
se contendo de alívio, mas ao mesmo tempo com medo; está eufórico.
TAMAR
Graças a
Deus!!!
Éder parece não entender o que está
acontecendo. E, quase sem acreditar, Elian assiste sua filha encarar aquele
homem frente à frente.
Bogotai a olha de forma irônica.
BOGOTAI
Então você
voltou para morrer com o seu povo por testemunha.
DÉBORA
Não. Eu
voltei pra parar você.
BOGOTAI
Matei você
uma vez. Mato mais quantas forem preciso.
Débora, sem arma alguma, avança.
Bogotai tenta dar um soco nela, mas ela bloqueia abaixando o braço dele e, em
seguida, dando um soco em seu rosto. Ele é rápido, e também já dá outro nela, e
outro, e mais outro. Débora se afasta. Alguns ali, entre eles Aliã, clamam a
Deus pedindo que a proteja e a ajude.
Bogotai está mais ofensivo que
antes. Dá um soco no rosto de Débora com a direita, com a esquerda... Ela se
afasta cambaleando e ele a chuta, fazendo com que ela caia e role. Mas
rapidamente se levanta e se afasta preparando-se para se defender.
Bogotai vem. Débora quer acertar
sua máscara, mas quando ela intenta desferir o soco, ele dá nela. Ela vem com
outro em seguida, mas ele a bloqueia e dá mais um com sua outra mão. Débora dá
uns passos para trás e, com isso, consegue espaço para dar um impulso num soco
na direção da máscara. Porém Bogotai segura e paralisa a mão dela a centímetros
da máscara. Ela força para frente, para a máscara, e ele força na direção
oposta. Uma disputa de força...
Débora então usa seu outro braço
para prender o outro dele e consegue desprender a mão que estava presa por ele
e dá um, dois, três socos na máscara, mas nada acontece. Antes de levar o
quarto, Bogotai desvia se abaixando e, ao se levantar, dá uma cabeçada nela,
que vai para trás.
Quase todo o povo ali assiste com
extrema ansiedade.
Bogotai se aproxima de Débora e
tenta dar um soco, mas ela desvia para o lado e, na volta, a fim de proteger o
rosto, levanta o braço, o que faz com que, praticamente sem intenção, ela dê
uma cotovelada no rosto dele. O golpe faz com que a máscara se rompa! Uma
fumaça branca sai de dentro... Bogotai, surpreso, olha para a fumaça e,
impressionado, vira para Débora. Uma breve comemoração se ensaia entre o povo. Ela,
também pega de surpresa, tenta aproveitar o momento para desferir outro soco,
mas ele a agarra e a joga em uma parede ali ao lado. Rapidamente leva às mãos à
máscara tentando fechar a fenda de qualquer forma. Débora volta, ele lhe dá um
soco de qualquer jeito e ela vai para trás. Tenta consertar, mas não adianta,
não dá tempo, Débora está ali de novo. Ele dá outro soco, mas ela bloqueia e
tenta soca-lo, ao que ele também bloqueia, desvia o braço dela e, furioso, dá
socos na barriga. Agarra-a e a joga na parede. Furioso e alucinado por causa de
sua máscara avariada, ele vai para cima dela com vários fortes socos. Ela
consegue se desvencilhar rapidamente e, no impulso, ele soca a parede, que
racha. Vira-se para ela e tenta acertá-la, mas Débora vai se afastando. Os
socos de Bogotai pegam nas barracas e as desmontam e, quando não, apenas cortam
o ar. Ele tenta acertá-la de toda maneira, mas ela continua se afastando. Seus
socos em vão fazem um barulhão. Espertamente Débora abaixa o braço dele em um
dos golpes e consegue dar um soco na máscara seguido de outro, fazendo abrir a
fenda e aumentar a saída de fumaça.
Bogotai está alucinado de ódio.
Tenta acertá-la pela direita, ela se afasta. Pela esquerda, ela se abaixa.
Tenta com a direita novamente, mas ela bloqueia o braço dele, abaixa-o com uma
forte cotovelada, mete um soco na máscara com a esquerda e mais outro, de baixo
para cima, com a direita. Pedaços da máscara voam para cima e a fumaça que vem
de dentro aumenta. Desesperado, ele olha para Débora que, com toda sua força,
mete um chute no peito dele. Bogotai cai para trás, em cima de uma barraca,
desmontando-a por completo. Débora o chuta e ele rola de lado.
DÉBORA
Onde estão
as crianças?! Onde estão as crianças desaparecidas?! Você é oficial, sabe bem
onde elas estão! Onde estão?!
Débora dá outro chute em Bogotai,
que rola novamente e bate na parede com o rosto no chão.
DÉBORA
Onde elas
estão?!
Ela se abaixa e o vira, o rosto
para ela.
DÉBORA
Onde elas
estão???!!!
Outro soco na máscara e ela se
racha toda. A fumaça branca agora sai fracamente lá de dentro. Débora o agarra
pela veste e o encara bem de perto.
DÉBORA
Diga onde
elas estão, e talvez haja misericórdia para você.
CENA 6: INT.
PALÁCIO – CASA – SALA – DIA
Sísera, sentado em sua mesa, encara
o vazio à frente.
Eloá, levemente receosa, vem da
cozinha e se aproxima.
ELOÁ
Com
licença.
Ela coloca um prato e um copo
diante dele: pão de mel e leite.
ELOÁ
Senhor, nós
fizemos um incremento na receita do pão de mel.
Sísera mal presta atenção nela.
Apenas pega o pão e o morde. Mastiga... Come. É quando volta a si.
SÍSERA
Isso aqui
está muito bom! O pão de mel... está ainda melhor!
Eloá sorri aliviada.
SÍSERA
O que
fizeram de diferente?
ELOÁ
Incrementamos
cravo e canela.
Comendo
com satisfação, Sísera faz que sim e aprecia o sabor sem imaginar que foi dica
de sua maior inimiga, Débora.
CENA 7:
EXT. BETEL – PRAÇA – DIA
Agarrando Bogotai pela veste,
Débora continua a encará-lo bem de perto. A máscara, avariada, está totalmente
rachada e com uma fenda maior. Os olhos dele, apesar de fracos, rebatem o olhar
dela.
BOGOTAI
Eu matei
você... Como pôde voltar?
DÉBORA
Acha que a
sua mísera vontade poderia superar a vontade do Deus de Israel? Onde estão as
crianças?!
BOGOTAI
Então é
verdade... O Deus único... As histórias...
DÉBORA
É tudo
verdade.
Com dificuldade, ele leva uma mão à
mascara, mas Débora a afasta.
BOGOTAI
Eu conto
onde as crianças estão... Mas consertem minha máscara... e não me matem.
DÉBORA
Nunca mais
você a usará. Os curandeiros cuidarão para que você viva, mas nunca mais terá
um apoio como esse que teve até hoje.
Bogotai a encara por alguns
segundos... está fraco demais.
BOGOTAI
A
Fortaleza... é o lugar onde elas estão. (pequena pausa) É mais perto do
que Harosete.
Débora então se levanta e olha para
o povo, que está estupefato.
DÉBORA
Os homens
mais fortes... Por favor, venham para cuidarem dele. Deverão leva-lo durante
nossa ida à tal Fortaleza.
Os soldados mal sabem como reagir.
Débora, percebendo-os, dá alguns passos na direção deles e para.
DÉBORA
Fora.
Agora.
Olhando dela para Bogotai, derrotado
ali atrás, e de volta para ela, com olhar ameaçador, os soldados se entreolham
e resolvem sair dali. Antes, Débora intercepta um e toma sua espada.
Pouco depois, todos os soldados já
atravessaram o portão e sumiram lá fora. O povo comemora com gritos.
Lapidote e Tamar correm até Débora
e a abraçam! Abraçam-na forte e demoradamente! Nisso o povo começa a se
aproximar entusiasmado e a cerca-los. Elian, ainda abalado, apenas observa-os
de longe.
DÉBORA
(para o
povo ao redor) Não podemos perder tempo! (todos aquietam)
Precisamos reunir o povo para buscar e resgatar as crianças do lugar chamado
Fortaleza.
LAPIDOTE
Eu irei.
Vou ajudar a conduzi-las.
Débora sorri orgulhosa.
ISABEL
Prima!
Isabel a abraça, e Adélia e outras
pessoas também.
DÉBORA
Gente, meus
irmãos! Eu amaria abraçar cada um de vocês, mas por favor, vamos nos concentrar
nessa missão nobre que está em nossas mãos. Precisamos partir agora mesmo!
O povo entende e se afasta, cada um
se preparando para ajudar da forma que puder. Nisso, o espaço se abre e os
olhares de Débora e Elian se encontram. Apesar de metade da praça entre eles,
um olhar parece se conectar ao outro profundamente.
Débora
aguarda pra ver se ele reagirá... mas nada. Ela então vira e se junta ao povo.
CENA 8:
EXT. BETEL – ARREDORES – DIA
Vários cavalos, com 2 homens ou
mulheres em cada, estão preparados no lado de fora da cidade. Em um dos
primeiros está Bogotai, com as mãos amarradas e um curandeiro atrás lhe dando
cuidados. Seu cavalo é guiado, por meio de uma corda, pelo segundo homem de um
cavalo ao lado, comandado por outro homem. E, logo à frente de todos esses e
encabeçando a comitiva, está Pérola, com Débora guiando e Lapidote atrás.
DÉBORA
(NAR.)
Logo parte
do povo se reuniu e partiu nos cavalos dos hazoritas. Bogotai era quem ditava o
caminho.
Débora
dá o sinal e avança. Os dois cavalos por Bogotai seguem, ao que todos os outros
atrás também começam a cavalgada.
CENA 9:
INT. FORTALEZA – SALÃO – DIA
As crianças, sentadas à mesa à
espera da refeição, brincam umas com as outras de forma um tanto contida, quase
tristonhas.
Observando-as, Sama desabafa com
uma mulher ao seu lado.
SAMA
Julgadas
por um rei tirano. Condenadas por um Capitão que pensa ser Deus. (funga,
limpa os olhos) E assim morre a inocência... Enterra-se a flor da juventude
e seca-se um mar de sonhos. As pétalas da longínqua liberdade... são esmagadas
por um monstro.
O mesmo soldado de antes chega ali.
SOLDADO
Sirvam
esses imundos.
E sai.
Sama limpa suas lágrimas e olha
para as mulheres mais próximas da porta da cozinha.
SAMA
Tragam...
As
mulheres fazem sinal para as cozinheiras lá dentro, solicitando a comida.
CENA 10: EXT.
DESERTO – DIA
Débora e os hebreus cavalgam a toda
velocidade pelo vasto deserto. Lapidote, atrás dela, encara o horizonte à
frente com determinação.
Agoniado em seu cavalo, Bogotai
tenta tocar sua máscara com as mãos amarradas, mas o curandeiro atrás abaixa-as
e o impede.
A
cavalgada continua...
CENA 11:
INT. FORTALEZA – SALÃO – DIA
Algum tempo depois, toda a comida é
servida em todas as mesas diante de todas as crianças, que olham admiradas para
aquela quantidade de alimentos atraentes. Alguns fazem semblante de surpresa
para os colegas, e outros quase não aguentam esperar.
SAMA
Esperem.
Eles olham para ela.
SAMA
Antes de
comerem, orem comigo...
Uns poucos não conseguem disfarçar
o descontentamento, mas a maioria, muito obediente, faz que sim.
MENINA
Está bem,
senhora Sama.
MENINO
Eu sempre
oro com a minha mãe e com o meu pai antes de comermos à mesa.
Apesar das lágrimas que brotam
involuntariamente, Sama sorri... Um sorriso amargo.
Então todos ali se ajoelham.
SAMA
Senhor...
Nosso bom Deus... Criador dos Céus e da Terra... Nosso Papai do Céu...
Ajoelhamos diante da Sua santíssima presença para primeiramente agradecermos
pela vida... Para agradecermos também pela comida que está na mesa... (choro
aumenta) Que seja feita uma boa refeição... em paz... Que essas crianças
possam vencer essa da forma mais tranquila possível...
Algumas mulheres abrem os olhos e
olham com preocupação para Sama.
SAMA
A tentação
de nos revoltarmos é grande... Mas não permitiremos, Senhor, de forma alguma,
que os hazoritas abalem a nossa fé! O Senhor... O Senhor é o dono da vida e
regente de todos os caminhos! Doendo ou não... queremos que seja feita a Sua
vontade, nos Céus e na Terra!
Ela chora bastante...
SAMA
Pedimos
apenas que fique ao lado deles... nesse pouco de tempo. Ajude-os a passar... e
então... receba-os... de braços abertos. (pequena pausa) Amém.
TODOS
Amém.
As mulheres e as crianças abrem os
olhos e se levantam. Sama seca as lágrimas e se levanta por último.
MENINA
Por que a
senhora está chorando?
SAMA
É... É... É
o que acontece... quando falamos com o Senhor.
E
força um sorriso tranquilizante.
CENA 12:
EXT. DESERTO – DIA
Os
hebreus continuam avançando pelo deserto. Bogotai aponta a direção e eles a
tomam.
CENA 13:
EXT. FORTALEZA – SALÃO – DIA
As crianças, já sentadas, olham com
brilho nos olhos para a farta comida à sua frente. Sama, desesperada para adiar
a monstruosidade que se avizinha, tenta dizer algo.
SAMA
Ei... Eu...
Crianças!...
Elas todas olham para ela.
SAMA
Antes de
comerem... eu gostaria de dizer algo... a vocês todos.
Anda de um lado para o outro.
SAMA
Quero que
saibam... que eu amo vocês. Todas nós aqui amamos vocês. Todos... são
especiais. E muito valiosos. Nunca, nunca, nunca se esqueçam disso. E
também nunca se esqueçam do quanto vocês foram amados.
As crianças não entendem muito bem,
mas continuam a ouvi-las de forma quieta e comportada.
SAMA
E, quando
estiverem comendo, tentem... pensar em Deus. Nas moradas do nosso Senhor...
CENA 14:
EXT. DESERTO – DIA
A cavalgada é incansável, e corta o
deserto à velocidade máxima. As patas dos cavalos deixam uma gigantesca nuvem
de poeira para trás.
DÉBORA
Rápido!!!
Vamos!!! Avante!!!
CENA 15:
INT. FORTALEZA – SALÃO – DIA
O soldado de antes retorna ali e,
ao ver as crianças ainda sem comer, olha com indignação e raiva para Sama, mais
à frente que as outras.
SOLDADO
Por que
elas não comeram ainda?! Não permitimos que colocassem na comida?! Pois então é
pra comer! (vira-se para as crianças) Já! Agora!!!
Os pequenos se assustam.
SAMA
Eles já
vão, pode deixar.
Com raiva, o soldado sai. Só agora
as mulheres ao redor de Sama, diante do inevitável, desabam a chorar.
MENINO
Senhora
Sama, as senhoras estão chorando é porque os soldados não deixam as senhoras
comerem?
CENA 16:
EXT. FORTALEZA – ARREDORES – DIA
Débora finalmente avista a
Fortaleza e eles se aproximam naquela direção.
Os soldados que guardam a
edificação sacam suas espadas, se organizam e apontam as lâminas.
A comitiva hebreia para a uma
distância segura e Débora desce de Pérola.
DÉBORA
(para os
outros) Fiquem aqui.
Segurando
a espada na mão, Débora se aproxima dos soldados. Aquele que falou com Sama,
mais atrás, volta correndo para dentro da Fortaleza.
CENA 17:
INT. FORTALEZA – SALÃO – DIA
O soldado chega apontando a espada
para as crianças e passando por entre as mesas.
SOLDADO
Comendo!
Vamos, comendo, já! Todo mundo, todo mundo comendo! Vamos, vamos, vamos! Já,
agora! Comendo!
Diante
da ameaça, as crianças levam as mãos aos alimentos. Sama, desesperada, vira
para outra mulher e desaba a chorar em seu ombro.
CENA 18:
EXT. FORTALEZA – ARREDORES – DIA
Ainda segurando a espada, mas
abaixada, Débora encara os soldados, que lhe apontam suas espadas.
DÉBORA
Eu sou
Débora, de Efraim. Vim resgatar as crianças e leva-las de volta para casa.
SOLDADO 2
De jeito
nenhum.
DÉBORA
Uma de duas
coisas acontecerá aqui: farei com vocês o mesmo que fiz com todos os soldados
que enfrentei até hoje, inclusive com Bogotai,—
Eles semicerram os olhos e notam
que o homem em um dos cavalos à frente é Bogotai, com as mãos amarradas e a
máscara totalmente danificada.
DÉBORA
--ou vocês
todos sumirão daqui agora mesmo.
Os soldados, temerosos, se
entreolham... Não demora muito e as espadas se abaixam e eles começam a se
afastar.
Os segundos se passam e saem
soldados rendidos de lugares em que nem se imaginaria que eles poderiam estar.
“É a Débora” é um dos fragmentos de frases que se houve entre eles. O soldado
que obrigou as crianças passa perto de Débora, para e a olha. Segurando
firmemente sua espada, ela não reage, apenas o encara.
SOLDADO
Você
falhou, Débora. As crianças já estão comendo. Comida envenenada. A essa hora já
devem estar caindo duros no chão.
Débora
franze a testa e, receosa, passa esbarrando no soldado e corre para a entrada
da Fortaleza. O restante dos hebreus descem dos cavalos e a seguem. O soldado,
rindo, se junta aos companheiros desolados e vão embora.
CENA 19:
INT. FORTALEZA – SALÃO – DIA
Com a espada na mão, Débora invade
o salão e dá de cara com todas as crianças comendo tranquilamente. Mãos e bocas
cheias de comida.
As mulheres olham surpresas para
ela e os hebreus recém-chegados. Sama avista a prima.
SAMA
Débora?!...
Débora, no entanto, olha desolada
para as crianças. Aproxima-se correndo...
DÉBORA
Não, não,
não, não, não, não, não, não, não, não, não...
Ela para diante das mesas, sabe que
fracassou. Leva as mãos à cabeça... Em seu semblante desolado, IMAGEM CONGELA
CONTINUA...
FADE OUT:
No próximo capítulo: Em um ato
de extrema fé, Débora clama a Deus por um livramento. Hebreus de toda Israel se
maravilham com os últimos feitos de Débora e veem até Efraim para vê-la; alguns
a querem como juíza. Confusa e abalada, Débora se afasta e tem um encontro
extraordinário que mudará sua vida para sempre.
Obrigado pelo seu comentário!