Saudações, mancebos, sejam
todos bem-vindos ao Primeira Impressão de hoje!
E é com muita alegria que
lhes anuncio que meu julgamento, se é que posso assim chamar, diante do Alto
Conselho de meu povo finalmente chegou ao fim. Mas... só lhes conto no que deu
depois da crítica. Vamos lá!
E a crítica de hoje se trata
do primeiro conto de Contos Contemporâneos da
Violência Urbana, escrito por May Margret e exibido na WebTV. Confira a
sinopse da antologia:
“Crimes
no motel, na rua, em casa, em qualquer lugar. Bares sujos. Personagens brutos,
covardes ou guerreiros. Atos repugnantes. Cheiro de vulnerabilidade saindo das
entranhas da cidade. Quem, de fato, está livre da violência urbana? Essa já se
tornou parte do cenário das nossas cidades, e é tema dessa Antologia. Autores
exploram o lado mais sórdido do ser humano, seus medos, anseios e crimes. Do
mais torpe até os mais cruéis, sobrando, no final, a certeza da impunidade ou
da descrença na sociedade. Não espere um final feliz. A felicidade não habita
em lugares e mentes onde a violência fez seu lar, seja ela moral, física ou
psicológica”.
E a sinopse do conto:
“Ele é um maníaco estrangulador de prostitutas. Ela
uma policial em seu primeiro caso. Eles se encontram. Quem levará a melhor?”.
Um dos
temas mais abordados no gênero policial na história do Cinema e da TV é o
assassino em série, ou serial killer. Mas não foi nas obras
audiovisuais que tais monstros humanos viram a luz do dia no universo
ficcional. Dezenas de livros anteriores ao surgimento do Cinema como o
conhecemos já narravam histórias do tipo, e não é difícil constatar o sucesso
do tema, visto que até hoje temos filmes e séries contando essas histórias. Então,
depois de centenas de abordagens sobre esse mesmo assunto, precisamos mesmo de
uma nova história sobre isso?
De início
precisamos dizer que a história do conto – intitulado “Castigo” – , sobre um
assassino de garotas de programa e uma jovem policial em sua caça, não ousa
sair da estrutura clássica de obras do tipo: o mistério de uma série de
assassinatos com muito em comum, o assassino que passa despercebido aos olhos
da sociedade, a polícia cada vez mais perdida e a “heroína” que, no papel de
caçadora, se deixa vulnerabilizar e se aproxima demais de sua caça, o
verdadeiro predador nesse jogo de gato e rato. Mas, se essa história já é
especialidade do audiovisual, não podem também os contos serem ao menos
experientes? As obras escritas do Mundo Virtual? Então talvez a resposta para a
pergunta do final do parágrafo anterior seja outra pergunta: por que
não?!
“Por que
não?” deveria também ser um questionamento em relação à possibilidade de em qualquer
um que nos rodeia – de todos os lugares que frequentamos – habitar um monstro silencioso, uma força
maligna capaz dos mais sórdidos atos que um ser vivo dotado de consciência é
capaz de realizar. Ricardo, nosso maníaco, é um desses tipos admirados e bem-vistos
pelos amigos e vizinhança, distante de qualquer estereótipo ameaçador e acima
de qualquer suspeita. E é interessante notar como seu nome, Ricardo, é
mencionado pelo texto apenas uma única vez, lá no início. Talvez a intenção da
autora até não tenha sido essa, mas o efeito alcançado está em perfeita
harmonia com a ideia do monstro próximo a nós, pois a todo momento a narração
se refere a Ricardo por “ele”. Ele... E o leitor se sente desconfortável. Ele
pode ser seu pai, seu marido, seu tio, seu amigo... Quem é ele?
Como o
conto é naturalmente uma narrativa curta, é esperado que o desenvolvimento de
personagens não ocorra com a dimensão que pode ocorrer em um romance, por
exemplo. Mas não está e nunca esteve na natureza do conto a desculpa para que
os autores não cativem os leitores com seus personagens, e aqui a autora soube
fazer isso muito bem ao empregar as falas e opiniões dos mesmos em meio à
narração, dando mais personalidade aos mesmos e enriquecendo a narrativa como
um todo. Só às vezes que, por estar falando de mais de um personagem, fica um
pouco confuso saber de qual boca sai determinada fala.
Como era
de se esperar, a autora também investe na origem do mal, ou seja, em como
Ricardo se tornou ele. Em uma série, essa sequência seria um episódio do
terço final da temporada. E o excelente trecho descrito é pesado, impactante,
sujo e um tanto chocante, mas faz todo o sentido com a natureza maligna dessa
criatura que dia após dia se disfarça de cidadão comum. Porém, uma aparente
contradição ou uma evolução em oculto na saga dele tira um pouco do
brilho da história, pois logo após executar sua primeira vítima, Ricardo é
descrito como “quase feliz”. Mas, cronologicamente à frente, especificamente no
início do conto, com já pelo menos 5 vítimas em seu histórico, o texto o introduz
a nós dizendo que quando ele acabava o ato, se sentia horrorizado e até mesmo desesperado.
Se realmente trata-se de uma linha de progressão de Ricardo, cada vez mais
viciado em matar, mas, por outro lado, cada vez mais afetado pelos próprios
atos, faltou um pouco mais de clareza por parte do texto, e isso certamente teria
enriquecido ainda mais essa figura.
Para quem
não sabe ou não se lembra, séries antológicas, ou de antologia, são séries em
que a cada episódio ou temporada é contada uma história fechada, com começo,
meio e fim, e sem relação com as histórias dos episódios ou temporadas
seguintes, a não ser o tema. É o caso dessa produção, em que a cada conto uma
trama diferente é narrada, tendo todas elas em comum a violência urbana.
Portanto, para uma produção brasileira, é questionável a escolha de abrir a
antologia com uma história sobre um assassino em série, algo quase comum nos
Estados Unidos e enraizado na cultura pop através das obras daquele país. Nas
poucas vezes em que esses psicopatas agem no Brasil na vida real, são chamados
de maníacos, perdendo esse tratamento soft do Cinema e TV americanos.
Sim, é uma realidade, mas um pouco distante do dia a dia, do cotidiano.
A violência urbana é constante, mas, ao menos no Brasil, se apresenta de forma
mais expressiva nos assaltos a cada esquina, na presença de milícias em
bairros, nos sequestros, na violência policial, nos roubos de carros de
trabalhadores que só querem voltar em paz para suas casas, nas queimas de
arquivo, na ganância de políticos desviadores de verba, nos crimes de homofobia
e injúria racial, nos casos de violência doméstica... Claro que isso não cai nas
costas da autora dessa estreia, trata-se de um trabalho de curadoria, de
organização dos contos. Mas temos que tocar nesse ponto pois essa não se trata
de uma crítica do conto como peça isolada, mas de uma estreia de algo maior.
No mais,
o clima sufocante das metrópoles e de seus infinitos problemas contemporâneos de
violência é passado com maestria pelo texto, e se isso continuar nos contos
seguintes, teremos aí uma provável peça rara no Mundo Virtual. A vocês caberá
trilhar essa jornada e descobrirem o quanto disso é verdade, a mim caberá
seguir através de outras obras, deixando para trás essa excelente estreia. Pena
que, uma vez que eu esteja de volta à Terra e ao Brasil, a violência urbana
contemporânea nunca poderá ficar realmente para trás.
Antologia: Contos Contemporâneos da Violência Urbana
Autor: Vários
Autora do conto: May Margret
Contos: 24 (2 temporadas)
Emissora: WebTV
Clique aqui para ler o 1° conto
Bom,
agora finalmente posso lhes contar no que deu minha segunda e última audiência
com o Alto Conselho aqui de meu planeta. Depois de muito falatório, questionamentos,
respostas, réplicas, tréplicas, pouca água e muita fumaça dos cachimbos
Pewerrell fumados por aqueles soberbos, o Conselho chegou à seguinte conclusão:
meu trabalho aqui no programa, incluindo tudo o que lhes conto acerca de meu
passado nesse planeta ou na Terra, não afetam e nem comprometem a segurança de
meu povo. Pelo contrário, levo cultura e conhecimento a um povo que, dada suas
atuais condições político-econômicas, necessita exatamente disso. Sim,
mancebos, eles não só me inocentaram de todas as acusações como elogiaram
meu trabalho dominical.
Acham que
acabou? Rum, se assim fosse, eu já estaria nas nuvens. Acontece que um dos
Conselheiros, com o consentimento dos demais, encomendou de um ourives que ele
desenhe e construa sabem o quê?! O Troféu Galáxia! De ouro puro! Sim, muito
em breve pegarei novamente minha nave e retornarei à Terra, levando comigo os
troféus que serão entregues aos melhores criticados ao longo do programa. Os
vencedores terão a honra de segurarem um design e uma peça de ouro forjada a
100.000 anos-luz de distância.
Mas
enquanto isso não acontece, vamos ao momento de responder o autor da obra
criticada no programa anterior. Dessa vez é a autora Selma Dumont, que
respondeu a crítica de sua obra Ouro Blindado. Vejam:
Boa
noite, Selma. Bom, como não li e não leio os capítulos/episódios 02 e
seguintes, não posso dizer nada sobre, minha análise é estritamente sobre estreias,
apenas. Porém, mesmo quando você discorda sobre a estreia, não há problema
algum. O importante é todos termos oportunidade de falarmos e nos expressarmos.
Até gosto quando vocês replicam, como fez, pois o debate é uma das coisas mais
saudáveis e interessantes que há. Como disse lá mesmo, essa é a graça (e
beleza) da democracia. E tenho certeza de que está em constante evolução,
Selma, pois a diferença que vi entre a obra anterior e essa foi gigantesca.
Continue assim, e sou eu quem agradeço!
Queridos,
na seção de comentários do programa anterior também um mancebo se manifestou
elogiando meu trabalho e pedindo uma crítica para uma determinada obra escrita
por ele. Quanto à congratulação, eu agradeço, coerência é o que tento
usar em minhas análises sempre. Quanto ao pedido, poderei adicionar a webnovela
em minha lista devido à indisponibilidade de uma determinada obra que
originalmente estava listada. Portanto, a lista foi reorganizada. Estou dizendo
isso para que ninguém estranhe quando a webnovela solicitada por esse mancebo
aparecer aqui nos próximos programas, já que há alguns domingos eu disse que a
lista estava fechada até o final da edição 2020 do Primeira Impressão.
Mas por hoje
é isso, meus queridos mancebos. Depois dessa vitória aqui em meu planeta, é
hora de comemorar (semana que vem lhes conto como) e me preparar para retornar,
pois a viagem mui longa é. O que acharam da crítica de hoje? Digam nos
comentários. E a obra em questão, já leram? Digam tudo nos comentários. Caso
tenham perdido o programa anterior, basta clicarem aqui e lê-lo.
Tenham
uma excelente semana e até o próximo domingo!
Obrigado pelo seu comentário!